Percival Puggina

16/03/2024

 

Percival Puggina     

       Vivas! Pararatimbum bum-bum! Parará bum! Parará bum! Aplausos, foguetes! Dia inesquecível, brasileiros. Dia 15 de março, a nação conheceu o primeiro inocente do dia 8 de janeiro. Momentos de comoção nacional.

O futuro está em suas mãos, Geraldo Filipe. Num país de tantos culpados e milhões de suspeitos, você é um brasileiro inocente! O PT deveria convidá-lo para integrar seu Diretório. Pessoas com tais méritos são sempre necessárias nesses colegiados. Nas presentes circunstâncias da Justiça em nosso país, você é um ícone. Perdeu meses de vida, mas não se aborreça, pois isso é nada frente ao valor desse documento fornecido por 11 ministros do Supremo, sonho de consumo para tantos brasileiros.

Saibam os leitores destas alegres linhas. Ele se chama Geraldo Filipe da Silva e era morador de rua até ser transferido para a Papuda. Ali, foi indiciado por coisas gravíssimas como “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” e desfrutou da imensa honra de ser julgado pelo topo do Poder Judiciário brasileiro. Geraldo teve mais sorte que o Clezão. Teve mais sorte que centenas de outros.

Por muito tempo, Geraldo Filipe será um símbolo em matéria de inocência. Virado do avesso não pinga um vintém. Recentemente, o Brasil produziu, é verdade, uma extensa lista de “inocentes” que nada devem à Justiça, como diria a Globo, mas eram todos endinheirados. Não eram moradores de rua. Receberam seu alvará no coletivo, quase anônimos no interior de imenso pacote envolto por laço de fita bordado onde se lia “Morte à Lava Jato!”. 

Geraldo, não. Ele é inocente na pessoa física. Conseguiu, mesmo assim, na simplicidade de morador de rua, ultrapassar a fila e subir para as manchetes. Foi necessário um ano e pouco de sua vida para sair da repulsiva e gravíssima condição de morador de rua golpista para o brilhante placar de 11 a zero no STF. Há luminares do Grupo Prerrô que dariam, se não um braço, ao menos a manga de seu Armani por algo assim.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

12/03/2024

 

Percival Puggina

         Na noite do domingo 10 de março, enquanto as nuvens do sono não chegavam, meus pensamentos mergulhavam nas trevas do Brasil. Por associação de ideias, lembrei-me do cubano Huber Matos e de seu livro “Como chegou a noite” (Como llego la noche). Em palavras do próprio Fidel, Matos era o segundo nome entre os comandantes da revolução, vindo logo após o irmão Raúl, com precedência sobre Che Guevara. Mesmo assim, por escrever a Fidel uma carta reprovando sua adesão ao comunismo, foi condenado a 20 anos de prisão por crime de traição e teve de cumpri-los integralmente. Duas décadas no infame cárcere cubano por uma carta pessoal ao “amigo” Fidel! É bem próprio dos autoritarismos e totalitarismos, punir exemplarmente e exibir a musculatura de seus poderes.

Decidi escrever um artigo com as razões da ideia que dá título a este texto e me perdi nas nuvens do sono. Ao acordar, ainda deitado, coincidência ou não – vá saber! – deparei-me, na Gazeta do Povo (11/03), com o artigo “Dez anos da Lava Jato” escrito por Sérgio Moro. Dele, extraio alguns dados que informarão este texto.

Antes daquela notável operação, a sociedade brasileira teve que curar as feridas de sua decepção com a Ação Penal 470, que chegou ao plenário sete anos depois de estourar o escândalo. E só foi julgada graças à teimosa persistência do relator, ministro Joaquim Barbosa. Ainda assim, “maiorias de circunstância”, como ele mesmo denunciou, fizeram com que nenhum político condenado permanecesse recluso. A face podre do Brasil seguiu em frente.

A Lava Jato, pouco depois, proporcionou à nação novo período curtindo a esperança de um renascimento moral. Do artigo de Moro recolho a seguinte síntese sobre os êxitos da Lava Jato:

Os números variam, mas, considerando apenas a Lava Jato em Curitiba, houve 174 condenados em julgamentos de primeira e segunda instância, 132 prisões preventivas, 209 acordos de colaboração e 17 acordos de leniência com empresas. A Petrobras, em notas oficiais, confirmou que recuperou mais de R$ 6 bilhões graças à Lava Jato.

Noutra parte do artigo, Moro acrescenta que “as condenações de Curitiba foram, em sua quase totalidade, confirmadas pelo TRF4 em Porto Alegre (RS) e muitas ainda em Brasília, pelo STJ, isso antes do início da sanha anulatória por tecnicalidades.

Tais sucessos seriam muito menores se não estivesse em vigor a possibilidade de prisão após condenação por segunda instância. A torrente de confissões, delações e acordos que se seguiu foi desencadeada pela perspectiva de cadeia em curto prazo. Os autores conheciam bem os rentáveis crimes que haviam cometido. A Lava Jato e as condenações de Curitiba, no entanto, indignavam e causavam inconformidades no plenário do Supremo.

Ah, leitor amigo! Quando penso no tratamento dispensado aos certos “réus perante o Supremo”, em especial aos incógnitos plebeus presos em 8 de janeiro, pergunto a mim mesmo onde foram parar a compaixão e o zelo humanitário e processual devotados aos nobres bilionários investigados pela Lava Jato...

“Love is in the air”, diz conhecida canção de John Paul Young. Como o amor, a motivação para a “Meia volta, volver!” de Curitiba estava no ar desde o dia 7 de novembro de 2019. Em recente declaração, interrogado sobre o voto decisivo que deu, mudando de posição sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, o ministro Gilmar Mendes, para espanto geral dos ingênuos, admitiu:

Com a configuração de todo o quadro, acabei fazendo uma leitura política e anunciei, na Turma, que não seguiria mais a jurisprudência e mudaria de posição quando o caso fosse levado ao plenário.

O resultado dessa específica leitura política foi o fim do caminho de ida e o início do caminho de retorno. Como se o sertão virasse mar e o mar virasse sertão, abriram-se os portões dos presídios, Lula foi para casa, a Lava Jato para o congelador, trabalho de hacker virou peça de acusação, o juiz foi declarado suspeito, o líder da força-tarefa perdeu o mandato de deputado federal, o maior escândalo de corrupção da história não tem mais nenhum culpado e o Brasil tem os corruptos mais inocentes do mundo. Como proclamou a Globo, nada devem à Justiça!

As consequências são conhecidas, inclusive para quem ouse dizer o que pensa. A despeito disso, no contexto das afirmações viáveis, ela não morreu na minha memória pelo valor que atribuo ao seu trabalho, pela leitura que faço daquele período e pelos discursos que ouvi em seu prolongado funeral. Na História e na memória onde retenho aquelas emoções, eu encontro a força necessária para dizer, lembrando o título deste artigo: se a Lava Jato não sobreviver em nós, todos morreremos um pouco como cidadãos brasileiros.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

11/03/2024

 

Percival Puggina        

       Tenho acompanhado as discussões sobre a inclusão e distribuição desse livro aos estudantes do ensino médio nacional. O conteúdo didático do debate é mais atraente do que qualquer mérito pedagógico atribuível à obra. É desse aspecto que me ocuparei, sem qualquer demérito do autor ou do importante Prêmio Jabuti que recebeu.

“O avesso da pele” resenha teses ideológicas do wokismo, verdadeiro cercado fora do qual a esquerda brasileira escrevente ou falante já não consegue raciocinar politicamente e, menos ainda, administrativamente. De outra parte, as manifestações de contrariedade a que assisto focam a linguagem tosca, de calão (baixo calão é redundância) e conteúdos sexuais grosseiros, explícitos.  

Ante as críticas, os defensores do uso didático da obra desviam do assunto (isso é bem típico) para atacar o reacionarismo, o conservadorismo, o “falso moralismo” e para discursar sobre 1964 (mais típico ainda). Risível hipocrisia nestes tempos de censura política oficial imposta com mão pesada! Quem propõe, hoje, doses ainda mais fortes de censura oficial e festeja tais ocorrências com gargalhadas, aplausos e “lacrações” pode falar em liberdade de expressão?

O mesmo grupo ideológico que tenta confundir com censura a retirada de um livro da rede escolar domina a cadeia produtiva da “educação” no país. Nela, promove interdições de livros, autores e – creiam – também de seus leitores! Haverá quem se atreva a negar a extensão e gravidade desse tipo de censura, do bullying e da defenestração da divergência, mormente em ambientes universitários? Uma vez majoritário, esse grupo político age como gato borrifando e marcando o território, se é que me faço entender.  

O autor do livro se mostrou escandalizado com o fato de as descrições envolvendo sexualidade chamarem mais atenção do que a crítica à violência policial e ao racismo. Também isso é falacioso, retórico, porque não estamos tratando de literatura no sentido amplo, mas de literatura para uso como material didático destinado a adolescentes. Uns percebem a falácia, outros não. A sala de aula, mesmo numa sociedade de hábitos já degradados, deve ser um local de ascensão ética, estética, técnica, humanística e social. Um dos muitos erros de Paulo Freire foi criar uma escola que rejeita esse papel. Por apego doentio à política de classe social e à sociologia da miséria, enclausura os estudantes e restringe seu desenvolvimento.

Repete-se, à exaustão, que a obra foi aprovada para uso nas escolas pela Comissão Nacional do Livro Didático durante o governo Bolsonaro. Será isso o reconhecimento de um mérito do ex-presidente ou, mais uma vez, simples retórica oportunista para enganar tolos? A aprovação para distribuição do livro em meio à gestão precedente é indício do famoso controle esquerdista na burocracia do Ministério da Educação. Em abril de 2019, é bom lembrar, o governo anterior tentou, em vão, “enxugar e extinguir” centenas desses colegiados que atuavam e atuam junto à administração, na maior parte dos casos, como aparelhos excludentes, censores, partidários e ideológicos.

Alguém argumentou que “num país onde tão pouco se lê, proibir um livro, blábláblá...” (e por aí foi). Ora, ninguém quis bani-lo das livrarias ou bibliotecas, mas das salas de aula, exatamente porque em época de raros leitores esse local deve proporcionar aos alunos textos mais adequados à sua faixa etária e aos fins da Educação. Que o leiam de capa a capa, quantas vezes quiserem, nos cursos universitários!       

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

09/03/2024

 

Percival Puggina

         Assisti parte das duas sessões do STF em que os ministros retomaram as deliberações sobre limites para a posse de maconha pelos consumidores. Não consigo me habituar à onipresença, onisciência e onipotência que caracterizam as atuações e manifestações de suas excelências. São predicados que ficam muito bem em Deus, mas soam alarmantes quando assumidos por seres humanos.

Os primeiros efeitos dessa inclinação são: a perda da noção dos próprios limites, a perda do senso de proporção (a “tabuada do 10” ajuda para isso) e a invasão de competência dos outros poderes (as tais quatro linhas que ninguém deveria ultrapassar).

No presente caso, o Supremo discute a diferença entre posse e tráfico na relação entre venda e consumo, a partir da quantidade de maconha em mãos de pessoa abordada em atividade policial. As apostas começam com 10g, passam por 25g e chegam a 60g e sinalizam que este último será o peso vencedor. Já que é para consumo pessoal, que não se restrinja a demanda.

Em diversos tipos penais existe relação entre fornecedor e consumidor, quer o objeto da venda seja arma sem origem, para-choque de fusca 1959 ou maconha. Em todos os casos, os dois lados do balcão cometem crime tipificados. No caso da maconha, o legislador já concede tratamento privilegiado ao consumidor, ao determinar que ele não seja preso, mas submetido a algum tipo de constrangimento que o tribunal vem chamando “administrativo”. 

A ralé conservadora e direitista, a quem o Estado não ouve, sabe que os estados paralelos do mundo do crime logo serão maiores do que o Estado e só existem com tal extensão e audácia porque existem os idiotas do consumo e seus protetores. A turma cuja opinião não interessa, paga as contas do Estado, os luxos das muitas cortes e sofre com as consequências do tráfico e do uso de drogas. Ela é inteiramente contra qualquer medida que possa ser entendida como “descriminalização” do consumo ou sinalize sua insignificância. Todos os dias, milhões de brasileiros são de algum modo infernizados por esse comércio infame, seus operadores e seus consumidores. Segundo a OMS, 12 milhões de brasileiros o são!

Não estou incluindo na lista dos incômodos que menciono as muitíssimas ocasiões em que, assistindo a algum filme Netflix ou Prime Vídeo, aparecem em cena simpáticos vovôs e vovós, papais e mamães, moderninhos e “progressistas”, compartilhando um baseado com filhos e netos, em meio a risos desconectados da realidade, tão frouxos quanto psicóticos. Tenho ganas de ir à polícia fazer um B.O.. Naturalizar o consumo de drogas é estimulá-lo.

Que o parlamento cumpra seu papel, reflita o pensamento majoritário da sociedade e seja sensível à ameaça que pesa sobre o país. Hoje, o Brasil caminha para se tornar um narcoestado.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

06/03/2024

 

Percival Puggina

         O “freio puxado” que marcou os discursos na Av. Paulista no dia 25 de fevereiro foi um dos fatos mais eloquentes daquele evento e sobre ele já muito se falou. Não é normal que, diante de tamanha multidão, personagens tão destacados da política brasileira, incluindo parlamentares com liberdade de expressão protegida pela Constituição, oradores brilhantes, discursem com freio de mão puxado. Há algo muito errado num país onde isso acontece! Deveria ser motivo de escândalo. E não foi.

Silas Malafaia, em suas primeiras palavras, antecedendo um discurso duríssimo, afirmou que não estava ali para criticar as instituições [de Estado] porque isso seria atacar a República. É proibido criticar as instituições? Merecem elas louvores? Não, claro que não! Criticá-las é próprio e útil a qualquer regime democrático. Não poder fazê-lo dá atestado de óbito à democracia.

Comecei a escrever para jornais em 1985 e, desde então, não mais parei de criticar nossas instituições. De início, eu o fazia advogando a adoção do parlamentarismo e como defensor do voto distrital puro. O passar dos anos, a Constituinte de 1988 e tudo que veio a seguir, consolidou aquelas convicções. Quatro décadas e centenas de artigos mais tarde, chegamos ao recente evento da Av. Paulista, ao discurso de Silas Malafaia e à reação irada da imprensa amestrada.

Então, caro leitor, pensemos juntos. O Brasil não vai bem. Nossos problemas se acumulam. A taxa de investimento se mantém muito inferior à que seria necessária.  O Brasil perde atração e posições no ranking de investimentos externos (já foi 4º, hoje e 14º). O crescimento econômico é lento e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de terceiro mundo. A renda média da população decresce e o endividamento sobe (72 milhões de brasileiros estão inadimplentes). Cem milhões não dispõem de coleta de esgoto. Trinta e cinco milhões não recebem água tratada. Um terço da população vive em condições de pobreza. Educação de qualidade é exceção, rarefeita e onde ocorre é malvista. Convivemos com cinturões de miséria, criminalidade consolidada em estados paralelos e insegurança pessoal. Insegurança jurídica. Infraestrutura precária.

A lista é imensa. Complete-a você mesmo e responda. A culpa disso é sua? Minha? Nossa? Da sociedade? Ou é do Estado que arrecada muito e gasta mal? Ou é do Estado onde uma elite instalada em instituições que existem para servir à sociedade se abastece de privilégios e regalias crescentes, julgando-se credora de luxos e mesuras dos tempos do absolutismo monárquico? Ou é de um Congresso cujos graves equívocos constitucionais, judiciais e legislativos se combinam para o converter num shopping com lojinhas de venda de votos parlamentares? Ou de governos e mais governos nos quais a virtude é punida e o vício recompensado e protegido? Ou é de um judiciário que perde o senso de justiça e de medida, invade competência dos outros poderes, usa a Constituição ao gosto, como livro de receita e se assume como tutor da sociedade? Ou é da corrupção estrutural? Ou é dos partidos, que do Estado se abastecem? Ou é de instituições de Estado que têm como lacaia a nação a que deveriam servir e impõem a ela o temor que lhe deveriam ter?

Não será delas que virá a solução porque elas são o problema. Estão concebidas para atuar como atuam e proporcionar os resultados que proporcionam. Há responsabilidades individuais? Sim, claro! E também brilhantes méritos individuais. Mas estamos vendo, periodicamente, que não basta trocar nomes porque a regra do jogo determina como o jogo político e institucional é jogado. Em decorrência dessa realidade estrutural, congênita, que afasta representantes de representados, governantes de governados e julgadores de julgados, os cidadãos veem afastar-se, célere, a liberdade e, com ela, a democracia e as possibilidades de uma reforma institucional.

Independentemente do que o politburo pense, imponha ou consinta, eu sigo fazendo minha parte.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

03/03/2024

 

Percival Puggina

         Não é preciso que me digam. Há uma esquerda que não sofre dos mesmos males que afetam o esquerdismo brasileiro produzindo sequelas institucionais, econômicas e sociais gravíssimas. Existe uma esquerda diferente, sim, mas no Brasil ela é como certas espécies raras da nossa fauna: difícil de achar. A que mais se tem por aí herdou os resquícios do comunismo clássico, ainda vigente no Leste Europeu à época da fundação do PT em 1980. Naqueles momentos iniciais, o partido incorporou a maior parte da intelectualidade comunista e da militância na luta armada beneficiadas pela anistia. Eram trotskista em muitos casos, stalinista noutros.

Foi por esse DNA que, dez anos tarde, quando os governos comunistas europeus foram obrigados a se apear ou foram jogados para fora do lombo das sociedades que tinham como montaria, o partido e seus congêneres na América Latina criaram o Foro de São Paulo em iniciativa de Lula e Fidel Castro. E o fizeram com as confessadas intenções que todos conhecem: recuperar aqui o que foi apeado de lá.

O passado deixa seus sulcos nas faces das pessoas, na vida das sociedades e em seu futuro. São eles que determinam muito de nosso presente. Por que o fazem, se noutras partes do mundo o comunismo, como tal, foi abandonado?  Até a China mantém uma rígida ditadura, mas deixou referências ideológicas de lado, virou capitalista e rapidamente tirou da miséria mais de meio bilhão de chineses. A Rússia, faz a mesma coisa. Os países que integravam a desventurada franja da antiga “Cortina de ferro” deixaram a ideologia de sua miséria e submissão no lixão do passado e prosperam com a liberdade e a operosidade de seus povos. Na Ásia sobraram Vietnã, Laos e a patética Coreia do Norte.

O pior comunismo do Ocidente sobrevive como inspiração e ensaios de poder no Brasil e em nossas cercanias ibero-americanas. Nossos afetos e afagos vão para Cuba, Nicarágua, Venezuela e para qualquer ditadura de esquerda que se destaque por antiamericanista e anticapitalista como faziam os grêmios estudantis dos anos 60 do século passado. Àquela época nos arrastam.  

É por isso que Lula, um comunista de gostos “modestos”, como se sabe, e desapegado dos bens materiais, proclama: “Muito dinheiro nas mãos de poucos, como era antes, é concentração de renda. Pouco dinheiro nas mãos de muitos é distribuição de riqueza”. Falácia! É preciso que haja mais dinheiro nas mãos de uns que de outros para que os investimentos produtivos sejam privados e não estatais. Pouco dinheiro nas mãos de muitos ou de todos, como delira o esquerdismo que acabei de mencionar, é receita de miséria e opressão perenes e crescentes. Sem exceção, todas as experiências o evidenciam desde 1917.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

Percival Puggina

28/02/2024

 

Percival Puggina      

          O jornalista Sérgio Tavares veio ao Brasil cobrir para seus canais nas redes sociais a manifestação do dia 25 deste mês na Avenida Paulista. Se o relato das observações que fez em nosso país buscasse inspiração na carta de seu antecessor Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, ele provavelmente diria: “A terra continua boa e generosa, mas a gente que manda é nada bondosa”.

O Brasil está cada dia mais parecido com Cuba. Se os membros dos poderes de Estado assistissem um pouco menos a Globo, a CNN e afins, isso talvez não afetasse seus modos de agir, mas daria tempo aos seus ouvidos para a voz das ruas, onde dezenas de milhões de brasileiros têm a percepção de que a liberdade se extingue em nosso país. Não é a concordância, não são os puxa-sacos, nem os negocistas, nem os medrosos, nem os omissos que legitimam uma democracia, mas os que dissentem, divergem, discordam, refutam.

O conterrâneo e colega do escriba lusitano de 1500 foi submetido ao constrangimento de um escrutínio político. Isso não é aceitável; não é parâmetro de qualquer democracia.

Quando fui ao inferno caribenho pela segunda vez, em 2003, com o intuito de escrever “Cuba: a tragédia da utopia”, fiz contato com dissidentes e acabei sendo seguido, filmado, tive minhas ligações monitoradas de modo tão ostensivo que, buscando segurança, fui à embaixada do Brasil, já então sob comando de Tilden Santiago, ex-deputado federal do PT. Essa visita e a conversa que tive com o “companheiro” secretário da embaixada, estão minuciosamente relatados no livro. Minha preocupação maior era com as condições de saída do aeroporto preservando imagens e anotações que levava sobre minhas conversas com os dissidentes. O funcionário foi nada receptivo. “O senhor veio a Roma e não agiu como os romanos. Eles não gostam que pessoas entrem como turistas e saiam falando mal do país. Aqui tem muita coisa boa; as coisas não são como o senhor parece crer que sejam”, etc. etc.

Vejam que meu constrangimento em Cuba, ainda que tenha se prolongado por uma semana, foi muito menor do que o de Sérgio Tavares aqui. Mau sinal. Enquanto o totalitarismo cubano me controlou à distância, a suposta democracia brasileira submeteu o jornalista português a um interrogatório político. Nessa ideologia e em seu ruinoso trajeto pela história, democracia e liberdade são vocábulos de marketing, mas têm conceitos de confraria, de aplicação restrita, intimistas e excludentes.

 

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

26/02/2024

 

Percival Puggina

        Leio no Estadão (24/02/2024) que o volume de emendas parlamentares pagas pelo governo Lula em 2023 chegou a R$ 34,5 bilhões. A cifra representa 17,9% das chamadas despesas livres. Em 2014, as emendas pagas correspondiam a 0,1% (R$ 200 milhões). Comparado com isso, o valor aprovado para 2014 é 179 vezes maior – R$ 53 bilhões (“b” de bola e “i” de índio, como diz o senador Girão)!

O Orçamento da União está comprometido com gastos obrigatórios (aposentadorias, salários, etc.), restando uma margem de apenas 7% para as despesas discricionárias destinadas a investimentos em obras, por exemplo.

Essa farra tem efeito nocivo no comportamento político do parlamento e na saúde da democracia como um todo, pelo que é feito e pelo que não é feito. Disseminou-se como um mal sobre os legislativos nos três níveis em que se organiza a teórica federação brasileira, cada dia mais centralizada. Maus exemplos pegam de galho.

Esse tipo de crítica precisa ser feito, mas não acontece nos níveis em que mais amplamente se conduz a opinião pública. É de louvar, pois, a matéria do Estadão, que pode ser lida aqui. Ela traz comentários e informações evidenciando que a dispersão dos recursos nacionais em mãos de congressistas não se reflete em melhoria de bem estar aos munícipes das localidades mais carentes, em especial na área da Saúde. Silenciou, porém, sobre o tema político que abordarei a seguir.

Quando altas autoridades da oligarquia que comanda o país com mão de ferro dizem que as instituições funcionam, eu confirmo. Sim, funcionam como seus operadores desejam, mas não como a sociedade gostaria que as ver operando.

Tudo se agrava por impróprios e confessados motivos: as emendas parlamentares são as criptomoedas com que se adquirem votos no Congresso, corrompendo consciências e alterando a natureza dos laços que deveriam aproximar representantes e representados. Parlamentares vendem a representação por emendas e com elas ampliam apoios em suas bases eleitorais. As cabeças coroadas do Centrão reúnem-se com Lula e irrigam seus plenários com dinheiro dos nossos impostos.

O cidadão que não se embriagou nessa desgraceira e está preocupado com sua liberdade, com o direito de opinião, com o desrespeito à Constituição, com a expansão do autoritarismo, com os furiosos discursos contra os tais discursos de ódio, com as ameaças constantes e excessos crescentes que pairam sobre a oposição e sobre toda a divergência, pergunta: “E a democracia, tchê?”. Quem a conhece informa que está de ressaca. Mas isso haverá de passar.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

23/02/2024

 

Percival Puggina

         Que diriam Chico Anysio, Costinha, Dercy Gonçalves, Ronald Golias, José Vasconcellos, se chamados do Além para proferir algumas palavras neste velório silencioso do humor brasileiro? Por vezes, penso que alguém impôs sigilo até às exéquias do bom humor nacional.

No início, pareceu-me que as máscaras da Covid vinham para ficar. O riso e o sorriso sumiram sob a tirania dos elásticos e das sanções. No entanto, saíram os elásticos e as sanções permaneceram. Pobre e triste Brasil! Tão ferida está tua alma que o humor circula na criptografia dos e-mails e das mensagens pessoais que tanta curiosidade (e ira) suscitam. De fato, nas catacumbas onde alguma privacidade é preservada, os dias nos surpreendem com o qualificado humor de muitos.  A criatividade e a inteligência resistem à bisbilhoteira inteligentzia oficial.

O humorismo sumiu do rádio, da tevê, das revistas e dos teatros; está custodiado em uma ou outra página perdida por aí. Suprimiram-lhe os melhores personagens, os mais atuais e engraçados, ou seja, certos políticos e suas performances. Tomaram-lhe, principalmente, os penetras do palco, noviços da arte política e seus excessos. Se tiram do humor a vertente dos plenários e dos plenos, de onde viriam o riso e a graça? Das narrativas repetidas numa constância de provocar engulhos até em cantor de rap? Vamos deixar a realidade num cabide e fazer humor com os vestidos desta ou daquela dama?

O humor falece junto com a liberdade. Por isso, as verdadeiras democracias preservam o humor político como verdadeiro tônico da participação social; não prendem nem constrangem seus humoristas ao exílio.

***

A três palmos de meu nariz, estão os livros que mais frequentemente acesso. Entre eles, dois preciosos volumes de “Uma campanha alegre”, coletânea de artigos de Eça de Queiroz para o jornal “As farpas”, que ele e Ramalho Ortigão lançaram em 1871 para combater as instituições portuguesas de então. Creiam: é gênio em prosa!

Num texto de agosto desse mesmo ano, após criticar certa situação específica envolvendo a Câmara dos Deputados, ele interroga os parlamentares portugueses:

Por que não tiram, para maior comodidade de suas pessoas, a consequência lógica de seu procedimento? Se se desprenderam de todo respeito, por que não se desembaraçam de suas gravatas? Se se atribuíram o direito de dizer injúrias, por que não se dão o direito de trazer chinelas? Por que conservam uma certa compostura de toilette – se têm desabotoado tanto a dignidade?

E mais adiante, depois de uma página e meia de impiedosas ironias em cascata, parece falar para leitores de outro continente, 153 anos mais tarde:

Temos nós obrigação de respeitar a Câmara quando ela se não respeita? Ela vive nas assuadas indecorosas – e há de exigir que nos curvemos como se ela vivesse nas ideias elevadas?

Se alguém espera humor a favor, terá que se munir de paciência e boa poltrona. Não existe humor a favor, não existe humor pró! Para isso, o que existe é a ironia, mas cuidado, essa anda sobre o perigoso fio da navalha da hipocrisia. A causa mortis do riso e da graça é bem simples: o humor político se inspira em algo ou alguém que pode não gostar. Por isso, como toda forma de expressão do pensamento, precisa das garantias constitucionais. Para que tenha vida social, impõe-se que o humor seja contido, apenas, pelos limites de lei legislada em regime democrático, não da lei desejada por alguns espíritos arrogantes e de convicções itinerantes.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.