• Percival Puggina
  • 21/10/2024
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Empurrar a História para o lado errado e na hora errada.

 

Percival Puggina

          Mencionei em artigo anterior que meus colegas de esquerda nos anos 60 eram leitores ávidos de autores como Michel Foucault, Herbert Marcuse e Theodor Adorno. A iletrada juventude de esquerda radical, hoje militante no ambiente acadêmico, político e jurídico brasileiro, está chegando onde meus colegas agora octogenários haviam chegado em suas leituras dos anos 60. Como nada leram, surgem com esse enorme atraso querendo “empurrar a História” para o lado errado e fora de hora.

Em condições normais, o intelecto humano funciona movido pela curiosidade, com o objetivo de saber; funciona para resolver algo, espantar uma dúvida ou corrigir um erro. As perguntas que faço aos herdeiros de ideias antigas e sabidamente funestas: como vocês fazem para não saber o que aconteceu de lá para cá? Que espécie de conhecimento é esse, no qual as ideias se desconectam de suas aplicações ao mundo dos fatos e, portanto, da História?

Três anos antes do Maio de 1968 (rebelião iniciada pelos estudantes franceses na Universidade de Paris), o filósofo Herbert Marcuse escreveu um pequeno ensaio com o título “Tolerância Repressiva” (aqui). Em resumo, ele sustenta que a tolerância, como objetivo, exige intolerância. Diz assim o pensador alemão:

“Essa tolerância indiscriminada é justificada em debates inofensivos, em conversas, em discussões acadêmicas; é indispensável na empresa científica, na religião privada. Mas a sociedade não pode ser indiscriminatória onde a pacificação da existência, onde a sua liberdade e felicidade estão em jogo: aqui, certas coisas não podem ser ditas, certas ideias não podem ser expressas, certas orientações políticas não podem ser sugeridas, certos comportamentos não podem ser permitidos sem fazer da tolerância um instrumento para a manutenção da submissão abjeta”.

Um pouco adiante, Marcuse afirma: “Mais ainda, em intermináveis debates nos meios de comunicação, a opinião estúpida é tratada com o mesmo respeito que a inteligente, o mal informado pode falar tanto quanto o desinformado, a propaganda cavalga a par da educação, e a verdade, a par da falsidade”.

Na perspectiva de Marcuse, era indispensável à sociedade reprimir as ideias do sistema que ele considerava opressivo e favorecer as “progressistas”, que seriam efetiva e finalmente libertadoras... A leitura desse seu ensaio sobre a tolerância repressiva se revela útil para entender o processo em curso em nosso país, quando se observa a repressão às ideias conservadoras e os crescentes privilégios concedidos ao pensamento revolucionário e a seus protagonistas.

Vem daí, por exemplo, o empenho em controlar e o efetivo controle das redes sociais onde se fez óbvia a hegemonia dos conservadores. Vem daí o “politicamente correto” e o domínio da linguagem, como se observa na imposição da ideologia de gênero e na recentíssima adoção de “parturiente” em substituição a palavra “mãe”. Vem daí a recepção de calouros numa universidade por veteranos nus sendo acolhida como performance adequada; e vem daí, em viés oposto, a ação do MPPE contra alunos, de outra instituição, que rezam no intervalo entre aulas. Vem daí a construção acadêmica de narrativas para desconectar as ideias políticas do estrago que produziram na História. Vem daí o combate às escolas cívico-militares, a acepção de princípios e valores morais do pensamento conservador como discursos de ódio e a adoção generalizada das políticas de cancelamento de toda divergência e de todo divergente do pensamento esquerdista. Vem daí Lula presidente da República.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.