Percival Puggina

18/04/2013
O governador Tarso Genro, em recente reportagem publicada no jornal Zero Hora, manifestou-se alarmado com o déficit da Companhia Estadual de Energia Elétrica. Classificou as ações trabalhistas promovidas por servidores da companhia como paiol de dinamite de reclamatórios causadoras de um passivo brutal. Esse passivo chega a R$ 407 milhões e há 9,4 mil ações pendentes. Enquanto isso, a rede de distribuição de energia está aos cacos e o fornecimento é interrompido faça vento, frio ou calor. Haja raio ou chuva. E, às vezes, sem qualquer motivo observável. Pus-me a pensar. Nosso governador, eleito em primeiro turno pelos gaúchos, depois de 27 meses de governo, anda impressionado com os números do passivo trabalhista da principal companhia energética do Estado? Só agora? Só agora, quando sua gestão está mais para o fim do que para o começo? Por outro lado, o titular do Piratini é advogado e foi por muito tempo advogado de sindicatos. É perfeitamente conhecedor dos caminhos que conduzem as reclamações trabalhistas até o Erário, pela via não tão expressa, mas bem trafegável, da sempre generosa Justiça do Trabalho. Poderíamos pensar que diante da amarga realidade da maior estatal gaúcha, o governador tenha aprendido a ser prudente em relação ao dispêndio público. Não. Nada disso. Durante a campanha eleitoral de 2010, Tarso Genro surfou na onda generosa de uma de suas iniciativas como ministro da Educação - o piso nacional do magistério público. Orgulhava-se de haver proposto o referido piso e de ter sido o segundo signatário da lei que o instituiu, já então como ministro da Justiça, em ato que teve a participação de Lula, da candidata Dilma e de seus companheiros de partido e governo. Evento de muita festa, regozijo e dividendo político. Surfando, chegou ao Piratini. Pergunto: pagou o piso que tanto alardeara como coisa extraída do lado esquerdo do próprio peito, em reverência aos mestres brasileiros? Não. Nem bem sentou na ambicionada cadeira fez aprovar robusta majoração no percentual de desconto previdenciário de todos os servidores. Era tão descabido o valor que o Tribunal de Justiça do Estado o declarou inconstitucional por equivaler a sequestro de vencimento. Quanto ao piso do magistério - o cantado e sonhado piso - esse foi agendado para as calendas do final do governo. Parece mentira, mas é verdade. O governador gaúcho entrou em confronto jurídico consigo mesmo. Alinhado com colegas de outros Estados, buscou junto ao STF alterar a cláusula de reajuste constante do projeto que ele mesmo criou. Ao fim e ao cabo, o Supremo determinou que o piso concebido pelo ministro vale, também, para o governador. E vale a partir de 27 de abril de 2011. Portanto, se Tarso Genro quer responsabilizar alguém pelos seus sustos, deve procurar dentro dos próprios sapatos. Ali, calçado e amarrado, está o autor do mais robusto paiol de dinamite de reclamatórias que apavora a comunidade gaúcha. Ações certamente já começam a tramitar, envolvendo direito líquido e certo, reconhecido pelo STF. E gerarão uma dívida cujo montante se estima em algo como R$ 10 bilhões até o final do governo de Sua Excelência. Consta que Tarso Genro governador já se recusa a cumprimentar Tarso Genro ministro. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

14/04/2013
O problema das drogas e seus dependentes vem sendo tratado, em nosso país, de um modo piegas e desconjuntado da realidade. Os instrumentos legais disponíveis quase nada fazem para enfrentar essa pandemia que avança sem encontrar resistência suficiente para contê-la. Talvez o melhor exemplo da impotência que menciono possa ser representado pelo fato de que toda tentativa de internar um dependente químico esbarra, ainda hoje, no simples não quero que ele possa antepor a quem se disponha a tratá-lo. Já ouvi contar sobre a violência de uma internação forçada. É fácil intuir o quanto algo assim afeta a sensibilidade de todos. São terríveis os relatos sobre os limites aos quais são empurrados os pais de um jovem prisioneiro do vício e de suas exigências cotidianas. Imagino os sentimentos contraditórios que afloram diante dos protestos de um filho sendo internado compulsoriamente. Afinal, ele não é um criminoso. Afinal, ele é um doente. Afinal, ele é um ser humano dotado de liberdade. Afinal, será que ele não pode fazer o que bem entende de sua vida, inclusive drogar-se até a morte? Afinal, não está a própria sociedade sendo orientada para lidar com a existência como um espaço onde cada um realize os próprios desejos? Afinal, não está inscrita na regra do jogo da vida como a vivemos nestes anos loucos que não devemos frustrar nossa vontade? Penso que as ingênuas objeções à internação forçada de dependentes químicos são espelho dessa deplorável visão de mundo. Refletem a liberdade sem norte, sem rumo, ignorando o fato de que aquilo que chamamos vontade não é sinônimo de desejo ou pulsão, mas um poderoso dom, inerente à natureza humana, para resistirmos às atraentes versões com que o mal se apresenta às nossas vidas. Essas e muitas outras interrogações certamente estiveram presentes em dezenas de audiências realizadas para debater o projeto que pretende proporcionar melhores instrumentos à ação do Estado e da sociedade no combate à drogadição e que deve ser votado pela Câmara dos Deputados nos próximos dias. Aprovado o projeto do deputado Osmar Terra, havendo solicitação da família e recomendação médica, os dependentes poderão ser internados compulsoriamente, por determinação judicial. É desumano não internar uma pessoa destituída, pelo vício, de seu discernimento. É dever da sociedade produzir os meios que viabilizem cuidar dessas situações extremas com medidas adequadas. O projeto em pauta, ademais, aumenta a pena e reduz as atenuantes para o tráfico. Já não era sem tempo! Divide a competência das ações antidrogas entre União, estados e municípios. Prevê isenções fiscais às empresas que abrirem postos de trabalho para egressos do tratamento e disponibiliza um conjunto de regras para a avaliação e acompanhamento da gestão das políticas sobre drogas. A nova lei, por fim, será extremamente benéfica para as comunidades terapêuticas, essas preciosas instituições, nascidas da generosidade social, cujos voluntários realizam uma das mais valentes expressões do amor ao próximo. Tais instituições, doravante, passarão a contar com apoio financeiro do poder público e poderão fazer muito mais. No entanto, mesmo com a nova lei e mesmo com novos e melhores meios para lidar com o problema, é indispensável ter presente que a droga sempre se infiltrará numa sociedade regida por chavões do cotidiano, como são as expressões - Querer é poder! Eu quero eu posso! Eu sei o que é bom para mim! Perante tais lemas, quase nunca comparecem as objeções que qualquer consciência bem formada deveria antepor - É lícito querer o que quero? Aquilo que considero bom para mim serve ao meu próprio bem e ao bem dos demais? As drogas também refletem, portanto, o mau caráter de uma sociedade e seu desapreço por certas virtudes e práticas indispensáveis ao desenvolvimento integral e harmônico da pessoa humana. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

06/04/2013
O Conselho Federal de Medicina recomendou ao Senado incluir no novo Código Penal a descriminação do aborto praticado até a 12ª semana de gestação. Chegou ao órgão máximo dos médicos brasileiros a epidemia do relativismo e males conexos - ausência de fundamentos como pressupostos para o pensar, niilismo, subjetivismo e individualismo. Ética de opinião e ocasião. Essa peste chegou lá e já reivindica lugar no nosso ordenamento jurídico para comandar as pinças e tesouras dos doutores. Abjuraram o juramento! Hipócrates bateu com a testa na tampa do túmulo. O presidente do CFM esclareceu que o órgão defende a plena autonomia da mulher de levar uma gestação adiante. Aprendeu rápido. A frase é ardilosa porque a autonomia realmente defendida pelo Conselho é a de não levar uma gestação adiante. Desde quando, doutores, plataforma de feminismo desnorteado é razão médica? Ora, cavalheiros, gravidez não é abscesso que se drene. Não é pólipo que se extraia. O feto é um inteiramente outro que está na mulher mas não se confunde com ela nem a ela pertence como coisa de descarte. O feto é um de nós! E a exemplo de cada um de nós, integra a humanidade. Os motivos capazes de levar uma mulher a querer o aborto são muitos, mas não passam disso: motivos. Também os assassinos comuns alegam motivos. Eles podem servir como atenuantes, mas um povo sadio não escreve leis concedendo autorizações para matar. Tudo isso, leitor, é ética torpe, sórdida. É ruptura com os melhores fundamentos do pensar humano. Pode-se até compreender quem cede à força dos motivos e faz um aborto. Mas jamais que o CFM defenda o aborto em tese! *** As passagens de ônibus subiram vinte centavos em Porto Alegre. E os estudantes, mobilizados principalmente pelo DCE da UFRGS, partiram para cima do belo prédio da Prefeitura quebrando tudo que fosse menos sólido. A estudante que falou pelo movimento no programa Conversas Cruzadas afirmou, contra toda a evidência das imagens de tevê, que o movimento era pacífico. Paus, taquaras, latas de tinta e objetos de arremesso teriam sido transportados, então, para serviço da paz. Prefiro a Cruz Vermelha. Há um elemento naquele quebra-quebra que exige reflexão. Tratava-se de um protesto de estudantes contra o aumento das passagem para R$ 3,05. Acontece que os estudantes têm o privilégio de pagar apenas metade desse valor. E a metade que os estudantes deixam de pagar eleva a tarifa para os demais passageiros. Aliás, somando-se todas as isenções e regalias tarifárias concedidas chega-se a quase um terço do total dos transportados pelo sistema em Porto Alegre. Um terço! Não é difícil deduzir que, se todos pagassem, a passagem custaria algo próximo a R$ 2. Pondere, então, estas duas perguntas. Quem deveria estar protestando? Contra quem deveria ser o protesto? Obviamente, só teriam legitimidade para protestar, se quisessem, os que efetivamente pagam o valor objeto do protesto. Protestariam contra a tarifa, contra terem que pagar pelos que não pagam e contra a extensiva e falsamente generosa concessão de isenções e privilégios com o dinheiro deles. E protestariam contra quem? Contra, por exemplo, os que pagando meia tarifa descarregaram no belo prédio da Prefeitura sua feia e injustificável ira. Ira forjada, atiçada e orientada para fins políticos, partidários e ideológicos. Foram estes fins - e só eles - que determinaram o quebra-quebra. ZERO HORA, 07 de abril de 2013

Percival Puggina

06/04/2013
Não é raro. Aliás, é bastante comum, no Brasil, que se editem leis e normas para atrapalhar. Legisla-se em excesso e, em ainda maior proporção, descumpre-se o que está legislado. Certos preceitos são concebidos com olhos no passado (a Constituição de 1988, por exemplo, foi feita assim). Outros, com olhos no futuro. São leis que pretendem levar a nação para onde aponta o nariz ideológico do legislador. A chamada PEC das domésticas tem um pouco de tudo isso. Para começo de conversa, quem quiser ler o texto dessa emenda constitucional precisará percorrer verdadeira maratona no Google até encontrar as poucas linhas que compõem o inteiro teor da norma. Quando as encontrar, ficará sabendo que o mais trabalhoso virá depois - uma longa corrida através de outros preceitos constitucionais. A PEC das domésticas, simplesmente informa a nação que o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, ficou assim: São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.? E aí, leitor? Não diga que a leitura foi inútil porque a ninguém é lícito alegar desconhecimento da lei. Arregace as mangas, vá fundo e deslinde essa charada, caso contrário a Justiça do Trabalho providenciará para que esses X, esses V e esses I sejam uma pedra no seu caminho. Com a PEC das domésticas, o Estado deu-se, mais uma vez, ao abuso de entrar na casa da gente e determinar como deve ser aquilo que já é e que está bem. Não legislaram para ajudar, mas para confundir, complicar e estressar as relações. Desconhece a PEC que a atividade doméstica não se assemelha em nada à empresarial referida em todos aqueles X, V e I. Trata-se de uma relação de convívio cotidiano, pessoal, de muita proximidade, de intimidade mesmo, de simpatia recíproca e harmonização de expectativas mútuas. A empregada doméstica, na maior parte dos casos, é alguém que se integra à vida familiar e com quem se fazem os mais variados ajustes de conveniência ao longo de convívio que, não raro, atravessa décadas. Nesses casos, tais relações se tornam familiares. Trocam-se presentes. Natal, aniversário, dia das mães, aniversários de filhos e netos. Nossa empregada presenteia-nos com bolos, pães, e cucas que faz para os seus. Cumpre horário reduzido, de conveniência apenas dela, e variável ao longo da semana. Assim como ela, milhões de empregadas domésticas ganham mais e mantêm relações de trabalho vantajosas em comparação com muitos trabalhadores de empresas privadas. Livro ponto? Contabilidade de horas trabalhadas? A consequência emocional disso seria fazer delas aquilo que não são e transformar o vínculo em algo que os patrões e elas não desejam que seja. Nossa empregada, assim como tantas outras, tem todos os direitos trabalhistas desde bem antes de que qualquer deles fosse objeto das canetas legislativas. Para nossa realidade, enquadrá-la e enquadrar-nos nas prescrições da PEC, é uma injúria. Bem ao contrário, aliás, do que os sorridentes e fotografados autores e autoras da norma orgulham-se de haver realizado com esses X, V e I de sua pretensiosa PEC. A comemoração que fizeram ao aprová-la, festejando nova Lei Áurea, chega a ser ofensiva. Sugere que os afazeres doméstico são forma de servidão. E que os milhões de empregos desse tipo existentes no país são senzalas. Isso é falso e ofensivo a quem emprega e a quem está empregado. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

31/03/2013
Não é que o CFM decidiu recomendar ao Senado Federal a ampliação dos casos em que o abortamento não é punido? Tais excepcionalidades, propôs o Conselho, passariam a abranger, também, os realizados em gestações que não tenham alcançado o 12º semana. Quer dizer, doutores, que até o 12º semana o feto é coisa descartável, que se extrai como uma verruga ou um fecaloma? Sabiam que o anteprojeto para o novo Código Penal, que os senhores querem estragar ainda mais, pretende pôr na cadeia por até quatro anos quem modificar um ninho de ave? Sabiam que existem leis no Brasil que impõem sanções a quem meter a mão no ambiente natural onde determinadas espécies se reproduzem ou cuidam de seus filhotes? Um canto de mato, uma beira de lagoa, um trecho de praia, funcionam como úteros da natureza e ganham proteção legal. Em contrapartida, na ótica dos médicos do CFM, o nascituro, o humano nascituro porque outra natureza jamais lhe advirá, este pode ser, no útero materno, objeto de suas tesouras e aspiradores. Foram necessários, segundo li, dois anos de doutas confabulações para que os membros do CFM chegassem a tamanho despropósito. Certa feita, num programa de tevê, debatia-se sobre legalização do aborto. Participava do debate um conhecido médico de Porto Alegre que defendia a tese ora aprovada pelo Conselho de sua categoria. Num dado momento, pedi ao mediador que exibisse as fotos da menina Amillia Taylor, nascida com 284 gramas de peso num aborto espontâneo. Perguntei então ao médico se ele seria capaz de arrancar aquele ser aos pedaços do útero da mãe. O médico olhou-me com constrangimento e, diante das câmaras, viu-se obrigado a ser sincero - Eu não!. O que mais me estarreceu, nesta manifestação do CFM, foi que, pelas palavras do seu presidente, o órgão defende a plena autonomia da mulher de levar uma gestação adiante. Credo! Essa sequer é uma lógica médica, mas jusfilosófica, e de péssima vertente. Lógica de lobo. Quero porque quero. Atribuíram à mulher uma concepção abusiva do direito de propriedade - faço o que bem me apraz com o que me pertence, doa em quem doer. Raros liberais afirmariam isso com igual convicção porque contradiz elementares noções de justiça. No caso do abortamento voluntário, o que antes era precária filosofia, vira puro sofisma: se o corpo da mulher a ela pertence, o do feto pertence ao feto porque ele é um inteiramente outro. E na maior parte dos casos até nome próprio já tem. O sistema nervoso central ainda não se formou, na 12ª semana de gravidez, prosseguiu o doutor presidente procurando justificar o injustificável. É verdade, doutor, o sistema nervoso central não se formou, mas outros órgãos já funcionam, o coração já bate há muito tempo e está na natureza do feto que todos os demais venham a aparecer. Uma semana depois, na 13ª, já se pode saber se ele é do sexo masculino ou feminino. Remover do CD player, aos primeiros acordes da 9ª Sinfonia de Beethoven, o CD que em que foi gravada, não autoriza afirmar que a fascinante composição não esteja ali, inteira e bela, até os últimos acordes. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

23/03/2013
A nação está com as mãos erguidas e não é para rezar. Ninguém escapa à sanha dos bandidos aos quais o Estado, miseravelmente, se rendeu. Era previsível. Foi prenunciado por uns poucos, entre os quais eu mesmo. Agora está aí e todos percebem. Num país com 200 milhões de habitantes, a atividade contra o patrimônio alheio, por exemplo, tornou-se tão intensa que, do pirulito da criancinha à minguada pensão mensal da vovozinha, tudo já foi levado e todos já foram assaltados. Alguns, muitas vezes. Tenho nostalgia, já falei antes, do tempo dos trombadinhas. Eram meninos. Quase digo que eram meninos de boa formação, que sabiam estar fazendo coisa errada. Esbarravam na vítima, tomavam-lhe algo e saíam correndo. Tinham medo da vítima, da polícia, e de que outros transeuntes os detivessem. De uns tempos para cá, o ladrão é bandido que ataca, ofende, maltrata e mata, motivada ou imotivadamente. Por uma dessas coisas da memória, vem-me à lembrança a descrição da Queda de Constantinopla, que o grande Daniel-Rops fez em sua História da Renascença e da Reforma. Após oito séculos da jihad contra a Roma do Oriente, Maomé II comandara a arremetida final. Quando a orgulhosa cidade caiu, o sultão entregou-a aos seus janízaros por três dias e três noites, conforme prometera. Sobrou pouca gente para contar a história. Encerrado o prazo, sangue escorria pelas calhas das ruas e era impossível encontrar, em Bizâncio, um simples pires de porcelana. Pois é isso que está acontecendo no Brasil, com a diferença de que o prazo é mais elástico. Sirvam-se os vitoriosos pelo tempo que quiserem! O que nos estão tomando são despojos de uma nação derrotada pelo que de pior nela existe. É a prerrogativa dos vencedores, quando os vencedores são criminosos. Sempre foi assim na história. A vitória dos bandidos representa estupro, morte e pilhagem. Coube-nos a fatalidade de viver nestes anos da Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. *** Ensinaram ao trombadinha de ontem que ele é a vítima. Sopraram-lhe uma ideologia de boca de fumo, que fala aos manos de seus direitos humanos. Vivendo, ele aprendeu que o crime compensa. Percebeu, com fartura de exemplos, que roubar é direito de todos e dever do Estado - mão grande e hábil para cobrar impostos, miúda e inábil para as tarefas que lhe cabem. À sociedade, esse Estado confessou, por inúmeros modos, sua rendição. Num dia, a polícia fecha pela quarta vez um desmanche de automóveis e prende o mesmo sujeito. No outro, o bandido sai da delegacia antes de o lesado preencher o BO. Não faz muito, um exército de policiais foi mobilizado para prender bandidos que ... estavam presos. Deveriam estar, mas o semiaberto, sabe como é. Num assalto a mão armada, a ação do Poder Público começa e termina em burocrático registro no sistema. É crime de baixa lesividade, sabe? E volta e meia a pistola dispara sem quê nem porquê e matam. Soltam-se presos porque os presídios estão superlotados. Por excesso de presos? Não. Por excessiva falta de presídios, que diabo! As vítimas, antes de mais nada, são vítimas da inutilidade do Estado. Do Estado que quer desarmar os cidadãos de bem, não move palha pelos lesados e enlutados, mas lastima a morte de cada bandido em confronto com sua polícia. E veja, leitor, eu apenas falei do submundo. Não disse uma palavra sobre o grand monde. ZERO HORA, 24 de março de 2013

Percival Puggina

23/03/2013
SÓ NO BRASIL, MESMO Convivemos no Brasil com uma extraordinária e inconcebível contradição. No mundo inteiro, a esquerda sempre teve alergia, palpitações e dispneia ao ouvir falar em democracia, liberdade de expressão e direitos humanos. Que essa aversão persiste é algo que fica evidente quando: 1º) observamos onde recaem os grandes afetos do governo petista em suas relações externas; e 2º) no fato de que jamais vemos nem veremos o PT ou o PCdoB e assemelhados tecerem louvores a uma democracia liberal. No entanto, aqui no Brasil, a esquerda, que pegou em armas para impor uma ditadura do proletariado, com seus ferrolhos e paredones, faz poses de defensora da democracia, da liberdade de expressão e dos direitos humanos. E de tanto afirmarem essa fraude, as pessoas acabaram acreditando.

Percival Puggina

21/03/2013
Henrique IV, que reinou sobre a França na virada para o século 17, enfrentou diversas vicissitudes até conseguir ser aceito como soberano em Paris. Henrique era protestante e, por isso, sofria rejeição da maioria católica parisiense. Por fim, para superar as dificuldades que lhe estavam sendo postas, resolveu tornar-se católico. Conta-se que o rei, que veio a ser muito reverenciado como excelente monarca, ao decidir converter-se, teria dito: Paris vale bem uma missa. Essa frase atravessa três séculos como metáfora para justificar certas concessões cobradas pela política aos que a ela se dedicam. Em Roma, no dia 18 deste mês, a presidente Dilma, perguntada pelos repórteres sobre o que iria tratar com o papa Francisco, respondeu que o assunto seria pobreza e fome. A frase soou bonito porque, segundo se tem lido, expressa uma pauta bem ao gosto de Sua Santidade. Fome e pobreza. A exemplo de outros chefes de Estado, a presidente foi à capital do mundo católico com o objetivo de assistir à missa inaugural do novo pontificado. Absolutamente justificável, a viagem, tendo em vista o fato de ser, o Brasil, a maior nação católica do mundo. Dilma representava, portanto, um bocado de gente, mas não tenho certeza de que representasse a si mesma, ou que atribuísse maior importância ao ato. Afinal, ela não parece ser muito dada a genuflexões e crendospadres (o substantivo consta no dicionário Houaiss). Dilma achou legal viajar com toda a corte. Para acolher os devotos desembarcados do avião presidencial, foi necessário reservar 52 apartamentos em hotel com luxo compatível (procure na internet pelo Westin Excelsior e veja fotos de suas dependências), alugar sete automóveis com motorista, um carro blindado de luxo, quatro vans, um microônibus para a chinelagem e uma viatura para os agentes de segurança. Fico imaginando os convidados e sua resistente aquiescência. Putz, missa! Mas, afinal, terão dito, Roma vale bem uma missa. Surge, agora, a questão da pobreza, já que de fome, na Itália, sequer se pode falar em voz alta. Com que autoridade a presidente falou sobre pobreza após mandar aos contribuintes brasileiros, via Tesouro Nacional, a conta de um roteiro turístico milionário? Tais contradições e abusos são evidências da ausência de limites que costuma cercar o exercício do Poder. Disso temos nossa quota diária de notícias, para constrangimento nacional. Informam os repórteres presentes que Dilma foi à missa e não comungou. Fez bem, porque essa viagem foi um grave pecado contra a virtude da temperança. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

16/03/2013
Não sei se já contei isto. Acho que já contei, sim, mas conto de novo porque a situação perdura. Eu havia estacionado em um posto de gasolina e quando me dirigia para o inevitável cafezinho, um rapaz, maltrapilho e maltratado como diria o Chico, se aproximou de mim, declarando-se com fome, e me pediu um cachorro-quente. A frase - Estou com fome - não admite qualquer contestação. Claro que sim, vem comigo. Suponhamos que eu parasse naquele posto diariamente e que, também diariamente, o rapaz estivesse ali, reiterando-me seu apelo. Ao cabo de um mês eu teria despendido uma boa quantia com ele sem elevá-lo um centímetro na escala social. Ao contrário, eu o teria degradado à condição de dependente. Agora, ampliemos a cena. No meu lugar, coloque o governo federal, substitua o rapaz com fome por 22 milhões de famílias e o lanche por uma ajuda de custo para completar, em cada núcleo familiar, por pessoa, uma receita mínima de R$ 70 (o governo chama isso de renda...). O leitor pode estar pensando - Será que o Percival Puggina prefere que as pessoas passem fome?. Não, claro que não. Eu não sou contra o Bolsa- Família. O Lula é que era contra o Bolsa-Escola, no tempo do FHC. Escrevo motivado pela recentíssima divulgação pela ONU dos novos Índices de Desenvolvimento Humano. Eles situam o Brasil na 85ª posição do ranking mundial, com uma visível estagnação nos últimos anos. Como é possível? Com 22 milhões de famílias recebendo do governo um complemento de renda mensal? Pois essa é a consequência do problema que muitos, entre os quais eu mesmo, já cansaram de advertir. O Bolsa-Família é um programa necessário, sim. FHC, aliás, já o havia instituído com o nome de Bolsa-Escola, sob severas críticas de Lula e do PT. É um programa que cria dependência em proporções que tornam desnecessário prová-la. Mas, isoladamente, nada faz que se possa denominar promoção social ou desenvolvimento humano. Em nada contribui para que as famílias em situação de miséria disponham, um dia, das condições necessárias para cuidar bem de si mesmas. Esse cuidar bem de si mesmos é o que fazem as pessoas nos países situados no topo da tabela da ONU. Na maior parte desses casos, não é o Estado que cuida bem das pessoas, mas as pessoas que têm habilitações que lhes permitem uma renda suficiente para fazê-lo. A pergunta que dirijo ao PT, ao seu parceiro PMDB, e aos demais membros dessa organização societária estabelecida no Brasil, é esta: - Quando é que vocês vão levar a sério o problema da Educação? Os indicadores sociais já mostram que estamos praticamente estagnados! Menos gente passa fome no Brasil e isso é muito bom. Mas cai nos ombros dos senhores, após uma década no poder, o peso dos anos perdidos e o desastre social que os números estão a apontar. Reconheço que o PT descobriu o Brasil em 2003. Reconheço que, assim como Cabral cravou uma cruz nas areias de Porto Seguro, Lula plantou uma estrela vermelha nos jardins do Palácio da Alvorada. Reconheço, também, que o PT realizou isso após haver inventado a roda, a roldana, o avião e a suíte presidencial a bordo do avião. Mas o fato é que nos setores fundamentais do bem estar social - Educação, Saúde e Segurança as coisas vão de mal a pior. A síndrome da dependência em que se afundou parcela significativa da população brasileira tornou-se elemento fundamental da organização societária que (vou usar um neologismo que a esquerda adora) se empoderou no Brasil.