Percival Puggina

06/09/2024

 

Percival Puggina

Tá lá o corpo estendido no chão.

Em vez de rosto, uma foto de um gol.

Em vez de reza, uma praga de alguém.

E um silêncio servindo de amém.

(João Bosco)

         Os versos de João Bosco cruzam minha mente com frequência nestes últimos anos. Leio a manchete do dia e a canção me ressoa, triste. Há algo morrendo em nosso país, não é pouca coisa e não, não vou falar dos cada vez mais improváveis e difíceis gols de um futebol que perde qualidade. Afinal, a qualidade, como tudo mais, está indo embora assim que pode.

 

Outro dia, escrevi sobre a necessária aprovação da anistia para os presos e condenados pelos atos do dia 8 de janeiro de 2023. Houve dois tipos de objeção: uns consideraram a anistia injusta porque deixaria impunes demasias e injustiças praticadas contra os réus; outros consideraram inconveniente a impunidade dos crimes de grave lesão ao patrimônio público que todos presenciamos. São confusões que se explicam com a autópsia destes exóticos tempos políticos. A democracia exige o olhar zeloso do cidadão sobre as ações do Estado. Se essa atitude ainda exibisse sinais vitais, todos perceberiam que anistia é um instrumento da Política e não da Justiça. Se ficarmos discutindo Justiça com os justiceiros de qualquer banda, jamais haveria anistia e as crises se perpetuariam. Já contamos dezenas delas em nossa litigiosa vida republicana!

“Pode a Justiça atender à conveniência política e abrir mão de sua obrigação de punir?”. Se essa pergunta está sendo formulada pelo leitor eu sugiro que saia das narrativas e leia os fatos dos últimos anos. Por outro lado, o bem comum, o bem de todos – a que se acrescem os bens naturais, materiais, culturais, institucionais e civilizacionais de uma nação – cria a proximidade e o necessário diálogo entre o Direito e a Política.

O histórico do recente caso das determinações e sanções por descumprimento impostos à plataforma X, proibindo-a no país, faz pensar. É no exercício desse direito que pondero notável desproporção entre o fato gerador da sanção (o descumprimento de uma ordem judicial) e a consequência que deixou mais de 20 milhões de cidadãos, empresas e serviços públicos sem acesso aos serviços prestados, também, pela Starlink.

Que digam os juristas: não há limite no plano das consequências? Afinal, a plataforma é fonte de serviços e fonte primária mundial de notícias, onde os fatos chegam pela palavra de seus agentes – chefes de Estado, o Papa, governantes, pessoas de ciência e saber, comunicadores e, até mesmo, ministros do STF. E se fosse abastecimento de água ou energia, ou bens essenciais ao consumo? Qual a essencialidade do direito à informação?

Não terá chegado a hora de olhar para quanto já tombou e está lá, estendido no chão, como parte do conjunto de bens que já tivemos e estamos perdendo sem entender bem por quê?

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

          

Percival Puggina

31/08/2024

 

Percival Puggina

         O Foro de São Paulo nasceu como “coletivo” de políticos e organizações partidárias de extrema esquerda cujo objetivo era a conquista do poder ou a manutenção, em caráter permanente, do poder conquistado. Alguns já haviam conseguido esse objetivo de modo pleno, como ocorreu em Cuba, com a revolução sandinista da Nicarágua e viria a ocorrer na Venezuela. Outros foram transitórios, como nos casos da Bolívia, Peru, Honduras, El Salvador, etc.

Essa corrente política nunca faz autocrítica (suas críticas são sempre dirigidas ao adversário). A regra é clara: governo companheiro não critica governo companheiro. É bom lembrar que Lula, seu governo e sua base parlamentar se alinham com qualquer corrente política adversária do Ocidente, vale dizer, dos Estados Unidos, da União Europeia e de Israel. Ao mesmo tempo, Irã, China, Rússia e movimentos terroristas islâmicos têm tratamento privilegiado. Quando não há mais explicações possíveis, atribuem caráter canônico ao “respeito à autonomia dos povos”, quaisquer que sejam os males produzidos por seus líderes aos respectivos povos...

Lembro que em 2010, mais precisamente no dia 24 de fevereiro daquele ano, Lula desembarcou em Cuba para uma visita oficial aos irmãos Castro. Para azar dos azares, na véspera, ao cabo de uma greve de fome que se prolongara por inacreditáveis 85 dias, falecera o preso político Orlando Zapata Tamayo. A greve pela libertação dos presos políticos do regime tivera grande repercussão na imprensa das nações livres e democráticas. Ouvido sobre o episódio, Lula disse: “Temos que respeitar a determinação da Justiça e do governo cubano de deter as pessoas em função da legislação de Cuba” [1].

No país que ele visitava, Fidel Castro, autonomamente, chegara ao absurdo de criar as UMAPs (Unidades Militares de Apoio à Produção), que eram, na verdade, campos de concentração para submissão dos jovens rebeldes às práticas comunistas. Nem por isso, líderes brasileiros de esquerda deixavam de exaltar as maravilhas do regime ali instalado. Agora, meio século depois, Maduro prende 120 menores de idade venezuelanos inconformados com a fraude eleitoral e os encaminha a um campo desse tipo, sob rigorosa disciplina militar.

Lula se meteu numa encrenca incomum quando, pessoal e publicamente, aqui no Brasil, aconselhou Maduro a “construir sua própria narrativa”. Pois bem, foi o que o venezuelano fez: perdeu a eleição, comemorou a vitória, disse que os inconformados serão presos e quer prender o candidato que o derrotou.  

Enrolado na camisa de força de suas bravatas, promessas e más parcerias, Lula não assinou a nota da OEA pedindo auditoria internacional das atas eleitorais. Agora, vem a público dizer que era amigo de Chávez, não de Maduro, e que não reconhece a vitória deste nem a da oposição. Em junho, o Papa pediu a Lula que interviesse junto a Ortega para a libertação dos bispos católicos, mas o ditador nicaraguense sequer o atendeu. Lula lidera o que e a quem, exatamente?

[1] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1003201001.htm

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

28/08/2024

 

 

Percival Puggina

         Leio e releio em angustiada inconformidade a nota do jornalista Cláudio Humberto em sua coluna no Diário do Poder: “Entre os 30 assuntos mais buscados na internet no Brasil nos últimos sete dias, 29 têm conexão direta com futebol. O último da lista é a Fórmula1. Eleições, reforma tributária, STF, etc., não aparecem”.

O que fizeram com esse povo? Se há uma revolução política em curso no Ocidente, como percebo haver, esse é um de seus resultados no campo da cultura aqui no Brasil. Essa é a formação da consciência crítica, esse é o produto da pedagogia do oprimido, esse é o efeito da nova estética sob os sistemas visuais e auditivos da sociedade, essa é a consequência das lições e exemplos de ética ministrados pelas elites nacionais.

Já ouvi falar muito na “selva urbana” entregue às feras. Diante da informação prestada por Cláudio Humberto, começo a pensar menos na selva e mais nas tabas de concreto onde a informação chega abundante e não encontra mentes educadas para a tarefa de pensar e extrair relações de causa e efeito, levando a opções políticas.

O que me impressiona não é intensidade com que o assunto futebol atua sobre os interesses individuais na internet. Sou brasileiro e gosto de jogos com bola, principalmente de futebol, em cuja prática, quando jovem, nunca cheguei sequer no nível da mediocridade. O que me preocupa são os “não assuntos” dessa imensa maioria de cidadãos que votam e são, querendo ou não, os sujeitos do processo democrático.

Fica muito fácil entender, assim, que tantos parlamentares descartem com uma sacudida de ombros temas relevantes como a democracia, as liberdades dos cidadãos, o virtuoso serviço da justiça, a qualidade da representação política, a boa governança, a imagem do país e as próprias prerrogativas dos parlamentares.

Se o eleitor está de olho na bola e não vê o resto, Nero incendeia Roma e Calígula decide quem vive ou morre, contanto que o povo tenha circo.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

22/08/2024

 

Percival Puggina       

         Escrevi certa feita que o Brasil, em sua história republicana, mediante trabalho de sucessivas alfaiatarias institucionais de má qualidade, veste um corpo social cuja estrutura tem deformações. Ou seja, o produto final resulta semelhante ao que acontece quando o alfaiate é ruim e o freguês, digamos assim, está fora do esquadro.

A Constituição de 1988, aquela de capinha verde e amarela que Ulysses Guimarães ergueu com as duas mãos sobre a própria cabeça, reproduz os pecados capitais de suas antecessoras e acrescenta a elas o excessivo nível de detalhes, constitucionalizando minúcias e preceitos que poderiam muito bem ser tratados em legislação ordinária. É possível que os constituintes quisessem aprumar o corpo social com a multiplicidade de preceitos, mas criaram mais problemas do que soluções. É por isso que, hoje, dificilmente se pega um jornal que não tenha, nas chamadas de capa, algum texto mencionando a sigla PEC (Proposta de Emenda à Constituição). Sempre há algo a ser mexido na Carta de 1988 para que a vida nacional vá em frente.

Governar é encaminhar PECs ao Congresso Nacional. Constitucionalismo a marteladas: PEC, PEC, PEC. Ser candidato é levar no bolso algumas PECs a serem apresentadas se eleito. Ser parlamentar é propor PECs. As melhores vão para o desterro dos arquivos mortos; as piores são votadas em regime de urgência, em dois turnos sucessivos, altas horas da noite.

Sob o ponto de vista institucional, federativo, político e jurídico, construímos, aqui, as pirâmides do Egito de cabeça para baixo. Um dos mais importantes princípios da organização social é o princípio da subsidiariedade, inspirado no conceito de que a prioridade das iniciativas deve ser atribuída às instituições de ordem menor, à base da pirâmide, agindo as demais, subsidiariamente, na medida da necessidade. Em modo resumido: a União só age naquilo que os Estados não possam agir; estes só atuam naquilo para que os municípios estejam incapacitados de atuar; dentro do município, a prioridade das iniciativas flui, pela mesma regra, para o distrito, para o bairro e para o cidadão.

O princípio da subsidiariedade, vê-se logo, é um princípio moral, na medida em que preserva a autonomia da pessoa humana e sua liberdade. É um princípio jurídico porque estabelece – e estabelece bem – a ordem das competências. É um princípio político porque delimita – e delimita bem – a ação do Estado. E é um princípio de administração porque vai organizar as competências, encurtar os caminhos e os vazamentos do dinheiro, determinar a forma e o tamanho do Estado e orientar a ação do governo de modo a fazer parcerias com a sociedade.

Mas, convenhamos: é divertido assistir o contrário disso tudo, ouvir os discursos do Lula bancando motorista do caminhão do Huck, quando distribui por aí, em enfeitados frascos publicitários, fragmentos da dinheirama que o poder público coleta em caçambas.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

18/08/2024

 

Percival Puggina

 

         A França que conheci não existe mais. Aquela França que pelo batismo de Clóvis (496) fez jus ao título de “Filha dileta da Igreja” não responde à pergunta: “O que fizeste de teu batismo?”. Essa questão, levantada certa vez por São João Paulo II, se converteu em interpelação constante entre os cristãos que visitam o país por onde tanto andei e aonde não mais voltarei. Por certo, tampouco a reconheceria como sua o meu querido São Bernardo de Claraval.  

Recebi um desses vídeos que nos veem de todos os lados e pelos quais passamos sem dar muita atenção. Este, porém, num relance, atraiu-me por conter diálogo travado no senado francês sobre o cartaz de divulgação dos Jogos Olímpicos. Cinco minutos depois, eu aplaudia, no silêncio de casa, as luminosas palavras do senador Roger Karoutchi. Compartilho-as com meus tão estimados leitores.

A cena abre com o senador se dirigindo ao presidente da mesa: “Que diferença faz vosso governo entre uma cruz e uma flecha?”. O assunto, o cartaz em questão, era uma alegre mistura de marcos visuais da capital francesa, reunidos num pequeno espaço gráfico, tudo misturado como naqueles hotéis-cassinos de Las Vegas. O cartaz principal que chamava aos Jogos Olímpicos de Paris, escamoteara a cruz instalada no alto do Hotel des Invalides, substituindo-a por uma flecha ou coisa que o valha. A cultura dessa França enferma reage como vampiro à vista de uma cruz.

A ministra dos Esportes, Amélie Oudéa-Castéra, procurou explicar o sumiço, sublinhando as muitas diferenças entre o desenho da peça publicitária e a realidade dos marcos da cidade nela incluídos. Disse que não se tratava de uma reprodução, mas era o que o artista livremente produzira, sem comando do Estado. Era a cidade reinventada. O cartaz, enfim, era a França, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos.

Em sua resposta, o senador Roger Karoutchi foi certeiro e sábio, negando que o cartaz seja a França e os Jogos Olímpicos. Transcrevo sua fala:

“Não, desculpe, não são a mesma coisa. Você pode pintar a Torre Eiffel da cor que quiser, mas não pode remover a cruz da cúpula do Hotel des Invalides, que existe desde Luís XIV. Não se pode mudar a história da França.”

Em seguida, discorre sobre o sentido de nação: “(...) somos a nação de um modo provisório porque nós tivemos predecessores e teremos sucessores. Esta nação se orgulha de organizar os Jogos Olímpicos. Mas ela não quer ser apagada, não quer que seus símbolos e a história que a fizeram sejam apagados, renegados. Podeis usar as cores que quiserdes, mas há 350 anos existe uma cruz sobre o Domo dos Invalides! E há uma cruz no cume da torre de Notre-Dame.”

“Os símbolos da França e a história da França fundam a nação. Sem ela não há república, sem ela não há evolução, sem ela não há solidariedade. Quaisquer que sejam as posições políticas, se quisermos fazer evoluir a nação, nós não podemos apagá-la porque se o fizermos desapareceremos. Nações não são eternas, assim como estados e impérios.  Fazei a nação, toda a nação; fazei a república, toda a república; fazei a França, toda a França, mas não apagueis nossos símbolos.”

Que a experiência francesa nos sirva de conselheira em momentos tão adversos aos bens e valores culturais que constituíram nossa própria nação.

*       A íntegra desse diálogo pode ser assistida aqui: https://www.publicsenat.fr/actualites/parlementaire/affiche-des-jo-amelie-oudea-castera-defend-la-liberte-dun-artiste-neffacez-pas-nos-symboles-demande-roger-karoutchi

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

14/08/2024

 

Percival Puggina

 

         Há quem lide com questões de direitos humanos como se fossem prerrogativas dos sócios de um clube ou de membros de uma confraria. Afirmam como “direitos humanos” meras reivindicações políticas de grupos organizados que só são viabilizadas contra legítimos direitos alheios.

Os assim chamados “direitos humanos” são direitos naturais, ou seja, inerentes à natureza do ser humano. Eles foram referidos de modo notável em 1776 pela Declaração de Independência dos Estados Unidos quando fala em “direitos inalienáveis” entre os quais estão “a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Há, contudo, uma infinidade de outros direitos que se ligam aos respectivos titulares mediante aquisição, herança, delegação, representação, mérito, etc.

Os identitarismos levam a buscar para grupos específicos, certos direitos seletivos, como se fossem “direitos humanos”, que geram benefício a alguns à custa dos demais. O aborto é o mais eloquente exemplo do que descrevo. Ele é um reclamado “direito” que só se realiza contra o direito à vida do nascituro. Há muitos outros, porém. Desencarceramento em massa, desarmamento geral da população ordeira, redução das penas privativas de liberdade, indiscriminada progressão de regime prisional, descriminalização das drogas, desmilitarização das polícias militares, demasias do ECA, reivindicações LGBTQQICAAPF2K+ com incidência nas salas de aula, e mais as que confrontam direitos de propriedade. São postulações feitas em nome de direitos “humanos” que afetam a segurança, a vida e os bens dos cidadãos. As pessoas simplesmente cansaram dessa conversa fiada! Percebem no seu cotidiano aonde isso levou o país.

Quando militantes do MST invadem uma propriedade rural, os ditos defensores dos direitos humanos repudiam toda reação policial ou judicial como “criminalização dos movimentos sociais”. Algo tão ilógico, tão falso, só pode ser afirmado e publicado nos jornais porque desonestidade intelectual é um desvio moral, mas não é crime. É desse tipo de desonestidade que se nutriu, durante longos anos, o discurso dos tais defensores de “direitos humanos”. A nação entendeu e, majoritariamente, passou a rejeitar.

Pelo viés oposto, basta que a atividade policial legítima, desejada pela sociedade com vistas à própria segurança, seja compelida a usar rigor com o intuito de conter uma ação criminosa, para que os mesmos falsos humanistas reapareçam “criminalizando” a conduta policial. Anos de observação desses fenômenos evidenciaram a preferência de tais grupos pelos bandidos. Enquanto estes últimos prosperam e mantém a população em permanente sobressalto, aqueles, os supostos defensores de direitos humanos, inibem a ação que protege a sociedade. Assim agindo, elevam os riscos dos que a ela se dedicam e concedem mais segurança aos fora da lei. Vítimas e policiais não têm direitos nessa engenhoca sociológica.

Não bastassem os fatos concretos, objetivos, testemunhados milhares de vezes por milhões de cidadãos comuns, as correntes políticas que se arvoram como protetoras dos mais altos valores da humanidade mantêm relações quase carnais com ditadores e regimes que fazem o diabo em Cuba, Venezuela, Nicarágua, Coreia do Norte e Irã.

As pessoas veem e sabem que o nome disso é hipocrisia.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

11/08/2024

 

Percival Puggina

         Noite de domingo, Dia dos Pais. Muitas vezes me surpreendo perguntando o que diria Adolpho Puggina, que tanta saudade me causa, diante desse caldo ralo e custoso em que se transformou a política brasileira. Ele nasceu em Rio Grande, formou-se em economia na PUC e foi trabalhar em Santana do Livramento com um tio. No correr dos anos, tornou-se sócio e diretor de empresas e constituiu com Eloah, minha querida mãe, uma família de sete filhos. Já então, um maravilhoso exagero.

A vida, lembro bem, era confortável e o lazer mais comum, numa época de poucos brinquedos, eram bons livros, boa música e longos matinés dominicais no cinema de Rivera. O futuro da família, porém, estava em Porto Alegre. Eles queriam e conseguiram ter todos os filhos, cada um a seu tempo, no excelente Colégio Júlio de Castilhos e na Universidade Federal. Impulsionados por esses objetivos, em 1959 nos mudamos para a capital. Deixamos atrás uma bela e espaçosa residência, quase um sítio e nos comprimimos num pequeno apartamento de três quatros e um banheiro na Avenida José Bonifácio, vizinho do Colégio Militar.

À zoeira da numerosa “população local”, minha mãe ainda acrescentava um pequeno conservatório musical onde ensinava piano a grupos de crianças. Por isso, assim que podia, durante anos, eu pegava o bonde e ia estudar na espaçosa e silenciosa Biblioteca Municipal que até hoje vejo como um templo de excelentes recordações.

Vamos, porém, ao que interessa à pergunta inicial deste texto. Certo dia, em 1962, na hora do almoço, meu pai anunciou à família que seria candidato a deputado estadual.  “O quê? Tu? Como? Por quê?” – perguntaram todos num coro de diferentes tons masculinos e femininos de idades variadas. Ele explicou que o cardeal D. Vicente Scherer, preocupado com o avanço da extrema esquerda, sonhava com uma bancada conservadora forte e queria incluir o pai entre os candidatos preferenciais. Ele se filiara ao PDC (democrata cristão) e o apoio funcionou. Meu pai foi o segundo mais votado entre os deputados eleitos pelo partido. Com ele, elegeram-se, também, José Sperb Sanseverino (que se tornaria, mais tarde, por muitos anos, provedor da Santa Casa de Misericórdia), o caxiense Mário Mondino e o então jovem Nelson Marchezan. Vivi naquele ano minha primeira experiência com uma campanha “às antigas”. Consistia, basicamente, na impressão de pequenas cédulas de papel jornal com o nome do candidato que, por sua vez, metia o pé na estrada em longos roteiros para conversar e distribuí-los.

Seguiram-se outros três mandatos com companhas nas quais todos os filhos nos envolvíamos como parte do “comitê”, cabendo ao pai rodar na poeira e no barro das estradas, a bordo de uma Rural Willys onde tudo era primitivo, quase nada era elétrico e coisa alguma era eletrônica. Mas durável. A velha viatura foi também, por muitos anos, o carro da família.

A cada eleição, ele fazia um empréstimo na antiga Caixa Econômica Estadual para cobrir as despesas de campanha com gráfica e gasolina, amortizando o valor no decorrer do sempre incerto mandato futuro. E assim foi até 1978 quando, certo dia, comunicou à família que não seria reeleito. Jamais esquecerei aquele anúncio e o motivo que apontou para a derrota que antevia. Nos anos anteriores, a captação de votos em mais de uma centena de municípios era feita por cabos eleitorais voluntários que agiam movidos por um ideal e pela confiança que nele depositavam. Naquele pleito, novos candidatos apareciam oferecendo-lhes dinheiro, viaturas e prometendo empregos e favores em troca do trabalho e dos votos obtidos.

Feita assim, a política se mercantilizou. Os custos se expandiram exponencialmente. Em pouco tempo, se tornou um business. Foi o início do fim da representatividade política tão essencial à democracia! Primeiro, foi o espantoso volume dos recursos privados. Depois, recursos públicos! A corrupção se instalou nos partidos, indo daí para os plenários, até alcançarmos, nas emendas parlamentares, a sofisticação do requinte.

Eu assisti a isso etapa por etapa. Ninguém me contou. Espero que essa observação que trago da lembrança de meu amado pai proporcione uma boa reflexão por parte dos leitores desejando que tenham tido, no domingo, um feliz e abençoado Dia dos pais.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

 

        

Percival Puggina

08/08/2024

 

Percival Puggina

         Dureza! Embora desejadas e apreciadas por tantos pais, alunos e por tantos professores em estados e municípios brasileiros cujas sociedades reconhecem seus bons resultados, as escolas cívico-militares enfrentam uma luta permanente por sua sobrevivência.

Os motivos alegados por quem propõe sua extinção ou interdição envolvem um preconceito e um conceito. O preconceito é contra o rótulo militar; o conceito é que o cívico precisa ser coletivo, único e unitário. Por igual razão, seus adversários são contra o ensino das crianças pelos próprios pais (home schooling), que é, tão somente, uma fórmula pela qual pais zelosos tentam contornar o problema de uma educação escolar com péssimos resultados.

Então, sindicatos de professores e partidos políticos de extrema esquerda pressionam governos, parlamentos e administrações municipais e se revezam nos protocolos do judiciário portando petições pela eliminação desse tipo de educandário. O sistema não quer perder uma única vítima...

Sou avesso aos alinhamentos automáticos. De regra, parece pouco racional a conduta de quem se põe ao lado de tudo que um grupo político diz e contra tudo que o outro fala. A política não está acima da razão, da ética e do bem. No caso, porém, os opositores são conhecidos e estamos falando do bem dos estudantes, dos pais e das comunidades atendidas por esses estabelecimentos de ensino. A eles há que se alinhar automaticamente, sim, e perguntar: seria essa uma campanha contra um sinal de contradição cujos resultados o sistema oficial não pode contestar?  

Enquanto a rede de ensino público, nitidamente, revela pouco interesse pela presença, opinião e participação dos pais na vida das escolas, as escolas cívico-militares agem no sentido inverso. Enquanto as escolas da rede pública são vulneráveis às más influências externas, à indisciplina e às condutas violentas, as escolas cívico-militares cultivam os bons costumes e as condutas civilizadas voltadas ao aprendizado, mantendo à distância traficantes, malfeitores e desordeiros. Enquanto, nas escolas públicas, o amor à pátria é negligenciado em nome de seu ativismo crítico, nas cívico-militares o patriotismo não é reprovado, mas estimulado. Então pergunto: esses três tópicos não fazem lembrar os três daquele recente discurso de Lula ao Foro de São Paulo comemorando a derrota do discurso da família, dos costumes e do patriotismo? Pois é.

Mais algumas razões da razão devem ser acrescentadas para compreensão da animosidade às escolas cívico-militares. Há quase dois anos, em artigo que escrevi para vários jornais e sites eu as explicitei assim:

Mas é só por isso que a extrema esquerda no poder combate historicamente e põe as escolas cívico-militares de joelhos com a nuca exposta? Não, tem muito mais. A escola que ela quer substitui o moralmente correto pelo “politicamente correto”, a História por um elenco de narrativas capciosas, a solidariedade pelo antagonismo, o amor ao pobre pelo ódio ao rico.

Essa esquerda combate a estrutura familiar pela condenação do suposto patriarcado, como se a paternidade fosse apenas poder e não amor, responsabilidade, serviço e sacrifício. A sala de aula não pode ser o vertedouro das frustrações complexos de quem detém o toco de giz.

Ela desrespeita a inocência das crianças. Contra a vontade unânime dos parlamentos do país, introduz pela janela a ideologia de gênero nas salas de aula enquanto os valores saem pela porta.

Ao se tornar alavanca ideológica, a Educação não estimula o respeito à propriedade privada, nem o empreendedorismo, nem o valor econômico do conhecimento e das competências individuais.

Tal sistema, quando fala em escola de tempo integral, mais me assusta do que me alegra!

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

05/08/2024

 

Percival Puggina

        Escrevi, outro dia, que a extrema esquerda é a que importa observar e entender porque é a que manda. Manda no dinheiro do Tesouro, manda nos sindicatos, manda nas universidades, manda no STF e no TSE, manda no vasto mundo da Cultura e na cadeia “produtiva” da Educação, manda nos movimentos sociais, manda em toda a estrutura de poder dos identitarismos companheiros e camaradas (os demais que se danem).

Embora essa máquina inclua diferentes níveis de preparo intelectual para a política, há nele um grupo pensante que deve estar muito preocupado com os eventos na Venezuela. Lula não faz parte desse grupo. Ele, como se sabe, é o tagarela da turma. Em suas peregrinações sobre os palcos, diz muita bobagem das quais só se salva graças ao beneplácito pago com recursos públicos e fatias de poder.

Ocupo-me, aqui, do que pensa o setor pensante da extrema esquerda brasileira. Já se tornou evidente a preocupação causada nesse círculo pelos acontecimentos da Venezuela. Maduro desmoraliza quem tenha investido em traçar sobre sua inequívoca figura de ditador a imagem de um democrata tosco e sem meias palavras. Ou seja: em pleno naufrágio moral da ditadura bolivariana, a extrema esquerda brasileira se jogou para dentro do barco.

Para piorar o quadro, a cada dia se acumulam as semelhanças entre os acontecimentos de lá e os daqui. Frases proferidas na Venezuela soam como as ditas no Brasil. É desnecessário traduzi-las porque temos as mesmas queixas. Até os números apontam convergências. São iguais as ocultações e os silêncios, as censuras, as multidões presas e o tratamento dispensado à oposição. Quase se poderia dizer, em linguagem popular, “cara do Brasil, focinho da Venezuela”. São tantas as semelhanças que as diferenças, embora reais, perdem relevo.

No entanto, existem diferenças. A Venezuela já conta 25 anos sob uma ditadura que imitou a experiência cubana rosnando para os Estados Unidos e se abraçando à extrema esquerda internacional para receber apoio financeiro. O país não era assim; foi ficando assim, aos poucos. No final dos anos 80, era o país livre e próspero que conheci durante um colóquio proporcionado pelo Copei (partido social cristão). Uma década mais tarde, com Hugo Chávez, a liberdade foi sendo suprimida gradualmente, a exemplo do que está acontecendo entre nós.

Aqui, a esquerdização iniciou quase simultaneamente, com FHC I e II, transitando para a extrema esquerda a partir do governo Lula I, num processo crescente que não sofreu interrupção nem mesmo durante o governo Bolsonaro. A trava aplicada à mudança de direção e que preservou o poder de mando da extrema esquerda recebeu o nome jurídico de “função contramajoritária das supremas cortes”. Foi ela que se interpôs e travou a aplicação do programa de governo aprovado nas urnas de 2018. E viva a democracia!

Lembrem-se: a Venezuela não era assim; ela foi ficando assim. Nós também não éramos assim como estamos ficando. Todas as semelhanças não são meras coincidências.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.