Percival Puggina

30/03/2024

 

Percival Puggina

       Recebi do movimento “Cuba Decide”, que faz oposição ao regime cubano, um comunicando sobre sua presença e manifestação perante o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra. A líder do movimento e sua fundadora é a jovem Rosa María Payá, filha do herói e mártir cubano Oswaldo Payá, que tive a honra e o privilégio de conhecer pessoalmente e com ele jantar na sigilosa quietude de um pequeno restaurante de Havana em 2003.  

Naquela ocasião, cumprindo as instruções de meu convidado, enquanto o seguia à distância rumo ao ponto de encontro sob a fina garoa de uma noite escura, senti-me como se estivesse num filme de suspense sobre a Alemanha Oriental em tempos de guerra fria. Nove anos mais tarde, Payá morreu num suspeitíssimo acidente quando o carro em que viajava foi abalroado na estrada por um veículo oficial do governo e jogado contra uma árvore.

Em seu pronunciamento, Rosa María solicitou a expulsão do regime cubano daquele Conselho. O chefe da delegação reagiu ofendendo a conterrânea e a ONU Watch, organização que integra o órgão e lhe concedeu a palavra para se manifestar.

Além de denunciar as execuções extrajudiciais, como o assassinato de seu pai, ela apontou a existência de mais de mil cubanos vivendo na condição de presos políticos. Parte deles, em decorrência das manifestações pacíficas do dia 11 de julho de 2021.

Ao encerrar sua manifestação, a líder do movimento Cuba Decide apelou aos presentes:

“Instamos o Conselho a exigir que os líderes cubanos se submetam à vontade soberana dos cidadãos. Para tal, instamos a comunidade internacional a exigir que Cuba liberte os presos políticos, respeite todas as garantias eleitorais e os direitos humanos fundamentais e promova um plebiscito vinculativo para mudar o sistema e iniciar a transição para a democracia. É hora de ficar ao lado do povo cubano e expulsar deste Conselho a sua ditadura”.

Enquanto lia a conclamação da filha do estimado Oswaldo Payá, pensava no Brasil e me lembrava do sentimento que sempre me sobrevinha quando, compadecido daquele povo, embarcava para retornar ao Brasil. “Felizmente, volto ao meu país. Lá as coisas não são assim!” ...

Pois agora, também por aqui, as coisas são assim. Se somarmos todos os brasileiros efetivamente presos ou contidos por tornozeleiras, temos um número bem maior de presos políticos do que o encarniçado regime cubano... Convenhamos, é uma proeza e tanto.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

28/03/2024

 

Percival Puggina

         Ninguém me contou. Eu vi, na Globo e na CNN. Perdoem-me por não saber o nome das mocinhas, pois se esses dois canais precisassem da minha audiência já teriam mudado de ramo. Só digo que elas me passaram a mesma impressão causada por militantes esquerdistas de centros acadêmicos. O que importa é “a causa” e a correspondente “narrativa” para cada acontecimento.

Há cinco anos, um cadáver é manipulado pela esquerda, mudando de armário conforme as circunstâncias ocasionais da política. Bolsonaro tinha que estar envolvido na morte de Marielle ainda que ninguém saiba o motivo pelo qual ele estaria interessado a esse ponto na eliminação da vereadora. No entanto, todo o trabalho desses militantezinhos de centro acadêmico, seus sorrisos e insinuações foi conduzido para colocar seu cadáver no colo do ex-presidente.

A isso convinham as investigações lentas e os poucos avanços. Toda demora das investigações era tempo ganho para especulações e comentários maliciosos, sugestivos. Quando os assassinos foram identificados, abriu-se nova brecha. Como eram meros executores, pés de chinelo, tornou-se imperioso identificar mandante(s) para o crime. Com isso, a falsa malandragem das redações ganhou prorrogação de tempo para suas imposturas. Assim tem sido, ano após ano.

O jornalismo tradicional e respeitável foi substituído por isso que temos aí. De um lado, os militantes de centro acadêmico, acolhidos nas redações, não se importam com o descrédito de seu trabalho; de outro, as direções dessas empresas, porque se abastecem das agradecidas verbas oficiais, entraram na mesma “vibe” de seus meninos e meninas.

Agora, é a Polícia Federal que aponta os mandantes e ficou impossível não ver o desconforto causado pela identificação dos culpados. Coloque-se o leitor no lugar da moçada das redações. Qual a utilidade política dessa informação? Quem se importa com os irmãos Brazão? Vi a desolação estampada nos rostos frente à notícia que davam e comentavam.

Foi como se o cadáver da vereadora lhes caísse no colo. Fazer o quê com ele, agora?

As carpideiras de redação não mais pranteavam a morte de alguém, mas a facada desferida contra sua narrativa. Era impossível que Bolsonaro, sabidamente responsável por todos os pecados e malefícios ao sul do Equador, fosse inocente logo nesse caso. Era o que sugeriam com suas palavras e expressões fisionômicas.

Precisam desesperadamente alimentar a narrativa. Tornou-se indispensável arrumar um fio condutor qualquer que ligue os fatos a Bolsonaro, não importa quantos rolos de fio sejam necessários nem quão ridículo e emaranhado seja o caminho.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

26/03/2024

 

Percival Puggina

         Tive oportunidade de acompanhar de perto, a partir de 1986, o surgimento da primeira representação política parlamentar do PT na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Desde os contatos iniciais, pude perceber que o novo partido apresentava três características marcantes: a) postura de agressiva desconfiança em relação a quem não fosse companheiro ou parceiro, b) desejo de ser visto como régua de supremacia moral que permitia aos seus tratar como eticamente inferiores todos os demais, c) desrespeito aos adversários, conduta grosseira e gratuita, entendida como inerente à “luta política”.

O que vi com meus próprios olhos e pude perceber em dezenas, se não centenas de debates em rádio e TV, levou-me muitas vezes a expor os interlocutores, desnudando as características antiéticas de seu comportamento. O que então era intelectualmente estimulante e divertido, o tempo cuidou de tornar assustador, fixando aquelas percepções iniciais numa moldura que diz muito sobre a política brasileira nos últimos 40 anos.

O querido e saudoso amigo Carlos Alberto Allgayer, com sabedoria vaticinava: “Ainda teremos que parar na Estação PT”. Era inevitável, de fato, a chegada ao poder das vestais do templo da estrela. Elas devolviam os jetons das convocações extraordinárias, entregavam ao partido boa parte de seus subsídios ou salários e sua carência material seria franciscana se não fosse arrogante.

A ascensão do petismo ao poder, nos municípios, nos Estados e no governo da União se fez mediante o rotineiro e persistente assassinato de reputações, expressão que deu título a um livro de Romeu Tuma Júnior. Antes da primeira eleição de Lula, por oito anos, o petismo se dedicou a destruir mediante sistemática pancadaria a imagem de quem o derrotou nas duas oportunidades anteriores. E nunca parou de fazer o mesmo com quem se pusesse no caminho.

A vida, porém, contou história diferente. O mensalão estourou aos dois anos do governo Lula I e a Lava Jato abriu suas válvulas dez anos mais tarde, durante o governo Dilma II, revelando a lama encoberta pelo longo e já surrado manto do poder.

Há, portanto, traços de comédia na denúncia do casal presidencial sobre o suposto roubo do mobiliário palaciano por seu antecessor (a velha “luta política” sem limites) e substituição de algumas dessas peças por produtos tão caros quanto luxuosos (a velha “régua moral” irrecuperavelmente destruída, como dá testemunho altissonante o coro das ruas).

No Brasil, periodicamente, voltamos ao passado, não para buscar as virtudes perdidas, mas em vã tentativa de reciclar o que caiu do caminhão. Isso até poderia ser virtuoso, se a reciclagem funcionasse.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

19/03/2024

 

Percival Puggina

         O Ocidente viveu milênios em que a guerra foi o estado natural dos agrupamentos humanos. Quem visita as mais antigas cidades europeias encarapitadas no topo de elevações pode observar as engenhosas e robustas fortificações que as envolviam. Seus habitantes não trocavam o conforto das planícies pelos panoramas que se descortinam desde seus mirantes, mas pela segurança que a ampla visibilidade dos arredores proporcionava.  Em sua origem, não eram cidades “com vista”, mas cidades com “melhor detecção de agressores externos”. Os ataques eram possíveis, prováveis e recorrentes.

Havia guerras de pilhagem e de conquista. Disputavam-se territórios, objetivos estratégicos, coroas que se vulnerabilizavam e os conflitos se foram tornando mais violentos e prolongados conforme se constituíam os reinos medievais. As guerras duravam anos, décadas e até um século inteiro, como a Guerra dos Cem Anos entre Inglaterra e França pela hegemonia sobre a região de Flandres.

A História, porém, reservou o nome de Grande Guerra para os dois conflitos ditos mundiais travados fundamentalmente na Europa Ocidental no século passado. A primeira, de 1914 a 1919 e a segunda, de 1939 a 1945. A contagem das vítimas de cada uma foi às dezenas de milhões.

Escrevo sobre guerras e grandes guerras porque, na minha percepção, uma terceira guerra – grande, destrutiva, furtiva e silenciosa – também se trava no Ocidente. Singularmente, é guerra do Ocidente contra si mesmo. Para designá-la, generalizou-se a expressão “Guerra Cultural”, que parece dizer pouco para o quanto há de catastrófico na gradual destruição de uma cultura. James Burnham tratou do tema em “O suicídio do Ocidente”, mas o fez numa perspectiva pessimista. Eu creio numa vitória da vida e do Bem.

Antes que o Império Romano enfrentasse o declínio, a antiguidade arquejava uma cultura que não resistiria ao exemplo e à mensagem da Cruz. Tito Lívio, historiador romano que viveu no tempo de Jesus, escreveu: “Chegamos a um ponto em que já não podemos suportar, nem nossos vícios, nem os remédios que os poderiam curar”. Quanto essa frase, passados vinte séculos, parece falar dos dias atuais! A cultura é a alma de uma civilização. Corrompida essa alma, fatalmente se degrada e fragiliza a civilização que lhe corresponde

Você pode esgotar todos os adjetivos do dicionário para discorrer sobre o que aconteceu em Roma.  No entanto, eles serão poucos para descrever o efeito daquilo a que se dedicam os “progressistas” se conseguirem destruir a alma cultural do Ocidente, que há dois mil anos começou a ser construída. Não é por acaso que ela se reflete nas grandes declarações internacionais sobre pessoa humana, sua dignidade e seus direitos, bem como sobre família, e sociedade. Todas beberam da mesma fonte.

Essa, porém, não é uma questão religiosa! O leitor pode ter esses mesmos apreços e não ter religião alguma, mas é certificada a procedência e a longa produção desse Bem que o atraiu. Na guerra peculiar guerra que descrevo não há muro, como dizia recentemente o jornalista Júlio Ribeiro em seu programa na Rádio + Brasil. Quem ama o Bem, a Beleza, a Justiça e a Verdade, tem lado e protege aquilo que ama. Muros são o habitat natural dos omissos.

O falso humanismo dito progressista é aquele que sistematiza ataques à inocência das crianças, terceiriza para o Estado a instituição familiar, protege o criminoso e criminaliza a vítima, quer desencarceramento e liberação das drogas, exige aborto “livre, público, gratuito e de qualidade”. Onde existe a União, levam a discórdia; onde a Verdade é apreciada, levam a narrativa; onde reina o Amor, levam o ódio; onde há Esperança e Alegria, providenciam o desespero e a tristeza. Sua arte é horrenda, sua ética condena a virtude e sua justiça é perversa.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

16/03/2024

 

Percival Puggina     

       Vivas! Pararatimbum bum-bum! Parará bum! Parará bum! Aplausos, foguetes! Dia inesquecível, brasileiros. Dia 15 de março, a nação conheceu o primeiro inocente do dia 8 de janeiro. Momentos de comoção nacional.

O futuro está em suas mãos, Geraldo Filipe. Num país de tantos culpados e milhões de suspeitos, você é um brasileiro inocente! O PT deveria convidá-lo para integrar seu Diretório. Pessoas com tais méritos são sempre necessárias nesses colegiados. Nas presentes circunstâncias da Justiça em nosso país, você é um ícone. Perdeu meses de vida, mas não se aborreça, pois isso é nada frente ao valor desse documento fornecido por 11 ministros do Supremo, sonho de consumo para tantos brasileiros.

Saibam os leitores destas alegres linhas. Ele se chama Geraldo Filipe da Silva e era morador de rua até ser transferido para a Papuda. Ali, foi indiciado por coisas gravíssimas como “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” e desfrutou da imensa honra de ser julgado pelo topo do Poder Judiciário brasileiro. Geraldo teve mais sorte que o Clezão. Teve mais sorte que centenas de outros.

Por muito tempo, Geraldo Filipe será um símbolo em matéria de inocência. Virado do avesso não pinga um vintém. Recentemente, o Brasil produziu, é verdade, uma extensa lista de “inocentes” que nada devem à Justiça, como diria a Globo, mas eram todos endinheirados. Não eram moradores de rua. Receberam seu alvará no coletivo, quase anônimos no interior de imenso pacote envolto por laço de fita bordado onde se lia “Morte à Lava Jato!”. 

Geraldo, não. Ele é inocente na pessoa física. Conseguiu, mesmo assim, na simplicidade de morador de rua, ultrapassar a fila e subir para as manchetes. Foi necessário um ano e pouco de sua vida para sair da repulsiva e gravíssima condição de morador de rua golpista para o brilhante placar de 11 a zero no STF. Há luminares do Grupo Prerrô que dariam, se não um braço, ao menos a manga de seu Armani por algo assim.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

12/03/2024

 

Percival Puggina

         Na noite do domingo 10 de março, enquanto as nuvens do sono não chegavam, meus pensamentos mergulhavam nas trevas do Brasil. Por associação de ideias, lembrei-me do cubano Huber Matos e de seu livro “Como chegou a noite” (Como llego la noche). Em palavras do próprio Fidel, Matos era o segundo nome entre os comandantes da revolução, vindo logo após o irmão Raúl, com precedência sobre Che Guevara. Mesmo assim, por escrever a Fidel uma carta reprovando sua adesão ao comunismo, foi condenado a 20 anos de prisão por crime de traição e teve de cumpri-los integralmente. Duas décadas no infame cárcere cubano por uma carta pessoal ao “amigo” Fidel! É bem próprio dos autoritarismos e totalitarismos, punir exemplarmente e exibir a musculatura de seus poderes.

Decidi escrever um artigo com as razões da ideia que dá título a este texto e me perdi nas nuvens do sono. Ao acordar, ainda deitado, coincidência ou não – vá saber! – deparei-me, na Gazeta do Povo (11/03), com o artigo “Dez anos da Lava Jato” escrito por Sérgio Moro. Dele, extraio alguns dados que informarão este texto.

Antes daquela notável operação, a sociedade brasileira teve que curar as feridas de sua decepção com a Ação Penal 470, que chegou ao plenário sete anos depois de estourar o escândalo. E só foi julgada graças à teimosa persistência do relator, ministro Joaquim Barbosa. Ainda assim, “maiorias de circunstância”, como ele mesmo denunciou, fizeram com que nenhum político condenado permanecesse recluso. A face podre do Brasil seguiu em frente.

A Lava Jato, pouco depois, proporcionou à nação novo período curtindo a esperança de um renascimento moral. Do artigo de Moro recolho a seguinte síntese sobre os êxitos da Lava Jato:

Os números variam, mas, considerando apenas a Lava Jato em Curitiba, houve 174 condenados em julgamentos de primeira e segunda instância, 132 prisões preventivas, 209 acordos de colaboração e 17 acordos de leniência com empresas. A Petrobras, em notas oficiais, confirmou que recuperou mais de R$ 6 bilhões graças à Lava Jato.

Noutra parte do artigo, Moro acrescenta que “as condenações de Curitiba foram, em sua quase totalidade, confirmadas pelo TRF4 em Porto Alegre (RS) e muitas ainda em Brasília, pelo STJ, isso antes do início da sanha anulatória por tecnicalidades.

Tais sucessos seriam muito menores se não estivesse em vigor a possibilidade de prisão após condenação por segunda instância. A torrente de confissões, delações e acordos que se seguiu foi desencadeada pela perspectiva de cadeia em curto prazo. Os autores conheciam bem os rentáveis crimes que haviam cometido. A Lava Jato e as condenações de Curitiba, no entanto, indignavam e causavam inconformidades no plenário do Supremo.

Ah, leitor amigo! Quando penso no tratamento dispensado aos certos “réus perante o Supremo”, em especial aos incógnitos plebeus presos em 8 de janeiro, pergunto a mim mesmo onde foram parar a compaixão e o zelo humanitário e processual devotados aos nobres bilionários investigados pela Lava Jato...

“Love is in the air”, diz conhecida canção de John Paul Young. Como o amor, a motivação para a “Meia volta, volver!” de Curitiba estava no ar desde o dia 7 de novembro de 2019. Em recente declaração, interrogado sobre o voto decisivo que deu, mudando de posição sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, o ministro Gilmar Mendes, para espanto geral dos ingênuos, admitiu:

Com a configuração de todo o quadro, acabei fazendo uma leitura política e anunciei, na Turma, que não seguiria mais a jurisprudência e mudaria de posição quando o caso fosse levado ao plenário.

O resultado dessa específica leitura política foi o fim do caminho de ida e o início do caminho de retorno. Como se o sertão virasse mar e o mar virasse sertão, abriram-se os portões dos presídios, Lula foi para casa, a Lava Jato para o congelador, trabalho de hacker virou peça de acusação, o juiz foi declarado suspeito, o líder da força-tarefa perdeu o mandato de deputado federal, o maior escândalo de corrupção da história não tem mais nenhum culpado e o Brasil tem os corruptos mais inocentes do mundo. Como proclamou a Globo, nada devem à Justiça!

As consequências são conhecidas, inclusive para quem ouse dizer o que pensa. A despeito disso, no contexto das afirmações viáveis, ela não morreu na minha memória pelo valor que atribuo ao seu trabalho, pela leitura que faço daquele período e pelos discursos que ouvi em seu prolongado funeral. Na História e na memória onde retenho aquelas emoções, eu encontro a força necessária para dizer, lembrando o título deste artigo: se a Lava Jato não sobreviver em nós, todos morreremos um pouco como cidadãos brasileiros.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

11/03/2024

 

Percival Puggina        

       Tenho acompanhado as discussões sobre a inclusão e distribuição desse livro aos estudantes do ensino médio nacional. O conteúdo didático do debate é mais atraente do que qualquer mérito pedagógico atribuível à obra. É desse aspecto que me ocuparei, sem qualquer demérito do autor ou do importante Prêmio Jabuti que recebeu.

“O avesso da pele” resenha teses ideológicas do wokismo, verdadeiro cercado fora do qual a esquerda brasileira escrevente ou falante já não consegue raciocinar politicamente e, menos ainda, administrativamente. De outra parte, as manifestações de contrariedade a que assisto focam a linguagem tosca, de calão (baixo calão é redundância) e conteúdos sexuais grosseiros, explícitos.  

Ante as críticas, os defensores do uso didático da obra desviam do assunto (isso é bem típico) para atacar o reacionarismo, o conservadorismo, o “falso moralismo” e para discursar sobre 1964 (mais típico ainda). Risível hipocrisia nestes tempos de censura política oficial imposta com mão pesada! Quem propõe, hoje, doses ainda mais fortes de censura oficial e festeja tais ocorrências com gargalhadas, aplausos e “lacrações” pode falar em liberdade de expressão?

O mesmo grupo ideológico que tenta confundir com censura a retirada de um livro da rede escolar domina a cadeia produtiva da “educação” no país. Nela, promove interdições de livros, autores e – creiam – também de seus leitores! Haverá quem se atreva a negar a extensão e gravidade desse tipo de censura, do bullying e da defenestração da divergência, mormente em ambientes universitários? Uma vez majoritário, esse grupo político age como gato borrifando e marcando o território, se é que me faço entender.  

O autor do livro se mostrou escandalizado com o fato de as descrições envolvendo sexualidade chamarem mais atenção do que a crítica à violência policial e ao racismo. Também isso é falacioso, retórico, porque não estamos tratando de literatura no sentido amplo, mas de literatura para uso como material didático destinado a adolescentes. Uns percebem a falácia, outros não. A sala de aula, mesmo numa sociedade de hábitos já degradados, deve ser um local de ascensão ética, estética, técnica, humanística e social. Um dos muitos erros de Paulo Freire foi criar uma escola que rejeita esse papel. Por apego doentio à política de classe social e à sociologia da miséria, enclausura os estudantes e restringe seu desenvolvimento.

Repete-se, à exaustão, que a obra foi aprovada para uso nas escolas pela Comissão Nacional do Livro Didático durante o governo Bolsonaro. Será isso o reconhecimento de um mérito do ex-presidente ou, mais uma vez, simples retórica oportunista para enganar tolos? A aprovação para distribuição do livro em meio à gestão precedente é indício do famoso controle esquerdista na burocracia do Ministério da Educação. Em abril de 2019, é bom lembrar, o governo anterior tentou, em vão, “enxugar e extinguir” centenas desses colegiados que atuavam e atuam junto à administração, na maior parte dos casos, como aparelhos excludentes, censores, partidários e ideológicos.

Alguém argumentou que “num país onde tão pouco se lê, proibir um livro, blábláblá...” (e por aí foi). Ora, ninguém quis bani-lo das livrarias ou bibliotecas, mas das salas de aula, exatamente porque em época de raros leitores esse local deve proporcionar aos alunos textos mais adequados à sua faixa etária e aos fins da Educação. Que o leiam de capa a capa, quantas vezes quiserem, nos cursos universitários!       

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

09/03/2024

 

Percival Puggina

         Assisti parte das duas sessões do STF em que os ministros retomaram as deliberações sobre limites para a posse de maconha pelos consumidores. Não consigo me habituar à onipresença, onisciência e onipotência que caracterizam as atuações e manifestações de suas excelências. São predicados que ficam muito bem em Deus, mas soam alarmantes quando assumidos por seres humanos.

Os primeiros efeitos dessa inclinação são: a perda da noção dos próprios limites, a perda do senso de proporção (a “tabuada do 10” ajuda para isso) e a invasão de competência dos outros poderes (as tais quatro linhas que ninguém deveria ultrapassar).

No presente caso, o Supremo discute a diferença entre posse e tráfico na relação entre venda e consumo, a partir da quantidade de maconha em mãos de pessoa abordada em atividade policial. As apostas começam com 10g, passam por 25g e chegam a 60g e sinalizam que este último será o peso vencedor. Já que é para consumo pessoal, que não se restrinja a demanda.

Em diversos tipos penais existe relação entre fornecedor e consumidor, quer o objeto da venda seja arma sem origem, para-choque de fusca 1959 ou maconha. Em todos os casos, os dois lados do balcão cometem crime tipificados. No caso da maconha, o legislador já concede tratamento privilegiado ao consumidor, ao determinar que ele não seja preso, mas submetido a algum tipo de constrangimento que o tribunal vem chamando “administrativo”. 

A ralé conservadora e direitista, a quem o Estado não ouve, sabe que os estados paralelos do mundo do crime logo serão maiores do que o Estado e só existem com tal extensão e audácia porque existem os idiotas do consumo e seus protetores. A turma cuja opinião não interessa, paga as contas do Estado, os luxos das muitas cortes e sofre com as consequências do tráfico e do uso de drogas. Ela é inteiramente contra qualquer medida que possa ser entendida como “descriminalização” do consumo ou sinalize sua insignificância. Todos os dias, milhões de brasileiros são de algum modo infernizados por esse comércio infame, seus operadores e seus consumidores. Segundo a OMS, 12 milhões de brasileiros o são!

Não estou incluindo na lista dos incômodos que menciono as muitíssimas ocasiões em que, assistindo a algum filme Netflix ou Prime Vídeo, aparecem em cena simpáticos vovôs e vovós, papais e mamães, moderninhos e “progressistas”, compartilhando um baseado com filhos e netos, em meio a risos desconectados da realidade, tão frouxos quanto psicóticos. Tenho ganas de ir à polícia fazer um B.O.. Naturalizar o consumo de drogas é estimulá-lo.

Que o parlamento cumpra seu papel, reflita o pensamento majoritário da sociedade e seja sensível à ameaça que pesa sobre o país. Hoje, o Brasil caminha para se tornar um narcoestado.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

06/03/2024

 

Percival Puggina

         O “freio puxado” que marcou os discursos na Av. Paulista no dia 25 de fevereiro foi um dos fatos mais eloquentes daquele evento e sobre ele já muito se falou. Não é normal que, diante de tamanha multidão, personagens tão destacados da política brasileira, incluindo parlamentares com liberdade de expressão protegida pela Constituição, oradores brilhantes, discursem com freio de mão puxado. Há algo muito errado num país onde isso acontece! Deveria ser motivo de escândalo. E não foi.

Silas Malafaia, em suas primeiras palavras, antecedendo um discurso duríssimo, afirmou que não estava ali para criticar as instituições [de Estado] porque isso seria atacar a República. É proibido criticar as instituições? Merecem elas louvores? Não, claro que não! Criticá-las é próprio e útil a qualquer regime democrático. Não poder fazê-lo dá atestado de óbito à democracia.

Comecei a escrever para jornais em 1985 e, desde então, não mais parei de criticar nossas instituições. De início, eu o fazia advogando a adoção do parlamentarismo e como defensor do voto distrital puro. O passar dos anos, a Constituinte de 1988 e tudo que veio a seguir, consolidou aquelas convicções. Quatro décadas e centenas de artigos mais tarde, chegamos ao recente evento da Av. Paulista, ao discurso de Silas Malafaia e à reação irada da imprensa amestrada.

Então, caro leitor, pensemos juntos. O Brasil não vai bem. Nossos problemas se acumulam. A taxa de investimento se mantém muito inferior à que seria necessária.  O Brasil perde atração e posições no ranking de investimentos externos (já foi 4º, hoje e 14º). O crescimento econômico é lento e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de terceiro mundo. A renda média da população decresce e o endividamento sobe (72 milhões de brasileiros estão inadimplentes). Cem milhões não dispõem de coleta de esgoto. Trinta e cinco milhões não recebem água tratada. Um terço da população vive em condições de pobreza. Educação de qualidade é exceção, rarefeita e onde ocorre é malvista. Convivemos com cinturões de miséria, criminalidade consolidada em estados paralelos e insegurança pessoal. Insegurança jurídica. Infraestrutura precária.

A lista é imensa. Complete-a você mesmo e responda. A culpa disso é sua? Minha? Nossa? Da sociedade? Ou é do Estado que arrecada muito e gasta mal? Ou é do Estado onde uma elite instalada em instituições que existem para servir à sociedade se abastece de privilégios e regalias crescentes, julgando-se credora de luxos e mesuras dos tempos do absolutismo monárquico? Ou é de um Congresso cujos graves equívocos constitucionais, judiciais e legislativos se combinam para o converter num shopping com lojinhas de venda de votos parlamentares? Ou de governos e mais governos nos quais a virtude é punida e o vício recompensado e protegido? Ou é de um judiciário que perde o senso de justiça e de medida, invade competência dos outros poderes, usa a Constituição ao gosto, como livro de receita e se assume como tutor da sociedade? Ou é da corrupção estrutural? Ou é dos partidos, que do Estado se abastecem? Ou é de instituições de Estado que têm como lacaia a nação a que deveriam servir e impõem a ela o temor que lhe deveriam ter?

Não será delas que virá a solução porque elas são o problema. Estão concebidas para atuar como atuam e proporcionar os resultados que proporcionam. Há responsabilidades individuais? Sim, claro! E também brilhantes méritos individuais. Mas estamos vendo, periodicamente, que não basta trocar nomes porque a regra do jogo determina como o jogo político e institucional é jogado. Em decorrência dessa realidade estrutural, congênita, que afasta representantes de representados, governantes de governados e julgadores de julgados, os cidadãos veem afastar-se, célere, a liberdade e, com ela, a democracia e as possibilidades de uma reforma institucional.

Independentemente do que o politburo pense, imponha ou consinta, eu sigo fazendo minha parte.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.