Percival Puggina

29/09/2014

Circula na rede um pequeno vídeo de quatro minutos no qual Margaret Thatcher, em sessão da Câmara dos Comuns, é contestada por um parlamentar do Partido Trabalhista que acusa seu governo de haver ampliado a distância entre os mais ricos e os mais pobres. Na resposta que dá, a primeira-ministra faz jus ao ódio eterno que a esquerda lhe dedica, dizendo que o partido de seu acusador prefere que os pobres sejam mais pobres contanto que os ricos também empobreçam. Acertou na "mosca". Empobrecer a todos é a marca registrada dos governos comunistas e socialistas mundo afora, ao longo de todo o século 20 e, ainda hoje, na Ibero-América do Foro de São Paulo.

Quem assiste a debates entre candidatos e à propaganda eleitoral gratuita, percebe quanto está impregnada em nossa elite política a ideia de um conflito natural entre pequenos e grandes, quaisquer que sejam os elementos a comparar e a régua que os meçam. Obviamente, adotado o marxismo como chave de leitura da realidade social, política e econômica, sendo os pequenos mais numerosos do que os grandes, é eleitoralmente preferível entrar em guerra contra os segundos. Mas a ideia toda é uma loucura, um delírio politiqueiro porque existe, na Economia do mundo real, uma interdependência entre os corpos produtivos que a compõem. Pequenos, médios e grandes precisam uns dos outros e o colapso de qualquer conjunto afeta funestamente os demais.

Por outro lado, o sucesso dos pequenos pressupõe a determinação de crescer. O pequeno empreendedor que abdique da expansão de seus negócios está fadado ao roteiro no sentido inverso. O preconceito marxista da malignidade dos grandes põe uma pedra no caminho do progresso da sociedade como um todo. Perceber que esse preconceito está internalizado em parcela significativa da elite política do Rio Grande, projeta sombras em nosso futuro.

Não admira que o Estado perca posições no contexto da Federação, decaindo, inclusive, em indicadores que outrora ponteou, como, por exemplo, na Educação. Também nesta se percebem os efeitos do apagão da inteligência. Criminaliza-se o mérito! Celebra-se a mediocridade! A "Pedagogia do Oprimido" pode ser um sucesso de público dentro do magistério, mas é um visível fracasso onde aplicada. Ela internaliza a opressão e, como um dínamo, converte as energias que poderiam produzir desenvolvimento individual e social em mera inconformidade ou, como pretendia seu criador, em revolta e militância política. É inacreditável: enquanto o povo clama por incentivos a novos empreendimentos e postos de trabalho, parcela tão importante da elite política ainda não entrou sequer no século 20.
 

Percival Puggina

26/09/2014

 Um leitor recomendou-me comentar o artigo de Leonardo Boff publicado no JB de 25 de agosto com o título de "O socialismo não foi ao limbo". É o que faço aqui.

 O artigo de Boff, resenhado, fica assim:
1) caiu o Muro de Berlim, muro do socialismo existente, que se reconhece violador de direitos humanos, autoritário, etc; 2) caiu, também, o muro de Wall Street e se deslegitimaram o neoliberalismo e o capitalismo; 3) o capitalismo centralizaria uma riqueza imensa em 737 grupos econômico-financeiros enquanto 85 pessoas acumulariam recursos equivalentes aos ganhos de 3,5 bilhões de pobres; 4) é necessário recuperar a experiência das reduções jesuítas e o comunismo da república comunista cristã dos guaranis; 5) o socialismo é tudo de bom; 6) o capitalismo é tudo de ruim e seus efeitos na sociedade são terríveis; 7) a única saída é acabar com a propriedade privada e instituir a propriedade social dos meios de produção, acautelando-se para que os indivíduos adiram a esse projeto de modo consciente e queiram viver as novas relações.

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Quero ater-me, aqui, às acusações que Leonardo Boff faz às economias livres. É como se do exílio do povo hebreu no Egito às investidas do Estado Islâmico, raros fossem os males da humanidade não derivados do neoliberalismo e do capitalismo. Ora, se a história andasse como ele a descreve, viveríamos sob inimaginável convulsão social, na guerra de todos contra todos (o armagedon que ele prenuncia), com uma queda de Bastilha por semana.
Diferentemente do que acontece com os socialismos e com o comunismo, as liberdades econômicas não tiveram um fundador, não tiveram um Marx na potência -1 para concebê-las. Ninguém apareceu na humanidade para excitar, na mente da plebe, legítimos anseios de realização pessoal por meios próprios. Ninguém preconizou: "Monta tua empresa, cria teu negócio, põe tua criatividade em ação, persegue teus ideais!". Tais bens da civilização foram conquistas dos indivíduos, no mundo dos fatos, na ordem da natureza, e têm sido o cada vez mais eficiente motor do progresso econômico e social.

Enquanto lê "O socialismo não foi ao limbo", o leitor vai sendo induzido a crer que a miséria de tantos, no mundo de hoje, é produto ou subproduto inevitável da economia de empresa. Portanto, os miseráveis da África e da Ásia eram seres humanos que viviam na abundância, na mesa farta e na prodigalidade dos frutos da natureza até que o famigerado capitalismo aparecesse para desgraçar suas vidas. O fato de que nas regiões do mundo onde se perenizam as situações que Boff descreve não exista uma economia livre, não haja empresas, nem empregos, parece passar ao largo das considerações do ex-frei. Vale o mesmo para a inoperância, nessas regiões, do braço do Estado, que o comunismo apresenta como sempre benevolente.

Cinco realidades vazam para a valeta lateral da pista por onde ele anda com sua análise dos sistemas econômicos. São fatos esféricos: 1) a fome era endêmica na Europa até meados do século passado e foi a economia de mercado que criou, ali, a prosperidade; 2) sempre que os meios de produção viraram propriedade do Estado a fome grassou mesmo entre os que plantavam; 3) enquanto as experiências coletivistas conseguiram, como obra máxima, nivelar a todos na miséria, a China, com o capitalismo mais rude de que se tem notícia, em poucas décadas, resgatou da pobreza extrema mais de 500 milhões de seres humanos (Word Bank, China Overview, apr/2014); 4) não é diferente a situação no Leste da Ásia, inclusive no Vietnã reunificado e comunista, no Camboja do Khmer-Vermelho, no Laos e na Tailândia; 5) quem viaja pelo Leste Europeu sabe quanto as coisas melhoraram por lá desde que as economias daqueles países, infelicitados pelo dogmatismo comunista, se libertaram do tacão soviético.

A história mostra, enfim, que o comunismo é imbatível quando se trata de gerar escassez, miséria e aviltamento da dignidade humana.  Nossa Ibero-América, onde as prescrições políticas e econômicas do Foro de São Paulo ditam regras para muitos países, parece nada aprender das constatações acima. Consequentemente, as coisas andam mal e é preciso botar a culpa em qualquer um que não nos vendedores de ilusões, nas utopias que se requebram como odaliscas, nos delírios do neocomunismo, nos corruptos e nos corruptores. Decreta-se, então, para todos os males, a responsabilidade da economia de empresa, do capitalismo e, sim, claro, dos Estados Unidos.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

24/09/2014

Leio no site de O Globo de hoje, 23 de setembro de 2014:

NOVA YORK — A presidente Dilma Rousseff condenou os ataques aéreos na Síria pela coalizão liderada pelos Estados Unidos, iniciados na noite de segunda-feira para desmantelar a organização terrorista Estado Islâmico (EI) e combater células da rede al-Qaeda. Para Dilma, o Brasil repudia agressões militares, porque elas podem colher resultados imediatos, mas trazem consequências deletérias para países e regiões no médio e longo prazos. A presidente citou Iraque, Líbia e Faixa de Gaza como exemplos recentes da falta de eficácia deste tipo de política.

 O Globo transcreve a fala presidencial: — Lamento enormemente isso (ataques aéreos na Síria contra o EI). O Brasil sempre vai acreditar que a melhor forma é o diálogo, o acordo e a intermediação da ONU. Eu não acho que nós podemos deixar de considerar uma questão. Nos últimos tempos, todos os últimos conflitos que se armaram tiveram uma consequência. Perda de vidas humanas dos dois lados, agressões sem sustentação aparentemente podem dar ganhos imediatos, mas depois causam prejuízos e turbulências. É o caso do Iraque, está lá provadinho. Na Líbia, a consequência no Sahel. A mesma coisa na Faixa de Gaza.


                                                                                         ***

 Se a presidente dissesse isso conversando com seus próprios botões, durante um chá da tarde com a família em Porto Alegre, já seria um disparate. Afirmá-lo perante a comunidade internacional reunida em Nova Iorque, durante um evento de grande repercussão como a Cúpula de Mudança Climática da ONU, é um caso de internação. Mais grave ainda se torna o quadro clínico quando se sabe que a presidente não esboçou o menor muxoxo, nem fez tisc, tisc, tisc perante o genocídio que o Estado Islâmico vem praticando nas regiões ocupadas. Nossa lamentável presidente não lamentou a degola de qualquer dos jornalistas executados friamente pela jihad em curso. Nossa credibilíssima presidente, que diz crer na diplomacia contra esse tipo de terrorismo religioso, está envergonhando o Itamaraty. Ela dá continuidade, aliás, às posições políticas que vêm dos dois governos de Lula, quando as relações internacionais do Brasil foram conduzidas como se o país fosse um diretório de estudantes controlado pela esquerda .

É preciso fazer saber ao mundo que, especialmente em questões internacionais, nosso governo representa o que há de mais retrógrado no seu partido. E não o Brasil. Tais não são as opiniões da nação brasileira. Fale por si e pelo PT, presidente. Não nos exponha ao ridículo dessa maneira.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

22/09/2014

 


 Entre 1980 e 2002, o Partido dos Trabalhadores foi uma ininterrupta saraivada de pedras contra as vidraças do poder. Pedra dura sem ternura, nem meias palavras. O partido adotou a denúncia como elemento central de suas estratégias, dividindo-se entre as tribunas dos parlamentos e os balcões do Ministério Público e do Poder Judiciário. Era carga cerrada, que ganhava eficiência e eficácia com produção de cartilhas e com a rápida propagação das mensagens e orientações até o mais solitário vereador ou militante, no mais remoto dos municípios. Onde houvesse um meio de comunicação e alguém para ser municiado, ali chegava a informação ou a versão mais conveniente para o ataque, em dimensões nacionais, aos adversários da hora. Foram mais de duas década disso.

Os alvos não eram apenas os ocupantes do Palácio do Planalto. Eram, também, as vidraças de todo espaço de poder cobiçado pelo partido. E o partido cobiçava todos os espaços de poder. A articulação com movimentos sociais e sindicatos permitia-lhe dar um jeito de mobilização popular às manifestações estrategicamente promovidas contra seus adversários em todo o país. Como era de se esperar, o partido tornou-se o queridinho da mídia porque, na área política, ninguém conseguia ser mais ativo. O PT não era apenas fonte. Era protagonista e fonte torrencial de informações maliciosas, que geravam repercussão.

Eram cotidianos, nos parlamentos, os discursos de senadores, deputados e vereadores petistas brandindo como tacapes, jornais e revistas que reproduziam suas denúncias e acusações. Não passava pela cabeça do PT a ideia de que o jornalismo, em especial o jornalismo investigativo, pudesse se tornar um incômodo. Não! Era uma parceria que dava bons resultados. O PT atacava e a imprensa multiplicava os efeitos do ataque. A imprensa investigava e o partido repercutia. Os órgãos oficiais investigavam e vazavam para o partido e para a imprensa. E a vida sorria para todos.

No entanto, poucos meses após haver o PT chegado ao poder, os mesmos veículos que antes eram fidedignos e parceiros passaram a ser vistos como manipuladores e inimigos. Acumulam-se, desde então, as tentativas de lançar controle sobre os meios de comunicação. Mais recentemente, tal proposta recebeu o nome de "marco regulatório" da mídia. Agora, foi a vez da presidente Dilma, numa de suas cotidianas crises de nonsense, proclamar, referindo-se às denúncias sobre a Petrobras: "Não é papel da imprensa investigar!". Segundo ela, a tarefa pertence à Polícia Federal.

A frase atropela rudimentares liberdades propiciadas pela democracia, essenciais à subsistência desse regime. Tem potencial para destruir as pontes sobre as quais o partido de quem a proferiu palmilhou os caminhos do poder. E ergue nuvens negras sobre o futuro do país em suas mãos.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 


 

Percival Puggina

17/09/2014

 


 Numa parte do jornal, lê-se sobre delação premiada para esclarecimento dos escândalos da Petrobras. A "base" treme nas bases com as informações e com a divulgação de uma lista de beneficiários que não para de crescer e já leva 150 nomes com as respectivas cifras. Rola dinheiro grosso na caverna de Ali Babá.

 Enquanto, no Mensalão, os líderes dos partidos da base abraçaram a encrenca e não expuseram os colegas para os quais repassaram os valores recebidos através do esquema, no caso do Petrolão a relação de beneficiados vem cheia e os números são enormes. Mensalão é troco diante do Petrolão.

 É o que se lê numa parte do jornal. Noutra, a notícia é um chute na consciência cívica: um comício promovido em favor da candidata Dilma Rousseff culminou com carinhoso e efusivo abraço da base do governo e suas massas de manobra ao edifício-sede da Petrobras no Rio de Janeiro. Imagino que as ações da empresa, agora sob tão vigorosa proteção, se elevem a um novo patamar...

É de se ver as imagens. Todos os participantes da encenação acalentando responsavelmente a empresa que, segundo denúncias e muitas evidências (com dinheiro já sendo buscado de algumas contas no exterior), vinha sendo esfolada e canibalizada nos esquemas de sustentação financeira do poder que hegemoniza a República.

A política brasileira vive momentos em que a caradurice virou arte. Já não se trata da simples articulação entre insensibilidade moral e falta de constrangimento social. É uma obra de arte envolvendo estratégia, retórica, publicidade, senso de oportunidade e, claro, absoluto desprezo pelo discernimento alheio.

Por enquanto, vem funcionando. O prestígio do governo sobe junto com a onda de escândalos. Mas sempre há o risco de morte da estratégia por overdose de estratégia.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

14/09/2014

 

 Prezado Aécio,

 Sou um dos 100% Aécio, cujos nomes são destacados na página da tua campanha que divulga o apoio de intelectuais. Por isso, contemplando a hipótese de que venhas a ler, tomo a liberdade de escrever o que penso sobre esta esquina onde nos encontramos na história da República.

 Há uma parcela imensa da sociedade brasileira perfeitamente consciente de que o problema do Brasil não é Lula e não é Dilma. O problema do Brasil, sabemos nós, é o Partido dos Trabalhadores, com seus métodos, seu projeto totalitário de poder, sua turbada visão de história, suas más companhias internas e externas, sua ideologia malsã e seu reacionarismo econômico. O problema do Brasil é a oficialização dessa moral que parece abastecida em lojinha de conveniência, onde a cada momento é selecionado o princípio que convém, dispensados os demais nos reservatórios de lixo seletivo. É o governo de um partido que abraça a Petrobras com afagos de quem lhe bate a carteira.

 Seu principal adversário ao longo dos últimos 12 anos, Aécio, é um partido que faz mal ao Brasil. Na oposição, não deixa governar; no governo, não governa. Na oposição, a quilômetros de distância, brada contra odores nos atos do governo; no governo, não percebe a sujeira colada à sola do próprio sapato.

Fosse você, Aécio, eu diria à sua principal adversária que o governo petista acabou. E não acabou agora, mas há seis anos. Acabou na metade do segundo governo Lula, quando se esgotou o estoque de mágicas na cartola das facilidades e o Brasil começou a desacelerar, a parar e, já agora, a declinar. Eu diria que o PT já fez o pouco bem que podia e todo o mal que podíamos tolerar. O PT, enfim, já era. Foi rareando o que nele havia de bom e aflorando, dominante, tudo que nele havia de mau. O pouco que ainda resta de valor no partido não compensa tudo que nele não presta. Só não vê isso quem não quer.

Trata-se de um terrível problema moral. Ele não está no fato de que o PT transforma bandidos em heróis, mas no fato de que parcela imensa da população nacional já não mais distingue um tipo de outro. E o nome disso já não é pura e simples corrupção, mas é corrupção da alma brasileira, onde muitos entram em confusão mental, ou em conflitos de interesse, nas encruzilhadas do certo com o errado.

Pense sobre isso, Aécio. Você é a terceira geração de políticos do PSDB aos quais parcela importante do povo brasileiro confia a bandeira oposicionista. Você enfrenta um adversário fragilizado, combalido pelos motivos que expus. Mas precisa evitar, com ajustes de discurso, que os bons brasileiros migrem votos para quem nunca teve e ainda não tem palavras de reprovação aos malefícios em curso no país. Isso, simplesmente, não faz sentido.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.



 

Percival Puggina

14/09/2014

 


 Virou moda invocar a laicidade do Estado para desqualificar opiniões, religiões e igrejas. É o tipo de coisa que só acontece no Brasil, país em que presidentes da República se atrapalham com rudimentos de português e matemática. Fosse o pensamento prática frequente entre nossa elite, tais invocações à laicidade do Estado seriam rechaçadas pelo que de fato são: ensaios totalitários visando a calar a boca da maioria da população.

 A leitura dos preceitos que os constituintes de 1988 incluíram em nossa Carta Magna sobre o tema esclarece, acima de qualquer dúvida, que eles desejavam, nesse particular, limitar a ação do Estado e não das pessoas, suas religiões e igrejas, como agora, maliciosamente, lendo a carta pelo seu avesso, alguns pretendem fazer crer. Enfaticamente, a CF determina ser "inviolável a liberdade de consciência e de crença", que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença" e que o Estado não pode estabelecer ou impedir cultos.

Não são as opiniões de indivíduos ou, mesmo, de figuras públicas em que se perceba inspiração religiosa que violam a Constituição, mas as tentativas de os silenciar, de os privar do direito de expressão, aos brados de "Estado laico! Estado laico!". Não, senhores! Foi exatamente contra essa pretensão que os constituintes ergueram barreiras constitucionais. Disparatado é o incontido e crescente desejo que alguns sentem de inibir a opinião alheia, para que possam - veja só! - falar sozinhos sobre determinados temas. E são tantos os desarrazoados neste país que poucos percebem o tamanho da malandragem.

Leigos ou religiosos, ateus ou agnósticos, detentores de mandato ou jurisdição, podem e devem ouvir suas consciências ao emitirem seus votos ou decisões. Talvez estejamos habituados a líderes que escolhem princípios como gravatas (ou echarpes) e estranhemos quem os tenha, bons e sólidos. A laicidade impõe limites ao Estado, não aos cidadãos!

Eu tenho o direito de emitir conceitos, com base religiosa ou não, fundados na cultura gaúcha ou tupiniquim, na doutrina marxista ou liberal, sem que desajuizados pretendam me calar. Essa minha liberdade tem garantia constitucional. E há dispositivos específicos para assegurá-la no que se refira às convicções religiosas e suas consequências. A histeria a esse respeito escancara não só recusa ao contraditório, mas também vocação totalitária. Por quê? Porque como bem se sabe, o totalitarismo, para cujo porto estamos sendo levados pelo nariz, não pode conviver com sistemas de valores que não sejam ditados pelo Estado e que ante ele não rastejem. É a esse mostrengo que andam chamando "Estado laico". Ele não é isso.

ZERO HORA, 14 de setembro de 2014


 

Percival Puggina

12/09/2014

 

 Atribui-se ao jornalista Cândido Norberto a frase segundo a qual, em política, pode acontecer tudo, inclusive nada. Por exemplo: pode explodir um avião sobre o cenário eleitoral; pode acontecer algo enigmático, tipo vir à superfície mais um escândalo e o governo melhorar sua posição. E também pode acontecer nada, pelo simples motivo de que parcela imensa da população, em flagrante desânimo, joga a toalha no ringue. As pesquisas desta semana indicam que nação está agendando um encontro de boi com matadouro. E vai abanando o rabo na direção de um entre dois neocomunismos: o sem Pai Nosso de Dilma ou o com Pai Nosso de Marina.

É possível que o leitor destas linhas pense que estou paranóico. Não, meu caro. Pergunto-lhe: você leu o documento final do 20º Encontro do Foro de São Paulo (aquela organização que a grande mídia nacional diz que, se existe, não fede nem cheira?). Quem lê o referido documento não só fica sabendo que o bicho existe, mas que é poderoso e bate no peito mostrando poder. O texto exalta o fato de que, em 1990, no grupo de partidos alinhados sob essa grife, apenas o PC Cubano governava um Estado nacional. Hoje, estão sob manto do FSP, entre outros, Brasil, Uruguai, Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Venezuela, El Salvador e Nicarágua. Se observar bem, verá que a lista contém a nata dos comunismos e socialismos bolivariano, cocaleiro, maconheiro, bananeiro e por aí vai. E se escrutinar caso a caso vai encontrar dirigindo esses países, em seus vários escalões, aos cachos, ex-guerrilheiros comunistas que, em momento algum, extravasaram arrependimento ou deserção das antigas fileiras. Uma parceria e tanto, essa que o Brasil integra na condição de grande benemérito e tendo o PT como sócio fundador.

O Foro de São Paulo, como bem mostra Olavo de Carvalho, é a chave de leitura para o que acontece, não apenas na política nacional, mas nas nossas universidades, na nossa economia, nos negócios externos e na tal geopolítica "multipolar" que nada mais é do que um passo adiantado na direção de um projeto de hegemonia e totalitarismo sobre a região. E é para lá que vamos se, confirmando-se o dito com que abri este texto, já aconteceu tudo e nada mais há para acontecer.

Se olharmos pela janela, veremos que a economia brasileira está parando. A cartola de sortilégios do ministro Mantega está tão vazia quanto os cérebros que nos governam. O que houve? Nada que não possa ser explicado pela sujeição nacional a um governo com estratégias erradas. A Venezuela já não está com polícia nos supermercados? Não se contam cinco décadas de escassez e filas em Cuba? A outrora próspera Argentina, não se encontra em plena decadência?

As parcerias do FSP adotam exitosas técnicas de sedução eleitoral. Mas exercem o poder de modo desastroso. E Marina vem na mesma toada. Ela nasceu para a política como líder comunista. Revoltada com a vida e com o mundo, como costumam ser os líderes comunistas. Marina não entendia o motivo pelo qual abrir trilha na floresta e riscar casca de seringueira não transformava o cidadão acreano num próspero suíço. Saiu da floresta, estudou, ganhou mundo, quer presidir o Brasil. Mas se não esconjurar as ideias que tinha quando ministra, ela é um apagão eminente.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

11/09/2014

 


 O pessimista no Brasil é um sujeito bem sucedido. As pessoas olham para ele e proclamam, balançando a cabeça e sinal de assentimento: "Ele já tinha me avisado. Está acontecendo tudo direitinho". Pois é, modéstia à parte, nos últimos meses tenho me defrontado com esse tipo de sucesso. Há bom tempo proclamei que estávamos chegando ao máximo em matéria de corrupção.

Contestaram-me alguns otimistas inveterados dizendo que não, que não era assim, que o poder ainda era doce e restava muito mel no pote. Mas eu não me referia ao botim remanescente. Batíamos no fundo do poço por algo bem pior do que o aumento do número de assaltantes do erário e da capacidade de operação dos pés-de-cabra administrativos e contratuais. Também estes se ampliaram muito, é verdade. A serem corretas as informações prestadas pelo ex-diretor da Petrobrás em sua delação premiada, um pool de empresas abasteceu durante longos anos, um caixa do qual se serviam duas dúzias de eminentes figuras da República. Quem tem põe, quem não tem tira.

Tampouco nos levam ao fundo do poço as reiteradas afirmações de ignorância e desconhecimento das autoridades superiores. "Eu não tinha a menor ideia de que isto ocorria dentro da empresa", afirmou a presidente Dilma, referindo-se àquela caverna de Ali-Babá montada em função dos negócios com o petróleo brasileiro. A presidente diz que não tinha a menor ideia e eu, pessimista, não acredito. Ora se a presidente, com seu currículo admirável, conselheira da firma, ex-chefe da Casa Civil, ex-ministra de Minas e Energia, poderia estar desinformada sobre a infestação de ratazanas na empresa de onde sairão os royalties para melhorar a Educação do país.

O que nos leva ao fundo do poço é outra coisa, é saber que tão lúgubres notícias se refletiram positivamente nos índices de aprovação do governo e da presidente, candidata à reeleição. Se as pesquisas estão corretas, 38% dos 202,7 milhões de brasileiros, ou seja, algo como 77 milhões de conterrâneos nossos, gente que passa pela gente, que cumprimenta a gente, que vai à missa, que compra, que vende, que trabalha, frequenta escola, universidade, fica sabendo dessas coisas e não dá a mínima. Bate palmas, atira beijinhos e posa para selfies com Sua Excelência. Isso é que eu chamo corrupção em escala multitudinária.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.