TOFFOLI E A PERPLEXIDADE PERANTE O ÓBVIO
 

Percival Puggina

 

Ao participar de um evento na Escola de Direito de São Paulo, da FGV, o ministro Dias Toffoli manifestou sua perplexidade ante a inexistência de qualquer projeto nacional nos debates que se travam no teatro da política brasileira. O ministro não vê projetos quando olha para a direita, nem quando olha para a esquerda. “Tem pessoas. Infelizmente continuamos tendo (só) pessoas”. Fico com pena da moçada da Escola de Direito de São Paulo. Trazerem o ministro só para conhecerem sua perplexidade diante de uma obviedade dessas deve ter sido frustrante.


O ministro, talvez por haver advogado para o PT em várias campanhas, acabou não prestando muita atenção ao modo como elas acontecem. Então vamos lá. As campanhas são pessoais, sim, ministro; o presidencialismo exige isso porque o eleitor não vota em algo, mas em alguém. Algumas propostas aparecem, em concepção marqueteira, para pano de fundo do candidato, e são formuladas como se todo o dinheiro do mundo estivesse à disposição do vitorioso.


O objetivo número um de qualquer campanha presidencial é apresentar bem o candidato. E o número dois é trucidar o adversário. Tudo bem pessoal, como se vê; quanto mais melhor. Os votos são concedidos na proporção direta do dinheiro de cada um e das respectivas capacidades de mentir de modo convincente.


Programas de governo são pauta em eleições no sistema parlamentarista, cujas campanhas eleitorais em torno deles se desenrolam.


Próxima lição, só pagando, ministro.
 

  • 23 Favereiro 2018

CHICANA


Editorial do Estadão


Por não terem fundamentos jurídicos sólidos para sustentar no Supremo Tribunal Federal (STF) a legalidade do pagamento do auxílio-moradia a toda a magistratura, no valor de R$ 4,3 mil mensais, juízes federais estão tentando impedir que a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, inclua na pauta de março o julgamento da Ação Originária 1.773, que questiona a constitucionalidade desse benefício. Originariamente, a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) previa a concessão do auxílio-moradia apenas nos casos em que os juízes têm de trabalhar durante algum tempo fora das cidades onde residem.

Contudo, por meio de interpretações extensivas dos tribunais, o alcance desse benefício foi sendo alargado de tal forma, que hoje é pago indistintamente a todos os juízes, inclusive aos que têm casa própria nas comarcas onde trabalham. Os juízes não negam que o auxílio-moradia é uma espécie de salário indireto, mas alegam que precisam ganhar bem porque não podem exercer outras funções nem ficar expostos às pressões daqueles que contrariam em suas sentenças.

É por causa da interpretação extensiva usada em larga escala pelos tribunais que as entidades da magistratura alegam que o pagamento do auxílio-moradia é “legal”. E a Ação Originária 1.773 questiona, justamente, essa pretensão de legalidade. Em 2012, o então relator do caso, ministro Ayres Britto, votou contra os interesses dessas entidades. Ao classificar como inconstitucional a extensão do auxílio-moradia a todos os juízes, ele pôs por terra o argumento da legalidade invocado pela corporação.

Mas, quando tudo indicava que o relatório de Ayres Britto seria aprovado, em 2014, o ministro Luiz Fux entrou com pedido de vista e concedeu duas liminares, determinando o pagamento do auxílio-moradia – a título de verba remuneratória, que não é levada em conta para cálculo do teto salarial do funcionalismo público – aos integrantes das Justiças Estadual, Federal, Trabalhista e Militar. Também reteve o processo em seu gabinete por três anos, liberando-o para julgamento, sem alarde, no final de 2017.

É justamente esse julgamento que juízes federais querem evitar que ocorra. O grupo imaginava que o atraso na devolução do processo, por parte de Fux, acabaria permitindo a criação de um fato consumado. Em outras palavras, pensavam que, com o engavetamento do processo, o pagamento do auxílio-moradia se tornaria irreversível. As críticas da opinião pública, contudo, mostraram que eles estavam equivocados. E agora, diante da probabilidade de vários ministros do STF acompanharem o voto de Ayres Britto, ameaçam apelar para estratégias protelatórias.

Uma dessas estratégias é alegar que o processo não estaria em condições de ser apreciado e julgado porque associações recreativas de juízes não teriam apresentado as razões finais após as manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). “Pedimos que a matéria seja retirada de pauta para que seja promovida a intimação para apresentarmos réplica à contestação e contrarrazões”, afirma a direção da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Segundo a entidade, “salvo melhor juízo” o Código de Processo Civil prevê essa manifestação. Outra estratégia é pedir a perda de objeto da ação, sob a alegação de que após as liminares concedidas por Fux o Conselho Nacional de Justiça baixou uma resolução regulamentando o tema. O mesmo foi feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público, sob a justificativa de assegurar “a simetria existente entre as carreiras jurídicas, estruturadas com um eminente nexo nacional”. A argumentação não tem lógica, pois, se o STF derrubar as liminares concedidas por Fux, as duas resoluções ficarão sem base legal que assegure sua eficácia.

Portanto, se adotar recursos protelatórios para tentar evitar um julgamento em que poderão sair derrotados, os clubes de juízes estarão apenas praticando chicana, recurso que põe em risco, assim, a credibilidade e a autoridade da Justiça.

 

  • 20 Favereiro 2018

A INTERVENÇÃO NO RIO É OUTRO SINTOMA. O MAL É A CADEIA PRODUTIVA DA INSEGURANÇA PÚBLICA. QUERIAM O QUÊ?


Percival Puggina

 A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, a primeira sob a égide da Constituição de 1988, é apenas mais um sintoma dos gravíssimos males que afetam a segurança e a ordem pública no Brasil. É sintoma, é ação necessária, mas não é, nem de longe, a solução. O verdadeiro mal, se quisermos lhe dar um nome, se chama “cadeia produtiva da insegurança pública”. Ela é imensa, extensa e vem sendo caprichosamente desenvolvida ao longo dos anos. É ela que precisa ser enfrentada em toda sua extensão.


 O Rio de Janeiro é a unidade da federação onde esse mal mais avançou. Em diferentes estágios, porém, ele está em curso em todo o território nacional. Refiro-me à revolução empreendida com as armas do crime organizado e do crime desorganizado, revolução que deles se vale para alcançar objetivos políticos. Queríamos o quê? Não se chega a essa situação sem muito investimento, sem muita dedicação ao projeto de enfraquecer a cultura da defesa da ordem e sem desarticular a cadeia produtiva da segurança pública. Não se chega ao arremedo de legislação, persecução e execução penal que temos sem muita doutrinação no ambiente acadêmico e, em especial, sem infiltração ideológica nos cursos de Direito.


Soltar bandidos com um sexto da pena cumprida? Semiaberto de brincadeirinha? ECA estimulando o recrutamento de crianças e adolescentes pelos bandidos? Presídios entregues às facções? Não se chega ao caos sem que a ideologia do caos alcance os parlamentos, o Poder Judiciário, o Ministério Público e o conjunto dos formadores de opinião, onde se multiplicam por osmose e em precavida posição remota os “auditores” da ação policial, as carpideiras de bandidos. O cidadão tem medo de sair de casa e os defensores da bandidagem proclamam que ... “Temos presos em excesso!”.


Que esperavam nossos legisladores, nossos políticos, nossos juristas? Imaginavam conter facínoras com pombas brancas, desarmando a população de bem, descuidando e maldizendo a atividade das instituições policiais, abandonando o sistema penitenciário à insuficiência, à ruína e à desgraça? Esperavam colher quais resultados, os que se dedicam a interditar a disciplina, a deformar consciências, a derrubar valores, a desconstituir a instituição familiar, a esmaecer a autoridade e a missão paterna, a amordaçar as igrejas?


A insegurança pública em nosso país, com todas as suas funestas consequências sociais e psicossociais é mais um sintoma do mesmo mal que se abate sobre a política e sobre a economia brasileira. O Brasil aceitou, por tempo excessivo, dormir com o inimigo. Na medida em que avançavam os números dos homicídios no Brasil, eu ia alertando em artigos, ao longo dos últimos anos, para o fato de que ainda era possível piorar. E a Venezuela era um exemplo disso.

 

  • 16 Favereiro 2018

Indispensável reflexão cívica, em tempos dúbios.


OS NECESSÁRIOS LIMITES DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA


Percival Puggina


 Imagine um indivíduo réu em sete processos. Já no primeiro deles, levado a julgamento, é condenado à pena de prisão em regime fechado. Recorre à segunda instância e tem a pena agravada pelos três desembargadores do caso. Mantê-lo em liberdade à luz do princípio da presunção de inocência é algo que vai contra toda lógica. Como é possível “presumir” a inocência desse sujeito sustentando que ela só cairá quando, no STF, se esgotarem todas as possibilidades de recurso?

Um abismo de tempo separa essa última instância do fato criminoso. E há quem creia, batendo pé no chão, que a mesma situação pode (e deve) se repetir sete vezes – ou até, biblicamente, setenta vezes sete vezes – se tantos forem os processos em que a inocência do tal cidadão estiver sendo objeto de presunção.

Não! Absurdos não são nem podem ser objeto de presunção. Afirmar de modo diverso não atende à mínima racionalidade. E não atende, tampouco, ao mais chucro ou ao mais refinado senso de justiça. No caso concreto, na estreita e estrita passarela dos fatos, justiça que não se concretize é injustiça materializada. O criminoso folgazão, empurrando processo adiante com o talão de cheques, defendido por advogados que recebem mesuras dos ministros do STF, escarnece de sua vítima e da sociedade.

A Justiça corre o risco de se tornar inequivocamente ridícula quando não há limites para a presunção de inocência.
 

  • 13 Favereiro 2018

E tem gente que não vê...

 

ROMBO NA PREVIDÊNCIA É SUFICIENTE PARA COMPRAR A PETROBRAS

Do Diário do Poder, Redação


Isolado, o déficit da Previdência já revela a fragilidade das contas públicas brasileiras. Quando comparado com o valor de uma empresa, o buraco fica ainda mais preocupante. No ano passado, o rombo previdenciário cresceu R$ 40 bilhões, alcançado R$ 268 bilhões, valor suficiente para comprar a Petrobras, uma das maiores companhias do Brasil.

“O buraco de um ano na Previdência equivale ao da Petrobras. O valor da empresa deve estar por aí, se não for mais baixo do que isso”, disse o secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, durante debate promovido nesta quinta (8) pela TV Estadão. Neste dia, o valor da petroleira na Bolsa era de R$ 258 bilhões.
 

  • 09 Favereiro 2018

 

O MINISTÉRIO DA FILHA DE ROBERTO JEFFERSON

Percival Puggina


É prazeroso ouvi-lo falar. Roberto Jefferson, o simpático delator do mensalão, tem todos os recursos de um grande orador, mas isso não é um salvo-conduto. Cumpriu cinco mandatos de deputado federal pelo PTB até ser cassado e condenado a 7 anos e 14 dias de prisão que cumpriu parcialmente em regimes semiaberto e aberto até ser indultado em 2015. Retomada a liberdade, voltou à presidência do PTB, posição desde a qual passou a pressionar para que a filha assumisse o ministério do Trabalho. O resto você sabe. O passado recente da deputada Cristiane é tão incompatível com essa missão quanto seria o de alguém condenado por racismo para ocupar o ministério dos Direitos Humanos.

 

 No entanto, o PTB tem uma bancada significativa na base do governo, que precisa de seus votos e não pode colocar a relação em risco. Não é hora de “discutir a relação”. Em contrapartida, o impasse em nada ajuda a já difícil relação do governo com a sociedade. Está muito certo quem reclama da conduta do governo, da conduta do PTB e das sempre inadequadas atitudes da postulante ao gabinete ministerial.

 

 Outro problema, porém, está passando batido nessa história. Refiro-me ao fato que viabiliza esse tipo de situação. O caso de Cristiane, de rolo em rolo, é apenas mais um dentre incontáveis casos em que elevados postos do governo e da administração direta e indireta são confiados a pessoas inadequadas, para cumprirem missões desastradas, desastrosas ou, mesmo, criminosas. E isso é viabilizado e estimulado pelo sistema político que torna o governante refém da maioria parlamentar que tem os bônus do poder sem as necessárias responsabilidades com o governo e perante o governo.

 

 Em vão se reclama do cardápio se a receita não for trocada.

  • 06 Favereiro 2018