Percival Puggina

30/10/2020

Nota: este texto atualiza um artigo que escrevi em 2004, com o título “Mateus, adeus!”.


No mercado de trabalho brasileiro, como resposta às circunstâncias e realidades próprias da nossa vida econômica, o trabalho informal vai virando regra e o vínculo empregatício se tornando exceção. E note-se: não é informal apenas o trabalhador na sua relação com o patrão. Muitos patrões caíram na informalidade e ficaram tão informais quanto o biscateiro, o ambulante, o cuidador, o motoqueiro, o motorista do aplicativo e grande parte dos autônomos.

Tudo isso é medido regularmente pelo IBGE. A pesquisa PNAD Contínua divulgada com dados do segundo trimestre deste ano mostrou haver no setor privado do país 30,2 milhões de trabalhadores formais e 33,8 milhões de informais. Estes últimos se subdividem em 11,6 milhões de trabalhadores sem carteira assinada, 3,3 milhões de domésticos sem carteira assinada, 0,7 milhão de empregadores sem CNPJ, 16,3 milhões de trabalhadores por conta própria sem CNPJ e 1,9 milhão de familiares auxiliares.

***

A história do século XX ensinou aos povos que é possível paralisar a atividade produtiva através da implantação de um sistema do tipo socialista ou comunista que concentre no Estado a legitimidade das iniciativas econômicas. Dentro dessas mesmas sociedades, no momento seguinte, em presença da escassez, surge um mercado paralelo e uma rede de corrupção, que passam a ser tolerados pelo sistema em virtude de sua eficiência para atender as carências mais urgentes da população. Em Cuba, esses trabalhadores por conta própria são chamados cuentapropistas.

As circunstâncias em que vinha operando a economia brasileira ao longo da mais recente década perdida receberam poderoso impulso para baixo à conta do novo coronavírus. Se já tínhamos excessiva tributação e excessiva regulamentação, o vírus interrompeu a circulação de pessoas e bens, parou atividades, derrubou o consumo e a produção, e deve, a qualquer momento, dar origem a um novo tributo.

Se faltou dinheiro até para o poder público, imagine nos negócios de Mateus. Numa nação rica, pouco populosa, altamente produtiva, cultural e tecnologicamente avançada, admite-se que o Estado se aproprie de 40% do PIB para prestar bons serviços à população. Num país pobre, populoso, de baixa produtividade, reduzido nível cultural e tecnológico, uma apropriação de recursos sociais, por via fiscal, quase nessas proporções, adquire força de lei penal: informalize-se ou morra.

Mateus entendeu a ordem e a está cumprindo. Belo dia, chegou em casa depois de raspar o caixa para pagar seus impostos, pressão arterial a 20 x 13, olhou para as carências dos seus e exclamou: “Primeiro os meus!”. Adeus ao Simples (e ao complicado), adeus sindicato, adeus previdência, adeus fiscalização, adeus Justiça do Trabalho. Um dia, quem sabe, nossas instituições vão encarar o Brasil real e levar a sério o ministro Paulo Guedes.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

28/10/2020

 

 Eu não queria acreditar quando me contaram que sete partidos já recorreram ao STF para que a Corte determine ao presidente da República como deve agir em relação à CoronaVac. Parece uma questão tipicamente judicializável, não? Os ministros devem saber tudo sobre esse assunto, instruídos em algum curso pós doc...

 Em nome do convívio independente e harmônico entre os poderes de Estado, as manifestações do STF em questões do Executivo e do Legislativo deveriam ser raras e muito bem justificadas. É fácil entender que pequenos partidos, ou o bloco minoritário da oposição, sem votos suficientes para impor suas opiniões, recorram ao STF, num claro abuso do direito de peticionar. Mas é difícil entender que os “supremos” se prestem para a instrumentalização do poder que têm.

Malgré tout, nosso STF é o próprio poder xereta, dando causa a desnecessárias tensões políticas. A maioria dos senhores ministros vê o presidente da República com as lentes do partido ao qual devem suas nomeações para o posto que ocupam. Sob essas lentes, Bolsonaro é um tirano que precisa ser contido e, para contê-lo, foi instituída uma informal ditadura do judiciário. Um caso típico de projeção: projetam em Bolsonaro o que, na prática, eles mesmos se comprazem com ser. Puxe pela memória, leitor, e me diga quando, nas últimas décadas, vivemos período de tanta intromissão do Supremo e de seus ministros na vida nacional?

PT, PCdoB, PSOL PSB e Cidadania querem que o STF impeça o governo de se contrapor a qualquer providência referente a vacinas e vacinações; a Rede quer que o governo apresente um plano de vacinação; o PDT quer que o Supremo reconheça a competência dos estados e municípios para tornar compulsória ou não a vacinação, e o PTB pede que essa possibilidade seja declarada inconstitucional.

A questão de fundo aqui é a seguinte: por que esse surto de judicializações, que não dá sinais de esmorecer, esvaziando o debate político, descaracterizando as funções do parlamento e comprometendo as ações do governo? São três as respostas a essa indagação. Elas interferem cumulativamente para darem causa a esse surto.

• Resposta 1 – o único intuito da oposição é atrapalhar o governo;
• Resposta 2 – o plenário do STF é, hoje, o mais ativo partido político brasileiro;
• Resposta 3 – há notória sintonia entre a oposição e a maioria do STF.

De todos esses pleitos, o único que tem jeito de matéria constitucional é exatamente aquele em que se confrontam os pedidos de PDT e PTB: é legítimo tornar a vacinação obrigatória? Parece bem nítida, aqui, no pedido do PDT, a afronta a liberdade individual, mormente quando, a cada dia, aumentam as incertezas sobre a segurança dessas vacinas. Sem esquecer, por fim, que a CoronaVac é mercadoria que o Partido Comunista da China põe à venda dizendo que vai imunizar a população contra o vírus que veio de lá.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

26/10/2020

 

 

 Discute-se se o Brasil deve, efetivamente, comprar milhões de doses da vacina chinesa. Sem a menor intenção de magoar a sensibilidade do governador João Doria, que tem revelado particular afeição pelos interesses chineses no Brasil, quero proclamar minha completa aversão a esse negócio. Aplica-se a ele a regra segundo a qual jamais compre mercadoria que venha empacotado por algum partido comunista.

Ao que se sabe, há duas hipóteses para a origem do coronavírus. Ou ele – em suposta teoria da conspiração - é produto de algum laboratório chinês, ou ele surgiu daqueles hábitos alimentares em que seres humanos acabam metabolizando insetos e animais silvestres com constante risco de trazer à humanidade doenças para as quais não temos imunidade.
A origem desses péssimos costumes é conhecida. Eles foram adquiridos nos tétricos episódios de fome impostos pelo Partido Comunista da China ao povo chinês. Ainda que seja motivo de pesar, é imperdoável que, sabido o alto risco que eles representam, nada tenha sido feito para extingui-los. Num mundo globalizado, não há limites para a expansão de novas pandemias. Portanto, a responsabilidade do PCC é indiscutível, como indiscutível é sua condição de soberano senhor do povo de seu país. Pode-se discutir a maior ou menor responsabilidade moral do Partido numa e noutra hipótese. Mas não se pode pôr em dúvida a responsabilidade.

As suspeitas se foram tornando mais incisivas quando a revista Exame, em matéria do dia 1de setembro (1), constatou que dezenas de economias nacionais estavam acusando quedas drásticas do PIB. Entre elas, Índia, Brasil, Estados Unidos, Japão e praticamente toda a Zona do Euro. Enquanto isso acontecia no mundo das vítimas, a China, “por haver controlado rapidamente a epidemia”, logo voltou a crescer. Em abril, o jornal El País (2), sobre cuja posição política não pairam incertezas, publicou matéria listando reações de governos europeus, notadamente França e Reino Unido, cobrando responsabilidades do governo chinês:

“Esperamos que a China nos respeite, como ela deseja ser respeitada”, declarou na segunda-feira o ministro francês de Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian. “Nada pode voltar a ser como antes” enquanto a China não esclarecer de forma cabal tudo o que está relacionado com o vírus, observou na semana passada seu homólogo britânico, Dominic Raab.

A interessante matéria destaca, ainda, uma guerra de narrativas, com a qual, propagandisticamente, a China exibe suas remessas de material médico e de enfermagem ao Ocidente, enquanto silencia o fato de haver o Ocidente feito o mesmo quando o problema se manifestou em Wuhan. A BBC, em 28 de julho, divulgou matéria em que médico chinês afirma haver, em 12 de janeiro, informado as autoridades chinesas sobre a transmissão humana do vírus. O alerta, contudo, só foi levado ao público em 19 de janeiro (3).

Por isso, penso que o PCC, soberano senhor do povo chinês, repito, deveria oferecer sua vacina de graça à humanidade. E a humanidade deveria devolver a mercadoria. Alias, gostaria que o presidente da República enviasse uma dose dela para os jornalistas que o recriminam por sua atitude de resistência. Quantos realmente iriam usá-la?
Enfim, a China deveria indenizar a humanidade pelo estrago que fez, deveria usar seu aparelho tecnológico para extinguir os riscos que provenientes dos maus hábitos alimentares de alguns de seus cidadãos, ou dos ensaios empreendidos por eventuais “doutores Nirvana” de seus laboratórios. Jamais, jamais, ganhar dinheiro vendendo vacina às vítimas do vírus que veio de lá.

(1)https://exame.com/economia/pandemia-provoca-recessao-recorde-e-derruba-pib-de-ao-menos-28-paises/
(2) https://brasil.elpais.com/internacional/2020-04-21/franca-e-reino-unido-lideram-endurecimento-do-tom-europeu-com-a-china.html
(3) https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53569400
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

22/10/2020

 

 Minha geração viveu a inteira experiência da Guerra Fria. Conflito Leste-Oeste, Organização do Tratado do Atlântico Norte versus Pacto de Varsóvia, armamento nuclear abarrotando arsenais em quantidade suficiente para destruir o planeta várias vezes, corrida espacial. Minha geração viveu décadas com medo da “bomba”. Por fim, a estrepitosa queda do Muro de Berlim e a extinção da URSS. Ao mesmo tempo em que isso acontecia no lado visível do palco, no bastidor os derrotados se infiltravam tomando o controle dos meios culturais do Ocidente e agindo no sentido de destruir a cultura e os valores que se haviam revelado vencedores. Deu muito certo.

No Brasil não foi diferente. O processo constituinte de 1987/88 abriu o caminho para os derrotados pelo regime militar chegarem ao poder. Os meios culturais já estavam dominados de tal forma que, enquanto a caneta aparelhava as instituições, os recursos da União financiavam os meios de influência. Como resultado, passou-se a viver perigosamente no Brasil, com um nível de insegurança de nações em guerra. Mas isso não importa aos poderes da República. Só condutas que possam ser identificadas como politicamente incorretas suscitam a fúria das Cortes. Para tudo mais vige o estímulo da impunidade.

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Quem tem um STF e um Congresso Nacional com a atual configuração de forças não precisa do Partido Comunista da China para difundir insegurança à população. Conseguimos perfeitamente bem protagonizar nossos próprios medos e custear o conforto de quem lhes dá causa. Não contentes com a carnificina, os assaltos, sequestros, estupros e furtos do quotidiano, nossos ministros do Supremo libertam as forças do mal soltando bandidos perigosos. Para fazer isso com a consciência tranquila e dormirem bem à noite, no dizer vaidoso de Marco Aurélio Mello, concedem-lhes habeas corpus às centenas “sem olhar a capa dos processos”. Perfeito! Adotam o princípio rotariano de fazer o bem sem olhar a quem. Sei, sei. “Impunidade”, este é o nome do jogo, que também se poderia chamar “Como produzir mais vítimas com o mesmo contingente de bandidos”.

Nosso Senado Federal é formado por 81 senadores com a prerrogativa constitucional de pôr fim a esse escárnio, contanto que o queira. No entanto, não se consegue mais de vinte e poucas assinaturas para qualquer ação efetiva de legislar em favor da sociedade e contra o crime. Setenta e cinco por cento dos senadores querem tudo exatamente como está, com todas as garantias e chicanas para criminosos que, não raro, são eles mesmos. Aliás, quando o Congresso Nacional legisla para abrandar o Código Penal e embutir, contra o interesse da população, mais alguma treta no Código de Processo Penal, ele comete o ato moralmente reprovável de legislar em benefício próprio. Não há como não pensar nisso. Aliás, nenhum parlamento de país democrático considera tal prática compatível com a dignidade do poder.

É nesse perigoso contexto que a República Popular da China vem se aproximando do Brasil, cheia de amor para dar. Fora do Partido Comunista da China (PCC), ninguém no mundo confia no Partido Comunista da China. O Brasil, no entanto, esteve a um passo de disponibilizar a vacina chinesa contra o vírus que, oriundo de lá, fez enorme estrago nos sistemas de saúde pública e na economia mundial. Felizmente, o presidente transferiu para a Anvisa a responsabilidade de aprová-la ou não.

Por outro lado, a tecnologia 5G está determinando uma disputa entre EUA e China que está sendo comparada pela diplomacia brasileira com episódios comuns ao tempo da Guerra Fria. Multiforme, ela volta, repaginada, em versão sino-americana, com acirrada disputa pela supremacia econômica e tecnológica. Há sempre um lado totalitário assombrando o planeta. Comunismo, globalismo, terrorismo são enfermidades morais que só a democracia consegue sanar.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

20/10/2020

Se formos estudar sobre conservadorismo folhando os mais brilhantes autores europeus, vamos morrer de inveja. Eles têm o que conservar ainda que o façam, como nós, sob intenso ataque. Têm tradição e a respeitam. Vivem em um continente onde existe visão de história e, principalmente, instituições estáveis e funcionais. Nós estamos apenas começando a nos conhecer. Ganhamos a eleição com uma visão bastante clara do que não queríamos. Convergiremos no que queremos?

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Engels, em união de almas ignoradas e desmazeladas com Marx, atribuiu à instituição familiar os males do mundo e abriu mais uma porta ao sinuoso e misterioso raciocínio do filosófo de Tréveris. Verdadeira multidão de pensadores bebeu água na fonte marxista. Alinharam-se com o desconstrucionismo próprio dos movimentos revolucionários. Converteram suas jovens vítimas em bonequinhos da reengenharia social. Dedicaram as últimas décadas a desacreditar, tumultuar e sabotar a instituição familiar. Fazem-no com palavras e obras. No serviço de sua causa política.

O séquito dos adoradores de Marx desconsidera seus erros. No entanto, ele deve ter sua validade medida e bom modo de fazê-lo é se deixar conduzir pelo cordão de seus prognósticos. Sua bola de cristal nunca funcionou direito e suas previsões para o futuro da humanidade seriam mais acertadas se vasculhadas esotericamente na borra de uma xícara de café.

Não é para desfazer de Marx que estou escrevendo isso, mas para que, passados 137 anos de sua morte tenhamos um juízo adequado do valor, aos pósteros, de sua produção intelectual. Nada diferente do que a história nos reserva quando vamos examinar textos de outros pensadores que se arriscaram a vislumbrar além do horizonte. Não podem ser comprados pelo preço da etiqueta.

O fato é que se há um território disputado na guerra cultural, fria e civil, é o território da família. Na perspectiva conservadora, essa é uma luta de vida ou morte porque, sem família perdem-se as crianças, vai-se a fé, e cessa a transmissão dos valores. Eis por que, mundo afora, tantos professores de modo velado ou explícito, jogam os filhos contra os pais, mormente se a clientela for de famílias daquela classe que a socióloga do PT, Marilena Chauí diz odiar.
Pense nas correntes políticas e ideológicas que agem contra a família, contra a infância, a favor da sexualização precoce ao mesmo tempo em que “problematizam” a sexualidade infantil com a ideia fixa da ideologia de gênero, impingida com inesgotável persistência. Observe que esses mesmos grupos políticos e partidários defendem a liberalização das drogas, referem-se à maconha como equivalente psicotrópico da independência e da liberdade. Usam a imagem da folha do vegetal como bandeira... “Abre as folhas sobre nós!”. Não sei qual será sua conclusão, mas para mim esses grupos estão tão preocupados com a infância quanto o Zucherberg com a chuva ácida na Polônia. Estão simplesmente fazendo sua parte na guerra cultural.

Agora, faça mais. Lembre-se do que aconteceu quando lançada a campanha de prevenção da gravidez precoce. Como reagiu a imprensa militante, quase sem exceção? Qual a atitude dos partidos revolucionários? As meninas eram apresentadas como Rapunzel presa na torre da bruxa Damares Alves, obrigadas a lançar as tranças para a escalada de seus príncipes... Metamorfosearam a campanha, para combatê-la, tanto quanto nossos congressistas metamorfosearam o pacote anticrime quando enviado ao Legislativo.

A proteção da instituição familiar deve ser, portanto, um dos principais pontos para agregação dos conservadores brasileiros.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

17/10/2020

 Instituições morrem. Se não sofrem de morte física, padecem os tormentos da morte moral. Em breve, o escorregador da desonra não permitirá mais a muitos de seus membros mesa no restaurante, abraço dos amigos, pé na calçada da rua. Também assim se evidencia a tragédia brasileira. Sem a mais tênue sintonia com a sociedade, salvo honradas exceções, seus membros afirmam em tom orgulhoso que as instituições “estão funcionando”. Que bolha pensam habitar?

 A mais alta corte de Justiça do país, em duas inteiras e consecutivas sessões plenárias, decidiu, por nove votos contra um, que o líder de uma das duas maiores facções criminosas do país, condenado por tráfico internacional de cocaína, beneficiado por habeas corpus, deveria voltar para a cadeia... Ah! Se não houvesse tal decisão, quem prendesse o tal André do Rap por ordem de Luís Fux, teria que soltar pela ordem de Marco Aurélio? Note-se que André do Rap, nome de guerra do gajo, forneceu endereço falso e saiu da prisão diretamente para seu jatinho. Com ele, bateu asas e voou. Mas o STF brasileiro precisava confirmar que o habeas corpus concedido pelo insólito ministro Marco Aurélio não estava mais vigendo.

Ao cabo de dois dias de sessão, o Supremo concluiu que André, quando capturado, deve voltar para a prisão porque seu comportamento posterior à soltura violou as condições em que esta lhe foi concedida.

Enquanto assistia estupefato aos votos dos senhores ministros eu me perguntava o que estaria passando pela cabeça dos criminosos brasileiros perante aquela ridicularia, passarela de vaidades para a qual o ministro Marco Aurélio Mello, inevitavelmente, arrasta qualquer debate. Não lhe passa pela mente que o cidadão brasileiro, desafortunado pagador do show, é bastante inteligente para saber que se o ministro estivesse minimamente interessado na nação e não no conforto de seu arbítrio, deveria ter pedido informações? Usado o telefone? Em juízo criminal, o bom juiz deveria, sim, olhar quem é o sujeito do processo para identificar quem lhe pede habeas corpus. Não sabe o ministro que o Brasil é um país inseguro porque há, nas ruas, centenas de milhares de indivíduos que deveriam estar presos porque são criminosos profissionais? Que existem mais de 300 mil mandados de prisão para serem cumpridos? Que o Brasil, por essas sutilezas de linguagem, trata como “presos provisórios” inclusive tipos de alta periculosidade, condenados em duas e até em três instâncias que jogam com as chicanas processuais enquanto buscam a prescrição?

O cidadão comum, cumpridor de suas obrigações, trabalhador responsável, sabe que apenas um número infinitesimal dentre os mais de 700 mil detentos nas prisões do país tem acesso expedito a um gabinete do STF. Menos ainda a deferência de duas sessões plenárias consecutivas para cuidar do seu caso. Chega a ser ridículo o ar solene com que algo tão burlesco é levado à plateia nacional.

Não, leitor, não olhe para o outro lado da praça. Lá funciona, solidário e majoritário, sem credo nem cor, ativo mecanismo de autoproteção. Ele exerce a prerrogativa de gerar uma legislação penal e processual para cuidar do passado, presente e futuro de todos os seus membros enquanto as instituições morrem na alma nacional.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

15/10/2020

 

 Minha geração viveu o inteiro período da Guerra Fria (1947-1991). Foram os longos anos do conflito Leste-Oeste, da geopolítica definida pelas duas trincheiras opostas, da corrida espacial e dos arsenais repletos de artefatos nucleares suficientes para destruir diversas vezes o planeta azul. Não preciso, então, que algum rapazinho barbudo me venha contar a Guerra Fria que menciono na abertura do filme “1964 o Brasil entre armas e livros”, produzido pelo Brasil Paralelo.

Quando ela acabou, já estava encarniçado o conflito em outro teatro de guerra, também ela fria. Refiro-me ao teatro interno de uma disputa travada nos espaços que cada nação dedica à Cultura, à Educação, à Comunicação Social e ao papel das religiões.

A guerra cultural atinge, principalmente, as nações livres e precisa ser identificada em suas manifestações, assumida como um dado da realidade mundial e empreendida de modo realista, não poético nem estético, para que se possa conservar fria. Trava-se em praticamente todos os países do Ocidente, entre conservadores/liberais e revolucionários. E vamos tomar esta última palavra pelo seu sentido comum, que talvez fique mais bem definido quando pensamos no Fórum Social Mundial e seu impreciso “Um outro mundo é possível”. Não hesito em afirmar, sob as luzes da história vivida, que o outro mundo possível é um mundo totalitário porque sempre é aí que chega a esquerda revolucionária quando conquista o poder.

É bom lembrar: o Brasil saiu dos governos militares e caiu nas mãos dos seus adversários. Os revolucionários dominaram os quatro palcos da guerra: Cultura, Educação, Comunicação e Igreja. Nas últimas décadas, os conservadores perdiam por WO. Sem adversários, o PT discutia consigo mesmo através de suas tendências. Nossos autores conservadores ou liberais eram poucos e mantidos ocultos nas universidades: João Camilo de Oliveira Torres, Otto Maria Carpeaux, Gustavo Corção, Meira Penna, Antonio Paim, Ives Gandra, Eugênio Gudin, Roberto Campos, Olavo de Carvalho.

Nada do que está em curso no Brasil deixa de ter relação com a realidade aqui mencionada. Durante meio século, a esquerda revolucionária se instalou nos meios culturais, ganhou autonomia nas universidades federais e busca o mesmo objetivo em todo o sistema de ensino. Ela abasteceu as prateleiras e diversificou seus modos de financiamento e atuação, sempre tendo como objetivo sufocar o conservadorismo, seu desatento adversário.

Favorecido com isso, o esquerdismo revolucionário dominou o ambiente cultural e passou a jogar afinado com o Foro de São Paulo. Foi nesse braço de mar que o desajeitado e rude Bolsonaro lançou a rede e fez sua pesca foi milagrosa.

Falta-nos, agora, praticamente tudo para recuperar tempo e terreno perdido. E aí estão as dificuldades do governo. Embora o conservadorismo reconheça a importância do consenso, as trincheiras da guerra cultural e as forças que em virtude dela se aglutinam não podem ser desconhecidas porque o conservadorismo é realista. Conservadores não devem adotar conduta que favoreça as ações do adversário, devem se empenhar para retomar posições perdidas. O que nestes dias se discute sobre a nomeação de reitores das universidades federais tem absolutamente tudo a ver com o que aqui descrevo. Visto de longe parece burrice, visto de perto é guerra fria.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

13/10/2020

 

 Quando ocorrem desavenças nas brincadeiras de crianças, é comum que uma delas, sentindo-se prejudicada, saia do grupo para se queixar ao papai, ou ao irmão mais velho. Nem criança acha louvável tal conduta. Na minha infância, esses meninos eram chamados “filhinhos do papai”. Imagine, agora, partidos políticos, nanicos ou não, correndo infantilmente ao Supremo sempre que algo os contraria, seja no parlamento, seja no governo. É a judicialização da política fazendo o rabo da pandorga chamada politização da justiça.

Desta feita coube ao PV choramingar sua contrariedade perante uma das consequências da derrota da esquerda que comanda as universidades brasileiras com muito maus resultados até onde a vista alcança. O partido finge desconhecer que liberdade é exatamente o atributo desejável que o aparelhamento eliminou em tantas delas. Apelou então o partido aos companheiros grandões do STF, cujo plenário, como se sabe, também foi aparelhado, para que imponham ao presidente da República o dever de nomear como reitores e vice-reitores, sempre e sempre, aqueles que constem em primeiro lugar nas listas encaminhadas a ele pelos Conselhos Universitários. Responda você, leitor: o que tem o STF a ver com isso?

A Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo PV ataca a Lei 9192/92 que afirma, literalmente, o contrário, referindo-se aos dois cargos: “... serão nomeados pelo Presidente da República, escolhidos dentre os indicados em listas tríplices”. Essa norma vigeu sem embaraços durante 28 anos, mas a derrota da esquerda em 2018 amargou a receita. De repente, ela ficou tão intragável para a esquerda brasileira que o próprio ministro Edson Fachin, relator do caso, precisou regurgitar por inteiro sua opinião sobre o mesmíssimo assunto. De fato, em 2016, no Mandado de Segurança 31.771, ele votou no sentido oposto ao que defendeu na última sexta-feira. (1)

Para fundamentar tamanha contradição, o ministro precisou acionar mecanismos do Grande Irmão orwelliano e penetrar na mente do presidente da República para identificar ali as mais funestas intenções de intervenção na autonomia universitária. Nada surpreendente. O STF tem explicitado nitidamente esse ponto de vista e evidenciado a intenção de transformar o presidente numa espécie de gestor de massa falida. Ai dele se tiver qualquer ideia própria, qualquer intenção pessoal que possa ser vista como conservadora. Ai dele se divergir desse território sem lei nem ordem em que sucessivas presidências credoras de tanta gratidão na Corte transformaram o Brasil.

Mais uma vez, o STF se sobrepõe ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo, fazendo lei contra prerrogativas do presidente. O excelente Alexandre Garcia, comentando o assunto na CNN, fez a pergunta que desnuda a má intencionalidade do partido impetrante e do ministro relator: “Se é para escolher obrigatoriamente o primeiro da lista, para que a lista?”.


(1) https://www.conjur.com.br/2020-out-09/voto-fachin-lista-triplice-contradiz-decisao-anterior
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

11/10/2020

 

 Num sistema de pluralismo partidário, formado por siglas totalmente descaracterizadas, campanhas eleitorais acabam deslocando o eleitor para a periferia do jogo político. Muitos só votam porque é compulsório, como declarar imposto de renda. Aquela multidão de nomes e rostos que passam acelerados na tela da TV pouco significa para a maioria que, se não acompanha a atividade legislativa, menos ainda haverá de saber a respeito dos postulantes ao primeiro mandato. Conseguir votos assim, em tempo de pandemia, com nenhuma receptividade para reuniões, para receber visita, abrir a janela do carro e participar de eventos, é tarefa de Hércules.

Quem for eleito, descobrirá em seu cotidiano que a nova vida, tornada pública, envolverá uma sequência de decisões. Algumas são incomodamente irrelevantes; outras, angustiantes pelo desafio que lançam ao discernimento e à coragem. Refiro-me à opção sobre qual a melhor decisão a tomar em cada questão submetida à apreciação do detentor de um mandato popular. Refiro-me, também, à incômoda e frequente necessidade de discernir pelo mal menor, quando o bem não comparece no catálogo das possibilidades. Refiro-me, por fim, à sempre presente opção de o parlamentar, com tal ou qual decisão tomada, pôr em risco um futuro novo mandato.

Decidir, decidir, decidir, eis o dia-a-dia da vida pública.

Tudo fica muito mais fácil quando os princípios – os tão ignorados princípios – funcionam ao modo de um sulco aberto na rocha para que as decisões a tomar fluam através dele como as águas de um rio. Na situação infelizmente mais comum na política que vemos, o sulco aberto conduz ao próprio bem ou ao melhor dividendo político pessoal. Desaparecem das decisões, então, todos os conflitos de interesse, todas as preocupações e todas as respostas a buscar com vistas à melhor conveniência da sociedade.

Sob tal moldura, não deveriam os candidatos à representação popular enfatizar seus princípios (contanto que os tenham) e mostrar como sua biografia se coaduna com eles, em vez de simplesmente discorrerem sobre feitos prometidos como isca para levar peixinhos à urna? Será apenas essa, ou apenas assim a dinâmica das escolhas do eleitor?

Atenção, portanto, a candidatos que escondem o próprio partido e suas cores, ocultam suas reais convicções políticas, mudam a própria conduta. Deformam-se para aparentarem ser o que não são.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.