Estamos assistindo, país afora, aquilo que autores e agentes da doutrinação denominam "releitura da história na perspectiva dos excluídos". Segundo afirmam, sua original e acurada lupa vem corrigir o estrabismo dos vitoriosos, que teriam imposto a versão que melhor lhes convinha. É preciso, dizem, reescrever tudo porque a história foi mal contada.
Fui buscar meus livros. Eu precisava ver se deles constava que os portugueses haviam comprado a terra dos índios, ou que os bandeirantes se faziam acompanhar de assistentes sociais e antropólogos em suas incursões pelo interior. Nada. Também não encontrei qualquer obra relatando que os negros tivessem vindo para o Brasil a bordo de transatlânticos, atraídos pelos investimentos na lavoura açucareira. Tampouco li que as capitanias hereditárias fizeram deslanchar a reforma agrária, que Tiradentes se matou de remorso, ou que D. João VI foi um audacioso guerreiro português.
Em livro algum vi ser exaltado o fervor democrático e a sensibilidade social da elite cafeicultora paulista. A única coisa que localizei foi uma breve referência ao fato de que a tentativa de escravizar índios não deu certo por não serem eles “afeitos ao trabalho sistemático” (e isso, de fato, era preconceituoso: ninguém, sem receber hora extra, moureja tanto, de sol a sol, quantos os índios).
Mas a tal releitura vem impondo seus conceitos através da persistente ação de muitos professores ocupados com fazer crer que o conflito entre oprimidos e opressores, incluídos e excluídos seja o único e suficiente motor da história. Você sabe bem a quem serve essa alarmante simplificação.
Poucas coisas têm a complexidade dos fatos históricos. Ensina João Camilo, em consonância com Aristóteles, que a História tem causa eficiente (a vontade livre); causas materiais naturais (demográficas, econômicas, geográficas); causas materiais culturais (políticas, educacionais e religiosas); causas formais (doutrinas e ideologias); causas instrumentais (estruturas políticas); e causa final (grandes valores, sentido do bem, etc.).
Sendo assim, como pode prosperar uma simplificação que resume tudo à luta entre classes? São duas as razões. A primeira é político-ideológica: ela serve bem para o discurso da esquerda porque suscita o sentimento de revolta, fermento sem o qual sua massa de manobra não cresce. E a segunda é intelectual: a simplificação satisfaz os que têm dificuldade para entender fenômenos mais complexos.
Arranca-se o véu da mentira e se revela ao mundo que o paleolítico inferior dos indígenas era muito superior à cultura européia do século XVI. E de carona resolve-se o clássico problema: a quem culpar quando não havia FHC, neoliberalismo nem elite branca de olhos azuis?
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar.
Lidio Feix - 20/05/2015 12:31:32
Caro Puggina. A cada semana leio com atenção os textos claros lúcidos com que não te cansas de expor mazelas de um sistema autoritário e que vem se infiltrando em todos os setores sociais de modo impressionante. Para onde se virar nossa atenção, ali haverá, de algum modo, um aparelhamento de esquerda voltado e devotado (e uso "devotado" com o sentido religioso da palavra) a impor seu sistema de ideias, o mesmo sistema que já se provou falido em todos os lugares onde dominou. Não só leio teus textos com curiosidade, mas também com com admiração pela tua persistência quase obstinada em expor continuadamente situações que a grande massa persiste em ignorar, e que outros simplesmente não querem ver. Tenho certeza de que a tua pena, os teus escritos, ecoam nas mentes de muitos outros que, mesmo não tendo a abertura de que dispões, comungam das mesmas opiniões e das mesmas esperanças num futuro melhor para o nosso tão sofrido e tão explorado Brasil, um futuro onde a corrupção não seja mais institucionalizada nem instrumento de manutenção de um grupo no poder. Abraço, Amigo. Não baixa a tua crista.Nelson Filho - 19/05/2015 01:08:35
Professor Puggina, Veja o que fazem com o conteúdo de história no ENEM: https://aprendicomoenem.wordpress.com Abraço, Nelson.Data Venia - 17/05/2015 16:39:11
Marcio Thomaz Bastos, ministro de Lula, um dos queridinhos do PT, era um dos advogados mais ricos do Brasil. Morreu em novembro do ano passado e deixou uma herança de 393 milhões de reais! E aí, petistas, quem é elite branca ? http://exame.abril.com.br/blogs/primeiro-lugar/2015/05/05/os-393-milhoes-de-reais-de-marcio-thomaz-bastos/Genaro Faria - 17/05/2015 13:39:57
"A história - toda história - é escrita segundo o olhar interesseiro de quem a registra, não segundo os fatos "reais" que a conformam (até porque não há acuracidade suficiente para que se faça esse tipo de interpretação). " (Juan Kofffler - 16/05/215) Se eu aprendi os rudimentos do Direito na faculdade federal onde estudei na década de 70, o comentarista acima identificado confessou que a História não é uma disciplina a ser levada a sério. É mera charlatanice de quem só quer "puxar a brasa para a sua sardinha". Em qualquer botequim se encontra um filósofo assim entre muitas doses de cachaça e uma cerveja saideira.Gustavo Pereira dos Santos - 17/05/2015 01:44:20
Dr. Percival, Explicar piada pra esquerdopata é dose pra mamute. Haja paciência, o esquerdopata politicamente correto passou recibo de medíocre. By the way, por que as reservas indígenas situam-se em terras ricas em minerais ou muito produtivas? Não precisa responder, nós sabemos o motivo. Bom domingo e um abraço, Gustavo.Jorge Paulo cerva - 16/05/2015 23:25:08
Como sempre, excelente texto, amigo Puggina, mas infelizmente tem gente que não entende ou finge não entender, nem diretas nem sutilezas.PERCIVAL PUGGINA - 16/05/2015 20:33:15
Em contrapartida, meu caro Johnny, muito me admira sua incapacidade de entender o sentido do artigo, procurando nele uma lição acadêmica que nem em sonhos me ocorreu transmitir. O texto, como bem perceberam os demais leitores, é irônico em relação às leituras marxistas em voga, que tudo transformam em luta de classes. Ou à conduta dos que se consideram donos da narrativa (vide Comissão Nacional da Verdade). Seres sábios e complexos tendem a achar simplórios os que vislumbram o humor inerente à realidade.hiton santos couto - 16/05/2015 18:58:56
texto justo e perfeito com a realidade.Juan Koffler - 16/05/2015 18:32:34
Admira-me muito, meu caro Puggina, que você teça uma análise tão simplória a respeito de tema tão complexo quanto a relação entre os indivíduos que compõem a tecitura social humana. Simplória demais, data vênia. A história - toda história - é escrita segundo o olhar interesseiro de quem a registra, não segundo os fatos "reais" que a conformam (até porque não há acuracidade suficiente para que se faça esse tipo de interpretação). É uma questão de análise crítica à época dos que as escrevem, nada aderente à "real realidade" do que se possa compreender por "realidade concreta", i.e., representa-se ou configura-se na narrativa uma "realidade abstrata", imaginada, personalizada. Perdoe-me, mas muito pouco do que a "realidade histórica" mostra assemelha-se - nem de longe - ao que "realmente" sucedeu.Genaro Faria - 16/05/2015 15:48:24
A História precisa ser "reescrita" porque nada houve nela que sequer por um singelo e irrelevante episódio corroborasse o mito marxista da luta de classes como seu fator determinante. Marx e seus apóstolos materialistas, a propósito, morreram convictos de que o cenário da "revolução operária" seria o das nações ocidentais industrializadas. Não foi, bem o sabemos. Foi a Rússia imperial czarista, econômica e politicamente atrasada, dominada por senhores feudais de grandes extensões de terras, pela igreja ortodoxa e pelos nobres. Uma França absolutista do século XX. E os revolucionários eram soldados, marinheiros e, principalmente, intelectuais marxistas financiados pelo inimigo alemão, interessado em combalir o exército do front oriental . Então, claro, os marxistas precisam inventar o que a humanidade esqueceu de fazer. E assim dar razão ao seu guru materialista.Guilherme Socias Villela - 16/05/2015 15:11:40
Como sempre, excelente texto. Parabéns.