Percival Puggina

23/09/2013
Enquanto lia seu voto desempatador sobre a admissibilidade dos embargos infringentes, o ministro Celso de Mello ajeitou a toga, empinou o nariz, soprou o pó da gramática e nos impôs uma arenga sobre a inutilidade do que chamou clamor popular. Viram garotos? Entenderam o que estou dizendo? Agora sejam bonzinhos e vão brincar no quintal! Aqui na Corte se aplica as leis e se faz justiça. Aos poucos, muito devagarzinho, pensei eu. Para os sem sorte nem padrinho... Aos 68 anos, minha audição não é mais a mesma, mas juro que não ouvi coisa alguma do tal clamor que o ministro diz ter escutado. Sei que você, leitor, também não ouviu. A tevê mostrou meia dúzia de gatos pingados à porta do STF. Estavam tão desajeitados! Quase solenes em seu silêncio. A solidão cívica roubou-lhes a voz. A lente da câmera os captou e seguiu adiante, bocejando. No entanto, o ministro se referiu a clamor popular durante a leitura que fez, usando para isso várias páginas do seu voto. O que teria ele ouvido, que ninguém mais escutou? Ou visto, que ninguém mais percebeu? Sim, eu sei. Já me deparei antes com tais silêncios. Eles acontecem quando não são as cordas vocais que falam mas é a própria alma que geme, num misto de desalento e tristeza. Com dimensão multitudinária. Imagine, leitor, um estádio de futebol em dia de jogo importante. A equipe dona da casa encaminha o jogo para uma gratificante vitória. Por um gol de diferença. Mas no último minuto, no último lance, o derradeiro chute adversário encontra o caminho das redes. O silêncio que, sobre o alarido do estádio, cai instantaneamente sobre a multidão, tem um pouco, só um pouco disso que estou falando. O que aconteceu no Brasil, no Brasil que ainda tinha esperança, foi algo muito mais poderoso e profundo. As pessoas gritavam interiormente a morte dessa esperança, num silêncio de cemitério. O mais triste, ministro, é que não houve clamor algum. Nem antes nem depois. Houve algo para si irrelevante, bem sei: a silenciosa frustração das melhores expectativas nacionais. Houve a lenta e penosa compreensão de que tudo quanto fora decidido meses antes não passara de imensa perda de tempo. E que os quatro votos então dados foram a conta certa ofertada às pessoas certas, para produzir o efeito certo no tempo certo. Errados, mesmo, apenas nós. Apenas nós que ainda teimávamos em crer que este país tivesse jeito. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

21/09/2013
A decisão do STF que beneficiou com novo julgamento os réus mais bem apadrinhados do Mensalão, levou-me a uma crônica de Eça de Queiroz. O texto é de outubro de 1871. Falava-se em uma estrada de ferro para ligar Portugal à Espanha e se conjeturava, em Lisboa, sobre as receitas que proporcionariam os espanhóis atraídos pelas belezas e delícias da terrinha. Escreveu, então, o mestre lusitano: A companhia dos caminhos de ferro, com intenções amáveis e civilizadoras, nos coloca em embaraços terríveis: nós não estamos em condições de receber visitas! Tampouco nós, brasileiros, estamos em condições de as receber. A leitura dos jornais deveria ser feita a portas fechadas, com as persianas corridas, para nosso constrangimento não ser visto. Passamos da fase em que havia certa estética nos escândalos. As bocas formavam redondos ós e as mãos caíam em desolada consternação. Lia-se a respeito com pruridos de honra ultrajada. Hoje, centenas de escândalos mais tarde, a vergonha fez-se de todos. É nacional. Quanta vergonha! Não, não estamos em condições de receber visitas! A credibilidade do Supremo Tribunal Federal exalou longo e enfermo suspiro. Exalou-o de modo audível enquanto Celso de Mello, visivelmente faceiro, naquele estilo em que as palavras parecem extravasadas de um compêndio de gramática, pronunciava seu voto sobre a admissibilidade dos embargos infringentes no curso da Ação Penal 470. Ah, as citações latinas de Celso de Mello! Enquanto as disparava, corretas e certeiras, o ministro feria de modo doído e grave as sadias expectativas nacionais. Luis Roberto Barroso, pouco antes de ocupar a vaga aberta pela aposentadoria de Ayres Britto, observou que o julgamento do Mensalão fora um ponto fora da curva na história das decisões do Supremo. Com isso, o ministro expressou sua convicção de que, ou a curva estava errada em todos os seus pontos (o conjunto das ações penais anteriormente julgadas), ou o julgamento do Mensalão fora um erro. A sociedade brasileira, em sua imensa maioria, pensa de outro modo. Eu sei, muito bem, que os ministros do STF não devem molhar o dedo na boca e erguê-lo ao ar para captar os ventos da opinião púbica antes de emitirem seus juízos. A função do Judiciário não é essa. Mas... *** Mas... cinco respeitáveis e experientes ministros tinham convicção diferente (compare-os com o que você pode observar sobre aqueles a quem ele acompanhou com o decisivo voto que proferiu). Mas foi afirmado muitas vezes no plenário, sem sofrer contestação: O Supremo nunca julgou duas vezes o mesmo caso. Mas..., ao votarem pela admissibilidade dos embargos infringentes, os ministros inovaram. E resolveram fazê-lo, coincidentemente, no mais escandaloso processo judicial da história, processo em que constam como réus expressivas figuras da República. Mas... a porta que abriram amplia o infinito sistema recursal brasileiro, tornando ainda mais inconclusos e procrastináveis os julgamentos de réus endinheirados. Mas... o ministro desempatador jogou o Judiciário no poço do descrédito, com consequências que se multiplicarão no tempo, em milhares de outros casos. O resultado foi uma curva fora do ponto, se entendermos como ponto o justo e novamente frustrado anseio dos cidadãos que apenas querem ler os jornais, janelas abertas, sem se envergonharem de suas instituições. ZERO HORA, 22 de dezembro de 2013

Percival Puggina

20/09/2013
UM JUIZ ORGULHOSO E IMPRUDENTE Percival Puggina Ao votar favoravelmente à admissibilidade dos embargos infringentes na Ação Penal 470 (leia-se Mensalão), o ministro Celso de Mello fez o seguinte: ? inovou, criando um tipo de recurso que nunca havia sido admitido no STF; ? permitiu que esse recurso fosse criado, justamente no maior e mais escandaloso processo judicial do país, em que constam como réus expressivas figuras da República; ? abriu uma brecha que vai causar delongas infinitas não apenas nesse específico processo mas em muitos outros julgamentos, tanto no STJ quanto nas demais cortes superiores, tornando ainda mais inconclusos e procrastináveis todos os julgamentos de réus endinheirados; ? quando tinha com opinião divergente cinco dos melhores juristas do STF, optou por filiar-se à corrente defendida por figuras como Toffoli, Lewandowski e Barroso e outras personagens menores do cenário jurídico do país; ? jogou o Poder Judiciário no poço do descrédito, com consequências que se multiplicarão no tempo. Que péssimo serviço à Pátria pode prestar um magistrado orgulhoso e imprudente!

Percival Puggina

20/09/2013
Nos próximos dias irá ao plenário do Senado o fim das votações secretas nos legislativos do país. A partir daí, os parlamentares terão que conviver com o fato de que todas as suas decisões de voto serão de conhecimento público. Novos tempos, novos práticas. O Brasil está mudando. Fala sério, Percival! Pois é, pois é, infelizmente as relações de causa e efeito não são tão radiosas quanto parecem. O fim do voto secreto, além dos óbvios efeitos positivos, produzirá, também, consequências negativas. Haverá ocasiões em que o parlamentar da base ficará refém do governo e haverá ocasiões em que todos ficarão reféns das galerias. Onde estará, em cada caso, o objetivo superior, ou seja, o verdadeiro interesse nacional? Naquilo que o governo propõe? Na vontade expressa pelas ululantes galerias? Nunca vi galerias clamando em favor do interesse público. Estou convencido de que a questão de fundo é outra e se relaciona com o correto entendimento sobre o que seja a representação parlamentar. Os detentores desse tipo de mandato representam o quê: a) interesses comuns a determinados grupos sociais? b) vontades dos seus eleitores? c) opiniões de seus eleitores? A escolha que majoritariamente fazemos tem grande influência no perfil das casas legislativas. Se entendermos que a finalidade da política é a promoção do bem comum, jamais afirmaremos que o parlamentar é um representante de interesses porque isso transformaria - como de fato transforma - o bem comum numa pizza com poucas fatias de tamanhos diversos. Somente teriam acesso a ela os setores mais poderosos, ou seja, organizações que agreguem segmentos numerosos da sociedade, que detenham forte influência sobre a opinião pública e que disponham de abundantes recursos. Por outro lado, se entendermos que a função parlamentar envolve representação de vontades, isso transforma cada legislador em um estabanado cata-vento, sempre hesitante entre os volúveis desejos de seus muitos eleitores. Então, na minha perspectiva, o parlamentar deve ser escolhido por identidade de convicções, de opiniões. Esse critério leva em conta as qualidades morais do candidato, seus critérios, sua formação intelectual, os princípios que inspiram as atitudes e as decisões que toma, os valores que defende e as verdades que abraça. Esse parlamentar, necessariamente de vida honrada e bons exemplos, disporá dos meios intelectuais e morais necessários para deliberar bem sobre os mais variados temas de interesse público que sejam levados ao seu nível de atuação. Onde está pessoa?, perguntará o leitor, prenunciando a escassez de homens e mulheres com tal perfil na cena nacional. De fato, embora existam na sociedade, essas pessoas são pouco frequentes no mercado político pelo simples fato de que a imensa maioria dos eleitores escolhe representantes de interesses, sem qualquer zelo em relação ao que efetivamente deveria levar em conta. O critério determinante para a grande massa é de natureza egoísta: O cara tem que cuidar do meu lado!. Pouco importa se o tipo for um conhecido canalha, contanto que diligente na defesa das conveniências dos seus eleitores e pródigo na distribuição de favores. Eis aí o pecado original da política brasileira - a hipocrisia do eleitor. O eleitor hipócrita - vejam só! - quer um parlamentar para chamar de seu. E espera que todos os demais eleitores, com elevadíssimo espírito público, escolham políticos extraordinários, em competência e dignidade, para cuidar, também dele, naquilo que como cidadão lhe corresponde no bem nacional. Equação perfeita, não é mesmo! Perfeitamente cretina, quero dizer. Não andassem as coisas assim, se os critérios que determinam as decisões de voto não fossem tão vis, as representações parlamentares seriam de outro nível e pouca diferença haveria entre votações transparentes ou secretas. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

13/09/2013
Após o encerramento da sessão do STF desta quarta-feira, José Dirceu, João Paulo Cunha e Delúbio Soares devem ter posto na geladeira as garrafas de champanhe para a festa da semana que vem, após a leitura do mais provável voto do ministro Celso de Mello. Salvo surpresas, as rolhas espocarão. Enquanto isso, tive a infeliz ideia de examinar as penas aplicadas aos réus na primeira fase do processo do Mensalão. Reduzindo a uma sequência linear com começo, meio e fim os acontecimentos que deram causa à ação penal, tem-se o seguinte: a) tudo começa com uma estratégia petista; b) tudo se desenrola com a prática dos delitos mediante articulação de lideranças do partido; e c) tudo se consuma produzindo os convenientes resultados ao PT, segundo inicialmente projetado. Ou seja, é impossível negar o elevadíssimo e decisivo grau de responsabilidade que tiveram, nos acontecimentos, os dirigentes do partido incluídos no processo. Sem essas pessoas, os crimes simplesmente não teriam ocorrido. Observe, então, leitor, o que foi definido, até aqui, para os diversos réus nesse crime de motivação política, nesse crime de conveniência do governo federal e seu partido, nesse crime cujo objetivo era a compra de votos parlamentares. Pela lei brasileira, nenhum dos réus será efetivamente recolhido à prisão se a soma das penas a ele aplicada for inferior a oito anos. Esse sinuoso e redondo número oito sempre esteve presente nas aritméticas do julgamento. E quem recebeu essas penas mais pesadas, superiores a oito anos? Pois é, as sete maiores sanções penais do processo do Mensalão incidiram sobre réus que atuavam no setor privado, integrantes dos assim chamados núcleos publicitário e financeiro! Réus que agiram nas atividades-meio. Haverá exagero em dizer que foram réus pagãos, réus sem padrinho? Pergunto: afora Marcus Valério, o publicitário que teve grande cobertura da mídia, agraciado com inacreditáveis 40 anos de prisão, quem conhece e quem sabe o que fazem na vida Ramón Hollerbach, Cristiano Paz, José Roberto Salgado, Kátia Rabello, Simone Vasconcellos e Henrique Pizzolato (o obscuro catarinense, ex-diretor do BB, petista que recebeu a mais pesada condenação - 12 anos e sete meses)? Quase ninguém os conhece. Pois esses são os réus mais duramente fulminados! É o que se extraiu da aplicação do Código Penal aos fatos, objetarão alguns. Tá certo, tá certo. Já o núcleo político, formado por altas autoridades da República, núcleo que pensou o crime, que agiu para que o crime acontecesse e que dele se beneficiou, vem depois, claro. Claro? Não deveria ser tão claro, mas é. A lista por ordem decrescente das penas aplicadas ao núcleo político começa com José Dirceu, João Paulo Cunha e Delúbio Soares. Todos com condenações um pouco superiores a 8 anos, mas tendo em favor de sua virginal inocência os necessários quatro votos que eventualmente lhes permitirão os embargos infringentes ora em discussão, claro. Claro? Claro, sim, esses quatro votos podem ser a chave que lhes abre a porta do semi-aberto. Não parece difícil extrair do que se disse acima uma robusta evidência de que o PT está conduzindo à ruína a credibilidade do STF. Será difícil dissimular o tipo de relação estabelecida entre as penas aplicadas a cada réu e os manejos de bastidor necessários à formação das dissidências e das novas maiorias. Desenha-se, no plenário do Supremo, um escândalo que arrastará para discreto segundo lugar o próprio Mensalão! _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

07/09/2013
Quando viu o povo na rua, cobrando atenção à Saúde Pública, Dilma adotou prática tão antiga quanto namorar no portão. Escolheu um inimigo e o apontou à sociedade: os médicos brasileiros. A partir daí, jogou contra eles os raios e trovões que conseguiu recolher em seu repertório. A saúde pública tem problemas. Falta atendimento, dinheiro, leitos. São longas as filas. Espera-se meses por um exame e anos por uma cirurgia. De quem é a culpa? Segundo a presidente, a culpa é dos médicos. Sua Excelência cuidou de passar à sociedade a impressão de que eles preferem viver nos grandes centros não porque ali estejam os melhores hospitais, laboratórios e equipamentos, mas porque ali estão os melhores restaurantes, clubes e cinemas. Foi para a tevê tecer ironias com o fato de que os primeiros a fazerem opções no Programa Mais Médicos preferiram localidades litorâneas. A compreensão dessa mensagem pelos sem discernimento (estamos falando de dezenas de milhões) fica assim: os doutores gostam, mesmo, é de praia. Através dessas paquidérmicas sutilezas, o governo tenta convencer a sociedade de que os médicos não vão para as pequenas comunidades porque se lixam para as carências com que ele, governo, se preocupa. Opa! Preocupa-se agora, preocupa-se depois das vaias, preocupa-se depois das passeatas. E esquece que, pelos mesmos motivos, milhões de outros profissionais também preferem trabalhar em centros urbanos mais dinâmicos. Identificado o inimigo, a presidente partiu para o ataque. Criou um 2º ciclo de formação médica, obrigatório, a serviço do SUS, com duração de dois anos, a ser prestado onde houver necessidade. Fez com que os médicos perdessem a exclusividade de diversas atribuições relativas a diagnósticos e prescrição de tratamentos. Jogou na lixeira a insistente e lúcida recomendação no sentido de que seja criada na área médica uma carreira de Estado, semelhante à que existe para as carreiras jurídicas. Explico isso melhor: espontaneamente, nenhum juiz ou promotor vai solicitar lotação em Paranguatiba do Morro Alto. No entanto, como etapa de uma carreira atraente e segundo regras bem definidas, sim. É desse modo que se resolvem as coisas numa sociedade de homens livres. Nada revela melhor a vocação totalitária do partido que nos governa do que este episódio. É uma vocação que dispensa palavras, que atropela leis e se expressa nas grandes afeições. Cubanas, por exemplo. A vinda dos médicos arrematados em Castro & Castro Cia. Ltda. permite compor um catálogo de transgressões aos princípios da liberdade individual, da dignidade da pessoa humana, da justiça, da equidade, da proporcionalidade, do valor do trabalho. Repugna toda consciência bem formada a ideia de que um país possa alugar seus cidadãos a outro, enviá-los aos magotes como cachos de banana, beneficiar-se financeiramente dessa operação em proporções escandalosas e ainda fazer reféns as respectivas famílias por garantia da plena execução do mandado. E há quem afirme que toda oposição a uma monstruosidade dessas é preconceito ideológico! Pois eu digo diferente: acolher como louvável semelhante anomalia política é coisa que só se explica por desvio do juízo moral. Dilma e os seus gostariam de dispor dos brasileiros como coisas suas, assim como os Castro dispõem dos cubanos. Sendo impossível, buscam-nos lá, do mesmo modo como, antigamente, eram trazidos escravos das feitorias portuguesas no litoral africano. Zero Hora, 8 de setembro de 2013

Percival Puggina

05/09/2013
Há uma regra de ouro para compreensão do que acontece no governo brasileiro: Dilma nunca, jamais, fica furiosa pelos motivos certos. Quando ela explode e sai atropelando o que haja pela frente, é porque alguém fez o que devia e não o que ela tinha determinado ou suposto que fosse feito. No caso do encarregado de negócios do Brasil na Bolívia, Eduardo Saboia, aconteceu exatamente isso. Dilma foi surpreendida pela manifestação de uma raridade. Enfureceu-se diante de algo que dificilmente encontra à sua volta: um homem de caráter, um espírito nobre, para quem os princípios morais situam-se muito acima dos berratórios - da gritaria autoritária e mal educada que alguns despreparados confundem com expressão do próprio poder. Eduardo Saboia fez o que tinha que fazer. A frase com que explicou sua posição, citando o evangelho de São Mateus, soa como uma bofetada nas bochechas dos nossos mandatários: Eu escolhi a porta estreita e lutei o bom combate. Eu não me omiti. Eu optei pela vida e salvei a honra de meu país, que defendo sempre. Tudo que hoje se sabe a respeito do faz de conta jogado entre Brasília e La Paz fez soar nos meus ouvidos aquela belíssima canção com letra de Paul Anka, universalmente conhecida na interpretação de Frank Sinatra. Refiro-me a My Way. Há um momento, nessa canção, em que o tom se eleva, e no qual as palavras parecem gritar ao Brasil de hoje o que seja um homem senhor de si mesmo, que diz e age segundo o que em verdade sente. Reproduzo esse trecho como homenagem ao diplomata Eduardo Saboia, levado às barras de uma sindicância por gente muito, muito menor do que ele: For what is a man, what has he got? If not himself, than he has naugth. To say the things he truly feels, And not the words of one who kneels. The record shows, I took the blows. And did it my way! Desçamos, agora, infinitos degraus. E falemos novamente de Dilma, que durante um ano e meio fez de boba a representação brasileira em La Paz, transformando o asilo do senador em prisão domiciliar. Suponhamos, leitor, que Evo Morales fosse um tiranete de direita e que o senador Roger Pinto fosse um metalúrgico esquerdista, líder da oposição. Qual seria a atitude de Dilma nesse hipotético episódio? Agiria do mesmo modo que agiu (quase incorrendo em delito de cárcere privado)? Claro que não! Pois é nessas mãos que estamos. É para esse brejo que levamos a Nação, entregando não só o governo, mas o Estado brasileiro, a um grupo que faz política externa desse jeito, que quer mandar no Paraguai e obedece à Bolívia, que convive com bandidos e ameaça com punição gente como o diplomata Eduardo Saboia. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

02/09/2013
Recebi de um leitor estranha mensagem. Ele é militante pró-aborto. E em e-mail fala sobre uma jovem de 14 anos que, tendo engravidado, fica sem saber se aborta ou não. Partindo dessa raiz, escreve as possíveis consequências de um aborto mal feito de um aborto bem feito. Em seguida, monta duas histórias paralelas para a mesma pessoa, uma optando pela manutenção da gravidez e outra optando pelo aborto. A primeira é uma barra pesada e a segunda uma viagem de cruzeiro em mar calmo. *** Eis a resposta que enviei ao missivista. Prezado senhor ... Li com atenção as 2400 palavras que utilizou para propor suas histórias e extrair as conclusões que buscava. Percebi, ao ler, que o senhor, em contrapartida, dedicou apenas 59 palavras para abordar a questão central, aquela perante a qual a lógica e a verdade científica derrubam todas as demais reflexões e hipóteses que levanta. Refiro-me ao trecho em que resolve considerar o aborto como ato análogo ao chute que se dá em uma casca seca de laranja caída no chão. Diz o senhor: Para mim, o direito à vida de um ser em formação, que não existe como um ser humano completo, que ainda não tem um cérebro formado, e por isso ainda não pode ser considerado clinicamente vivo, está muito abaixo do direito à Vida e a liberdade de decidir sobre a própria Vida que as mulheres e famílias deveriam ter. O senhor afirma isso assim, na base do para mim e pretende que o seu para mim, seja lei com vigência universal. As leis, senhor ..., não são redigidas para valer apenas em relação aos que concordam com elas. Pedófilos, assassinos, corruptos e corruptores, motoristas irresponsáveis, alcoólatras, drogaditos, também discordam das leis que vedam e penalizam seus hábitos e suas práticas. Por outro lado, aquilo que o senhor prescreve como sabedoria máxima, que deveria ser reconhecida como inquestionável evidência, é cientificamente falso: o feto não é um nada, um coisa alguma, um ser humano em potencial, da mesma forma que um idoso não se define como um descartável defunto em potencial. Do óvulo feminino fecundado não nascerá um galo garnizé. Trata-se do mesmo ser humano em diferentes fases da vida, assim como nenhum ser humano, quando bebê, tem aspecto exterior identificável com a pessoa que será na vida adulta. As razões que o senhor alinha enquanto elabora suas hipotéticas histórias desviam-se de importantes princípios que as sociedades civilizadas deveriam preservar. O senhor fala no direito da Vida da mulher grávida (assim com maiúscula), em contraposição à vida do feto (assim com minúscula). Ora, ora, é tudo ao contrário, senhor... Vida não é a mesma coisa que história de vida. Não faz sentido opor o direito à Vida do feto com a melhor história possível de vida da mãe. Oposição dessa natureza justificaria inúmeros outros crimes como solução possível para construção de melhores histórias de vida. Aliás, chega a ser um exercício de audácia prescrever histórias de vida. Essas são histórias que se escrevem mas não se prescrevem. Enfim, desculpe-me, mas sua militância pró-aborto caminha sobre pernas bambas. Não resiste a uma boa análise. E na próxima, por favor, não inclua no texto tolices como a de uma organização terrorista adversária do aborto. Podíamos passar sem essa. Cordialmente Percival Puggina

Percival Puggina

01/09/2013
ALGUÉM SABE RESPONDER? Questionado pela Folha sobre qual a postura que o Brasil adotaria caso médicos se recusem a voltar a Cuba, o advogado-geral da União disse não ver a possibilidade de asilo. Nesse caso me parece que não teriam direito a essa pretensão. Provavelmente seriam devolvidos. Então pergunto aos formuladores de políticas tão incongruentes: se os médicos cubanos vêm em missão de solidariedade internacional que o mundo capitalista não consegue compreender, se eles vêm ao Brasil felizes por poderem prestar seus serviços às nossas populações carentes, por que, raios, há que cogitar da possibilidade de pedirem asilo? E se pedirem por que negar? E, por fim, por que tenho este pressentimento de que tudo já ficou combinado com o IIº Reich cubano, inclusive quanto a essa possibilidade?