Percival Puggina
28/08/2020
Não sei como andam as invasões de terra em tempos de covid-19. Suponho, porém, que tenham sido desativadas. Em dezembro de 2019, o presidente da República, num relato de fim de ano, fez um comparativo entre o número de invasões nos primeiros anos de sucessivas presidências. Os números apresentados foram estes: FHC/1995 – 145; FHC/1999 – 502; Lula/2003 – 222; Lula/2007 – 298; Dilma/2011 – 200; Dilma/2015 – 182; Bolsonaro/2019 – 5.
Os que invadem terras costumam recitar em prosa, verso, e não raro em atos litúrgicos, condenações à propriedade privada. De modo especial repudiam as cercas, vistas como cicatrizes lançadas pela ganância alheia no jardim das delícias proporcionado por Deus à humanidade. Essa condenação de base ideológica persiste até o assentamento. A partir de então é cada um no seu quadrado. Certa feita fui conhecer quatro assentamentos na região sul do estado e só em um deles consegui que me deixassem entrar. Estavam certos: em propriedade privada o dono faz as regras de acesso.
Parece conveniente, portanto, explicitar algumas ideias sobre o direito à propriedade privada, que é um direito natural reconhecido pelas modernas constituições democráticas. Já a posse coletiva dos bens é uma noção tribal, retomada no socialismo do século XIX por doutrinadores inconformados com a superação do tribalismo pelo regime de propriedade privada. O fracasso do coletivismo, mesmo quando dispôs dos modernos instrumentos técnicos e do poder político, dá prova recente e cabal disso. Se tudo fosse de todos, “quem passaria a noite com a vaquinha doente?” indagava com sensatez, S. Boaventura. Com efeito, na propriedade coletiva dos bens, tudo resulta muito mais descuidado porque ninguém zela por tais coisas tanto quanto zelaria pelas próprias. Ademais, suprimida a perspectiva de benefícios ao possuidor, regridem a laboriosidade e o progresso.
Não são poucos os que, face ao quadro das desigualdades sociais, se interrogam sobre a legitimidade dos bens alheios, numa atitude semelhante à do enfermo que se contristasse com a saúde dos demais. O nome disso é inveja e a inveja não produz justiça nem solidariedade. A sociedade prospera e se ordena de modo positivo quando os bens particulares produzem todos os frutos possíveis.
Notícias que me chegam de contatos cubanos informam que o país vive tempo de fome, semelhante ao que sucedeu à retirada dos russos com o fim da União Soviética. A falência da madrinha Venezuela e as derrotas do PT no Brasil acentuaram a escassez, dando origem a apelos por auxílio humanitário internacional. Desde maio, porém, toneladas de alimentos arrecadados nos Estados Unidos por cubanos no exílio para famílias cubanas na ilha permanecem em litígio aduaneiro sem serem distribuídos à população! A esse ponto chega o dogmatismo.
Ser sensível perante as carências alheias, colocar os bens, talentos e saúde à serviço dos demais, produzindo todos os frutos possíveis, gerar riqueza sem avareza, ser justo e combater as injustiças, eis algumas das formas pelas quais se pode responder de modo construtivo às necessidades sociais. Nicodemos era rico e justo; o epulão que desprezava o pobre Lázaro, rico e injusto. O mal não está em possuir bens, mas em ser possuído por eles. Fazê-los produzir resulta muito mais útil do que repudiá-los.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
26/08/2020
No dia 19 de julho a imprensa nacional informou que 716 mil empresas haviam fechado as portas no Brasil em virtude da pandemia. E o coronavírus seguirá, setembro adentro, vitimando, também, esses ambientes proveitosos à vida humana que são as empresas privadas.
Digo isso ciente de que, infelizmente, essa não é uma percepção comum. A população brasileira transita, inadvertida e submissa, em meio a instrumentos de doutrinação e domínio das mentes sob os quais se predispõe a considerar o ambiente empresarial como um lugar de opressão e submissão para exploração. Não percebem – tantos brasileiros! – quão submissos estão, isto sim, à opressão e à mistificação ideológica. Não é por outro motivo que, em tempos de pandemia, tanto se fala em opção entre vida e dinheiro. No entanto, esses locais que chamamos empresa, escritório, firma, fábrica, loja, venda, estão para a vida humana assim como os recifes de coral estão para a vida marinha nas cálidas águas tropicais.
Empresas funcionam à semelhança dos ecossistemas. Quando fatores externos agem de modo descuidado, estabanado, todo o sistema padece esse impacto afetando os organismos que ali se desenvolvem e inter-relacionam. Acho que não preciso fazer prova dessas afirmações. Estamos vendo acontecer. Até aqui, aliás, este texto é meramente descritivo. Mas tem mais.
Quando, em 2013 a cidade de Detroit quebrou, a maior parte de seu imenso parque automobilístico já havia encerrado atividades ou ido embora. A população caiu de dois milhões para cerca de 700 mil habitantes. Setores da cidade e imensos pavilhões industriais proporcionaram cenários para filmes de zumbis. Pelo viés oposto, são os negócios, a atividade mercantil, a manufatura, a prestação de serviços que a seu modo viabilizam a vida, a realização dos sonhos, as famílias e seus projetos. A vida e a liberdade.
Dez mil lojas de variados portes fecharam no Rio Grande do Sul. Não suportaram. Seus proprietários chegaram ao mês de maio com seus recursos esgotados diante de mais de dois meses com as portas fechadas desnecessariamente porque o vírus andava longe daqui. Quando ele chegou, teve início o abre e fecha, tipo sanfona de gaiteiro preguiçoso, muito mais tempo fechada do que aberta. Vieram os horários estapafúrdios, veio a arbitrariedade das agendas de funcionamento tiradas de mero arbítrio da autoridade, veio a onipresente ameaça do lockdown geral a afugentar ainda mais a vida de seu sustento.
Repito: a afugentar a vida de seu sustento!
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Cidadão de Porto Alegre. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
23/08/2020
Leitor escreve perguntando “até que o ponto o governo pode ser responsabilizado pelo mato sem cachorro no qual se enfiou”. Ele considera que isso aconteceu “mesmo diante de muitos avisos, deixando-se o governo engolir pelo STF, pelos políticos da velha política e, talvez o pior, pela ala militar”. A pergunta é importantíssima e a reprodução da resposta solicitada por muitos leitores.
A responsabilidade pessoal do presidente ou de seu governo é nula nesse particular. A história da República mostra que governo sem maioria parlamentar ou não governa, ou não conclui o governo. Getúlio Vargas, Jânio Quadros, João Goulart, Fernando Collor, Dilma Rousseff e Michel Temmer contam essa história.
Os avisos de que a situação do governo se complicava na relação com as demais instituições não alteram o fato de que o modelo institucional orienta o agir político, tanto dos cidadãos (eleitores) quanto dos que à política se dedicam (partidos e seus dirigentes, e detentores de mandatos eletivos). Vota-se no presidente presumindo que ele disporá de um poder que se impõe sobre os demais, quando, no modelo brasileiro, como estamos vendo, ocorre o inverso. Tal realidade só se altera se o governo comprar sua maioria parlamentar, como fizeram Fernando Henrique, Lula e Dilma (esta até perdê-la). A compra dessa base, na regra do Congresso, se faz por unidade de voto parlamentar e as bancadas são peritas em precificar essa atividade de seus congressistas. A grande mídia militante criticou Bolsonaro por não “negociar com o parlamento”, e agora o critica por fazê-lo...
Isso quanto às duas casas do Congresso. Já o Supremo, como tenho escrito, só deixará de se antepor, sobrepor e pospor ao governo quando houver alterações em seu plenário. É preciso entender que todos os atuais ministros amargaram derrota pessoal na eleição presidencial. Todos votaram contra o Bolsonaro e, pelo menos oito dos 11, são tão de esquerda quanto qualquer “intelectual” petista. Não ocultam essa condição nem a correspondente animosidade, que já ultrapassou os limites do escandaloso. Mínima alteração ocorrerá em novembro, quando o presidente indicar o substituto de Celso de Mello. Câmbios mais consistentes dependerão, como tenho dito, de um trabalho da sociedade sobre o Senado para que este dê curso às denúncias de crime de responsabilidade (impeachment) ali engavetadas por Alcolumbre.
Quanto aos militares, afora algumas raras opiniões do vice-presidente desalinhadas do governo, como no caso do aborto, não os vejo complicando a vida do presidente. Eles apenas deixam claro que se negam a fazer o que não devem (intervenção) nos outros poderes em relação aos quais não têm prerrogativas constitucionais e nunca foram nem serão a isso solicitados pelo presidente. Essa é uma questão exaurida. Apostar nela é alimentar o discurso dos inimigos nacionais e internacionais do governo (incluída a grande mídia que adora jogar o assunto no colo do presidente) e atrasar o que de fato precisa ser feito, a pressão política através dos cidadãos, sobre o Senado, para que cumpra seu papel em relação aos desvios de conduta do STF.
No nosso modelo institucional o presidente é totalmente impotente em relação a esses aspectos. A única ação que lhe cabe é trazer o centrão para um jogo limpo. O resto não está em sua alçada. No entanto, pergunto? Que dizer da inércia da sociedade? Por que, em cada estado, os eleitores não confrontam seus três senadores para que cumpram seu dever? Eles não o farão espontaneamente se a sociedade não lhes der e impuser o exemplo por democrática pressão popular.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
20/08/2020
Justiça é uma coisa; igualdade, outra. O hábito de absorver a primeira na segunda leva a situações bizarras. Contam-se, por exemplo, mortes de bandidos e mortes de policiais e se deduz que há uma desigualdade entre esses óbitos, caracterizando situação de combate injusto. É como se tudo ficasse mais gentil caso o número de policiais mortos fosse maior. E por aí vai o estrabismo moral dos falsos justiceiros.
Em importante matéria (1), o site Tribuna Diária registra (19/08) depoimento do Coronel Cajueiro, da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. No estudo que fez, na condição de Superintendente de Comunicações Críticas e Presidente da Comissão de Análise da Vitimização da PMERJ, fornece números impressionantes de baixas sofridas pela corporação. Os dados que incluem mortos e feridos em serviço e em folga chegam, em 25 anos, a 20% de seu contingente atual.
Não tenho notícias de que o STF já tenha sido requisitado, ou de que qualquer ministro haja espontaneamente se manifestado sobre impor algo em benefício da segurança dos policiais em conflito com inimigos da Lei, da qual ele, Tribunal, é principal guardião. No entanto, leio que para regular no sentido oposto o ministro Edson Fachin, relator da ADPF das Favelas, consumiu 81 páginas. Páginas de tempo e papel!
No que o ministro determinou, se inclui a ordem para que os policiais militares da PEMRJ restrinjam o uso de helicópteros em voos sobre os morros cariocas a situações excepcionais. O ministro Lewandowsky, a seu turno, quer que o Estado do Rio de Janeiro elabore um plano com "medidas objetivas, cronogramas específicos e previsão dos recursos necessários” para redução da letalidade policial e ao controle de violações de direitos humanos.
Assuntos como o genocídio de policiais mencionado pelo coronel Cajueiro não comparecem ao caderno de encargos dos partidos de esquerda, entre eles o PSB, autor da ADPF, sempre intensamente preocupado com as graves questões nacionais que desembocam em pautas como os óbices ao uso de helicópteros pela polícia em operações nos morros cariocas.
Nessa voragem da razão, com aval do STF, suprime-se uma das vantagens da polícia militar em relação aos criminosos e se reproduz o acordo de Brizola com o mundo do crime, quando ele se foi enraizando, calcificando, cristalizando e fortificando nos morros da capital fluminense. E a polícia? Bem, a polícia poderia procurar bandidos e combater o crime organizado longe dali, na pacífica Petrópolis, ou nos espaços despovoados da região serrana...
A Agência Brasil, em matéria de 18/8, tratando dessa decisão do pleno do Supremo, informou que “no início do mês, o STF tomou a primeira decisão para limitar as operações policiais em comunidades do Rio. Pela decisão, as operações poderão ser deflagradas somente em casos excepcionais. A polícia ainda deverá justificar as medidas por escrito e comunicá-las ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, órgão responsável pelo controle externo da atividade policial”. Policiamento de papel. Papel para lá, papel para cá. Atividade policial não se planeja como um evento, assim, tipo convenção, feira ou casamento. Nem têm proclamas ou editais as atividades criminosas.
Policiais militares agindo contra o crime que nos aterroriza, nas suas organizações ou na atividade rueira, salvo exceções, nos representam e defendem com risco da própria vida. Gratidão é a palavra! Contê-los é conter-nos. Atacá-los é atacar-nos, seja com as armas de fogo, seja com as armas da palavra; ou seja, ainda, com a caneta, na segurança dos gabinetes e no conforto dos estofados e tapetes.
(1) https://www.tribunadiaria.com.br/noticia/1183/cel-da-pmerj-defende-o-uso-de-helicopteros.html?
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
18/08/2020
Tenho setenta e cinco anos e cheguei a essa idade prematuramente, devo dizer. Nasci no tempo da manivela. Só em Havana vi tantos carros antigos quanto na minha infância em Santana do Livramento. Aqueles, aliás, eram os brinquedos dos adultos. Os meus eram de corda como a esplêndida baratinha vermelha conversível, com seus 5 ou 6 centímetros de pura potência. Nos anos 60, cursei arquitetura fazendo operações com uma régua de cálculo e até 1993, colunista do Correio do Povo havia quase 10 anos, ainda escrevia numa Olivetti portátil porque me pareciam sofisticadas e complicadas demais as máquinas elétricas de escrever.
Acho que isso dá uma idéia da distância a que eu estava de um computador no início deste século. Aí, o professor Cezar Saldanha Souza Junior, mestre e querido amigo, me passou uma descompostura pelo meu atraso em relação às novas tecnologias. O doutor Eduardo Henrique de Rose, amigo de fé, irmão, camarada, me instruiu no manuseio de um notebook. O enorme constrangimento inicial com as novas máquinas foi se transformando em amável intimidade. No meio do caminho topei com as facilidades da Internet e me tornei um turista nada acidental, navegador no mundo da comunicação instantânea.
Assim, chego a este trecho final da vida, com a plena consciência de que nosso país não pode andar mal quando tudo se faz tão ágil. Há quase quarenta anos – quarenta! – venho me dedicando a uma tarefa de formação da consciência política daqueles com quem me comunique. Meu sonho de um Brasil melhor nasceu na redemocratização e foi hospitalizado, logo adiante, por falta de oxigênio, nas alegorias populistas do processo constituinte. Se nele estivesse, eu teria sentado ao lado de Roberto Campos, contra cujas convicções o Brasil escolheu instituir um prodígio histórico mundial: o primeiro estado de bem estar social em nação pobre. De um modo ou outro esse sonho ainda hoje embala muitas noites, seja em mesas de bar, seja em redes sociais, seja no indisfarçável egoísmo organizado dos “coletivos”. Quanto tempo perdido, Senhor!
"O que fazer?", me perguntam com frequência. Os caminhos da democracia, sendo ela feita por gente, precisam de convencimento e formação de amplos consensos. Então, eu creio que expor a verdade sobre atitudes e ações dos agentes políticos, ativos e passivos, é uma forma boa de acelerar isso e é o que tenho feito. O Brasil vive em crise porque seu modelo institucional as estimula e não as resolve. Apenas entra numa bolha que logo adiante cumpre o destino das bolhas. Não podemos nos permitir isso. O Brasil precisa de correções, tanto quanto alguns de seus agentes precisam de corretivos...
Na atual configuração política e institucional do Brasil, não hesito em afirmar: o pior STF da história e um Congresso com os vícios habituais, dedicado, na melhor hipótese a não fazer o que deve, e na pior a fazer o que não deve, assustam tanto quanto a pandemia. Informar para a formação daqueles consensos indispensáveis, retirando da passividade a maioria da população, hoje paciente maior das crises, acaba por expor seus agentes ativos, ameaçando-lhes as carreiras. A grande mídia muito pouco tem servido para isso.
Eugène Ionesco afirmava serem os inimigos da história os que acabam por fazê-la. Nem sempre é, nem precisa ser assim. Se passado se descreve, o futuro se escreve e é possível agilizá-lo. A ideia da intervenção, a propósito, é apenas paralisante porque inibe alternativas e, sabidamente, não vai acontecer. Se acontecesse seria apenas mais uma bolha que explodiria restaurando a crise anterior. Como ocorreu em 1985 e se danificou ainda mais em 1988.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
16/08/2020
Alexandre de Moraes, dizendo citar James Madison: “Toda tirania deve ser afastada, inclusive a tirania da maioria”. (1)
Deu um nó na cabeça de muita gente a frase de Alexandre de Moraes. No entanto, ela talvez seja a mais clara expressão da atual crise da democracia em nosso país. Essa crise é patrocinada, de um lado, por um Congresso Nacional habituado às piores práticas, composto por congressistas que, majoritariamente, se creem titulares do direito de dispor dos recursos públicos em modo privado. Se insatisfeitos nessas demandas, ficam emburrados e lançam pragas e maldições contra o governo. Na versão hardcore, tais recursos são usados para financiar campanhas eleitorais e partidos; na versão softcore, disponibilizados às respectivas bases, contabilizando a quem os obtém, méritos pessoais para futuros pleitos. De outro lado, a crise é patrocinada por um Supremo Tribunal Federal que, desde 2019, se tornou o principal protagonista da política em nosso país. Seus membros, performáticos, midiáticos, abandonaram as regras da prudência e da discrição e se dedicam a corrigir as pautas vitoriosas na eleição de 2018.
Senta-se nessa Corte, também conhecida como Pretório Excelso, o novato Alexandre de Moraes apreciador e aplicador da frase em epígrafe. Em tempo algum o Supremo Tribunal Federal se sentiu tão excelso, tão perto do Olimpo e de seus deuses quanto nestes dias. Na avaliação dos senhores ministros é imperioso fazê-lo. Eles tinham uma agenda que foi atropelada pelo bolsonarismo, como esclareceu o futuro presidente da Casa, ministro Luiz Fux, em entrevista à Veja.
Entendamos um pouco melhor a atual composição da Suprema Corte. Eles não são os onze melhores juristas do país, embora assim se vejam. Longe disso! Fora daquele plenário, há inúmeros mais sábios, com mais ampla visão de história, com melhores títulos e formação cultural realmente excelsa. O critério que levou oito deles para o STF é o alinhamento político-ideológico com os governos de suas excelências Lula, Dilma e Temer. Deus que os perdoe. À época de sua indicação, eles alcançaram nota máxima nesse quesito. Portanto, quando o ministro Luiz Fux manifesta em entrevista à Veja que o bolsonarismo se atravessou à agenda ele está se referindo e se atravessando, ele sim, àquela que talvez tenha sido a mais robusta razão do resultado eleitoral de 2018.
Há uma série de temas em relação aos quais a maioria conservadora e liberal vencedora do pleito tem posição firmada. Ela é a favor da Escola sem partido, do direito à vida a partir da concepção, da instituição familiar e de sua prioridade na educação dos filhos, da proteção à inocência infantil, do homeschooling, do combate à impunidade, da prisão após condenação em segunda instância; e é contra ideologia de gênero, aborto, desarmamento, impunidade, prisão apenas após trânsito em julgado de sentença penal condenatória, a falsa democracia dos conselhos corporativos inseridos nos órgãos de estado, governo e administração (sovietes). Em sua maioria, esses assuntos são temas sensíveis, como virou moda dizer, e envolvem posições conflitantes. No Ocidente, constam de três agendas: a dos conservadores, a esquerdista e a das Supremas Cortes. Passo a passo, com infatigável persistência, mesmo nos regimes democráticos, a esquerda contorna os parlamentos transferindo as decisões para o ambiente restrito dos pretórios excelsos. “Fora conservadores!”, parecem dizer suas agendas internacionais.
É assim que avança no mundo a tirania da minoria.
(1) https://www.youtube.com/watch?v=cagytJTZcUo&t=503s
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
13/08/2020
Amanhecia em Porto Alegre e eu saía em viagem que me levaria a um compromisso no sul do estado. Quando me aproximei da ponte que faz a travessia do Guaíba, a porção levadiça estava erguida para a passagem de uma embarcação. Quando isso ocorre, forma-se um grande acúmulo de veículos em ambos os lados da travessia. Reaberto o fluxo, retomei a marcha e fui observando simétrico movimento na pista em sentido oposto. Subitamente, um longo trecho dela ficou sem trânsito e uma aglomeração ficou visível mais adiante. Imaginei tratar-se de um acidente, mas me enganei. Havia um carro parado no meio da pista, com o motorista aparentando dormir. Os veículos que vinham atrás, tentando de algum modo ultrapassá-lo, acabaram obstruindo completamente a via. Fui em frente, rindo e pensando sobre o que acabara de ver: se uma pessoa parada tranca uma multidão, uma pessoa em ação mobiliza uma multidão.
É uma experiência simples, empírica, mas verdadeira, que nos leva a recear das situações – e são muitas essas situações – em que o não fazer, o desistir, o arriar braços fecha a pista para a necessária mobilização social e a obtenção dos consequentes efeitos políticos.
Essa mobilização independe de gostar ou não de política. Aliás, gostar da política que temos não é sinal de muito bom gosto. Ela não se torna um imprescindível espaço da cidadania por ser agradável, charmosa, atraente (mulheres são assim, a política não). A política se faz necessidade imperiosa porque seu substituto soma violência e caos. Ademais, ela influencia nossa vida antes do nascer e segue influenciando o que de nós restar após a morte. Gostar ou não é irrelevante e apenas serve para estabelecer formas e níveis de participação. Quem se sente atraído ou vocacionado atuará nos partidos, será candidato ou apoiará candidaturas; quem não se sente atraído deve impor a si mesmo a obrigação de informar-se e ser um eleitor esclarecido.
O não gostar nunca foi suficiente para justificar o "afastamento horizontal" de quem conhece e sente a responsabilidade que recai sobre os membros de uma sociedade política. Nada se resolve com a desistência, o abandono da causa, o evanescer dos sonhos, o dirigir xingamentos e desaforos à pátria comum, como se ela fosse causa de nossos problemas e nós inocentes em relação aos problemas dela. Nada melhora agindo como se o ato de desistir nos fizesse subir um centímetro que seja na escada da moralidade. Seríamos a pior geração da história se desistíssemos, entregando uma partida ganha para quem a perdeu em 2018 e, em momento algum, contando com a nossa tibieza, cometeu o erro de desistir.
Você percebeu o volume das ações desencadeadas contra o governo nos últimos meses? Os autores disso tudo perderam a eleição... Imagine o que farão se e quando retomarem o poder.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
10/08/2020
O Estadão deste sábado (08/08/2020) estampa editorial atribuindo ao presidente da República responsabilidade pessoal nas 100 mil mortes causadas pelo novo coronavírus. No esdrúxulo raciocínio do editorialista, não fosse Bolsonaro, o vírus, por si só, transitaria pelo Brasil sem produzir vítimas.
Diz o jornal, novo queridinho da esquerda brasileira:
“Por fim, construiu-se essa tragédia porque falta a muitos cidadãos um espírito de coletividade, o reconhecimento do passado formador comum e a comunhão de aspirações ao futuro. Com tristeza, viu-se que não raras vezes a fruição imediata de alguns se sobrepôs ao recolhimento exigido para o bem de todos. Aí está o resultado.”
Aí está também, num mau português, o sumário da lição de engenharia social proporcionado pelo coronavírus. A aula virtual, em sala global, é cotidianamente oferecida ao mundo, de modo especial ao Ocidente, pela mentalidade totalitária em suas mais recentes roupagens. Aí estão, igualmente, o desprezo à liberdade individual, ao trabalho humano e a politização do vírus. A propósito, é bom ter em mente que a politização de tudo, a radicalização e o clima de amplo antagonismo não são peculiaridades do tempo presente. Vista de frente, olho no olho, a verdade mostra que até 2018 a radicalização tinha um lado só. A vanguarda do atraso vencia por WO.
Fazer-nos andar na direção dessa engenharia social, exige inibir, coibir, exorcizar a liberdade individual. Disse-me alguém, certa feita: "Observa a atividade das abelhas em uma colmeia. Não há, ali, individualidades e egoísmos. Todas obedecem a uma ordem espontânea, ditada pela natureza. Por que os seres humanos não podem ser assim? Por que não sonharmos com um homem novo, nascido dessa compreensão?". Exasperei-me: "O motivo é muito simples, meu caro. Acontece que, diferentemente do teu delírio coletivista, nós não somos abelhas! Convivem em nós a inteligência, a vontade e a liberdade. Não rebaixes nossa dignidade.
***
Desde a campanha eleitoral de 2018, plantou-se a ideia de que a vitória de Bolsonaro representaria um retorno dos militares ao poder, para estabelecer um governo fascista, homofóbico, racista, e sei lá mais o quê, com o intuito de extinguir a democracia no Brasil. Criada a ficção, mesmo em ausência de qualquer sintoma, tanto o Congresso quanto o STF passam o combater o fantasma criado, atacando o Poder Executivo com medidas de viés autoritário, manifesto antagonismo político e real esforço em coibir a liberdade de opinião. Hoje, se há um golpe em curso, ele não se articula em favor do governo, mas contra o governo. Não é devido ao governo, ou ao governante, mas causado pela aversão à agenda conservadora e liberal que, dada por morta no Brasil, renasceu a partir de 2014, ameaçando décadas de meticuloso trabalho político, sociológico e psicológico de engenharia social.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
06/08/2020
A Crise é uma espécie de primeira mandatária na política brasileira. Ela não emite ordens. Antes, se impõe pela simples presença. Sempre incômoda e multiforme, são de sua natureza, entre outros, fatores políticos, econômicos, sociais, institucionais, ecológicos (“My lungs are burning!”, lembram?).
Nossa experiência republicana pode ser contada pela sequência das crises que se sucedem sem que as causas sejam adequadamente removidas. Num dos capítulos do meu livro “Pombas e Gaviões”, examino nossa proverbial capacidade de descrever com palavras ásperas as dificuldades nacionais e distribuir culpas aos adversários sem jamais atacar as causas. Está tudo errado, mas não mexe, escrevi, para sintetizar tão estável relação com problemas que afetam a nação, perceptíveis até mesmo numa leitura transversal da história da República.
Algo tão repetitivo suscita, inclusive, artifícios de linguagem, analogias, para tornar menos aborrecida a descrição, especialmente quando em forma de texto. Por isso, nos habituamos a falar da beira do precipício, do fundo do poço, da luz no fim do túnel, do gato subido no telhado... Às vezes, a crise cria contornos especialmente ameaçadores e a referência vai ser buscada no padecimento de países vizinhos.
Modernamente, as analogias ganharam um toque poético com a utilização da imagem dos cisnes negros. Estimulado por elas, imaginei um fato acontecido não sei quando, nem onde, nem com quem. Mas sei que um ancestral nosso fez essa experiência. Em busca de algo para comer, esse homem primitivo, desapetrechado, mergulhou num beira-mar rochoso. O único ser vivo possível de capturar era um crustáceo morador daquelas águas. Tinha a casca grossa, assustadoras pinças, várias patas e antenas. Uma nada apetitosa lagosta. O que ele descobriu, atacando-a a pedrada, hoje faz a fortuna de uma cadeia produtiva que se encontra com consumidores nos banquetes do STF.
Menciono essa muito provável e remota ocorrência porque, não raro, as oportunidades estão escondidas onde parecem inimagináveis, Mas o fato é que muita gente está atravessando as dificuldades deste ano. Se ele lhe parece desalentador, resista. Não permita que lhe tome a esperança. Não admita que ao estrago já feito se some a frustração da derrota definitiva. Não perca o brilho nos olhos. Tenho tido bons exemplos disso. Donos de bem sucedidos restaurantes, fecharam a porta e foram para o telefone atender pedidos e levá-los aos clientes.
Não é improvável que ali onde está o problema esteja também a solução, em águas fundas ou rasas, mas ao alcance da mão.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.