Percival Puggina

06/12/2023

 

 

Percival Puggina

         Nosso sistema eleitoral proporcional afasta o eleito do eleitor e até o voto dado a alguém que não se elegeu migra desse candidato para sua legenda, onde outra pessoa o aproveita... É ótimo para gerar desconexão e descompromisso dos candidatos com seus eleitores, mas é péssimo para o espelhamento da vontade dos cidadãos, inerente às democracias representativas. Nossa cultura política soma omissão, desatenção e esquecimento. Como consequência, a imensa maioria não acompanha a vida pública.

Com exceções sempre raras, os políticos não têm interesse em mudar esse sistema feito por encomenda para lhes proporcionar total liberdade. Um congressista pode votar contra o interesse dos cidadãos em temas como liberdade de expressão, propriedade, tributos, tamanho do Estado, porque tem certeza de que esse fato não chega ao conhecimento de quem nele votou.

Conscientes disso, os partidos de esquerda tratam de se tornar orgânicos estruturando-se na sociedade através de inúmeros movimentos. Esses organismos, denominados “coletivos”, são mobilizados em torno de pautas que reativam a luta de classes para suposto benefício de grupos “minoritários”, “oprimidos” ou “excluídos” que buscam representar. Todos reagem ao comando partidário nos temas de interesse de cada um ou da sigla. Basta ao comando assobiar para que um enxame de entidades interessadas em “empoderamento” proclame manifestos e dispare seus mecanismos de comunicação. A velha e marxista luta de classes se reconstitui, assim, através de minorias com contas a receber e maiorias com contas a pagar.

Surge, assim, o problema: como aglutinar nessa dialética o topo da cadeia alimentar, os esquerdistas de 1ª classe que se refugiam em condomínios de luxo, que rodam de SUV, que têm senha para as salas VIP e cujos filhos estudam nos melhores colégios?  No discurso que vale para todos os demais, esses companheiros são o “incluído” padrão, são o “opressor” padrão. O que fazer com eles? Suponho ter sido dessa constatação que surgiu a franquia “Para a Democracia”. Ela inclui, por exemplo, Juízes para a Democracia, Ministério Público para a Democracia, Artistas para a Democracia e, mais recentemente, Mães e pais para a Democracia, que sempre aparecem para defender a militância política de esquerda nas salas de aula onde estudam os filhos dos outros.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

04/12/2023

 

Percival Puggina

 

         Como era e se esperar, as escolas cívico-militares estão sendo atacadas por várias frentes. Sou inteiramente a favor delas! E não é por serem “cívicas”, nem por serem “militares”. Eu as quero em todo o país, no maior número possível, simplesmente porque funcionam muito melhor do que as outras. E os motivos são óbvios.

A educação brasileira é um fiasco! E uma tragédia social. Entre os 65 países avaliados pelo PISA ficamos na posição 54. E não é diferente no levantamento mais amplo do World Population Review (posição 90º entre 185 países) ou nas análises da OCDE. Nem nas tantas avaliações internas, como as do Ideb, do Enade ou no que se percebe nas provas do ENEM. Ainda temos 10 milhões de analfabetos e quase 30% de analfabetos funcionais com severas dificuldades para entender o que leem ou perante qualquer problema matemático que vá além das quatro operações.

O incrível disso é não se perceber reação dos setores envolvidos na operação do sistema. As reclamações surgem das famílias, de instituições privadas, de algumas ONGs e até dos setores de recursos humanos de corporações empresariais que informam ser o Brasil um dos países onde é mais difícil contratar profissionais qualificados.

Por quê? Pergunte isso a Paulo Freire e aos pedagogos paulofreireanos! No entanto, faça a pergunta ciente de que vão enrolar na resposta porque apresentarão o responsável bem distante, fora da cadeia produtiva da Educação. Será o capitalismo, será o mercado e será o Governo, sempre que o governo não for petista.

O problema, no entanto, é político e ideológico. Ressalvadas as exceções, as salas de aula foram invadidas por professores que não ensinam e estudantes que não estudam. “Passam” de ano mesmo que não tenham aprendido coisa alguma porque o objetivo do sistema é preparar militantes motivados para combater qualquer coisa que não tenha sido canonizada pela esquerda.

Um sistema assim só pode dar às Escolas Cívico-Militares o mesmo tiro na nuca que dão no homeschooling e em qualquer iniciativa que lhe suprima uma vítima sequer.

Em resumo: contra as Escolas Cívico-Militares operam os defensores das Escolas Político-Ideológicas, moldadas pela pedagogia paulofreireana. Essa pedagogia está alinhada com os objetivos políticos, a visão de mundo, o marxismo e as referências políticas que Paulo Freire encontrou entre os grandes ditadores comunistas de seu tempo e é, hoje, abraçada por seus continuadores.

Cabe às comunidades proteger sua juventude dos fazedores de cabeças e promover uma educação que cultive hábitos de estudo e favoreça o desenvolvimento de talentos.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

03/12/2023

 

Percival Puggina

         A vida me permitiu que um dia, no ano de 2001, eu fosse a Cuba ver de perto aquilo que era vendido no mercado brasileiro como evidência do sucesso social, político e econômico do comunismo. Antes de viajar, devorei vários livros proporcionados pelo amigo Flávio Del Mese, publicados nos primeiros anos da ditadura Castro, e pesquisei imagens, entre as quais essa clássica em que Fidel declara aos miseráveis cubanos: “Vamos bien!”. Ao voltar e relatar o que observei, as pessoas me pediam que reproduzisse em livro aquelas observações.

Para fazê-lo, retornei à ilha em 2002. Minha inexperiência em lidar com as restrições impostas por uma ditadura comunista fizeram com que ficasse exposto à observação do sistema de inteligência do estado cubano. Eu fizera contato telefônico com líderes dissidentes que estavam grampeados e, depois, os contatara pessoalmente. Eu conto tudo isso no livro “A tragédia da Utopia”. O ponto a que quero chegar é o seguinte: nessas viagens e na que fiz em 2011, quando entrava no avião para retornar ao Brasil, experimentava gratificante sentimento de alívio: “Felizmente, volto a meu país, onde as coisas não são assim!”.

Pois agora, também aqui, as coisas são assim! Já temos um presidente que se diz comunista e é parceiro de seus ditadores. No Congresso Nacional, uma centena de bravos enfrenta quinhentos deputados e senadores que querem viver de “bolsa governista”. Uma Suprema Corte política, onde ministros usam amplamente o vocabulário de um dos lados em antagonismo e se comprazem em relatar seus sucessos nesse campo. Já temos todo o ambiente cultural tomado e expelindo o contraditório. A cadeia produtiva da educação está aparelhada, o jornalismo foi amestrado e quem se recusou, expurgado.  As instituições religiosas estão infiltradas. Há censura, repressão, exílio e até poucos dias tínhamos mais presos políticos do que Cuba. Se incluir os de tornozeleira, há muito mais desses infelizes aqui do que lá. As plataformas de redes sociais estão garroteadas por monocrática determinação do ministro da Justiça que disse:

Esse tempo da autorregulação, da ausência da regulação, da liberdade de expressão como valor absoluto, que é uma fraude, que é uma falcatrua, esse tempo acabou no Brasil, tenham clareza definitiva disso. (...) Os senhores e as senhoras viveram o processo eleitoral de 2022 no Brasil. Adotem isso como referência. É o que nós faremos com os senhores.”

A palavra ídiche “pogrom”, nascida na perseguição aos judeus russos no final do século XIX e estendida ao acossamento de grupos sociais inteiros, é agora perfeitamente aplicável ao que acontece com a direita no Brasil! Ela é acusada de todos os males por defender a liberdade e os valores de grande estima na cultura ocidental. Quem a ataca, estranhamente diz combater o discurso de ódio mostrando os dentes, se declara contramajoritário dependendo de quem ganha a eleição, é imoderado e cobra moderação, ouve Lula falar e não percebe as fissuras se abrindo rancorosas na sociedade.

As liberdades são malvistas, o direito à propriedade privada é relativizado; o direito de herança é exorcizado; o Estado cresce e encarece; a dívida pública é culpa de quem empresta e não de quem gasta mais do que arrecada, pede emprestado e não pode pagar; a sociedade empobrece, a economia patina e a indústria perde competitividade. Enquanto isso, o governo itinerante, vagando de um para outro entre os mais luxuosos hotéis internacionais, quer financiar os camaradas de sua pátria grande. Comunismo é assim, testemunho de vida... Me poupem!

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

01/12/2023

 

Percival Puggina

         Já ouvi muito disso, da boca de políticos. Alguns o fazem pela própria natureza, porque são assim, escorregadios em relação à verdade. Seu discurso é, sempre, uma tentativa de impor a versão ou narrativa que lhes convém. Não leram Shoppenhauer, não sabem quem eram os sofistas, mas são intuitivos em convencer os outros independentemente dos desvios por onde andem os argumentos.

Os últimos dias, porém, trouxeram alguns exemplos estridentes de um tipo de discurso que, no uso da liberdade de opinião e, por apreço à verdade, me permito apontar.

Todos acompanharam o episódio que deixou um cadáver na história das ações penais referentes aos acontecimentos do dia 8 de janeiro. No dia seguinte ao óbito, o ministro presidente do STF abriu a sessão lendo uma declaração em que, após lamentar a morte e solidarizar-se com a família de Cleriston Pereira da Cunha, disse:

“As estatísticas revelam que morrem quatro pessoas por dia em presídios brasileiros, em geral de causas naturais que, todavia, podem ser agravadas por condições carcerárias. Aliás, para enfrentar tais condições o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o estado de coisas no sistema carcerário e a elaboração de plano para melhoria de suas condições (sic). Registro que não é o Judiciário que administra o sistema penitenciário” (íntegra aqui).

O ministro fez aí cinco afirmações, todas verdadeiras, mas nenhuma, nem todas juntas, respondem à questão que continuará perturbando o sentimento nacional sobre as decisões e condutas em relação àqueles réus. A imensa maioria deles era formada por cidadãos sem antecedentes criminais, com emprego e endereço conhecido, incluindo pessoas idosas, doentes, mães com filhos pequenos. Não bastasse isso, fortes indicações de estarem respondendo processo no “endereço errado”. Por que Cleriston não obteve autorização para ir para casa, mesmo com documentação médica e pedido da PGR? Essa pergunta parece irrespondível.

Nem Beto Simonetti, presidente da OAB, consegue preservar o silencioso consentimento que vinha conferindo aos excessos em curso e exclamou em Belo Horizonte, na Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, que a independência do Poder Judiciário não pode “camuflar o abuso de autoridade”. E acrescentou: “A supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa é inaceitável” (aqui).

Nesse mesmo evento, o ministro presidente do STF, ouviu a contundente fala do presidente da OAB de Minas Gerais (aqui) que atribuiu ao STF um vasto catálogo de excessos praticados nos últimos anos. Ao falar (aqui), Barroso reiterou a habitual autolouvação que acompanha os relatos dos membros da Corte. O vocabulário usado, a expressão “populismo autoritário”, a acusação de “aparelhamento do Estado” (feita sem apresentar provas, como diriam os amestrados da Globo) adotadas como ponto de partida para as subsequentes execrações, devolveu o sorriso aos “progressistas” do auditório. Exaltou a função contramajoritária do STF como sendo essencial à democracia durante o quadriênio anterior. Contudo, essa função, ao que se vem notando, foi desativada em 1º de janeiro deste ano.

Novamente, em momento algum, o presidente do Supremo respondeu as recorrentes críticas que tão bem revelam a inquietude nacional. E são elas as que mais importam para dezenas de milhões de brasileiros. Em questões de tal gravidade, dar por respondido sem responder, criando um silêncio recheado de palavras pinçadas em vocabulário político com identidade conhecida, não faz bem ao país.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

29/11/2023

 

 

Percival Puggina

         Com a indicação de Flávio Dino, Lula mostra como o amor torna tudo mais lindo. Onde iria ele encontrar alguém mais simbólico da vitória do amor? Cuidadosamente, escolheu uma pessoa aplaudida por sua cordialidade e afabilidade, que muito contribuirá para amansar a conduta ouriçada de alguns senhores ministros... Ao mesmo tempo em que exibe à nação seu sólido compromisso com nossa liberdade de expressão, realiza o sonho de seu saudoso camarada Luís Carlos Prestes, que sempre quis ter um líder comunista raiz sentado no STF.

Os adversários que os comunistas mais combatem em suas dezenas de experiências mundo afora ao longo de 106 anos não são indivíduos, não são pessoas concretas com nome e sobrenome. Um Estado que adote o comunismo precisa eliminar ou silenciar grupos sociais inteiros. A força do Estado só eventualmente age contra “alguém”, pois seu alcance precisa ser “multitudinário”, para usar a palavra da moda após as prisões e julgamentos em massa referentes aos eventos de 8 de janeiro. Então, para o governo, é bom colocar no Supremo um jurista com essa visão pragmática de como a banda deve tocar.

Quero sublinhar três problemas que antevejo como decorrentes da indicação. O primeiro se refere ao ciúme que Flávio Dino vai suscitar. Como reagirá o ministro Alexandre de Moraes quando perceber que mão visivelmente mais pesada que a sua chega à Casa com ganas de provar serviço? Quem vai mostrar mais os dentes?

O segundo, diz respeito aos cidadãos bem-aventurados que têm “fome e sede de justiça” e consciência da importância dos tribunais superiores. Nestes muitos, se consolida a ideia de que não serão saciados por quem tem fome e sede de poder.

O terceiro diz respeito aos milhões que a elite política governante e sua torcida organizada gostariam de ver surdos e mudos, ou idiotizados no sofá da sala, assistindo à Globo. Digo isso porque não será fácil convencer o Senado que o ministro Flávio Dino é tão manso e pacífico quanto ele se revelará nas audiências com senadores e na sabatina final. Pode ser difícil aprová-lo e tudo que é difícil para o governo no Congresso custa caro para a sociedade. É nosso dinheiro ganhando asas e tomando rumo que gera as maiorias conseguidas pelo governo no parlamento. E não vejo motivos para que seja diferente no caso de Flávio Dino.

Isso é firmeza de caráter. A maioria móvel, hoje base do governo, tem seu padrão de conduta e não abre mão. Aliás, é sobre isso que escrevi desde que sentei para desabafar neste texto, usando sarcasmos e ironias para ser menos depressivo.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

27/11/2023

 

 

Percival Puggina

O governo Lula passou a régua no estrago e chegou à conclusão de que o prejuízo ficou maior em R$ 177 bilhões. Note-se que esse rombo partiu de um superavit de R$ 60 bilhões no exercício anterior. Que falta faz um Paulo Guedes!

Como também era de se prever, há déficit entre as empresas estatais. O ano fecha com um buraco de R$ 6 bilhões, somadas as empresas Dataprev, Eletronuclear, Emgeprom e Correios.  As estatais, sejam federais, estaduais ou municipais são reverenciadas e estimadas pelos esquerdistas que mantêm, com elas, um amor eterno enquanto dura. A relação só é discutida quando seus fundos de pensão são investidos com o mesmo desmazelo com que seus companheiros tocam o país.

Durante os anteriores governos petistas, os fundos de pensão das estatais foram usados para apoiar projetos das empresas beneficiadas por dinheiro barato porque escaladas pelo governo para desempenhar o papel de “campeãs nacionais”. Nas últimas páginas do livro de narrativas para boi dormir em que essa estória é contada, ficou o prejuízo para os servidores que pagam a conta com aportes adicionais.

O problema dos fundos de pensão, apesar dos seus muitos dígitos, resulta pequeno diante do rombo maior ocorrido naquele período como consequência dos feitos investigados no “Mensalão” e na “Lava Jato”, hoje jogada no cadafalso do opróbrio por ter proporcionado à nação o encontro da Esperança com a Decência.

A corrupção motivou a Lei das Estatais (2016) e, nela, aos preceitos que visavam impor condições positivas e negativas rigorosas aos ocupantes de cargos de direção e de conselho dessas empresas. As condições positivas diziam respeito à experiência e à competência dos indicados; as condições negativas exigiam um afastamento de 36 meses de funções político-partidárias para quem fosse indicado a cargo de administrador de empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como conselhos da administração.

O resultado pôde ser lido em eficiência, decência e lucratividade. Acabaram os prejuízos, os escândalos e as estatais passaram a dar lucro. Bom demais para durar. Quando tudo ia bem, a estação foi fechada e um viaduto judicial desviou a esperança por cima e para um lado, enquanto a decência cruzou por baixo, levada para outro lado. Bye bye!

O Supremo, no próximo dia 6 retoma o julgamento da constitucionalidade das referidas exigências derrubadas pelo ex-ministro Lewandowski em decisão monocrática. Se valer a experiência, o viaduto continuará operando.

Imagine o que estaria sendo dito se esses fatos tivessem ocorrido entre 2019 e 2022...

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

26/11/2023

 

Percival Puggina

         Sublinho aqui dois dos vários tipos de pessoas que estão, sempre, querendo nos enganar. O contingente mais numeroso é o dos estelionatários que, por mil artimanhas, procuram iludir pessoas ingênuas com o intuito de estender a mão grande sobre seus bens materiais.  Esses proliferaram no ritmo em que evoluíram os meios tecnológicos de comunicação, aumentando a vulnerabilidade de seus usuários. Menos numeroso, mas ainda mais nocivo, é o grupo dos indivíduos intelectualmente desonestos, que se julga capaz de convencer os demais que o erro é um acerto, que o mal é um bem e que a verdade se expressa através de uma mentira. Você pode imaginar que esta pessoa não lhe está tomando valor algum, mas é exatamente isso que ela está fazendo ao afetar o apreço da sociedade a tudo que realmente tem valor e não é corroído pela ferrugem do tempo.

Apontar em alguém a desonestidade intelectual pressupõe identificar nele a existência de um intelecto usado sem senso moral, para fazer valer suas ideias e consolidar seu poder sobre todos a partir de suas vítimas diretas.

Os espaços de poder são objetivos constantes dessa guerra suja empreendida por indivíduos intelectualmente desonestos. É assustador observá-los e verificar o êxito de sua retórica ambivalente e dos malabarismos que usam para convencer os outros.

Assim como falsários e arrombadores de antigamente tinham à disposição um conjunto de instrumentos de trabalho, os estelionatários de hoje têm sua maleta de truques para iludir os ingênuos que encontram. O intelectual desonesto, por sua vez, se vale das habilidades proporcionadas pelo conhecimento.

Essas pessoas são a versão moderna dos sofistas gregos cujo objetivo era argumentar de modo exitoso durante um contraditório, sem qualquer preocupação com a verdade conhecida. Górgias foi o principal e mais bem sucedido desses mestres. Niilista e relativista, era reverenciado pelo domínio da oratória e dos truques de uma retórica despida de princípios morais.

Para ele, “A arte da persuasão ultrapassa todas as outras, e é de muito a melhor, pois ela faz de todas as coisas suas escravas por submissão espontânea e não por violência”. Seus alunos deram-se muito bem nos espaços de poder de seu tempo, remuneravam-no de modo abundante a ponto de ele poder encomendar – segundo se diz – uma estátua de ouro de si mesmo.

Seus discípulos estão entre nós e talvez nem saibam que o são, pois absorveram de outras fontes as qualidades e os vícios que o caracterizavam.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

Percival Puggina

24/11/2023

 

Percival Puggina

         A súbita mudança de conduta do senador Rodrigo Pacheco dava razões para ser vista como jogada ensaiada tipo “Faz de conta aí que eu faço de conta aqui”. Nessa perspectiva tudo fica mais compreensível, embora censuráveis as posições morais. O senador perdeu a esperança de uma cadeira no STF; Davi Alcolumbre quer tomar-lhe a cadeira de presidente do Senado em 2025; o governo de Minas Gerais é uma possibilidade remota se ele continuar surdo aos anseios da cidadania e inerte ante os excessos de um Supremo que perdeu a noção de limites. As opiniões sobre ele nas redes sociais certamente não o envaidecem.

Já para o Supremo, o que importa é que tudo fique como está e nenhum membro da confraria seja incomodado na estabilidade de seu poder e de seu cotidiano. Então, fica mais claro: 1) o Congresso aprova a PEC que restringe as decisões monocráticas, exigindo voto majoritário para sustar decisões e atos dos outros poderes; 2) o STF, em decisão que será amplamente majoritária (se não unânime), declara inconstitucional a emenda à Constituição aprovada pelo Congresso e pronto. Volta a reinar a paz nos cemitérios da soberania popular, embora seja muito estranho tomar do Congresso seu poder constituinte derivado da própria Constituição.

Se essa previsão estiver certa, o errado no processo é o ministro Gilmar Mendes, que, a pedido de Roberto Barroso, fez um discurso na abertura da sessão do Pleno para o qual o decano calçou chuteira e saiu dando canelada: “PEC proposta por pigmeus morais”, “O STF não é composto por covardes”. “O STF não aceita intimidações”, “O STF está pronto para enfrentar investidas desmedidas e inconstitucionais”. Até a pandemia, a cloroquina e a República de Curitiba entraram no seu arsenal retórico...

Pessoalmente, não me parece que o quadro seja de jogada ensaiada. Penso que estamos diante de uma crise real e inédita na história da República, tão habituada a impasses institucionais entre governo e parlamento. Desta feita, a crise se desenha entre o parlamento e o STF. É queda de braço. Rodrigo Pacheco já anunciou que vai indicar relator para outra PEC, a que limita em 15 anos o tempo do mandato dos ministros e fixa idade mínima de 50 anos para posse no cargo. Muito razoável, aliás.

Os constituintes criaram um sistema de freios e contrapesos em que os primeiros sempre estão emperrados e os segundos desbalanceados. A tais dificuldades acrescentou-se, no curso deste século, a composição politicamente alinhada e indisfarçável animosidade do STF em relação à opção política de dezenas de milhões de brasileiros. Às evidências e aos atos falhos precedentes, somam-se, agora, as afirmações ouvidas por jornalistas sobre os últimos incidentes e que não foram desmentidas. A frase “Acabou a lua de mel com o governo”, a palavra “traição” e a cabeça do senador Jaques Wagner estão na história destes dias. 

Por maior que seja minha decepção com o atual Congresso, ela ainda é menor do que minha rejeição aos excessos, injustiças, discursos de ódio e exuberante protagonismo político assumido pelo STF nos últimos seis anos.

A estrutura institucional brasileira é uma geringonça que só nos leva a impasses e instabilidades políticas. Há quem faça delas muito bom proveito e, por isso, não se pensa em mudar. Mas saibam: são um urubu no nosso telhado.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

22/11/2023

 

Percival Puggina

         Você quer ouvir alguém satisfeito com o desempenho do Supremo Tribunal Federal? Fale com um ministro do Supremo Tribunal Federal. Em suas muitas conferências e entrevistas, são recorrentes os elogios em boca própria, atitude nada recomendável segundo preceitos civilizados. Autocrítica é ato virtuoso e autolouvor, seu avesso.

Não é à toa que essas orientações se estabelecem. Quem está sob a lupa da opinião pública está também, nas sociedades democráticas, sujeito às divergências inerentes a essa condição. A tais pessoas, a própria democracia exige capacidade de reflexão diante da crítica ou da civilizada discordância alheia. O contraditório está em toda parte e muito especialmente na política, entre eleitos e eleitores, entre os poderes de estado, notadamente entre os poderes políticos. Ele é inerente, também, ao processo judicial.

O STF, como se tem visto e seus ministros reconhecem, é um poder que cumpre papel político – a juízo de muitos (eu entre eles), excessivamente político – alcançando níveis de protagonismo e direção de cena...Também no teatro da política aplausos não se pedem e unanimidades são burrices.

Segundo o ministro Luiz Roberto Barroso, quem diverge do STF fica exposto às ruinosas classificações de antidemocrata ou de desapreço à Constituição. Mas essa ideia é um bumerangue. Vai porque foi dita e retorna a quem disse, porque democracia não é um lugar da concordância nem lhe são úteis os “concordinos”. Quanto ao apreço à Constituição, eu e muitos desgostávamos de vários de seus preceitos, mas hoje nos basta que a cumpram.

Os senhores ministros dão por inexistentes percepções que são comuns entre indivíduos na sociedade. As restrições à liberdade de opinião é uma delas. Dezenas de milhões de brasileiros, apesar da garantia constitucional, a sentem restrita por ameaças e evidentes atos de censura. A imprensa amiga pouco divulga a esse respeito, mas as pessoas veem, as pessoas sabem. Os senhores ministros devem considerar irrelevante, também, a origem partidária e política do ato que lhes conferiu a poltrona que ocupam no colegiado. São sete de indicação petista entre 11, e outros dois – Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes – no curso dos acontecimentos, juntaram-se à maioria. Descrevo o fato; negá-lo é viver no mundo de Alice! Essa maioria no plenário do STF é sólida, coesa e o acúmulo de críticas a consolidou ainda mais.

Perante a opinião pública, o alinhamento ideológico entre o STF e o novo governo se expressa por palavras, obras, atos falhos e pela ojeriza ao governo anterior e à atual oposição. Ministros adotam os adjetivos com que a esquerda qualifica a direita do espectro político e manifestam sua animosidade. São louvados pelo mesmo jornalismo que combate adversários à direita, apoia o tratamento cruel dispensado aos réus do dia 8 de janeiro e silencia ante os inquéritos sem jeito e sem fim.

As palavras do presidente do STF refletem a grande satisfação da Corte consigo mesma. Ótimo. O senador Randolfe Rodrigues, líder do governo, também está muito satisfeito. Aliás, quem apoia o governo está satisfeito com o combo STF/TSE.

Que se declarem satisfeitos os que se bastam. Nós, conservadores e liberais, não estamos satisfeitos, também por isso.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.