Datafolha

17/07/2011
DATAFOLHA REVELA ENIGMA DAS MULTIDÕES EM ESPAÇOS PÚBLICOS A edição da revista SãoPaulo deste domingo (17) ajuda a desvendar o enigma das multidões. Medição feita pelo Datafolha mostra que grandes eventos na cidade não atraem a quantidade de pessoas que os organizadores divulgam. Em toda a avenida Paulista e a rua da Consolação, que recebem a Parada Gay, por exemplo, a capacidade máxima é de 1,5 milhão de pessoas, bem menos do que os 4 milhões, como estimam os organizadores. A íntegra está disponível para assinantes da Folha e do UOL.

Percival Puggina

17/07/2011
Twitter: @percivalpuggina Mês passado, minha mulher e eu realizamos um antigo sonho. Percorremos longo trecho dos Alpes, viajando de leste para oeste, através da Áustria, Suiça e Itália, naqueles cenários de Noviça Rebelde. Ainda trazemos nas retinas lagos esplêndidos, encostas verdejantes, picos nevados e vilarejos no belo estilo bávaro, que começam no jardim da primeira casa e terminam no jardim da última, em verdadeiro concurso de sacadas floridas, capricho e harmonia com a natureza. A todo momento era preciso descer do carro para contemplar, como num êxtase, o que chamávamos protagonismo da paisagem. Em viagens anteriores, centrávamos nossa atenção, principalmente, nas obras que a humanidade ofereceu a Deus - as catedrais, os mosteiros, a arte sacra. Desta feita, desfilavam diante dos nossos olhos muitas das mais belas obras oferecidas por Deus à sua criatura. Entre elas, os lagos alpinos. O roteiro incluía vários: o Zeller, o Hallstatter, o Thun e o Birenz em Interlaken, o Genève e o Maggiore. Pois é sobre os lagos que quero escrever. Aliás, é menos sobre eles e mais sobre o Guaíba. Acontece que aqueles lagos nos faziam lembrar, todo tempo, deste que temos aqui, perto do coração e longe dos olhos. Por quê? Porque era forçoso, em face do que víamos nos Alpes, fosse admirando o conjunto, desde fora, fosse contemplando as orlas em passeios de barco, lamentar o abandono do nosso Guaíba, sentenciado ao ostracismo. Ostracismo? Sim, ostracismo. O Guaíba é um isolado, um ermitão, um misantropo solitário, patrulhado por uma mentalidade sociofóbica que afasta as pessoas e reserva suas margens às ruínas e ao inço. Se essa mentalidade, que primeiro o segrega e, depois, o abandona, orientasse o uso dos lagos de lá, não haveria turismo, nem charmosos hotéis, nem clubes, nem parques, nem piers, nem restaurantes, nem ocupação residencial, nem empresas de navegação transportando, diariamente, milhares de passageiros ávidos por fotografar o harmonioso convívio da urbanização com o cenário natural. Tudo seria barrado, proibido. Promoveriam abraços ao lago, assembléias e passeatas. Haveria candentes discursos e abaixo-assinados em defesa do lago - O lago é do povo!. Qualquer uso significaria privatização de um patrimônio natural, apropriação capitalista da paisagem e lucro auferido em prejuízo das barrancas, das capoeiras e das rãs. O bom é manter a orla inacessível, perigosa e suja. Já pensava em escrever esta crônica quando recebi um levantamento fotográfico das margens do Guaíba, mostrando exatamente isso em 30 deprimentes imagens. Pois é. Bilhões de pessoas considerariam inexcedível privilégio viver num sítio como o de Porto Alegre. Dezenas de milhares de cidades do mundo inteiro ralariam cotovelos de inveja diante do nosso Guaíba! E ele, como tudo neste Estado, está aí, sendo surrado pela ideologia do atraso. Outro dia, indagado sobre o metrô (aquele que ia ficar pronto para a Copa) afirmei que dificilmente sairá do papel. Quando começarem a cavar, descobrirão que a linha vai causar prejuízo ao trânsito de tatus e tuco-tucos, às minhocas e à fauna subterrânea. Pára tudo! E, se os duríssimos debates a esse respeito forem superados pelo bom senso, reze, leitor, para que não encontrem, nas escavações, algum fragmento de cerâmica indígena. Aí, o metrô pode acabar passando por cima da sua casa. ZERO HORA, 17 de julho de 2011.

Percival Puggina

15/07/2011
twitter: @percivalpuggina Na esteira do recente surto de crescimento da economia brasileira começam a surgir demandas por recursos humanos qualificados. O próprio governo federal, diante do fracasso do nosso sistema educacional capturado e ideologizado pela esquerda, decidiu criar mecanismos para a importação de talentos. Como seria bom termos gente mais bem preparada!, dizem uns. Precisamos de logística e recursos humanos melhores!, reclamam outros. Logística e gente? Vá lá. Um binômio esquisito, mas serve para dizer isto: é muito mais fácil, rápido e barato duplicar a infindável BR-101 do que prover Educação ao povo. Quem desejar um Brasil mais qualificado sob o ponto de vista educacional terá que arrumar um banquinho e aguardar pelo menos uma geração inteira. Isso se começarmos amanhã de manhã bem cedo. Uma geração inteira?, talvez se exclame, preocupado, o leitor destas linhas. Sim, uma geração inteira porque antes de começarmos a alfabetizar melhor nossas crianças será preciso refazer um longo percurso que começa pela formação dos professores naquelas usinas dos recursos humanos do sistema que são as universidades (estou pensando, principalmente, nos professores dos professores). Ao mesmo tempo, haverá que abrir caminho até os registros e válvulas que comandam a entrada e saída de recursos do erário. E, também concomitantemente, acabar com as iniquidades instaladas na tradição brasileira, entre elas a que faculta ensino superior gratuito a quem poderia pagar por ele. Em menos palavras: melhores professores, mais recursos financeiros, mais bom senso. Se abrirmos a janela para uma espiada no Brasil real será impossível não perceber que vive-se a cultura do não saber. Poucos são os alunos que querem aprender. Menos numeroso ainda os que têm hábitos de leitura. Separa-se o lixo na cozinha, mas não se separa o lixo inserido na Educação e nos meios de comunicação. É a epifania da ignorância! Cultura? Não a mencionarei sequer. A infeliz, com todas as formas de arte, só tem lugar em guetos quase desabitados. A literatura exige alguém que a produza e gente capaz de a apreciar naqueles objetos que rumam para se juntar, nos sótãos e nos porões, às lamparinas e às máquinas de escrever. Visite, leitor, o site do movimento Todos pela Educação (www.todospelaeducacao.com.br). É um bom site, frequentado principalmente por pessoas envolvidas com os temas da educação no Brasil. Na maioria, professores. Da última vez que o acessei estava aberta uma enquete pedindo aos visitantes para expressarem sua opinião sobre a principal qualidade de um bom professor. Eram quatro as escolhas possíveis. Dominar a matéria tinha 9,9% dos votos. Saber ensinar a matéria tinha 28,9%. A resposta que teve a larga preferência (58,7%) foi Perceber as dificuldades de cada um. Entende-se aí por que os professores se empenham tão pouco no aprimoramento e atualização do seu saber específico. As consequências são visíveis no desempenho dos alunos. Educação não é charuto. De charutos podemos dizer que tais são de qualidade e que tais não o são. Com Educação não é assim. Ou ela é de qualidade ou não é Educação. E só a teremos quando as elites brasileiras colocarem crachá no peito, adesivo nos carros e forem aos parlamentos e aos governos clamar por ela com a mesma intensidade com que reclamam dos impostos que todos pagamos. Note-se, por fim: parte desses impostos vão bancar as disputas corporativas, ideológicas e partidárias de um sistema educacional que se conta entre os piores do mundo.

Percival Puggina

14/07/2011
Twitter: @percivalpuggina ?Todo o poder emana do povo?, dispõe a Constituição, afirmando um conceito político que as pessoas reconhecem como válido. Numa extensão indevida dessa mesma ideia, muitos creem que também na Igreja deva ser assim: o poder decidido no voto e a maioria deliberando sobre tudo que interesse ao povo de Deus. Não, não estou exagerando. A ideia de escolher o Papa em eleição geral, por exemplo, está na cabeça das pessoas. Em outubro de 1991, durante a segunda visita de João Paulo II ao Brasil, a Folha de São Paulo publicou pesquisa de opinião sobre vários assuntos relacionados à Igreja. Diante da pergunta ?como deve ser indicado o Papa??, 50% dos católicos e 51% dos entrevistados optaram por uma eleição direta entre os fiéis. Diante daquilo fiquei pensando em campanha para Papa, com direito a horário gratuito e debate na tevê. No mesmo viés, todos estamos habituados a ouvir que ?a Igreja precisa se adaptar aos tempos modernos? e parar de afirmar coisas ?que as pessoas não aceitam mais?. Aí estão as duas teses a que referi: o voto como a única fonte legítima do poder e a opinião da maioria entendida como fonte de doutrina. É incorreto importar da Política, para uso em outras realidades, conceitos que a elas não se aplicam. Muitos poderes não emanam do povo. Não emanam do povo, entre outros, o poder do pai e da mãe sobre os filhos, o poder de Deus, o do patrão, o das forças da natureza. Tais poderes, malgrado sua origem ?não-popular?, são absolutamente legítimos e ninguém cogitaria de uma assembléia geral para eleger o Santíssimo, ou o chefe de família, ou o gerente, ou o raio e o trovão. Na Igreja, o poder foi dado pelo Pai ao Filho e pelo Filho aos apóstolos, aos quais enviou ?da mesma forma? como o Pai o enviara, estabelecendo que ficaria ligado no Além tudo o que ligassem no Aquém. Bem ao contrário do que a expressão possa sugerir, ?democratizar a Igreja?, na forma como alguns pretendem, significaria tornar ilegítimo o poder que nela viesse a ser exercido e, por via de conseqüência, destrui-la, visto que ela é uma instituição onde o poder emana de Deus. Assim também, dispor sobre matéria moral com base em opiniões majoritárias representaria, na maior parte das vezes, renunciar à Revelação ou conceder ?razão? aos homens contra a vontade manifesta de Deus.

Percival Puggina

09/07/2011
Twitter: @percivalpuggina Na agitada vida estudantil dos anos 60, em Porto Alegre, primeiro naquela usina de lideranças que era o Colégio Júlio de Castilhos e, depois, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nunca tive alinhamentos políticos automáticos. Ainda que me faltassem bases filosóficas, gostava de pensar por conta própria. Jamais aceitei ser liderado pelos antagonismos em confronto. Mas se tivesse que eleger um grupo para valorizar sob o ponto de vista cultural, sem dúvida essa turma seria a da esquerda. Vocês não imaginam o quanto os caras eram sabichões. O que liam! Traziam sempre, embaixo do braço, livros da Editora Civilização Brasileira, da Paz e Terra e se reuniam em pequenos grupos para trocar ideias sobre temas cuja profundidade eu sequer arranhava. Aliás, todo estudo não acadêmico a que posteriormente me dediquei na área das ciências humanas teve como motivação a tentativa de alcançar um nivelamento intelectual com a esquerda do meu tempo de estudante. Eu precisava estar preparado para desarmar as bombas filosóficas que arquitetavam. Há dois motivos para esta crônica das minhas primeiras ignorâncias. Hoje tenho ignorâncias novas, maiores e muito melhores. Um é sublinhar o fato de que a esquerda brasileira daquele período, embora equivocada nos seus pontos de partida, nos meios e nos fins (isso eu intuía com correção), tinha gabarito intelectual e tinha ideais. Os esquerdistas que conheci não eram aproveitadores nem negocistas. Muitos estão por aí e são pessoas respeitáveis. A história evidenciou, posteriormente, que seus mitos e referências internacionais foram uns pervertidos e que o seu marxismo é uma usina de equívocos, mas suponho que eles não tivessem como discerni-lo nos emaranhados dos esquemas de formação, informação e desinformação em que se moviam durante a juventude. O segundo motivo deste relato é mostrar o quanto a esquerda brasileira afundou sob o ponto de vista intelectual e moral. Frei Betto, cuja vida e obra se caracteriza por primeiro fazer os estragos e, depois, observar os danos de longe, poeticamente, escreveu assim em artigo de setembro de 2007, ao desembarcar do governo Lula: ?A sofreguidão esvaziou projetos, a gula cobiçosa devorou quimeras. O pragmatismo acelerou a epifania dos avatares do poder. Pois é. Não fosse intelectual o frei poderia dizer simplesmente que deu m... Voltando à pauta. Quem poderia imaginar a esquerda brasileira em prontidão para defender pessoas como Fidel Castro, seus métodos e seus sicários; abraçando caudilhos e brutamontes como Hugo Chávez; reverenciado primatas como Evo Morales; dando vivas a Saddam e cortejando Ahmadinejad; adotando Lula como seu estadista de referência; assumindo, como suas, causas que solapam os valores universais; proferindo juras de amor aos maiores vilões da política brasileira e fornecendo tantos e tantos prontuários e fotos aos arquivos da polícia e do ministério público? Quem poderia? Quem poderia imaginar, em 1992, que o chefe dos caras-pintadas, Lindberg Farias, passados 18 anos, eleito senador pelo PT, estaria trocando afagos com Fernando Collor, seu parceiro de fé na base do governo Dilma? Quando eu me lembro daqueles terríveis anos 60 e 70, marcados por severíssimos conflitos ideológicos e do quanto lhes sobreveio em violência e sofrimento, não posso deixar de pensar que essa mesma decadência é a marca registrada de todas as hegemonias políticas. A esquerda brasileira leu Gramsci. Aprendeu dele as técnicas de construção da hegemonia. Construiu-a. Mas com ela perdeu o que de melhor dispunha. Seu arco do triunfo é, também, o seu arco do fracasso. É o que, há alguns anos, se lê, com os olhos da vida vivida, logo abaixo das manchetes de todos os jornais, ainda que eles não digam isso. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, arquiteto, empresário e escritor, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Érico Valduga

07/07/2011
É VELHO: SE FICAR O BICHO COME, SE CORRER O BICHO PEGA Érico Valduga, em Periscópio Somente um político de prestígio e de habilidade invulgares pode liderar um governo de coalizão no presidencialismo sem prejuízos à ética pública Se o chefe do Executivo precisa dos votos do PR no Congresso, e por isto o partido enfeudou o ministério dos Transportes (orçamento de R$ 21.5 bilhões), a renúncia de Alfredo Nascimento é apenas mais um episódio escabroso do brete em que estamos metidos por força dos métodos gerados pelo presidencialismo imperial e pelo voto proporcional. A forma de governo e o sistema eleitoral facilitam a impunidade política e penal, e praticamente tornam o governante refém da coalizão que garante a aprovação de seus projetos no Legislativo. Nem bem o amazonense confirmou, na manhã de ontem, sua saída do governo, acossado por novas e graves denúncias de rápido enriquecimento de familiares e assessores, à tarde o Senado aprovou (46 votos a 18) a tal flexibilização na contratação de obras da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, em que não haverá licitações formais e os preços serão sigilosos até que o processo de contratação seja concluído. Quer dizer, a porteira aberta está aberta. Pretendem alguns que a presidente Dilma passa menos a mão pela cabeça de seus malfeitores do que o fazia o sindicalista que a antecedeu (e que pretende voltar ao Palácio do Planalto em 2014). Pode ser, mas passa, porque passar é método da gestão em que não se pode brigar com legendas da base de apoio. É do partido aliado, por acordo que obriga as partes, a indicação de quem o representa no Executivo, como forma de pagamento dos votos no Legislativo. Por que existiu o Mensalão, prezados leitores? Foi a moeda de Lula, em negócio com dinheiro vivo, deputado por deputado. O resultado foi o maior escândalo de corrupção da história do país. Até agora. Hoje, o dinheiro flui dos superfaturamentos de preços e aditivos nos contratos com órgãos da União, para os caixas 1 e 2 das agremiações e dos parlamentares. E irá continuar como moeda de Dilma e de qualquer outro presidente da República, em maior ou menor grau.

Nelson Motta

03/07/2011
PERDIDOS NO CYBERESPAÇO Nelson Motta Quando vários sites do governo são invadidos e o ministro da Ciência e Tecnologia diz que quer convidar ?os hackers? para um encontro no ministério ?para ajudarem a construir os indicadores e a forma da transparência?, a coisa está feia: ou ele não sabe o que é um hacker ou pensa que pode usá-los como os ?blogueiros progressistas?, pagando-os com patrocínios estatais. Astuto e sagaz como um Suplicy, Mercadante pensa que um hacker é um cracker do bem, que pode ser cooptado. Ele quer conversar, ele acredita no diálogo democrático (rs). Ele nunca ouviu falar do cibergênio do mal Kevin Mitnick e de seu rival Tsutomu Shinomura, que protagonizaram o mais célebre e sensacional duelo de hackers da história digital. No final, Shinomura conseguiu rastrear Mitnick e o entregou ao FBI, mas depois também passou para o lado escuro do cyberespaço. Hackers de verdade invadem redes de computadores de bancos, de cartões de crédito, de companhias telefônicas, de governos, roubam bases de dados, inventam sistemas diabólicos de multiplicação de spams, não são lúdicos grafiteiros digitais do ciberespaço, como crê o analógico ministro. Ele acha que os crackers são malvados que ?invadem sistemas para divulgar mensagens políticas?, mas acredita que os hackers são bonzinhos, que vão adorar conversar com ele no ministério, todos com os seus crachás de ?hacker?, tomar um lanche e acertar a data do ?Hacker?s Day? patrocinado por uma estatal. Cuidado, ministro, se eles vierem, não são hackers: são nerds. A ignorância e ingenuidade do ministro sobre temas básicos de sua pasta envergonha, mas não surpreende, é compatível com os conhecimentos de Edison Lobão sobre energia e a expertise de Pedro Novais em turismo. Só com seus currículos e experiência na área, a maioria dos atuais 37 ministros não conseguiria emprego, mesmo mal pago, em qualquer empresa privada séria. E certamente não passaria em nenhum concurso público para cargos de terceiro escalão nas pastas que ocupam. Quem sabe os hackers progressistas de Mercadante possam ser úteis nos ?núcleos de inteligência? do PT nas próximas eleições?

Percival Puggina

03/07/2011
Twitter: percivalpuggina Quem quiser coerência absoluta, procure-a nas coisas irretocáveis, como a tabuada e o quadrado de Dürer. Não vá buscá-la na política. O debate político é, muitas vezes, caricatural. Trava-se num ambiente marcado pelo exagero. Ampliam-se os defeitos alheios e se sobreexaltam as virtudes próprias. Sofismas acontecem. Mas a vida não é uma caricatura. O sofisma, cedo ou tarde, transparece. E a realidade se manifesta como os olhos a registram. Para essa incoerência sistêmica impõem-se, portanto, limites. Quando transpostos, configuram-se condutas fraudulentas, concebidas para iludir o eleitor e induzi-lo ao erro, fazendo-o votar em ficções e eleger miragens. Lesa-se a democracia. Costumo dizer, muitas vezes sob espanto geral, que o eleitor não se engana, ele é enganado. É iludido por mentiras, promessas vãs, difamações e coisas que tais. Os partidos (de modo muito especial os partidos de massa, como são os da esquerda brasileira) contam com um caleidoscópio de estruturas de apoio. São, entre outros, corporações funcionais, grupos de interesse, movimentos sociais, sindicatos e grupos religiosos, que se somam às siglas do jogo partidário para obter o efeito psicossocial desejado. O simples estalar de dedos do comando aciona uma usina de artefatos publicitários, coloca na estrada ônibus repletos de militantes, carros de som, e se mobiliza aquilo que uns por desatenção e outros por má intenção chamam de o povo. Eis porque não há escândalo nacional, na última década, que mobilize o povo. O povo, o verdadeiro povo, está bem longe dali, trabalhando para ganhar a vida e, por vias indiretas, para pagar a conta que muito provavelmente surge quando certos dedos estalam e o povo é recrutado. Tenho visto muito disso. Em Porto Alegre, o sossego dos moradores da Praça da Matriz acaba quando o PT vai para a oposição. Prossigamos. Ninguém desconhece os vínculos que unem esse partido à maioria das corporações funcionais do Estado. Isso é próprio dos partidos de massa e não é próprio dos partidos de quadros (os dois grandes grupos em que a Ciência Política costuma tipificar as organizações partidárias). A longa noite de 28 de junho, quando o governo estadual chamou na chincha a base parlamentar, garantindo os votos necessários para aprovar o Pacotarso, lembrou-me a Noite dos punhais. Milhares de eleitores do governador, servidores públicos, pensionistas, precatoristas que fiavam, e todos os que confiavam no diálogo permanente com as categorias e na anunciada interlocução construtiva e privilegiada com o governo federal e seu cofre, foram vitimados por súbita e coletiva estocada entre as omoplatas. Ah, se lhes houvessem anunciado isso no ano passado! Ah, se as tricoteiras soubessem o que estava em gestação contra o pagamento de seus precatórios! A pergunta pode ser inquietante, desagradável, mas não é ofensiva: teriam votado como votaram? Esta outra indagação que proponho é uma exigência da razão e me conduz onde quero chegar com estas linhas: a democracia, legitimamente, pode servir também para isso? Na noite dos punhais, deputados sempre tão falantes, professorais e portadores de soluções generosas para todas as dificuldades do Estado quando na oposição, calaram-se num silêncio obsequioso, tumular, constrangido. Entendo tudo isso. É da natureza do sistema que adotamos. Eis por que falo tanto em reforma institucional. Não é horroroso um sistema que faz cafuné na incoerência absoluta? Quem sabe começa pelos servidores públicos, diante do que têm sob seus olhos, a compreensão social para esse gravíssimo problema institucional? ZERO HORA, 03/07/2011

Percival Puggina

01/07/2011
Twitter: @percivalpuggina O sujeito me parou na rua: Cadê os caras-pintadas? Cadê os caras-pintadas? A mão no meu peito parecia disposta a impedir qualquer possibilidade de que a pergunta ou o perguntador fossem driblados. Era preciso responder. Respondi: Você não está querendo sugerir que os caras-pintadas expressavam espontaneamente uma sentida revolta popular, está?. Ele me olhou surpreso: Como que não? Como que não?. Em sua indignação ele dizia tudo duas vezes. Acho que uma para si mesmo e outra para mim. Tentarei resumir o que falei àquele meu interlocutor. Ele não sabia que contingentes expressivos de caras-pintadas saíram às ruas para derrubar o Collor, não só porque ele forneceu motivos, mas, principalmente, porque faziam parte de uma grande corrente aparelhada pelo PT e seus parceiros, ou foram por ela levados a pintar o rosto. Há muitos anos, desde antes da nossa redemocratização, teve início um processo revolucionário, de ação gradual, mediante infiltração e ocupação de espaços para tomada do poder através da cultura. Não foi e não é um fenômeno apenas brasileiro ou latino-americano. Trata-se de algo que aconteceu e segue acontecendo em todo o Ocidente. O Foro de São Paulo organiza o trabalho na América Latina e no Caribe e o Brasil é um dos casos de sucesso. A revolução é cultural, mas o objetivo é político: a esquerda no poder, para ficar. A melhor maneira de mostrar o que aconteceu é adotar como ponto de partida não uma sequência cronológica de fatos, mas exibir a obra já feita, o produto acabado, porque não há consequência sem causa. Não há laranja sem que tenha havido laranjeira. Não há corrente sem que elos sejam criados e unidos. Não há hegemonia sem construção de hegemonia. Vamos, então, às laranjas. Recentemente, houve eleição para o sindicato dos professores do Rio Grande do Sul. Digladiaram-se três chapas, sendo duas encabeçadas por petistas. A eleição se travou no que deveria ser o pior período possível para essas duas chapas. O magistério estadual acabara de ver frustradas as expectativas de que o governo Tarso fosse atender as exigências que seu partido, em coro com as lideranças classistas, fazia aos que o antecederam no Piratini. Calote puro e simples. Não bastante isso, o PT estava, nesses mesmos dias, adicionalmente, elevando a alíquota de contribuição previdenciária de todos os servidores com vencimentos superiores a R$ 3,6 mil. Pois o pacote de maldades em nada afetou o alinhamento ideológico do magistério público. As duas chapas de esquerda perfizeram mais de 90% dos votos! Por quê? Porque para gente bem doutrinada o projeto político subordina tudo e todos. Com raras, raríssimas exceções, quando contemplamos, em visão de conjunto, a educação nacional, pública ou privada, leiga ou religiosa, em todos os níveis, a situação é a mesma. Através da Educação e seus agentes, já nas salas de aula do ensino fundamental, a hegemonia vai subindo os degraus do sistema, envolvendo professores e alunos. Não é por acaso que a UNE vem sendo comandada pelo PCdoB desde quando o Aldo Rebelo era adolescente. A porta de entrada dos cursos de pós-graduação raramente não inclui uma banca com o poder de filtrar as ideias que ganharão assento nas salas de aula. Daí para o domínio das carreiras de Estado, dos concursos públicos, e até mesmo de suas provas, não vai mais do que um passo de dedo. Assim, aos poucos, as teses da esquerda foram vestindo toga e chegaram aos tribunais. Primeiro, como vozes discordantes. Mais tarde, nas câmaras, os desembargadores comprometidos com a revolução pela cultura perdiam por 2 a 1. Depois, inverteram o placar. Aos poucos, passaram a controlar os Plenos. Chegaram aos tribunais superiores. Hoje dominam o STF. Mais laranjas da mesma laranjeira podem ser contempladas na mídia. Os textos que saem das redações, as pautas, os enfoques, as análises servem notavelmente à revolução através da cultura. Direita não presta, conservador é nome feio, as religiões são culpadas por todos os males, católicos são seres desprezíveis. Pouco importa que a posição editorial seja diferente quando a informação, o comentário, o tópico mais lido, a manchete que resume a matéria, o tom de voz do locutor experiente, a imagem selecionada para ir à tela, afirmam num outro viés. Na televisão, a hegemonia da Rede Globo facilitou o projeto, mormente no que se relaciona com o enfraquecimento da instituição familiar, a lassidão dos costumes, a agenda gay, a ridicularização da religião e dos valores ainda apreciados pela sociedade. Mesmo que escrutine os escaninhos da memória, não é de meu conhecimento instituição mais una do que a Igreja Católica, ao menos nos últimos cinco séculos. Pois esse baluarte foi rompido internamente por dissensos ideológicos promovidos pela mesmíssima revolução através da cultura. Não há o que os dois últimos pontífices tenham afirmado desde 1978 que seja capaz de afastar a CNBB, a maioria dos bispos, padres e seminaristas da herética Teologia da Libertação (TL). Nada nem ninguém prestou melhor serviço à hegemonia da esquerda do que a TL quando substituiu o pobre dos Evangelhos pelo excluído em nome do qual ela se proclama formulada. O pobre dos Evangelhos é objeto da caridade cristã, da virtude do amor ao próximo. O excluído da TL é parte ativa de um projeto revolucionário. Serviço feito. Eu poderia prosseguir, apontando obviedades como a hegemonia exercida sobre os sindicatos e suas centrais, os movimentos sociais, a Justiça do Trabalho, a maior parte dos conselhos profissionais e suas confederações, as associações de bairro, e por aí afora. Mas não creio que seja mais necessário. Já provei o que queria. Note-se: tudo isso foi feito antes de Lula chegar lá. Quando ele chegou, completou o serviço promovendo o encontro de todas essas estruturas - que o PT chama de sociedade civil organizada (por ele, claro) - com a brutal concentração de poderes que constitucionalmente convergem à pessoa do presidente e ao seu partido: chefia simultânea do Estado, do governo e da administração, das estatais e fundos de pensão; comando das principais fontes de financiamento interno (BB, BNDES, CEF), de 24% do PIB nacional, de poderosas e polpudas contas de publicidade capazes de excitar favoravelmente parcela expressiva da mídia; poderes para legislar por medida provisória, nomear ministros dos tribunais superiores, conceder e renovar concessões de emissoras de rádio e tevê, criar e distribuir cargos e favores. Se o partido do governo detém tal poder e, simultaneamente, controla tudo que está organizado na sociedade, de onde, raios, poderão surgir os caras-pintadas? Das piedosas senhoras idosas da hora do Ângelus? Do clube de mães da vila Caiu-do-céu? O que podem eventuais organizações não alinhadas, dispersas e desprovidas de qualquer poder, contra quem coloca quatro milhões de militantes numa Parada Gay? Nesse ponto, meu interlocutor já queria ir embora e era eu que o travava colocando a mão sobre seu peito. Mas ainda existe a oposição! Ainda existe a oposição!, bradou, por fim, em sua desesperada dose dupla de santa ira. Oposição? Não há oposição política no mundo capaz, neste momento, de sequer arranhar a teflon da máquina hegemônica petista. A blindagem não é do Palocci, da Erenice, do Lula ou do filho do Lula. O que está blindado é o projeto revolucionário, o projeto de poder. É de setores do próprio PT que surgem, eventualmente, problemas para o PT. E quando a oposição política mais forte leva o nome de dissidência, é porque está tudo dominado e o totalitarismo está instalado. Quod erat demonstrandum. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, arquiteto, empresário e escritor, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.