Percival Puggina
Os animais que divertem as crianças num zoológico são os mesmos que a imaginação infantil, na escuridão da noite, transforma em monstros assustadores. Elas se acalmam quando a luz do quarto é acesa porque, como disse alguém, só a luz vence as trevas.
É sob o domínio do medo que povos vivem sua hora mais escura. Medo que a luz do dia não afasta. Ao contrário, esclarece melhor suas causas e seus efeitos. Onde mais evidente a tirania, onde mais sombria a noite dos tempos, mais binário, recíproco, é o medo, mais necessários se fazem e mais reduzidos ficam, em número, os homens virtuosos.
Fidel Castro, por exemplo, tinha um sósia – Silvino Alvarez – que desfilava de carro pelas ruas de Havana simulando popularidade enquanto, na prática, a semelhança era seu meio de vida, ou de morte. Um alvo de aluguel, abanando sorridente. Embora Ponto Zero fosse sua moradia oficial, o tirano tinha vários domicílios na cidade. Usava uma escolta de 14 guarda-costas em quatro viaturas e nunca se sentiu seguro, mesmo tendo se livrado dos três ex-comandantes da revolução que o superavam em popularidade. Ainda em 1959, Camilo Cienfuegos morreu num misterioso “acidente” aéreo e Huber Matos. por ser anticomunista, foi condenado a 30 anos de prisão integralmente cumpridos. A revolução tinha apenas sete anos quando Che Guevara foi enviado à Bolívia para uma missão abortada, na qual o executaram.
Da tirania à paranoia é um passo de dedo. A autoestima narcisista, que chega a autoadoração e se protege com violência, sabe que, de modo simétrico, cresce a repulsa social. Vem daí a rejeição à mínima divergência, o delírio persecutório e as teorias ou narrativas sobre conspirações que ensejam penas brutais. Mussolini, Hitler, Mao, Saddam, a coreana dinastia Kim e tantos outros unem-se pelas mesmas características.
Na Rússia Soviética, com Lênin e Stalin, sempre havia muitos a prender e executar. Afora os milhões de mortos por etnia errada, profissão errada, crença errada, visão de mundo errada e opinião errada, também os grevistas, críticos e adversários eram submetidos a julgamentos fajutos, enfiados em balsas com pedras no pescoço e jogados no rio Volga.
Tiranias não moderam a si mesmas. Sua dinâmica é bem outra. Mantendo-se pelo medo que suscitam, é natural que, na mesma proporção, cresça o medo da reação da sociedade. O medo de uma parte faz crescer o medo da outra e vice-versa. A insegurança se torna condição comum e franquia instalada a todos os excessos e abusos.
De quanto pude puxar da memória não lembrei de qualquer caso em que uma tirania tenha se deixado extinguir. Elas só se encerram por causas externas ou por falência estrutural dos sistemas que as sustentam.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.