Percival Puggina

19/04/2014
Não consegui encontrar a obra, em meio ao indesculpável desarranjo da minha biblioteca. Mas li, faz bom tempo, texto muito interessante sobre certo anúncio feito publicar na imprensa por um personagem do escritor José-María Gironella. O anunciante era um cavalheiro que declarava haver perdido a mais preciosa de suas joias. Justamente aquela pela qual entregaria todos os seus outros bens. Estava consternado e conclamava quantos o lessem a um ato de solidariedade humana: que saíssem às calçadas, às ruas, às praças e procurassem por ela durante alguns minutos. Suplicava a quem a encontrasse que a restituísse ao legítimo dono, porque somente para ele, autor do anúncio, tal joia tinha valor precioso e utilidade infinita. O tão extraordinário bem, esclarecia ele por fim, era o tesouro imaterial da Esperança, sem a qual não estava conseguindo viver. O trágico personagem reflete muito bem, com seu apelo, a terrível situação de quem se percebe vivendo no desespero, aquela triste forma de se deixar morrer, no dizer do dominicano Bernard Bro. Não sei se o mais triste é a sensação de perda de um bem assim ou a situação de quem vive e morre sem saber do que estou falando aqui. De fato, leitor amigo, a maior parte das pessoas não chega a compreender o fenômeno da esperança e da desesperança. Lida-se com ele mais ou menos como se a vida fosse uma roleta, dentro da qual rodopiam bolinhas da sorte ou do azar. E chama-se de esperança o conjunto de expectativas pessoais condicionadas a prováveis ou improváveis prêmios. Não é essa, porém, a esperança que dá sentido à vida, nem é essa a esperança que se constitui em virtude cristã. Só pode dar sentido à vida terrena algo que se situe fora dela, que a ela preexista e que se projete para além dela. Nossa vida não pode ser um segmento de reta, com começo, meio e fim, atravessado na história. Nós não somos grãos de areia no deserto, despojados de qualquer significado pessoal. Se para o grão de areia tal situação não tem importância, para a vida humana, a ausência de finalidade gera angústia. Não são outras, in suma, as incertezas do existencialismo, as misérias do materialismo e as trágicas convicções do niilismo. E não era outra coisa que clamava o cavalheiro do anúncio mencionado acima. A esperança do cristão lhe vem da Ressurreição. São Paulo diz que se Cristo não tivesse ressuscitado, ?vã seria a nossa fé?. Ou seja, nossa fé estaria depositada em alguém vencido pela morte; ressurreto, Cristo é a esperança de nossa própria ressurreição - ainda com as palavras de São Paulo. O Evangelho de Lucas relata o conhecido anúncio do anjo aos pastores: ?Nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo Senhor?. Pois não seria descabido um anúncio semelhante na sexta-feira da Paixão: ?Morreu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo Senhor?. No mistério da Redenção, que se completa na Páscoa da Ressurreição, cumpre-se o projeto de Deus para a nossa salvação. Seria uma insanidade trocarmos a Esperança que está envolvida nesse ambicioso projeto de Deus por algum projeto de nossa própria ambição, levado ao extremo de extraviar, nele, a única Esperança que efetivamente pode dar sentido à nossa vida. Feliz Páscoa! ZERO HORA, 20 de abril de 2014

Percival Puggina

17/04/2014
Recapitulemos. O MDB e a ARENA nasceram respectivamente em março e em abril de 1964, como consequência do bipartidarismo imposto pelo art. 18 do Ato Institucional nº 2. Mais tarde, na transição para os anos 80, com o início da abertura, novos partidos surgiram e os maiores, que vinham do período anterior, mudaram de nome. A ARENA virou PDS e o MDB virou PMDB. Durante quase duas décadas, portanto, os principais partidos brasileiros foram esses dois. Um pelo governo e o outro pela oposição. Um mais pela direita, o outro mais pela esquerda. É fato irrecusável, no entanto, que o esforço para levar o país à normalidade ocorreu no âmbito das instituições, dentro do jogo político, na conquista da opinião pública, e que a parte principal dessa tarefa coube ao partido oposicionista, o PMDB. Simultaneamente, no contrafluxo, algumas dezenas de organizações comunistas clandestinas cometiam desatinos. Promoviam atos terroristas e execuções sumárias, assaltavam, assassinavam, sequestravam pessoas e aeronaves. Recebiam orientação, treinamento e recursos de Cuba, URSS, China. Davam calor local à Guerra Fria (há quem diga que ela não existia aqui e que, embora EUA e URSS disputassem até a Lua e o espaço sideral, os soviéticos olhavam para o insignificante Brasil com desdém). Embora os panfletos que espalhavam entre os resíduos criminosos e mortais de suas ações falassem muito em povo, essas organizações não tinham qualquer apoio popular. Semearam dores e danos, e atrasaram a redemocratização. Descriam da democracia, zombavam dos que faziam oposição no plano das instituições. Entretanto, não há como negar a utilidade da atuação do PMDB. Foi seu trabalho na formação da opinião pública, apoiado por frações da base governista (parte da qual saiu do PDS e formou a Frente Liberal) que criou o ambiente favorável à abertura lenta, gradual e segura de Geisel. E é irrecusável, também, que guerrilheiros e terroristas, nessa longa história, não têm qualquer mérito. Foi a ideologia deles, recusada pelo povo nas ruas do país, que gerou a intervenção militar e foi a opção deles pela luta armada que retardou a normalização institucional. Pois bem, esse é o grupo que, hoje, hegemoniza nossa política com vários de seus membros promovendo expropriações do patrimônio público e agindo, agora como então, fora da lei. É esse mesmo grupo que, de tempos para cá, com inacreditável apoio midiático, enfeitando a própria história, se pavoneia como defensor da democracia e paladino histórico das liberdades públicas. Não preciso escrever mais nada para demonstrar que o PMDB está sendo roubado de seu principal patrimônio político. Líderes vindos da clandestinidade, da luta errada, por meios errados, para fins ainda mais errados, chegaram ao poder pelo voto. Instalam-se para ficar. E passam a buscar méritos que não têm. Posam como vítimas da ditadura (alguns foram mesmo) e ocultam os tenebrosos objetivos que os moviam. Põem o PMDB a tiracolo e, sem pedir licença a ninguém, dão de mão no trabalho de Ulysses, Tancredo, Fernando Henrique, Montoro, Covas, Simon, Teotônio. E o PMDB, submisso à ditadura do politicamente correto, submisso à hegemonia petista, a tudo tolera em troca de quinhões do poder. Alguém tem que ir à delegacia e preencher um B.O.. _____________ * Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

12/04/2014
COM LICENÇA, EU ACERTEI Percival Puggina Nos últimos 25 anos, escrevi mais de uma dúzia de artigos combatendo e, em muitos casos, mostrando que o livro Veias abertas na América Latina, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, é um amontoado de tolices estruturadas sobre raciocínios errados, prosa infantil, repleta de baboseiras. No entanto, desde sua primeira edição, em 1971, foi tomada como bíblia pela esquerda continental e catapultou o autor para os pontos mais nobres dos seus altares e reverências. Quantos professores de história, mestres de araque, envenenaram as mentes de seus alunos com base nesse livro! Pois eis que agora é o próprio Galeano que me dá razão. Homenageado em Brasília pela 2ª Bienal do Livro (e a homenagem, certamente, tem muito a ver com esse mesmo livro), o escritor declarou que a obra foi o resultado da tentativa de um jovem de 18 anos de escrever sobre economia política sem conhecer devidamente o tema. Eu não tinha a formação necessária. Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas foi uma etapa que, para mim, está superada. * A matéria jornalística sobre essa declaração de Galeano está publicada na edição do dia 11 de abril do jornal Correio do Povo.

Percival Puggina

11/04/2014
A compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras, tanto na transação em si, quanto no que aconteceu após se tornar de conhecimento público, é dos atos mais constrangedores de nossa história administrativa. Nem encomendando se conseguiria produzir semelhante sucessão de ações e reações que primam pela falta de decoro e pela hipocrisia. Atenção, jornalismo nacional! Hora de acordar, rapaziada! O rolo é conhecido desde 2012! É difícil entender as razões pelas quais a pauta dormiu nas gavetas durante todo o ano de 2013. Seja como for, o melhor ficou para o fim. Aconteceu no Congresso Nacional, com a disputa entre governo e oposição sobre a proposta de criar CPI para investigar a operação. Como a medida se revelou inevitável, o PT partiu para o contra-ataque, e quis investigar, também, o metrô de São Paulo e o porto de Suape em Pernambuco. Foi uma antecipada confissão. Foi reconhecimento pelo réu de que comprometedoras digitais estavam na cena do crime. O que espera a sociedade de um partido político que respeite a própria imagem diante de fato com tal magnitude? Que participe das investigações, que controle o trabalho da oposição, que busque a verdade e, naturalmente, que evite maiores explorações políticas dos fatos apurados. Em vez disso, o PT quis tumultuar, embrulhar e inviabilizar a CPI, acrescentando-lhe outros objetivos que, supostamente, poderiam causar dano ao seus principais opositores na corrida presidencial em curso: PSDB e PSB. Tudo num grande esforço para blindar a Petrobras. A Petrobras? Me poupem. A Constituição Federal não deixa margem para interpretações quando afirma que as CPIs devem tratar de fato determinado e não de fatos indeterminados. Se o PT tem conhecimento de determinados fatos a merecer investigação no metrô de São Paulo e no porto de Suape, envolvendo recursos federais, por que não pediu oportunamente as respectivas CPIs? Por que fazê-lo como contraponto à CPI sobre a refinaria de Pasadena? Ao agirem como estão agindo no caso, o PT e seus associados no Congresso Nacional tornam inequívoco perante a opinião pública que, de fato, houve rolo no negócio. Caso contrário, fosse a operação sábia e proba, economicamente interessante, como chegaram a afirmar alguns agentes partidários na frente de batalha das redes sociais, nada melhor do que uma CPI para comprová-lo e retocar a imagem da presidente. Afinal, ela foi vendida a seu eleitorado como gestora competente. Mas autorizou a Petrobras a pagar mais de um bilhão de dólares por uma lebre que mia. Todo esse imbróglio serve para mostrar o quanto é maléfica a confusão que fazemos no Brasil entre Estado, governo e administração pública, como se fosse tudo a mesma coisa. Não contentes, embrulhamos o pacote para presente e entregamos a um partido político. Só pode dar nisso! Que raios tem um partido político a fazer na Petrobras? E não só aí, mas também no Banco do Brasil, no BNDES, em dezenas de estatais e em todo o aparelho administrativo federal, ocupando dezenas de milhares de postos que deveriam ser providos por servidores de carreira com a formação adequada? _____________ * Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

09/04/2014
Pergunto: os males da política brasileira estão relacionados mais diretamente ao caráter dos indivíduos, das pessoas concretas que ocupam postos de poder, ou ao modelo institucional que adotamos? Há muitos anos participo de debates que buscam saber qual a galinha e qual o ovo nesse dilema. Dirá alguém que é uma questão menor e que o Brasil vive as urgências impostas por clamorosas denúncias e estridentes silêncios. No entanto, de denúncia em denúncia, de silêncio em silêncio e de urgência em urgência, vamos postergando toda e qualquer tentativa de formar consenso a propósito desse tema. E como precisamos de um consenso! Como precisamos fazer com que a nação vasculhe, atrás do palco, na coxia, as estruturas que movem de modo tão desastroso os cordéis do poder! Volto a esta pauta porque o mero fastio ante a política que temos é mau conselheiro para levar-nos àquela que queremos. Imaginar que o espelho de representação só melhorará quando o nível das exigências morais da sociedade houver subido vários degraus significa a perdição de pelo menos duas gerações! É por isso que defendo a necessidade de mudança nas regras do jogo político. Trata-se de algo que infelizmente parece pouco significativo. A maior parte das pessoas insiste em ver as árvores e não percebe o emaranhado da floresta institucional. No entanto, as regras de qualquer jogo determinam a conduta dos jogadores. O solo influi na qualidade do que nele se plante. As religiões se refletem no comportamento dos fiéis. E as instituições de Estado não só impulsionam o agir dos políticos mas definem, também, com suas regras, quem participa das atividades. Creio que o melhor modo de tornar compreensível esse efeito que muitos teimam em desconhecer pode ser encontrado na própria experiência nacional. Sabe por que, leitor, nenhuma reforma política séria prospera no Brasil? Pela simples e confessada razão de que os congressistas sabem que seus mandatos foram obtidos nas regras vigentes. Esta singela constatação deixa tudo como está, reproduzindo ad aeternum um tipo de representação que nos proporciona escassos motivos de admiração. Dito isso, considero suficientemente provado o grau de influência do modelo institucional sobre o recrutamento de lideranças para a elite política. São elas mesmas que o confessam. Ainda que não convenha ao país, é esse o modelo que lhes serve. Portanto, a posição dos candidatos a favor do voto distrital e contra essa bacanal institucional que junta na mesma cama Estado, governo, administração pública e partido político deveria ser critério decisivo de voto nas eleições de outubro. *** Os últimos dias foram dedicados pela mídia à tarefa de esconjurar o 31 de março. É verdade que foram cometidos crimes que repugnam às consciências bem formadas. Mas é errado limitar a informação ao registro desses fatos. Aquele movimento primeiro frustrou o plano dos comunistas para o Brasil e, depois, derrotou guerrilheiros e terroristas que queriam implantar tal regime no país. Esquecer o que estes pretendiam, não ler o que escreviam, ignorar o que diziam, apagar da história as vítimas que fizeram e os crimes bárbaros que cometeram, para exibi-los como heróis e mártires da resistência democrática é impostura. É servir o oportunismo em bandeja. Passado meio século, seus atuais afetos no plano nacional e internacional ainda revelam muito bem o que fariam se pudessem. ZERO HORA, 6 de abril de 2014

Percival Puggina

04/04/2014
A presidente Dilma convocou o camarada Franklin Martins novamente para a guerrilha da comunicação social. Ele vai comandar a campanha petista na imprensa e nas redes. Franklin havia dirigido a comunicação nos governos petistas e é possível que tenha sido responsável por todas as perguntas não feitas - eu disse não feitas - a Lula pelos jornalistas brasileiros nos últimos 12 anos. Coube-lhe, por bom tempo, lidar com a distribuição de verbas publicitárias federais à mídia nacional. Tal prática sempre se revelou excelente para estimular a auto-censura nos meios de comunicação. Coincidência ou não, as últimas semanas foram marcadas por demissões de conhecidos jornalistas que vinham merecendo destaque nacional e cujos comentários alcançam elevados índices de reprodução nos arquivos do YouTube. Enquanto o PT viaja com a serenidade de uma pedra de curling, batedores à frente, preparando o terreno, a oposição fala em microfones de plenário que quase ninguém escuta. Digam o que disserem os parlamentares nas duas casas do Congresso, ninguém na mídia nacional, dá bola para essas tribunas. E não é de hoje. Há bom tempo a oposição fala para paredes surdas e ouvidos moucos. Nada tem a oferecer. Não tem cargos, nem verbas, nem maioria. Em quase nada influi. É muito provável que você, leitor, se surpreenda com a apatia oposicionista. Pois isso que constata é consequência do que acabei de descrever. A oposição parlamentar, política, partidária, raramente incomoda o PT. O partido quer calar é a oposição que se ouve e se vê. Ela está nas redes sociais, nessa miríade de mensagens, imagens e textos que circulam e recirculam, alcançando um universo ilimitado de pessoas. Ela está, também, na voz, na imagem e na palavra escrita de um número crescente de formadores de opinião, acadêmicos, escritores, intelectuais que chegam até você por diversas maneiras. É essa oposição não partidária, que é política mas não é alinhada, que incomoda o PT. É contra ela que se dirigem as tentativas de regular, regulamentar e, em palavras mais objetivas, controlar o que circula junto à opinião pública. Para realizar tal tarefa surge no cenário o personagem mais macabro da comunicação social brasileira, o redator do tétrico manifesto divulgado durante o sequestro do embaixador Burke Elbrick, onde escreveu: Este ato (...) se soma aos inúmeros atos revolucionários já levados a cabo: assaltos a bancos, nos quais se arrecadam fundos para a revolução, tomando de volta o que os banqueiros tomam do povo e de seus empregados; ocupação de quartéis e delegacias, onde se conseguem armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura; invasões de presídios, quando se libertam revolucionários, para devolvê-los à luta do povo; explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o justiçamento de carrascos e torturadores. Na verdade, o rapto do embaixador é apenas mais um ato da guerra revolucionária, que avança a cada dia e que ainda este ano iniciará sua etapa de guerrilha rural. Pois é esse mesmo personagem que, agora, transformado em próspero profissional da comunicação social, passa a trabalhar para a candidata Dilma Rousseff, com enorme influência nas verbas publicitárias do governo. Certamente não é por acaso que jornalistas não cabresteados pelo Planalto começam a bater pé nas calçadas em busca de novos locais de trabalho. _____________ * Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

28/03/2014
PÕE MAIS VERBA NO ORÇAMENTO QUE ELE ESTÁ VOLTANDO... Percival Puggina Franklin Martins foi o cara que tirou Lula do atoleiro em 2005. Atualmente com uma página ou coisa que o valha no Portal IG, o ex-terrorista, hoje guerrilheiro no mundo da comunicação petista, comunicou a seu indistinto público que está se afastando dessa atividade para assumir o Ministério da Comunicação Social. Ou seja, volta a comandar a comunicação social do governo num momento em que Dilma vê suas versões publicitárias serem substituídas por fatos muito desagradáveis. Franklin Martins já mostrou sua competência quando tirou Lula do fundo do poço. Foi ele que, depois de Lula haver pedido perdão pelo Mensalão, criou a versão de que tal crime jamais ocorreu. Agora, certamente, Franklin Martins vai colocar os grandes meios de comunicação com as mãos contra a parede graças à força do poder concedente. No entanto, em vez de lhes esvaziar os bolsos, vai enchê-los com verbas publicitárias. Em breve, saberemos que a refinaria de Pasadena foi um excelente negócio e que a Petrobras era a empresa falida, salva pelo PT. Dinheiro não compra felicidade, mas compra qualquer falsidade.

Percival Puggina

26/03/2014
Sei que o texto transcrito a seguir parece escrito com o cotovelo, mas era preciso ser fiel ao trabalho de seus redatores. Trata-se de um trecho do documento Análise de Conjuntura, referente a março de 2014, preparado pela assessoria da CNBB para a 83ª reunião do Conselho Permanente da entidade, ocorrida entre os dias 11 e 13 deste mês em Brasília. Em análises anteriores da conjuntura econômica foi assinalado o discurso alarmista da imprensa e o alarmismo de analistas econômicos, não sem contradições na análise da realidade. Está bem presente um viés ideológico que perpassa todas as análises evidenciando um conluio entre a imprensa e os donos do dinheiro no país. O tom das análises reflete rancor, raiva e oposição ao governo atual, com parcialidade tal que perde o sentido de objetividade. A chave de leitura é uma oposição visceral do mundo financeiro e empresarial ao governo da presidente Dilma, ampliada com o horizonte das eleições em outubro deste ano. Por indicação de um leitor, retornei ao site da CNBB em busca desse documento. Havia onze anos que eu não perdia meu tempo lendo as análises mensais de conjuntura preparadas pela assessoria da CNBB. A entidade, na ocasião em que questionei o tom petista militante que caracterizava os textos, informou que os mesmos não eram dela, CNBB, mas elaborados para ela. Com tal afirmação, os senhores bispos supunham desobrigar-se de um volumoso conjunto de documentos que, estranhamente, levam o timbre e estão disponíveis no site da entidade que os congrega. Entre minha visita anterior e esta, transcorreu toda uma década, mudou o mundo, mudou o Brasil, mas os assessores da CNBB continuam derramando seu fel ideológico sobre cada frase. A orientação persiste: defesa insistente do petismo e seus parceiros de aquém e de além mar. O texto acima, por exemplo, é parte de um trecho bem maior, dedicado à situação nacional. Ao longo dele algo, ao menos, fica bem claro: os peritos que socorrem a CNBB com sua visão da conjuntura já têm candidata a presidenta para 2014. O documento deve ter cerca de 5 mil palavras. De início, para desvendar sua eclesialidade, procurei ver quantas vezes apareciam nele a palavra Cristo e seus derivados. Usando o instrumento de busca, digitei as letras crist com o que abrangeria todos os vocábulos com essa raiz. Houve apenas três ocorrências. Pareceu-me pouco para um documento católico. Quando fui ver o que diziam do Mestre, descobri, não sem surpresa, que uma dessas referências tratava da senhora Cristina Kirchner, a outra do senador Cristovam Buarque. E a terceira mencionava as milícias cristãs que estariam sendo submetidas à lei de Talião na República Centro-Africana. Ou seja, do doce Nazareno, apesar de levar a assinatura de quatro padres, nada. Ni jota como diriam nossos vizinhos castelhanos. O texto ficaria muito bem num Congresso do PT ou numa reunião do Foro de São Paulo: apoio ao governo federal, à presidente Dilma, ambiguidade em relação à crise da Ucrânia e apoio a Maduro na crise venezuelana, onde sustentam os redatores que a oposição, sim, a oposição, estaria radicalizando. Entre os quatro leigos que também subscrevem o documento incluem-se o secretário de Articulação Social da Chefia de Gabinete da Presidência da República (braço-direito do ministro Gilberto Carvalho) e o secretário de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do governador petista do Distrito Federal. Os outros dois leigos são membros da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, outro dos vários organismos da CNBB aparelhados pelo PT, como a Pastoral da Terra, as CEBs e a Pastoral da Juventude. Todos selecionados a dedo, portanto, para produzirem o que se lê. Esperavam o quê? Não é com surpresa que faço estas constatações e escrevo estas linhas. A CNBB parece não se importar com as demasias praticadas sob o guarda-chuva de seu nome e logomarca, nem com sua instrumentalização para fins políticos e partidários. Pode chocar a você, leitor, saber que esse suposto desinteresse coloca a instituição a serviço de quem, inequivocamente, tem entre seus objetivos o de acabar com o pouco que ainda remanesce de valores cristãos e de presença da Igreja na sociedade brasileira. Mas isso não causa o menor constrangimento à CNBB. Há muitos lobos no meio das ovelhas que lhes confiou o Senhor. Às avessas da recomendação evangélica, os mansos como as pombas não parecem ser prudentes como as serpentes. E os prudentes nada têm de mansos. _____________ * Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

22/03/2014
É normal que os governantes subam ao palco das homenagens quando o PIB do Estado registra expansão significativa. Totalmente anormal seria apresentarem-se para vaias nos anos de crescimento negativo. Quem observa o PIB gaúcho ao longo da série histórica de 2002 a 2013, disponível no site da Fundação de Economia e Estatística, observará que os anos de pior desempenho foram os de 2005, 2009 e 2012, quando o PIB caiu respectivamente 2,8%, 0,4% e 1,4%. Foram três tombos, em direta relação com as estiagens ocorridas nesses mesmíssimos anos. Em compensação - felizmente há alguma compensação - os períodos subsequentes às estiagens são, sempre, de crescimento significativo, pois partem de patamares reduzidos. Os bons números recentemente divulgados a respeito do PIB gaúcho de 2013, que cresceu 5,8%, foram bafejados pela excelente safra do ano passado e pelo fato de se referirem à base negativa determinada pela estiagem de 2012. Faz parte do jogo festejar bons resultados como produtos da inspirada e competente gestão pública e atribuir os maus à inclemência da estiagem. No entanto, ante as manifestações oficiais sobre a boa expansão do PIB gaúcho no ano passado, obviamente calcado no agronegócio e nas grandes colheitas de soja, arroz e trigo, indaguei a mim mesmo: quando o partido que nos governa começou a se interessar pela prosperidade do agronegócio? Muitas vezes ouvi de seus parlamentares críticas candentes ao modelo agrícola estadual e suas extensivas monoculturas. As centenas de invasões de propriedades, levando intranquilidade e violência ao ambiente rural, não tiveram e não continuam tendo incondicional apoio do partido? Afinal, em que berçário nasceu e em que úberes o MST buscou leite para se desenvolver? O Rio Grande do Sul é um Estado sem novas fronteiras agrícolas. Não dispomos de terras virgens, por serem exploradas. Nos últimos anos, nenhum avanço significativo teria ocorrido na produtividade das nossas lavouras sem o uso de defensivos e sementes geneticamente modificadas. E eu lembro bem do fogo cerrado que as tecnologias sofreram por parte do PT. O partido apoiava muito a agricultura familiar (no que ia bem) e métodos arcaicos de produção (no que sempre foi muito mal). Agronegócio era palavrão, coisa de latifundiário neoliberal. Mais, todo produtor rural conhece o jogo pesado da presidente Dilma, junto com sua base no Congresso Nacional, para a aprovação da MP-571 numa versão que danificaria econômica e socialmente o setor, seja por indústria de multas, seja por excesso de ônus à atividade privada, seja por abusiva redução da área de exploração, seja por desrespeito ao pacto federativo e por aí afora. Todos os estabelecimentos rurais passariam a trabalhar para alcançar certas metas do governo, que não planta, não chove e não colhe. Produção e a produtividade não pareciam encontrar lugar entre essas metas. Por que tudo isso? Por uma ideologia que conduz as ações do governo e de entidades com ele afinadas num viés avesso ao direito de propriedade. Não preciso explicar, certo? É nesse sentido que trabalham a Funai e o CIMI em sua cobiça por áreas produtivas para entregá-las a reservas indígenas. É nesse mesmo sentido que vão as reivindicações dos quilombolas, sempre apoiadas por movimentos sociais de idêntica motivação e na mesma sintonia. Não possuo um palmo de terra. Mas alerto: sem respeito ao direito de propriedade, numa correta ordem juspolítica, pouco se planta e se colhe. Quer chova, quer não chova. ZERO HORA, 23 de março de 2014