Percival Puggina

21/11/2023

 

 

Percival Puggina

             É desfaçatez dizer "súbita" morte tão anunciada!

Nenhum cartaz com seu nome foi levantado. Nenhuma ONG das muitas que zelam por direitos humanos dos bandidos de verdade registrou num pedaço de papel sua morte sob cuidados do Estado. Os Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos cuidavam de se livrar de visitantes incômodos.

Silêncio de velório. Fui atrás das notícias nos mais destacados veículos do jornalismo brasileiro. Parecia-me ler vários exemplares de uma mesma edição do Granma. Textos muito parecidos, absolutamente acríticos, cuidando de descrever os crimes pelos quais respondia e a atenção recebida pelo preso a partir de seu “mal súbito”.

A matéria publicada pelo UOL destaca-se pelo fastio de noticiar algo tão irrelevante. Começa assim: “Um homem preso por atos golpistas morreu hoje”. O nome do morto ficou para depois. Metrópoles partiu para a gozação informando, como se o morto estivesse em férias, que “Patriota” (assim, entre aspas) morreu durante banho de sol na Papuda...

No mais, são todos iguais, Globo, CNN, R7, Estadão, Folha: fato, cuidados recebidos, comunicações feitas, informações solicitadas. No final, acrescentaram, acriticamente, que “em setembro, a PGR se manifestou pela liberdade do detento, mas o pedido não chegou a ser examinado pelo ministro Alexandre de Moraes do STF”. Ponto. Ponto?

Sim, silêncio de velório. Velório do jornalismo companheiro ou medroso. Velório da Justiça, da comiseração para com um preso imunodepressivo, em péssimas condições, e dezenas de atendimentos médicos ao longo do ano. Não fosse Cleriston um preso político, ainda não condenado, estaria em casa ou no hospital que é o destino para onde o levaria um mínimo senso de humanidade. Mas mesmo esse mínimo só pode conceder quem tem.

Não fosse Cleriston um preso político, a mídia estaria gritando contra a brutalidade de alguém. Toda aquela sensibilidade das organizações voltadas para proteger direitos humanos dos companheiros estaria berrando em megafones. Nessas horas, porém, o despertador do seu mecanismo entra em modo “soneca”. Somente a oposição e o jornalismo discriminado, mas independente – exatamente como em Cuba – atribui ao acontecido a dimensão que de fato tem.

A Carta Capital destacou a ordem do ministro Alexandre de Moraes para que o presídio da Papuda encaminhe, com urgência, informações, prontuários médicos e relatório sobre o acontecido. Mesma urgência, aliás, não concedida ao apelo do réu e à recomendação da própria PGR ao ministro para que Cleriston, em vista de sua condição, fosse posto em liberdade com tornozeleira e requisitos de praxe. Quantos mais precisarão morrer para que as preocupações multitudinárias do ministro lhe permitam ver seus réus como pessoas concretas, titulares de alguns direitos mínimos, como o direito à vida?

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

20/11/2023

 

 

Percival Puggina

         Foi um excelente negócio! Lula era uma espécie de parâmetro para os governistas (kirchneristas) e para os oposicionistas. Os primeiros viam em Lula a mão amiga e o apoio necessário (com o nosso dinheiro); os oposicionistas viam em Lula o fantasma da mesma governança incompetente que assolava a Argentina. Felizmente, para a maioria, Milei pareceu mais promissor do que um governo com aplauso e apoio de alguém como Lula. 

Era nítido que muitos eleitores rejeitavam Milei pelo seu modo de ser. E isso faz pensar naqueles que devolveram o poder a Lula (que loucura!) por não gostarem “do jeito de Bolsonaro”! Talvez por isso elegeram um presidente que aprecia a intimidade dos gabinetes, do avião e das comitivas companheiras. Não põe o pé na calçada. 

Em que pese certa sintonia, Milei e Bolsonaro são bem diferentes, como tem sido dito. Um faz lembrar o outro por algo em que ambos são muito eficientes: a capacidade de se comunicar com a população. O brasileiro com sua metralhadora virtual para combater o crime e o argentino com sua motosserra para cortar o gasto público. E vai parando por aí porque Milei é bem mais liberal do que Bolsonaro e este é infinitamente mais conservador do que aquele.

Não podemos esquecer o efeito que o modelo institucional exerce sobre as eleições. O presidencialismo é, cada vez mais um plebiscito entre esquerda e direita. Vence quem fizer mais votos pessoais entre 36 milhões de votantes na Argentina e 150 milhões no Brasil. É muito voto!  Esse “plebiscito” se trava em sociedades cada vez mais sequeladas pelos efeitos da Guerra Cultural e nem os Estados Unidos escapam de tal condição. Como consequência, a capacidade de comunicação e o modo como os candidatos lidam com as percepções e sentimentos da população são mais decisivos do que as propostas de governo.

Em 2018, sem dinheiro nem tempo de TV, Bolsonaro derrotou o poder hegemônico e paga caro por esse pecado imperdoável.  Milei usou de seus talentos, venceu bem a eleição e certamente enfrentará dificuldades análogas. Bolsonaro não era liberal, mas tinha Paulo Guedes, seu “Posto Ipiranga”. Pôs ordem na casa, mas Lula, antes da posse, já tinha prontos dezenas de projetos para destruir tudo. Veremos como os outros poderes da Argentina, viciados no estatismo, se relacionarão com a motosserra de Milei.

A Ciência Política tem soluções para algumas dessas deformidades institucionais comuns à América Ibérica, embora não para os problemas educacionais e culturais de suas sociedades. Contudo, a Ciência Política não é a Política. Menos ainda a política com “p” minúsculo como eu a deveria ter escrito.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

   

Percival Puggina

19/11/2023

 

Percival Puggina

         Rejeito os brasileiros que desprezam seu país. Talvez esse sentimento avulte em mim por ser conservador ou por ter bebido água limpa nas fontes em que me abasteci, ou ainda por ter convivido sempre com pessoas que amam o Brasil e não pisoteiam nem queimam nossa bandeira. O identitarismo sempre me pareceu vigarice ideológica pensada para dividir a sociedade num fracionamento que consome a nação. Por igual motivo, sou contra os separatismos. Sobre eles, certa ocasião, ouvi de meu mestre, o constitucionalista Prof. César Saldanha Souza Júnior: “É só o que falta para essa geração infiel: acabar com o Brasil.”

Não obstante, vejo atividades corrosivas sendo conduzidas no mar da Cultura, aquele onde navega ou perde o navio da Política segundo a imagem de Olavo de Carvalho.  

Assim como o Hamas se infiltrou nas comunidades palestinas e nela se desenvolveu como um câncer terrorista, assim também os agentes da guerra cultural se infiltraram organicamente na sociedade brasileira. Controlam os meios culturais cujo declínio é evidente. Meus anos de vida me coagiram a testemunhar o consequente suplício da bondade, da beleza, da justiça e da verdade. Vi número crescente de brasileiros se tornar vítima passiva de uma intolerante guerra movida contra seus princípios e seus valores, mutilando sua esperança. Assisti muitos atos acadêmicos de formatura e o que vejo é cada vez mais desolador.

A ignorância produzida, infiltrada nos espaços que deveriam difundir o conhecimento, derruba as projeções do crescimento econômico. A maior riqueza de um país é seu povo, como nos ensinam os coreanos do sul. Em 1980, o PIB per capita da Coreia do Sul era igual ao do Brasil; passadas quatro décadas, esse valor é 3,5 vezes superior ao nosso. E a Coreia não achou petróleo, nem ouro, nem descobriu novas fronteiras agrícolas. Os coreanos usaram a Educação para o bem dos coreanos e o país enriqueceu!

Estas considerações que já se alongam me veem do vaidoso anúncio feito pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, falando ao jornal Metrópoles: “Estamos muito confiantes de que é um ministério que veio para ficar. Tanto que a gente fala que o nosso ministério é considerado o ministério internacional por toda a amplitude e por todo esse trabalho que os povos indígenas fazem, não só para nós, mas para o Brasil e para o mundo”.

Segundo ela, seu ministério trabalha com organizações não governamentais (ONGs), tem audiências com embaixadas, cumpre missões internacionais. Tal movimentação levou o senador Márcio Bittar, relator da CPI das ONGs, a apresentar requerimento para ouvi-la sobre lobby que teria feito para atrair pressões externas sobre a questão do marco temporal.

Surge então a interrogação: e se o empenho para revogação do marco temporal for uma ação infiltrada, induzida, a serviço da internacionalização da Amazônia, tão desejada por diversos governos e organizações ambientalistas? Um ministério como o dos povos indígenas deveria ter entre suas prioridades a Amazônia Brasileira sob absoluta soberania nacional.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

16/11/2023

 

Percival Puggina

         Ministros do STF gostam de se apresentar como membros do poder mais zeloso pelo bem do país e pela democracia. No entanto, abriram a torneira dos recursos públicos para o financiamento das campanhas eleitorais e partidos floresceram no deserto das ideias. No entanto, também, impediram a aplicação da cláusula de barreira quando ia começar a valer na eleição de 2006. 

Pela confluência desses dois vetores, o Congresso Nacional tem, hoje, 22 bancadas! Pode parecer inusitada a relação de causa e efeito, mas é também por eles que a sociedade custeia, hoje, quatro dezenas de ministérios! Atraídos por cargos, verbas públicas e espaços de poder, partidos sem rosto e com nomes impróprios se transformaram em estabelecimentos dedicados ao business da corretagem do apoio político-parlamentar ao governo.

Foi grotesco, foi indecoroso, mas todos pudemos assistir à forma como em poucas semanas, uma “consistente maioria” conservadora, ou liberal, ou de direita, ou de centro direita, eleita e proclamada como tal em 2022, bandeou-se de mala e cuia, como dizemos aqui no Rio Grande do Sul, para o calor e o sabor do assado governista, onde toda a picanha é consumida ali mesmo, na beira do fogo, se me faço entender.

Recentemente e em boa hora, foi criado um site que cidadãos de bem e os eleitores com cotidiana repulsa ao noticiário nacional deveriam manter registrado entre os favoritos no seu computador ou em lugar de fácil acesso de seu celular. Anote aí:

https://placarcongresso.com/pages/partidos.html

Essa verdadeira preciosidade presta serviço valioso à memória e à informação dos eleitores. Contém, por parlamentar, por partido e por estado da Federação, dados de assiduidade ao plenário e de votos concedidos ao governo e à oposição nas deliberações da Câmara dos Deputados.

O site é de muito fácil manuseio e consulta. Com dados de 83 deliberações em que o governo indicou à sua base orientação favorável ou desfavorável, esse site permite identificar a posição governista ou oposicionista de cada deputado. A partir desses registros, observa-se que dos 22 partidos, apenas dois: PL e Novo, foram decididamente oposicionistas! Todos os outros 20 deram mais votos ao governo do que à oposição. Entre os 513 deputados, não chegou a uma centena o número dos que votaram contra o governo em mais da metade dos projetos nos quais este indicava sua posição. Por fim, descobre-se que apenas as representações de três estados – Santa Catarina, Mato Grosso e Roraima – foram oposicionistas.

Maus políticos e maus partidos têm grande estima por eleitores desinformados e omissos. Prestigiam a ignorância e precisam da mediocridade.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

15/11/2023

 

Percival Puggina

         Que não se pode esperar de Lula apreço à verdade e raciocínio lógico é coisa sabida. Faltam-lhe sapatos para seguir esse caminho. A exemplo de todo radical, o que ele entende por lógica é um pensamento custodiado pelo interesse político. Se necessário, deixa de lado os fatos e a verdade adaptando-os às próprias conveniências. Por isso, conforme o público que tenha diante de si, Lula adota com naturalidade discursos divergentes ou mesmo contraditórios.

Ao receber os brasileiros que quiseram sair de Gaza, ele disse:

“Eu já vi muita violência, mas eu nunca vi uma violência tão brutal, tão desumana, contra inocentes. Se o Hamas fez o que fez, Israel comete o mesmo terrorismo. Crianças e mulheres não estão em guerra. Completa destruição de tudo com uma simples bomba, sem ninguém assumir responsabilidade. Que vocês tenham algum dia a liberdade de reconstruir seu país, como os judeus tiveram”.

Logo depois, afirmou nunca ter sabido de uma guerra em que crianças fossem as “vítimas preferenciais”. Tal afirmação constitui falsa denúncia! “Sem apresentar provas”, como dizem a Globo, a CNN e tantos outros veículos de igual calibre quando contrariados, pretende atribuir um ânimo infanticida à reação de Israel ao ataque do Hamas. A leviana acusação serve tão bem aos atuais interesses políticos do grupo terrorista que poderia ter sido proferida em árabe.

Na frase acima transcrita, Lula faz uma cortesia adicional ao Hamas, colocando o ato terrorista inicial do conflito no condicional: “se o Hamas fez o que fez” ... Esperteza demais é burrice e se revela quando ele alerta para o fato de que “crianças e mulheres não estão em guerra”, como se alguém não soubesse que a guerra começou exatamente porque o Hamas a iniciou atacando jovens civis numa festa rave e chacinando crianças, mulheres e homens em assentamentos civis nas proximidades de Gaza. Note-se: foram os alvos não apenas preferenciais, mas as exclusivas vítimas daquelas ações.

Já afirmei antes, repito: o Hamas colocou em risco a população civil palestina ao se valer dela como escudo humano. O Hamas sequestrou centenas de judeus e já havia sequestrado a inteira população de Gaza. Age como o criminoso que se protege covardemente com o corpo da vítima que capturou, instalando-se em prédios habitados pela população civil, escolas e hospitais, servindo-se até de ambulâncias para se evadir entre feridos da área de conflito! O que nunca se viu, Lula, é um país em guerra ocultar suas instalações militares, seus arsenais e suas tropas em meio à população civil que lhe caberia proteger.

Lula pode querer arrastar o Brasil ao esgoto da geopolítica mundial. Mas a pátria – a pátria de Bonifácio, Pedro II, Isabel, Caxias, Rio Branco, Mauá, Silveira Martins, Nabuco, Ruy e tantos outros que a história crítica esquerdista trata de esconder – não irá!

Esse governo, ao mesmo tempo que constrange, torna a virtude da esperança absolutamente indispensável.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

13/11/2023

 

 

Percival Puggina       

        Há uma grande diferença entre o antagonismo ideológico norte-americano e o brasileiro. Lá, os dois partidos que competem pelo poder estão organicamente estruturados na sociedade, seja em militância, seja em fontes de custeio. As posições de ambos são consistentes e bem conhecidas do eleitorado. No Brasil, todos os partidos vivem do Estado, ou seja, do dinheiro público e muitos têm uma espécie de dono que os conduz para onde indica a cobiça.

Nosso sistema eleitoral para os parlamentos afasta o eleito do eleitor e até o voto dado a alguém que não se elegeu migra desse candidato para a legenda e serve para eleger outra pessoa. É ótimo para gerar desconexão e descompromisso dos candidatos com seus eleitores, mas é péssimo para o espelhamento da vontade dos cidadãos, inerente às democracias representativas. Nossa cultura política soma omissão, desatenção e esquecimento. A imensa maioria dos eleitores não acompanha a vida pública.

Como consequência, fica liberado o mercado para que os partidos se agreguem ou desagreguem, ou se desfigurem por interesses regionais, cargos nas funções de governo e de administração, emendas pix ou alguma vantagem qualquer. Ficamos sabendo disso, pouco a pouco, pelo noticiário cotidiano, logo após a eleição do ano passado.

Vergonha e frustração! O maior bloco político do país, conhecido como centrão, vende apoio a quem controla a tesouraria. Essa enorme bancada negocia anonimamente. Seus parlamentares não fornecem recibo ou nota fiscal, evitam o voto nominal e, a cada quatro anos, frustram a esperança de dezenas de milhões de cidadãos.

Há que reconhecer as condutas dos que a tanto resistem. Refiro-me aos principais partidos de esquerda; seus programas são ruins para o país, mas seus congressistas lhes são fiéis. E me refiro aos congressistas de direita que, apesar dos vícios do sistema e do mau exemplo dos partidos, correspondem ao que deles esperavam seus eleitores. Deus seja louvado por ainda existirem, na política brasileira, homens e mulheres como vocês. Em todo país, ao assistir sua atividade, milhões de cidadãos dos mais diferentes estados proclamam a expressão que os consagra: “Esse me representa!”.

Talvez chegue o dia em que também os partidos pelo lado direito do arco ideológico se tornarão orgânicos na sociedade, conhecidos e reconhecidos por suas posições liberais ou conservadoras. Essa condição é indispensável para que o país promova as reformas institucionais necessárias, volte ao caminho da democracia representativa emergindo destes tempos de tirania, submissão, vergonha e frustração.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

12/11/2023

 

Percival Puggina

         Imagine um círculo quadrado. Não conseguiu? Tente uma mistura homogênea de água e azeite. Nada? Quem sabe, então, o velho Karl Marx desfiando o terço, piedosamente, numa procissão de Corpus Christi? Difícil, não é mesmo?

Existem, de fato, coisas inconcebíveis. Uma delas é ser cristão e comunista. É perfeitamente possível ser cristão, é perfeitamente possível ser marxista ou comunista, mas resulta impraticável assumir, ao mesmo tempo, as duas condições. Cristãos-comunistas são um sincretismo tentado por Teilhard de Chardin, que dizia adorar “em espírito e verdade o Deus para cima dos cristãos e o Deus para frente dos marxistas”, como se os Evangelhos fossem uma espécie de minuta do Manifesto Comunista, transformado em Pentecostes tardio. E o Espírito Santo foi pegar logo um ateu para completar a Revelação... Querer o comunismo e não dar esse nome ao que querem – tipo utopia ou socialismo – tampouco resolve essa encrenca.

Não deixa de ser sintomático que tal mancebia espiritual acabe sendo assumida, sempre, por alguns cristãos e jamais pelos marxistas. Em vez de estes encontrarem Cristo, são aqueles que se deixam seduzir por Marx, numa espécie de perversão da conversão, ou, para dizer como os psicólogos, padecendo de uma síndrome de personalidade dissociativa (dupla personalidade). Roger Garaudy, marxista, foi muito claro e honesto quanto a isso ao proclamar “Non possumus”, ou seja, “não podemos” conciliar nossas esperanças.

Ademais, não faz sentido aos cristãos se enfeitarem com o adjetivo marxista ou abraçarem o comunismo quando o próprio Cristo e seus seguidores são rejeitados como ópio do povo pelos discípulos do velho Karl. Se não por coerência, ao menos por dignidade e respeito a tantos mártires, essa conjugação absurda deveria ser refugada pelos cristãos.

A obra de Marx é um conjunto unitário que engloba uma política, uma economia, uma antropologia e uma sociologia, num encarte filosófico totalmente divergente do Cristianismo e que hoje domina o pensamento acadêmico. Assim, por exemplo, o materialismo dialético, que leva ao materialismo científico, é a base dogmática irrecusável do marxismo. Pode o cristão, à luz de sua fé, aceitar o materialismo dialético: “tudo é matéria, a matéria é eterna e não criada, a consciência é o grau superior da matéria”? Pode um cristão inteligente aceitar o materialismo histórico, dito científico, que na verdade é apenas ideológico, antimetafísico e enganoso, quando resultaram em equívoco todas as previsões feitas a partir dele?

A mística marxista afronta o cristão. Assim, a “salvação” é a construção da sociedade sem classes; o “pecado original” é a propriedade; a “Igreja” é o partido. Parece-lhe pouco? Pois existem outras diferenças radicais entre a caridade cristã e a praxis marxista, entre a ética cristã e a justificação dos meios pelos fins (defendida por Lênin em Les taches des unions de la jeunesse), sem esquecer o abismo que separa os respectivos conceitos sobre trabalho, propriedade, luta de classes, liberdade e justiça. Basta?

Apequenam sua fé os cristãos que se socorrem de Marx. Ou vestiram pele de cordeiro.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

09/11/2023

 

Percival Puggina

        No ano que vem, quando você estiver pagando mais impostos e seu dinheiro acabando ainda mais cedo no final do mês, os preços subindo mais rapidamente e o desemprego voltando a crescer, lembre-se destes dias! Lembre-se de que fora alguns privilegiados que terão sido contemplados com as “exceções” e as “isenções” de praxe, o Senado aprovou uma Reforma Tributária que aumenta impostos para engrossar o caldo dos recursos destinados às facilidades e desperdícios do setor público.

Os votos que proporcionaram ao governo este novo saque aos frutos de seu trabalho, ao produto do suor de seu rosto, leitor, foram obtidos mediante pagamento. O preço da infidelidade foi um miserável prato de lentilha. Assim como Jacó comprou de Esaú a primogenitura por um prato de lentilhas, senadores vendem a honraria inerente à representação dos eleitores de seus estados por uma diretoria de empresa estatal, pela presidência de uma sinecura qualquer, pela liberação de emendas pix, por uma conversa ao pé do ouvido.

Saiba, porém, que a lustrosa experiência desses representantes infiéis assegura a eles que na próxima semana poucos ainda lembrarão desta deliberação e, menos ainda, de quem votou como e por quais razões. No próximo pleito, dentro de três anos, as decisões de voto da imensa maioria dos eleitores serão tomadas ao sabor das emoções do momento. Apenas uns poucos chatos, nas redes sociais, com o mau hábito de apontar relações de causa e efeito, estarão lembrando dos dias em que o Senado aprovou a Reforma Tributária para infortúnio de dezenas de milhões e para bem de uns poucos privilegiados.

O Estado brasileiro, mau servidor, jamais corta em si mesmo! Estes 10 meses do governo Lula valem por uma aula dessa matéria. Durante todo esse tempo, em vez de governar, o governo exercitou seu principal talento: buscar novas fontes de custeio, como se houvesse outra que não fosse o bolso dos cidadãos.

Vale a comparação. Enquanto uma empresa, para aumentar seu faturamento e rentabilidade, busca mercados e inova sua linha de produtos, o “mercado” do Estado é o cidadão que trabalha e o ganho que ele obtém com isso. Enquanto a empresa reduz custos, o Estado eleva os seus. Nada simboliza isso tão bem quanto a já longa história das viagens de Lula. Elas me fazem lembrar uma frase que ouvi de alguém após uma reunião de presidentes de vários partidos: “Quanto menos relevante a tribo, mais enfeitado o cacique”.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

08/11/2023

 

Percival Puggina

        Desde que caiu em mãos petistas em 2003, o ENEM virou um Cavalo de Troia do tipo que chega relinchando, fazendo sujeira no calçamento, recheado de invasores, braços para fora, acenando bandeiras vermelhas. Foi pensado, originalmente, com o intuito de avaliar a aprendizagem dos alunos de ensino médio, no entanto, uma vez confiado ao PT, virou componente de relevo na máquina totalitária que o partido montou no MEC.

Entende-se. Para Paulo Freire, patrono da educação brasileira, educar é um ato político e as provas do ENEM deste ano mostram – como bem sublinhou Alexandre Garcia em recente artigo – que professores formados com as bênçãos desse patrono já não conseguem elaborar uma prova em linguagem compreensível. A educação brasileira é uma tragédia que vai vitimando sucessivas gerações.

O ENEM não é apenas uma fonte de colossais trapalhadas, como as que se repetem este ano. É parte, também, de um projeto de hegemonia em implantação há várias décadas e que se realiza induzindo currículos, ordenando pautas, impondo o vocabulário do partido e ideologizando exames, provas e concursos públicos. As cartilhas, os livros distribuídos às escolas, os muitos programas nacionais voltados ao famigerado "politicamente correto" estão alinhados com a mesma estratégia.

Imagine o contexto: de um lado, uma prova que habilita os bem colocados, num sistema de cotas e notas, a ingressar na universidade; de outro, um inteiro temário de questões onde as pautas políticas e o vocabulário do partido aparecem como textos de motivação, objetos de interpretação, ou respostas a serem assinaladas como corretas. Não raro são introduzidas questões controversas, mas os alunos já sabem como pensam os professores... Se estudantes cubanos, venezuelanos ou nicaraguenses fossem submetidos a algum certame nacional, ele certamente seria assim.

O Cavalo de Troia tem o poder de agir nacionalmente e de influenciar a quase totalidade dos estabelecimentos de ensino médio do país, mobilizando quatro milhões de estudantes por edição. O atrativo que oferece e a pressão de demanda que determina, leva as escolas a condicionarem seus conteúdos às pautas do ENEM. Desse modo, a burocracia do MEC dá o tom que devem entoar as salas de aula do país.

Depois – imenso paradoxo! – essa militância de esquerda agarrada ao MEC como carrapato ideológico impõe regras a todos agita suas bandeirinhas vermelhas em defesa da liberdade de cátedra e da autonomia do professor... Dá-me forças, Senhor!

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.