Percival Puggina

20/09/2013
Nos próximos dias irá ao plenário do Senado o fim das votações secretas nos legislativos do país. A partir daí, os parlamentares terão que conviver com o fato de que todas as suas decisões de voto serão de conhecimento público. Novos tempos, novos práticas. O Brasil está mudando. Fala sério, Percival! Pois é, pois é, infelizmente as relações de causa e efeito não são tão radiosas quanto parecem. O fim do voto secreto, além dos óbvios efeitos positivos, produzirá, também, consequências negativas. Haverá ocasiões em que o parlamentar da base ficará refém do governo e haverá ocasiões em que todos ficarão reféns das galerias. Onde estará, em cada caso, o objetivo superior, ou seja, o verdadeiro interesse nacional? Naquilo que o governo propõe? Na vontade expressa pelas ululantes galerias? Nunca vi galerias clamando em favor do interesse público. Estou convencido de que a questão de fundo é outra e se relaciona com o correto entendimento sobre o que seja a representação parlamentar. Os detentores desse tipo de mandato representam o quê: a) interesses comuns a determinados grupos sociais? b) vontades dos seus eleitores? c) opiniões de seus eleitores? A escolha que majoritariamente fazemos tem grande influência no perfil das casas legislativas. Se entendermos que a finalidade da política é a promoção do bem comum, jamais afirmaremos que o parlamentar é um representante de interesses porque isso transformaria - como de fato transforma - o bem comum numa pizza com poucas fatias de tamanhos diversos. Somente teriam acesso a ela os setores mais poderosos, ou seja, organizações que agreguem segmentos numerosos da sociedade, que detenham forte influência sobre a opinião pública e que disponham de abundantes recursos. Por outro lado, se entendermos que a função parlamentar envolve representação de vontades, isso transforma cada legislador em um estabanado cata-vento, sempre hesitante entre os volúveis desejos de seus muitos eleitores. Então, na minha perspectiva, o parlamentar deve ser escolhido por identidade de convicções, de opiniões. Esse critério leva em conta as qualidades morais do candidato, seus critérios, sua formação intelectual, os princípios que inspiram as atitudes e as decisões que toma, os valores que defende e as verdades que abraça. Esse parlamentar, necessariamente de vida honrada e bons exemplos, disporá dos meios intelectuais e morais necessários para deliberar bem sobre os mais variados temas de interesse público que sejam levados ao seu nível de atuação. Onde está pessoa?, perguntará o leitor, prenunciando a escassez de homens e mulheres com tal perfil na cena nacional. De fato, embora existam na sociedade, essas pessoas são pouco frequentes no mercado político pelo simples fato de que a imensa maioria dos eleitores escolhe representantes de interesses, sem qualquer zelo em relação ao que efetivamente deveria levar em conta. O critério determinante para a grande massa é de natureza egoísta: O cara tem que cuidar do meu lado!. Pouco importa se o tipo for um conhecido canalha, contanto que diligente na defesa das conveniências dos seus eleitores e pródigo na distribuição de favores. Eis aí o pecado original da política brasileira - a hipocrisia do eleitor. O eleitor hipócrita - vejam só! - quer um parlamentar para chamar de seu. E espera que todos os demais eleitores, com elevadíssimo espírito público, escolham políticos extraordinários, em competência e dignidade, para cuidar, também dele, naquilo que como cidadão lhe corresponde no bem nacional. Equação perfeita, não é mesmo! Perfeitamente cretina, quero dizer. Não andassem as coisas assim, se os critérios que determinam as decisões de voto não fossem tão vis, as representações parlamentares seriam de outro nível e pouca diferença haveria entre votações transparentes ou secretas. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

13/09/2013
Após o encerramento da sessão do STF desta quarta-feira, José Dirceu, João Paulo Cunha e Delúbio Soares devem ter posto na geladeira as garrafas de champanhe para a festa da semana que vem, após a leitura do mais provável voto do ministro Celso de Mello. Salvo surpresas, as rolhas espocarão. Enquanto isso, tive a infeliz ideia de examinar as penas aplicadas aos réus na primeira fase do processo do Mensalão. Reduzindo a uma sequência linear com começo, meio e fim os acontecimentos que deram causa à ação penal, tem-se o seguinte: a) tudo começa com uma estratégia petista; b) tudo se desenrola com a prática dos delitos mediante articulação de lideranças do partido; e c) tudo se consuma produzindo os convenientes resultados ao PT, segundo inicialmente projetado. Ou seja, é impossível negar o elevadíssimo e decisivo grau de responsabilidade que tiveram, nos acontecimentos, os dirigentes do partido incluídos no processo. Sem essas pessoas, os crimes simplesmente não teriam ocorrido. Observe, então, leitor, o que foi definido, até aqui, para os diversos réus nesse crime de motivação política, nesse crime de conveniência do governo federal e seu partido, nesse crime cujo objetivo era a compra de votos parlamentares. Pela lei brasileira, nenhum dos réus será efetivamente recolhido à prisão se a soma das penas a ele aplicada for inferior a oito anos. Esse sinuoso e redondo número oito sempre esteve presente nas aritméticas do julgamento. E quem recebeu essas penas mais pesadas, superiores a oito anos? Pois é, as sete maiores sanções penais do processo do Mensalão incidiram sobre réus que atuavam no setor privado, integrantes dos assim chamados núcleos publicitário e financeiro! Réus que agiram nas atividades-meio. Haverá exagero em dizer que foram réus pagãos, réus sem padrinho? Pergunto: afora Marcus Valério, o publicitário que teve grande cobertura da mídia, agraciado com inacreditáveis 40 anos de prisão, quem conhece e quem sabe o que fazem na vida Ramón Hollerbach, Cristiano Paz, José Roberto Salgado, Kátia Rabello, Simone Vasconcellos e Henrique Pizzolato (o obscuro catarinense, ex-diretor do BB, petista que recebeu a mais pesada condenação - 12 anos e sete meses)? Quase ninguém os conhece. Pois esses são os réus mais duramente fulminados! É o que se extraiu da aplicação do Código Penal aos fatos, objetarão alguns. Tá certo, tá certo. Já o núcleo político, formado por altas autoridades da República, núcleo que pensou o crime, que agiu para que o crime acontecesse e que dele se beneficiou, vem depois, claro. Claro? Não deveria ser tão claro, mas é. A lista por ordem decrescente das penas aplicadas ao núcleo político começa com José Dirceu, João Paulo Cunha e Delúbio Soares. Todos com condenações um pouco superiores a 8 anos, mas tendo em favor de sua virginal inocência os necessários quatro votos que eventualmente lhes permitirão os embargos infringentes ora em discussão, claro. Claro? Claro, sim, esses quatro votos podem ser a chave que lhes abre a porta do semi-aberto. Não parece difícil extrair do que se disse acima uma robusta evidência de que o PT está conduzindo à ruína a credibilidade do STF. Será difícil dissimular o tipo de relação estabelecida entre as penas aplicadas a cada réu e os manejos de bastidor necessários à formação das dissidências e das novas maiorias. Desenha-se, no plenário do Supremo, um escândalo que arrastará para discreto segundo lugar o próprio Mensalão! _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

07/09/2013
Quando viu o povo na rua, cobrando atenção à Saúde Pública, Dilma adotou prática tão antiga quanto namorar no portão. Escolheu um inimigo e o apontou à sociedade: os médicos brasileiros. A partir daí, jogou contra eles os raios e trovões que conseguiu recolher em seu repertório. A saúde pública tem problemas. Falta atendimento, dinheiro, leitos. São longas as filas. Espera-se meses por um exame e anos por uma cirurgia. De quem é a culpa? Segundo a presidente, a culpa é dos médicos. Sua Excelência cuidou de passar à sociedade a impressão de que eles preferem viver nos grandes centros não porque ali estejam os melhores hospitais, laboratórios e equipamentos, mas porque ali estão os melhores restaurantes, clubes e cinemas. Foi para a tevê tecer ironias com o fato de que os primeiros a fazerem opções no Programa Mais Médicos preferiram localidades litorâneas. A compreensão dessa mensagem pelos sem discernimento (estamos falando de dezenas de milhões) fica assim: os doutores gostam, mesmo, é de praia. Através dessas paquidérmicas sutilezas, o governo tenta convencer a sociedade de que os médicos não vão para as pequenas comunidades porque se lixam para as carências com que ele, governo, se preocupa. Opa! Preocupa-se agora, preocupa-se depois das vaias, preocupa-se depois das passeatas. E esquece que, pelos mesmos motivos, milhões de outros profissionais também preferem trabalhar em centros urbanos mais dinâmicos. Identificado o inimigo, a presidente partiu para o ataque. Criou um 2º ciclo de formação médica, obrigatório, a serviço do SUS, com duração de dois anos, a ser prestado onde houver necessidade. Fez com que os médicos perdessem a exclusividade de diversas atribuições relativas a diagnósticos e prescrição de tratamentos. Jogou na lixeira a insistente e lúcida recomendação no sentido de que seja criada na área médica uma carreira de Estado, semelhante à que existe para as carreiras jurídicas. Explico isso melhor: espontaneamente, nenhum juiz ou promotor vai solicitar lotação em Paranguatiba do Morro Alto. No entanto, como etapa de uma carreira atraente e segundo regras bem definidas, sim. É desse modo que se resolvem as coisas numa sociedade de homens livres. Nada revela melhor a vocação totalitária do partido que nos governa do que este episódio. É uma vocação que dispensa palavras, que atropela leis e se expressa nas grandes afeições. Cubanas, por exemplo. A vinda dos médicos arrematados em Castro & Castro Cia. Ltda. permite compor um catálogo de transgressões aos princípios da liberdade individual, da dignidade da pessoa humana, da justiça, da equidade, da proporcionalidade, do valor do trabalho. Repugna toda consciência bem formada a ideia de que um país possa alugar seus cidadãos a outro, enviá-los aos magotes como cachos de banana, beneficiar-se financeiramente dessa operação em proporções escandalosas e ainda fazer reféns as respectivas famílias por garantia da plena execução do mandado. E há quem afirme que toda oposição a uma monstruosidade dessas é preconceito ideológico! Pois eu digo diferente: acolher como louvável semelhante anomalia política é coisa que só se explica por desvio do juízo moral. Dilma e os seus gostariam de dispor dos brasileiros como coisas suas, assim como os Castro dispõem dos cubanos. Sendo impossível, buscam-nos lá, do mesmo modo como, antigamente, eram trazidos escravos das feitorias portuguesas no litoral africano. Zero Hora, 8 de setembro de 2013

Percival Puggina

05/09/2013
Há uma regra de ouro para compreensão do que acontece no governo brasileiro: Dilma nunca, jamais, fica furiosa pelos motivos certos. Quando ela explode e sai atropelando o que haja pela frente, é porque alguém fez o que devia e não o que ela tinha determinado ou suposto que fosse feito. No caso do encarregado de negócios do Brasil na Bolívia, Eduardo Saboia, aconteceu exatamente isso. Dilma foi surpreendida pela manifestação de uma raridade. Enfureceu-se diante de algo que dificilmente encontra à sua volta: um homem de caráter, um espírito nobre, para quem os princípios morais situam-se muito acima dos berratórios - da gritaria autoritária e mal educada que alguns despreparados confundem com expressão do próprio poder. Eduardo Saboia fez o que tinha que fazer. A frase com que explicou sua posição, citando o evangelho de São Mateus, soa como uma bofetada nas bochechas dos nossos mandatários: Eu escolhi a porta estreita e lutei o bom combate. Eu não me omiti. Eu optei pela vida e salvei a honra de meu país, que defendo sempre. Tudo que hoje se sabe a respeito do faz de conta jogado entre Brasília e La Paz fez soar nos meus ouvidos aquela belíssima canção com letra de Paul Anka, universalmente conhecida na interpretação de Frank Sinatra. Refiro-me a My Way. Há um momento, nessa canção, em que o tom se eleva, e no qual as palavras parecem gritar ao Brasil de hoje o que seja um homem senhor de si mesmo, que diz e age segundo o que em verdade sente. Reproduzo esse trecho como homenagem ao diplomata Eduardo Saboia, levado às barras de uma sindicância por gente muito, muito menor do que ele: For what is a man, what has he got? If not himself, than he has naugth. To say the things he truly feels, And not the words of one who kneels. The record shows, I took the blows. And did it my way! Desçamos, agora, infinitos degraus. E falemos novamente de Dilma, que durante um ano e meio fez de boba a representação brasileira em La Paz, transformando o asilo do senador em prisão domiciliar. Suponhamos, leitor, que Evo Morales fosse um tiranete de direita e que o senador Roger Pinto fosse um metalúrgico esquerdista, líder da oposição. Qual seria a atitude de Dilma nesse hipotético episódio? Agiria do mesmo modo que agiu (quase incorrendo em delito de cárcere privado)? Claro que não! Pois é nessas mãos que estamos. É para esse brejo que levamos a Nação, entregando não só o governo, mas o Estado brasileiro, a um grupo que faz política externa desse jeito, que quer mandar no Paraguai e obedece à Bolívia, que convive com bandidos e ameaça com punição gente como o diplomata Eduardo Saboia. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

02/09/2013
Recebi de um leitor estranha mensagem. Ele é militante pró-aborto. E em e-mail fala sobre uma jovem de 14 anos que, tendo engravidado, fica sem saber se aborta ou não. Partindo dessa raiz, escreve as possíveis consequências de um aborto mal feito de um aborto bem feito. Em seguida, monta duas histórias paralelas para a mesma pessoa, uma optando pela manutenção da gravidez e outra optando pelo aborto. A primeira é uma barra pesada e a segunda uma viagem de cruzeiro em mar calmo. *** Eis a resposta que enviei ao missivista. Prezado senhor ... Li com atenção as 2400 palavras que utilizou para propor suas histórias e extrair as conclusões que buscava. Percebi, ao ler, que o senhor, em contrapartida, dedicou apenas 59 palavras para abordar a questão central, aquela perante a qual a lógica e a verdade científica derrubam todas as demais reflexões e hipóteses que levanta. Refiro-me ao trecho em que resolve considerar o aborto como ato análogo ao chute que se dá em uma casca seca de laranja caída no chão. Diz o senhor: Para mim, o direito à vida de um ser em formação, que não existe como um ser humano completo, que ainda não tem um cérebro formado, e por isso ainda não pode ser considerado clinicamente vivo, está muito abaixo do direito à Vida e a liberdade de decidir sobre a própria Vida que as mulheres e famílias deveriam ter. O senhor afirma isso assim, na base do para mim e pretende que o seu para mim, seja lei com vigência universal. As leis, senhor ..., não são redigidas para valer apenas em relação aos que concordam com elas. Pedófilos, assassinos, corruptos e corruptores, motoristas irresponsáveis, alcoólatras, drogaditos, também discordam das leis que vedam e penalizam seus hábitos e suas práticas. Por outro lado, aquilo que o senhor prescreve como sabedoria máxima, que deveria ser reconhecida como inquestionável evidência, é cientificamente falso: o feto não é um nada, um coisa alguma, um ser humano em potencial, da mesma forma que um idoso não se define como um descartável defunto em potencial. Do óvulo feminino fecundado não nascerá um galo garnizé. Trata-se do mesmo ser humano em diferentes fases da vida, assim como nenhum ser humano, quando bebê, tem aspecto exterior identificável com a pessoa que será na vida adulta. As razões que o senhor alinha enquanto elabora suas hipotéticas histórias desviam-se de importantes princípios que as sociedades civilizadas deveriam preservar. O senhor fala no direito da Vida da mulher grávida (assim com maiúscula), em contraposição à vida do feto (assim com minúscula). Ora, ora, é tudo ao contrário, senhor... Vida não é a mesma coisa que história de vida. Não faz sentido opor o direito à Vida do feto com a melhor história possível de vida da mãe. Oposição dessa natureza justificaria inúmeros outros crimes como solução possível para construção de melhores histórias de vida. Aliás, chega a ser um exercício de audácia prescrever histórias de vida. Essas são histórias que se escrevem mas não se prescrevem. Enfim, desculpe-me, mas sua militância pró-aborto caminha sobre pernas bambas. Não resiste a uma boa análise. E na próxima, por favor, não inclua no texto tolices como a de uma organização terrorista adversária do aborto. Podíamos passar sem essa. Cordialmente Percival Puggina

Percival Puggina

01/09/2013
ALGUÉM SABE RESPONDER? Questionado pela Folha sobre qual a postura que o Brasil adotaria caso médicos se recusem a voltar a Cuba, o advogado-geral da União disse não ver a possibilidade de asilo. Nesse caso me parece que não teriam direito a essa pretensão. Provavelmente seriam devolvidos. Então pergunto aos formuladores de políticas tão incongruentes: se os médicos cubanos vêm em missão de solidariedade internacional que o mundo capitalista não consegue compreender, se eles vêm ao Brasil felizes por poderem prestar seus serviços às nossas populações carentes, por que, raios, há que cogitar da possibilidade de pedirem asilo? E se pedirem por que negar? E, por fim, por que tenho este pressentimento de que tudo já ficou combinado com o IIº Reich cubano, inclusive quanto a essa possibilidade?

Percival Puggina

30/08/2013
Recebo carta de leitor disposto a ensinar-me que o convênio para admissão de médicos estrangeiros no Brasil prevê que eles sejam acompanhados pelas famílias. Como se eu não tivesse lido a Medida Provisória nº 623 de 19 de julho de 2013! Está ali, sim, com todas as letras, que o Brasil reconhece o óbvio direito do estrangeiro admitido no programa Mais Médicos de se fazer acompanhar por cônjuge e filhos enquanto prestar serviços ao nosso país. O problema que ao missivista pareceu irrelevante é este: enquanto os profissionais de quaisquer outras procedências exercerão esse direito, os cubanos são os únicos aos quais ele é vedado, não aqui, mas no país de origem. O doutor vem, mas a família fica lá, como garantia de retorno do cativo a seu dono e senhor, o Estado marxista-leninista de Cuba. O que a Medida Provisória de Dilma permite não está previsto nas Cartilhas do Cárcere do governo cubano. Há gente que pensa que os outros não pensam. A vergonhosa manifestação promovida por alguns médicos brasileiros contra os cubanos que desembarcaram em Fortaleza foi um self-service bem fornido para proveito dos formadores de opinião que atribuem a preconceitos ideológicos qualquer atitude avessa à agenda petista. Como se a defesa dos interesses do petismo estivesse associada aos mais translúcidos e elevados ideais humanos! Ou, como se essa defesa fosse gerada por um ambiente filosófico e político blindado à mais tênue contaminação ideológica. Me poupem. O site da revista Carta Capital na última quarta-feira deu destaque ao recém chegado Dr. Juan Delgado. Não sei porque nos chamam de escravos, exclamou ele, observando que não vem tirar trabalho de ninguém e que todos irão para onde os médicos brasileiros não querem ir. Tem razão em parte, o Dr. Juan. A atitude dos seus colegas cearenses foi deplorável grosseria. Por outro lado, é irremediável a situação do escravo que sequer tem consciência de ser escravo. Danosa, também, a matéria da revista, claro, por não informar o leitor sobre a escravidão que o regime castrista impõe aos cidadãos da ilha. Carta Capital faz malabarismos. Também ela pensa que os outros não pensam. A presidente Dilma veio às falas naquele estilo que não dá bola para sujeito, predicado e complemento: É um imenso preconceito esse que algumas vezes a gente vê sendo externado contra os médicos cubanos. Primeiro, é importante dizer que os médicos estrangeiros, e aí não só os cubanos, porque tem cubano, argentino, uruguaio, espanhol, português, tem de várias nacionalidades. Esses médicos vêm ao Brasil para trabalhar onde os médicos brasileiros formados aqui não querem trabalhar. Pois é, presidente, também a senhora não percebe. Argentinos, uruguaios, espanhóis e portugueses vêm ao Brasil de livre e espontânea vontade e são admitidos no programa individualmente, um a um. Já os cubanos, são tratados como gado de curral, vendidos aos lotes. Recebem pequena fração do que seus outros colegas embolsam enquanto a parte robusta do ervanário gerado por seu trabalho vai para os cofres de Havana. (Nota: Repete-se aqui, com os médicos, o tipo de locação com que o regime de Havana servia a Moscou jovens soldados, como bucha de canhão, nas guerras e guerrilhas que os soviéticos mantinham ou subsidiavam na África.) Considerar que os cubanos merecem tão desumano e depreciativo tratamento é muito mais do que preconceito. É maldade e perversão. Critique os manifestantes de Fortaleza, presidente. Mas dê uma olhada no que a senhora e os stalinistas de seu governo andam fazendo. Seu Advogado Geral da União já avisou que para os médicos cubanos não haverá asilo... Pergunte à ministra Maria de Rosário o que ela acha disso tudo na perspectiva dos Direitos Humanos. E se ela disser que concorda, despache-a com aquela sua caneta (retrátil, é verdade) de assinar demissões. Lembrei-me de Gilberto Freyre. Brasília, nesta alvorada do século 21, tornou-se a nova Casa Grande que contrata e paga por cabeça na senzala cubana. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

27/08/2013
MÉDICOS CUBANOS E O MINISTÉRIO DA DILMA A presidente Dilma dirige um dos maiores, se não o maior, gabinete governamental do mundo. Coisa de 40 ministérios. Tem pasta, ministro e cargo para qualquer assunto de mediano interesse público. Da defesa ao ataque e ao achaque. Portanto, o proverbial mau humor de Sua Excelência nada tem a ver com excesso de serviço ou falta de assessoria. No entanto, se atrapalha com bobagens, como, por exemplo, a sua constituinte exclusiva, seu referendo, seu malquisto senador boliviano, e seus médicos cubanos. Ao redor de Dilma, vários ministros poderiam adverti-la sobre o que estava fazendo. A saber: - o ministro da Defesa deveria ter dito a ela que estava abrindo flanco ao inimigo; - o ministro da Justiça deveria tê-la advertido para o rolo jurídico que vai ser criado; - o ministro das Relações Exteriores deveria aconselhá-la a não se meter com maus pagadores, em especial com o IIº Reich cubano; - o ministro da Fazenda forçosamente deveria ter dito que pagar 10 para quem trabalha por um e péssimo negócio; - o ministro do Trabalho sabe, como poucos, que trabalho escravo é crime; - o ministro da Ciência e Tecnologia tinha a obrigação de dizer a ela que a tecnologia cubana é de fundo de quintal, inclusive na área de saúde curativa; - e a ministra de Direitos Humanos, a estas horas, já deveria estar demissionária diante do crime contra direitos humanos fundamentais que seu governo vai cometer.

Percival Puggina

26/08/2013
Em 2001, em visita a Cuba, fui à embaixada brasileira. Ela se situa no quarto andar do prédio da Lonja de Comércio (Bolsa de Valores), uma bela edificação do século 19. Conversei com o secretário. Eu queria checar minhas observações sobre a realidade do país. Durante a entrevista, entrou na sala uma moça que lhe dirigiu algumas palavras em espanhol e se retirou deixando expedientes sobre a mesa. Quando ficamos novamente a sós, ele explicou que a servidora fora contratada junto a uma das duas agências oficiais através das quais o governo locava mão-de-obra para organizações estrangeiras no país. O contratante descrevia o perfil da pessoa que necessitava, a agência estabelecia o valor da remuneração e enviava pessoas para entrevistas. No caso, dos 200 dólares com que a embaixada remunerava a agência, a moça recebia o equivalente (em pesos!) a 20 dólares. O restante ficava para seu generoso patrão, o Estado cubano. Portanto, quando eu leio, em várias fontes, que deve ser nessas mesmas bases o negócio entre Brasil e Cuba (R$ 10 mil mensais por cabeça para o patrão) e uns 10% disso para os médicos, eu não tenho por que ficar surpreso. Ouvi esse relato de viva voz. Há muitos anos sei que o patrão comunista é um velhaco cujos padrões morais causariam horror a um capitalista do século 18. Meu escândalo com seus abusos já é bem antigo. Que cidadãos daquele país aceitem morar nos rincões brasileiros por uma ajuda de custo miserável vale como certidão, passada em cartório, sobre o que seja viver em Cuba. Não obstante, o convênio firmado com o ministro da Saúde brasileiro ilustrava orgulhosamente a matéria de capa do site da OPAS na última sexta-feira (http://www.paho.org/bra/). Não se trata, ali, de salários e valores, talvez por falsos pudores. E ninguém conseguirá arrancar dos profissionais que vierem informação alguma sobre quanto os Castro lhes estarão pagando para atuarem no Brasil. O leitor deve estar se perguntando: E as famílias deles? Eles não vêm com a família?. É óbvio que não. Isto está fora de cogitação. Nestes casos, tratando-se de cidadãos cubanos no exterior, a família costuma ser refém do governo, proporcionando relativa garantia de que o infeliz retornará ao cativeiro. Aliás, estamos diante de um duplo cativeiro porque também no Exterior a situação desses profissionais seguirá disciplina própria, para cujo controle lhes costuma ser imposta fiscalização exercida por agentes do governo cubano. Normalmente, ao menos, as coisas se passam assim. E mesmo que esses fiscais não venham, mesmo que não se apliquem ao convênio firmado pelo ministro Padilha as regras vigentes em outros países, já está para lá de configurada uma situação de servidão, de escravidão, de exploração indecente do trabalho humano. Ficou muito claro, também, que essa operação está sendo cozida há muito tempo, à socapa, abordada de modo evasivo pelo governo. Ninguém monta uma operação dessas em uma semana. Há objetivos eleitorais focados nas comunidades interioranas e há Foro de São Paulo nisso. Basta o que se sabe para caracterizar nesse acordo abuso capaz de acionar até os mais ideologicamente focados alarmes dos órgãos de direitos humanos, quer sejam do governo, quer da sociedade. A pergunta que me ocorre nesta sexta-feira chuvosa em que escrevo é a seguinte: Cubanos não são humanos?. Que Cuba escravize seus cidadãos é uma coisa inaceitável. E o Brasil convalida isso? ZERO HORA, 25 de agosto de 2013