Percival Puggina
17/07/2014O preceptor de um jovem imperador chinês acompanhava seu divino discípulo num passeio pelo campo. Em certo momento, avistando um grupo de animais, resolveu verificar o conhecimento da criança e indagou: “Que animais são aqueles?”. O menino observou atentamente a cena e disse que eram carneiros. “O Filho do Sol respondeu com exatidão”, admitiu o mestre. “Contudo, devo acrescentar que esse tipo específico de carneiro é mais conhecido como porco”.
Lembro-me dessa estória frequentemente ao acompanhar notícias sobre as incessantes idas de nossos governantes a Cuba e ao observar a iconografia vermelha dos eventos promovidos pelos partidos e movimentos de esquerda. Deixando de lado os retratos de Lênin, as foices e os martelos – por demais óbvios – bem como as louvações ao MST e seus métodos e os aplausos às FARC, atenho-me, especificamente, ao mais disseminado de tais símbolos: a estampa de Che Guevara.
Todo mundo sabe que Guevara foi um guerrilheiro comunista, com atuação internacional. E todo mundo sabe que ele não era ator, nunca foi a Hollywood, não cantava, não jogava bola, não dançava funk nem era de pagode, nunca apareceu em novelas da Globo e jamais disputou eleições. Ele era exatamente isto: um guerrilheiro comunista com atuação na América Central, na América do Sul e na África. Por conseqüência, assim como ninguém pode ser admirador de Pelé detestando futebol, todo culto a Che Guevara só pode significar uma adoração aos objetos de sua ação: o comunismo e a revolução como instrumento para chegar ao comunismo. Outras explicações para o mesmo fato precisariam ser buscadas num divã de analista de linha freudiana.
Nessas circunstâncias, todo aquele que ande por aí exibindo sua veneração a Che Guevara, ou que, não sendo cubano, desfralde a bandeira de Cuba (gesto equivalente), pode falar quanto quiser sobre democracia. Nesse caso, porém, o interlocutor, seguindo a prudente fórmula do mestre chinês, deverá observar: O dileto amigo tem toda razão em expressar suas convicções democráticas pois democracia faz bem. Devo adverti-lo, contudo, para o fato de que esse tipo específico de democracia que tanto o seduz é vulgarmente denominado totalitarismo.
Percival Puggina
12/07/2014Se você reparar bem, a cada abalo que o governo da presidente Dilma registra em sua sacolejada escala Richter, segue-se algum plano mirabolante ou algum anúncio bilionário destinado a acalmar as ondas. Seja o abalo moral ou político, a reação oficial vem sempre de um ou de outro modo. Ora o governo anuncia providências estruturais que não funcionam (como essa de intervir no futebol e estancar a evasão de atletas para o exterior), ora reúne o ministério, os governadores, a imprensa, o empresariado, os movimentos sociais e informa que está destinando bilhões de reais para isto ou para aquilo.
Convenhamos, é um modo estranhíssimo de governar. É injustificável que, completados 93% de seu mandato e enquanto transcorre o 12º ano de gestão petista, o país ainda esteja sendo governado aos trambolhões, ao arbítrio do momento e seguindo o juízo das necessidades impostas pelas oscilações do Ibope. De modo especial, tais improvisações parecem incompatíveis com o perfil segundo o qual a presidente foi repassada aos votantes no mercado eleitoral de 2010. São bilhões para cá e para lá, saídos do nada e conduzindo, na vida real, a coisa alguma. É o que se poderia chamar de capital volátil. Faz lembrar aquelas maletas pretas dos filmes de ação, que supostamente deveriam conter vultosas quantias, mas estão recheadas de jornais com notícias antigas. De fato, são eventos que, a despeito da pompa e circunstância, logo se tornam coisas esquecidas, cuja função se exauriu no momento de cada anúncio. E de nada vale ficar cobrando serventia maior para algo concebido apenas para ser divulgado.
Em plena campanha de 2010, a presidente anunciou para Porto Alegre o atendimento das duas principais reivindicações do Rio Grande do Sul: a duplicação da Travessia do Guaíba e o metrô. Nada. Só muito recentemente, quando seu governo já olha para inexorável ampulheta, ocorreu (solene, sempre solene) a assinatura do contrato para construção da Travessia. Ou seja, no Brasil, coisa alguma. E o metrô? Saiu de pauta para retornar, provavelmente, durante a campanha eleitoral. Não foi diferente, país afora, com o conjunto que se tornou conhecido como "as obras da Copa". O quadro é o mesmo em todas as 12 capitais distinguidas com privilégio de sediar os jogos do já malvisto torneio. O adjetivo "malvisto" se aplica à sua realização aqui, com dinheiro do povo brasileiro. Em qualquer outro lugar é um bem aguardado evento. No Brasil, representa uma inversão na escala das prioridades nacionais, que transcorre em meio a obras paradas, atrasadas, incompletas por motivos técnicos e financeiros.
Em fevereiro deste ano, o jornalista Augusto Nunes desfiou em comentário o extenso conjunto de não-realizações do governo Dilma. Entre elas o também malvisto trem-bala, que - felizmente! - dorme em alguma gaveta muito antes de entrar na fase dos dormentes. Entre muitas outras, também sesteiam nas prateleiras as anunciadas seis mil creches, as seis mil casas para os flagelados de cheias no Rio de Janeiro, os seis mil caminhões-pipa para resolver a falta de água de beber na região da seca e o fim da miséria com data marcada para terminar no início de 2015.
Percival Puggina
09/07/2014Não vou escrever sobre o jogo. O futebol já tem cronistas em quantidade e qualidade suficiente. Interessa-me o jogo entre Brasil e Alemanha numa outra perspectiva.
Entendo que muitos ainda chorem ante o fracasso da turma do Felipão. Mas é preciso ponderar: aquilo que assistimos foi, apenas, um jogo de futebol. Não era o Brasil que estava ali. O Mineirão, na última terça-feira, era uma ilha cercada pelo Brasil real, por um Brasil que tem muito mais com que se preocupar. Pessoalmente, rezo para que as lágrimas que lavaram tantos rostos pintados de verde e amarelo não levem consigo um amor à pátria comum que habitualmente começa e termina em dois tempos de 45 minutos.
O Brasil perdeu. Perdeu? Não tenho tanta convicção assim. Como escrevi em registro postado no facebook tão logo encerrou-se a partida, o futebol não pode ser, em si mesmo, um objetivo nacional. O Brasil tem muito mais a ganhar, por vias melhores. E tem muito a perder se continuar pelos caminhos em que tem andado. Teremos aprendido isso? Se aprendemos, não perdemos.
Nos últimos meses, muito se discutiu, muito se escreveu sobre a Copa e sobre a conveniência de sua realização no Brasil. Pois bem, caros leitores, o momento da derrota se mostra oportuno para avaliarmos o quanto o evento e suas circunstâncias são fúteis e transitórias. Hospedar o circo da FIFA, a cadeia produtiva do futebol espetáculo, desembolsando para isso recursos bilionários é um luxo a que só se podem entregar nações ricas onde não falte o essencial para parcelas imensas de suas populações. A derrota de terça-feira evidenciou que a festa, num átimo, deixou de ser nossa. Tornou-se totalmente alheia a nós. Em extravagante inversão de prioridades, teremos apenas assinado a nota e patrocinado a festa da FIFA.
O Brasil perdeu. Perdeu? Penso que não, se aprendemos a lição segundo a qual devemos usar a democracia para: a) escalar bem nossa elite dirigente; b) sermos internamente solidários; c) buscarmos a competência necessária para que nossos acertos superem largamente nossos erros; d) identificarmos tudo que nos amarra, que nos prende os pés, que limita nossa velocidade, que nos faz ser menos objetivos e eficientes do que podemos e devemos. São tantos, tantos mesmo, os fundamentos que faltaram à seleção! E, não por coincidência, são os mesmos que faltam ao nosso país. Muita tatuagem, muita brilhantina e pouco brilho, muita malandragem, muita publicidade. E pouco futebol.
Mesmo sabendo disso tudo, tendo reprovado sempre a imprudente decisão de trazer a Copa (e ainda importamos os Jogos Olímpicos para o precário horizonte de 2016!), eu quis a vitória para o Brasil. Espero, agora, que a constrangedora derrota tenha proporcionado à nação, envolta em ficção, sob tanta fantasia publicitária, um sofrido mas proveitoso encontro com a realidade.
Percival Puggina
08/07/2014Têm sido frequentes os casos de jovens que se deixam fotografar nuas por seus namorados e, depois, passam pelo constrangimento de saber que essas imagens foram postadas nas redes sociais. As consequências de tão imprópria prova de amor desabam sobre a parte frágil, determinando padecimento, processos judiciais, enfermidades psíquicas, crises de adaptação social e familiar e, em certos casos, suicídio por total incapacidade para enfrentar a situação. Surpreende que, mesmo com a reiterada divulgação de tais casos, algumas moças ainda se exponham em tão desnecessárias liberalidades.
Estranhamente, num ambiente social como o contemporâneo, ainda existem jovens convencidas de que sua paixão do momento será eterna. E eternamente responsável por elas. Afinal, eles as cativaram, hão de pensar. Falsas rosas de Éxupery, tão confiantes em seus príncipes malandros! Confundem-se diante do que mais desejam. Afligem-se em busca do amor e o confundem com sedução, desejo, paixão. Mas não é assim. A medida do verdadeiro amor é a medida do sacrifício pelo bem do outro. E como não é inteiramente própria da juventude essa capacidade de renúncia, faltam a tais amores tanto as condições da perenidade quanto o longo convívio que proporcione solidez à confiança mútua. É sabido, porém, que estas observações - conselhos, vá que sejam - não costumam ser bem recebidos por aqueles a quem se dirigem.
Quanto aos namorados pornofotógrafos, esses são malandros de escol, colecionadores de troféus. São canalhas completos, canalhas de Nelson Rodrigues, do começo ao fim de cada uma dessas tristes novelas. Canalhas ao fotografar e canalhas ao divulgar as fotos. Quanto às jovens, pensando sobre a força determinante dessa decisão de se deixarem fotografar assim pelos namorados, percebi que existe algo contraditório aí. De um lado, a jovem está dando prova a si mesma de um rompimento com a cultura da geração anterior. Ela é jovem, autônoma, moderna, liberal e se deixa fotografar como bem entende. De outro - e aqui se esconde a contradição - ela está servindo ao machismo e não à autonomia da mulher! Essa jovem, que se crê autônoma, moderna e liberal, se oferece ao altar do machismo. Ao coisificar-se, serve-o.
Nos meus tempos escolares, volta e meia aparecia alguém com uma revista Playboy. Rapidamente, os varões da sala nos agrupávamos em torno da mesa e contemplávamos aquelas desfrutáveis deusas da beleza. Nossas colegas do sexo feminino irritavam-se e esbravejavam. Conosco? Para nós? Não. A irritação delas era direcionada para as modelos da revista, para aquelas mulheres, jovens como elas, que se dispunham ao papel de objetos sexuais para agrado e consumo dos rapazes que as folheavam e delas faziam páginas viradas.
Meio século atrás, minhas colegas sabiam mais sobre si mesmas e sobre sua dignidade. Eram mais sensíveis e mais valentes no enfrentamento do machismo do que certas mocinhas do século 21.
* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
27/06/2014Percival Puggina
27/06/2014Percival Puggina
26/06/2014Percival Puggina
26/06/2014Percival Puggina
26/06/2014