Percival Puggina

01/08/2014

 

 Todos sabemos. Lula tem um problema com as elites. É só ficar solto no palanque, sem texto para ler, e lá vem ele com seu xingamento às elites, para adequar o conteúdo do discurso ao modo vulgar de discursar.

Tudo muito postiço, como nos políticos que usam os pronomes e as concordâncias segundo o auditório. Mas o Lula que quer se descolar das elites é membro aplaudido do seleto grupo! Convive com a elite política e ocupou o topo de sua cadeia alimentar. Tem atuado de modo intenso e rentável como representante da elite das construtoras nacionais. Costuma posar para fotografias e fazer agrados a atletas de elite. Seu partido nasceu no ventre da elite acadêmica do país. Nela e por ela foi concebido e propagado nas salas de aula onde se forma nossa elite intelectual. Mais do que nenhum outro homem público em nossa história foi beneficiado pela ação orquestrada da elite cultural e artística que, quase em uníssono, atuou e continua atuando em seu favor. Como presidente, usou sua prerrogativa para indicar membros aos mais altos cargos das carreiras jurídicas do país, cuja elite, em boa parte, lhe deve favores. Também como presidente, seja de direito, seja de fato, abriu as torneiras dos bancos oficiais para despejar dinheiro bom e barato nas contas bancárias de nossas maiores corporações empresariais. Descobriu, há muito tempo, que bons vinhos, uísques, charutos e lagosta ao Thermidor são mais prazerosos do que vinho de garrafão, cachaça, mata-rato e buchada de bode.

Julgo suficientemente comprovado, com os incontestáveis registros acima, que Lula é peça - e peça importante - da elite nacional. Mas quando ele fala da elite, mesmo como enfeite de discurso, a quem tem ele em mente, como protótipo de seu desprezo? Em quem ele está pensando quando o dedo que deveria apontar para si mesmo se volta para algum canto obscuro e inespecífico na cena brasileira? Não é àquela elite que está muito próxima dele e bem mereceria a desaprovação. As repulsas de Lula recaem sobre uma pequena parcela da elite que não se verga às seduções da corte e não aplaude qualquer tolice pronunciada por quem tenha a caneta turbinada pelo poder.

Essa elite é o obstáculo ainda remanescente aos anseios por hegemonia absoluta sobre a vida brasileira. É aquela parcela da sociedade, de qualquer condição social, mas de elevado valor moral, que não se deixa comprar com favores. Bem menos numerosa do que conviria, ela percebe o grau de rebaixamento e depreciação a que chegou a política nacional e atribui as devidas responsabilidades ao principal comandante dessa política nos últimos 16 anos.

* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
 

 

 

Percival Puggina

29/07/2014

 

 Buscando informações sobre o projeto de reforma política que vem sendo objeto de coleta de assinaturas, descobri uma nova dimensão da hegemonia que se estabeleceu sobre a nação. Qual o partido ou tendência ideológica que lhe vem à mente quando eu menciono MST, CUT, Via Campesina, CONTAG, UNE? Pois bem, fazendo a tal busca, obriguei-me a ler as 23 páginas do projeto de lei que "dispõe sobre o financiamento das campanhas eleitorais e o sistema de eleições proporcionais". Tratei, igualmente, de saber de onde ele veio. Esse projeto, foi divulgado em outubro do ano passado pelo movimento Eleições Limpas (www.eleicoeslimpas.com.br) e hoje é acionado por uma certa Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas (procure no Google por esse nome e clique em "Quem somos").

Vê-se, ali, que a coalizão é formada por 99 entidades - sim, você leu certo, 99! - contadas uma a uma. Entre as já mencionadas, ainda encontrei outros velhos conhecidos: FENAJ, UBES (estudantes secundaristas), CNTE ("trabalhadores" em educação), CONIC (aquele Conselho Nacional de Igrejas Cristãs que apoiou oficialmente o PNDH-3), o MMC (Movimento das Mulheres Camponesas, aquelas que invadiram os laboratórios da Aracruz em 2006), um certo Fórum Paulista de Participação Popular (cujo site é encimado por peça publicitária de um candidato do PT a deputado federal), a Via Campesina, a UBM (entidade de mulheres pró-aborto), RFS (Rede Feminista de Saúde, pró-aborto), a REBRIP (rede de ONGs e movimentos sociais com propostas "alternativas"), a Liga Brasileira de Lésbicas, o Movimento Evangélico Progressista, a Articulação Mulheres Brasileiras (pró-aborto e contra os direitos dos nascituros). E por aí vai. Sabe quando a oposição conseguirá reunir algo semelhante a esse formidável elenco de militantes ONGs, grupos, movimentos, uniões, conselhos, redes, ligas, associações, federações, centrais, etc.?

Encimando a lista, mas como fios da mesma meada, luzem os logotipos e as siglas da CNBB e da OAB. Isso mesmo. Mais uma vez, você leu certo. As duas entidades, juntam-se a estranhíssimas parcerias, revolucionárias umas, desrespeitadoras da lei outras, objetivamente criminosas outras mais, para propor à nação uma "reforma política" praticamente igual à que o PT sempre pretendeu. Quem duvida, informe-se. O 3º Congresso do PT, em 2007, definiu-se por uma reforma política que estabelecesse: 1) o financiamento público das campanhas; 2) o voto em listas fechadas; 3) a representação de gênero, raça e etnia. O projeto da Coalizão: 1) cria o financiamento público e proíbe o financiamento de empresas; 2) estabelece o voto em lista fechada; 3) gratifica com mais recursos públicos o partido que apresentar candidatos de segmentos sociais minoritários. E faz dois adendos ao projeto do PT: 1) admite o financiamento de pessoas físicas até o limite de R$ 700; 2) acrescenta à proposta petista um segundo turno nas eleições parlamentares para o ordenamento final das cadeiras por voto nominal. Nem uma palavra, nem um pio, sobre o que mais importa: delegar a chefia de Estado e a chefia de governo a pessoas distintas, impor o desaparelhamento partidário da administração pública e estabelecer o voto distrital misto.

Com esses apoiadores e tanta identidade de pontos de vista, eu não preciso saber mais para compreender a quem serve esse projeto. E concluo: se ele serve a quem serve, não serve ao Brasil.

* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
 

Percival Puggina

26/07/2014

 

 Mergulhou fundo em estranhas confabulações o relatório do TCU sobre a aquisição da refinaria de Pasadena. Saiu ensopado, mas saiu como o governo queria, nada respingando para o lado do Conselho de Administração. Ou seja, para o lado da presidente Dilma, que, à época da inconcebível compra, pilotava o órgão de aconselhamento superior da estatal.

O jornal O Estado de São Paulo informa, na edição do dia 25 de julho, que o ministro do TCU José Múcio Monteiro, na segunda-feira 21, dois dias antes da sessão de julgamento, esteve reunido em São Paulo com o ex-presidente Lula. Segundo o ministro, foi uma visita para matar saudade e jogar conversa fora. Para Lula, nem isso. Jacaré não vai para o céu e Lula sabe muito bem o motivo. Recusou-se a comentar o assunto. Para as fontes do jornal, no entanto, o encontro efetivamente ocorreu como parte de uma investida do governo para blindar a presidente e evitar danos à sua imagem quando ela está em plena campanha para suceder a si mesma. Até o início da semana havia a expectativa de que o relator do processo, ministro José Jorge, indicaria responsabilidade de Dilma em virtude de sua posição no Conselho à época dos fatos.

Transcrevo parte da matéria: "Após a conversa com Lula, o ministro do TCU procurou os colegas e ponderou que responsabilizar Dilma neste momento pré-eleitoral seria politizar demais o caso, além de repetir a defesa do governo de que a presidente votou a favor da compra da refinaria com base em resumo incompleto sobre o negócio. Um ministro, ouvido pelo Estado sob a condição de anonimato, relatou que até uma vaga no Supremo Tribunal Federal foi mencionada. A votação foi unânime". Noutra parte da mesma matéria, lê-se: "Lula sinalizou que até mesmo cargos em um eventual segundo mandato de Dilma poderiam ser usados como elemento de convencimento dos ministros".

No dia 23, enquanto os corredores se agitavam e os celulares esquentavam as orelhas, o ministro Benjamin Zymler pediu vistas ao processo. O pedido, formulado com intuito preventivo, foi imediatamente retirado quando se evidenciou que a maioria dos membros da corte se inclinava em favor da não inclusão da presidente. Nesse mesmo sentido, aliás, posicionou-se o relator, ministro José Jorge, no voto que proferiu. Decisão unânime.

A questão que fica no ar, sem possibilidade de resposta conclusiva, é a seguinte: a deliberação do TCU foi influenciada, ou não, pelo que ocorreu nos bastidores? O que sim, se sabe, é que as fontes do Estadão relatam algo que, desgraçadamente, se torna muito verossímil porque tem toda a cara do Brasil que, a cada dia, mais e melhor conhecemos.

* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
 

Percival Puggina

25/07/2014

NOTA: Atendendo muitas solicitações, para mais fácil uso pelos leitores que o desejam reproduzir, transformei em artigo dois textos anteriores sobre esse tema .

 No Correio do Povo do dia 20 deste mês, o jornalista Juremir Machado da Silva recordou o quanto era difícil, nos anos 80, encontrar nas bibliotecas exemplares do livro Veias Abertas da América Latina. Esse era o livro mais indicado pelos professores e mais procurado pelos alunos. E continua muito recomendado, ao que me informam. Malgrado seja um amontoado de asneiras, Veias Abertas tornou-se o texto introdutório ideal da pregação marxista, objetivo primeiro de grande parte do mundo acadêmico nacional.

Talvez ninguém expresse melhor do que o próprio autor o que acabei de afirmar a propósito de seu louvado trabalho. No dia 11 de abril passado, o uruguaio Eduardo Galeano concedeu uma entrevista em Brasília. Ele era o homenageado da 2ª Bienal do Livro e da Leitura. O destaque que recebia tinha tudo a ver, por certo, com a popularidade que lhe adveio desse livro (alguém conhece outra obra de Galeano?). Na entrevista, com todas as letras, ele declarou: "Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu não tinha ainda a formação necessária. Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas é uma etapa superada. Eu não seria capaz de ler de novo esse livro. Cairia desmaiado. Para mim, essa prosa de esquerda tradicional é chatíssima. Meu físico não aguentaria. Teria que ser internado em Pronto-Socorro. 'Tem alguma cama livre', perguntaria".

Nesse trem do qual Galeano já saltou fora ainda existe muita gente embarcada, com o livro dele na mochila. Pois bem, para quem leva Veias Abertas a sério, Cuba vive, há 55 anos um modelo mais do que perfeito. Todo o patrimônio das espoliadoras empresas norte-americanas caiu, de um dia para o outro, nas mãos do Estado cubano sem que o Estado tivesse que pagar um centavo por ele, cessando, também, a remessa de qualquer lucro. Dois anos mais tarde, Fidel estabeleceu com a URSS uma aliança altamente vantajosa: os soviéticos passaram a lhe prestar ampla ajuda técnica, militar e científica, se responsabilizaram pelo seu superávit comercial comprando açúcar e níquel cubano a preços superiores aos de mercado e vendendo seus produtos a preços inferiores aos de mercado. Um negócio da China, segundo o qual o regime não só fechou suas veias como cravou a seringa na artéria dos russos.

Contudo, para absoluto espanto, malgrado a massiva expropriação que procedeu, malgrado as veias fechadas, malgrado quase três décadas favoráveis no balanço hematológico com a URSS, malgrado 55 anos de um padrão de consumo que faria padecer um monge franciscano, Cuba é, ainda hoje, um país tão pobre quanto você imagina um povo obrigado a enquadrar suas necessidades numa renda mensal inferior a 12 dólares e onde as atividades mais estimuladas batem num teto de 30 dólares. Um exército de policiais e informantes vigiam a vida privada e coontrolam o procedimento, nas ruas, dessa multidão de carentes.
 

Percival Puggina

23/07/2014

 Por inusitado que pareça, um dos modos mais eficientes de ocultar a realidade é escondê-la atrás dos números. A vantagem proporcionada por esse método está no sentimento de que "números não mentem". Contudo, eles podem ser enganosos, sim. Muitas vezes, quem deseja ocultar a realidade usa dos números como se fossem pecinhas de um lego, que tanto servem para fazer um trem, um avião ou um barco.

 Foi assim que li o artigo de um porta-voz do governo Tarso Genro na Zero Hora de ontem, dia 22. Nele, o porta-voz exalta os números de evolução do PIB do RS, buscando transmitir a impressão de que tudo vai bem ainda que salte aos olhos que quase tudo vai mal. Para apoiar sua tese, o autor, por exemplo, aponta o fato de que o PIB do Estado cresceu 6,3% no ano passado. Se tivesse referido também os dados de 2012, seria forçoso reconhecer que o PIB estadual, naquele ano, evoluiu -1,4%. Diante desse tombo, determinado principalmente pela estiagem então ocorrida, era natural que a expansão do ano subsequente fosse elevada. Só para exemplificar: de 2012 (estiagem) para 2013 (boas chuvas), a agropecuária apresentou um crescimento de 39% (!), puxando todos os outros indicadores para cima.

No texto em questão, atrás dos números de 2013, foram escondidos os maus números de 2012. E de lambuja, ocultaram-se, também, os maus números de agora, de 2014. Nos cinco primeiros meses deste ano, o Índice de Desempenho Industrial do RS caiu -2,1%. O fenômeno atinge vários setores, o nível de emprego industrial e as exportações, que caíram 20% no primeiro semestre deste ano.

Por outro lado, é oportuno falar sobre o desenvolvimento do RS dois dias depois de o ex-governador Olívio Dutra haver reconhecido, publicamente, que foi sua a decisão de expulsar a montadora que a Ford começava a implantar no Estado em 1999. A empresa foi parar na Bahia. E desde que isso aconteceu, o setor automotivo daquele Estado recebeu 58 novas empresas industriais, o número de empregos saltou de 548 para 10.518 e o PIB do setor passou de R$ 3,6 milhões em 2000 para R$ 2,9 bilhões em 2012! Tudo graças ao "desenvolvimentismo" do PT gaúcho.

Quem produz ou deixa de produzir, quem emprega ou desemprega são as empresas. Para o petismo, quando o nível de emprego sobe, quem os cria é o PT. Quando ele diminui, quem desemprega é a iniciativa privada. O que os governos podem fazer pelo desenvolvimento num sentido amplo é aquilo que o governo gaúcho não vem fazendo. As estradas estão abandonadas, a CEEE em situação pre-falimentar, a educação pública ideologizada e de má qualidade segue o estilo Paulo Freire, e uma hecatombe fiscal está desenhada para o próximo exercício. Quem ressaltou muito bem essa hecatombe foi o economista e contador Darcy Francisco Carvalho dos Santos em artigo publicado no dia 20, também em Zero Hora. Ao término da analise que fez, de modo inspirado, ele anteviu assim o teor da contestação que viria dois dias depois: "A estratégia política encontrada é se refugiar em números de crescimento conjunturais do PIB, que nada têm a ver com as ações do governo estadual". É atrás dos números que a realidade mais facilmente pode ser escondida.

* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

20/07/2014

 

 Somos caça. Diariamente, ao colocarmos o pé na calçada, ao sairmos de nossa humilde toca ou de nosso bunker familiar, viramos caça. Se tudo correr bem, retornamos sãos e salvos por não termos sido alvo dos predadores. Nem por isso teremos deixado de ser caça. Tão caça quanto qualquer lebre corredeira. Saiba: no mundo civilizado não é assim.

 O notório agravamento da insegurança socialmente percebida tem profundas raízes ideológicas. Aliás, no Brasil (e no RS mais do que em qualquer outra parte), tudo é desgraçadamente ideologizado. Da religião ao chimarrão. Então, algo que deveria merecer consistente unanimidade por urgente interesse público, ou seja, o combate ao crime e à impunidade, o encarceramento dos bandidos, o cumprimento das penas, a extinção da farsa do semiaberto, a redução da maioridade penal, a ampliação das forças humanas e materiais das corporações policiais, é travado por argumentos ideológicos. Quais? Ora, não ensinava Proudhon que a propriedade é um roubo? Não frisaram, Marx e Engels, que abolir a propriedade é o resumo do comunismo? Não creem os que abraçam essa doutrina que a criminalidade ou se confunde inteiramente com a luta de classes, ou é um subproduto dela? Quando tratava da luta de classes, não abraçou-se Marx à frase de George Sand - "Vitória ou morte! Guerra sangrenta ou nada!"? Como pode um país saturado de marxismo entusiasmar-se com a tarefa de sustar qualquer instrumento da "reformulação da sociedade"?

Há poucos dias, assisti na tevê a entrevista feita com uma senhora cuja atividade econômica consistia em garimpar e revender rejeitos de um lixão. Com isso, cuidava dos filhos, comprou um automóvel e traçava projetos para cursar faculdade. Na perspectiva da luta de classes, essa admirável pessoa é uma burguesa alienada, ao passo que o assaltante de nossas ruas é um militante da justiça social, um soldado da causa. E merece toda a leniência que lhe é proporcionada pelas nossas instituições. Não veem elas o criminoso como um filho bastardo e infeliz da economia de mercado e do sistema de livre empresa? É exatamente por isso que as instituições, maculadas por uma ideologia insana, são tão indulgentes com os criminosos enquanto assimetricamente, relegam ao mais tenebroso abandono as suas vítimas.

Qualquer líder do PCC ou do Comando Vermelho, consultado sobre nossas leis penais, instituições policiais e sistema penitenciário, dirá: "Melhorem a hotelaria. E não mexam no resto que está bom demais". Ou não?

Zero Hora, 20/07/2014
 

Percival Puggina

17/07/2014

O preceptor de um jovem imperador chinês acompanhava seu divino discípulo num passeio pelo campo. Em certo momento, avistando um grupo de animais, resolveu verificar o conhecimento da criança e indagou: “Que animais são aqueles?”. O menino observou atentamente a cena e disse que eram carneiros. “O Filho do Sol respondeu com exatidão”, admitiu o mestre. “Contudo, devo acrescentar que esse tipo específico de carneiro é mais conhecido como porco”.

 Lembro-me dessa estória frequentemente ao acompanhar notícias sobre as incessantes idas de nossos governantes a Cuba e ao observar a iconografia vermelha dos eventos promovidos pelos partidos e movimentos de esquerda. Deixando de lado os retratos de Lênin, as foices e os martelos – por demais óbvios – bem como as louvações ao MST e seus métodos e os aplausos às FARC, atenho-me, especificamente, ao mais disseminado de tais símbolos: a estampa de Che Guevara.

 Todo mundo sabe que Guevara foi um guerrilheiro comunista, com atuação internacional. E todo mundo sabe que ele não era ator, nunca foi a Hollywood, não cantava, não jogava bola, não dançava funk nem era de pagode, nunca apareceu em novelas da Globo e jamais disputou eleições. Ele era exatamente isto: um guerrilheiro comunista com atuação na América Central, na América do Sul e na África. Por conseqüência, assim como ninguém pode ser admirador de Pelé detestando futebol, todo culto a Che Guevara só pode significar uma adoração aos objetos de sua ação: o comunismo e a revolução como instrumento para chegar ao comunismo. Outras explicações para o mesmo fato precisariam ser buscadas num divã de analista de linha freudiana.

 Nessas circunstâncias, todo aquele que ande por aí exibindo sua veneração a Che Guevara, ou que, não sendo cubano, desfralde a bandeira de Cuba (gesto equivalente), pode falar quanto quiser sobre democracia. Nesse caso, porém, o interlocutor, seguindo a prudente fórmula do mestre chinês, deverá observar: O dileto amigo tem toda razão em expressar suas convicções democráticas pois democracia faz bem. Devo adverti-lo, contudo, para o fato de que esse tipo específico de democracia que tanto o seduz é vulgarmente denominado totalitarismo.
 

Percival Puggina

12/07/2014

 Se você reparar bem, a cada abalo que o governo da presidente Dilma registra em sua sacolejada escala Richter, segue-se algum plano mirabolante ou algum anúncio bilionário destinado a acalmar as ondas. Seja o abalo moral ou político, a reação oficial vem sempre de um ou de outro modo. Ora o governo anuncia providências estruturais que não funcionam (como essa de intervir no futebol e estancar a evasão de atletas para o exterior), ora reúne o ministério, os governadores, a imprensa, o empresariado, os movimentos sociais e informa que está destinando bilhões de reais para isto ou para aquilo.

Convenhamos, é um modo estranhíssimo de governar. É injustificável que, completados 93% de seu mandato e enquanto transcorre o 12º ano de gestão petista, o país ainda esteja sendo governado aos trambolhões, ao arbítrio do momento e seguindo o juízo das necessidades impostas pelas oscilações do Ibope. De modo especial, tais improvisações parecem incompatíveis com o perfil segundo o qual a presidente foi repassada aos votantes no mercado eleitoral de 2010. São bilhões para cá e para lá, saídos do nada e conduzindo, na vida real, a coisa alguma. É o que se poderia chamar de capital volátil. Faz lembrar aquelas maletas pretas dos filmes de ação, que supostamente deveriam conter vultosas quantias, mas estão recheadas de jornais com notícias antigas. De fato, são eventos que, a despeito da pompa e circunstância, logo se tornam coisas esquecidas, cuja função se exauriu no momento de cada anúncio. E de nada vale ficar cobrando serventia maior para algo concebido apenas para ser divulgado.

Em plena campanha de 2010, a presidente anunciou para Porto Alegre o atendimento das duas principais reivindicações do Rio Grande do Sul: a duplicação da Travessia do Guaíba e o metrô. Nada. Só muito recentemente, quando seu governo já olha para inexorável ampulheta, ocorreu (solene, sempre solene) a assinatura do contrato para construção da Travessia. Ou seja, no Brasil, coisa alguma. E o metrô? Saiu de pauta para retornar, provavelmente, durante a campanha eleitoral. Não foi diferente, país afora, com o conjunto que se tornou conhecido como "as obras da Copa". O quadro é o mesmo em todas as 12 capitais distinguidas com privilégio de sediar os jogos do já malvisto torneio. O adjetivo "malvisto" se aplica à sua realização aqui, com dinheiro do povo brasileiro. Em qualquer outro lugar é um bem aguardado evento. No Brasil, representa uma inversão na escala das prioridades nacionais, que transcorre em meio a obras paradas, atrasadas, incompletas por motivos técnicos e financeiros.

Em fevereiro deste ano, o jornalista Augusto Nunes desfiou em comentário o extenso conjunto de não-realizações do governo Dilma. Entre elas o também malvisto trem-bala, que - felizmente! - dorme em alguma gaveta muito antes de entrar na fase dos dormentes. Entre muitas outras, também sesteiam nas prateleiras as anunciadas seis mil creches, as seis mil casas para os flagelados de cheias no Rio de Janeiro, os seis mil caminhões-pipa para resolver a falta de água de beber na região da seca e o fim da miséria com data marcada para terminar no início de 2015.
 

Percival Puggina

09/07/2014

 Não vou escrever sobre o jogo. O futebol já tem cronistas em quantidade e qualidade suficiente. Interessa-me o jogo entre Brasil e Alemanha numa outra perspectiva.

Entendo que muitos ainda chorem ante o fracasso da turma do Felipão. Mas é preciso ponderar: aquilo que assistimos foi, apenas, um jogo de futebol. Não era o Brasil que estava ali. O Mineirão, na última terça-feira, era uma ilha cercada pelo Brasil real, por um Brasil que tem muito mais com que se preocupar. Pessoalmente, rezo para que as lágrimas que lavaram tantos rostos pintados de verde e amarelo não levem consigo um amor à pátria comum que habitualmente começa e termina em dois tempos de 45 minutos.

O Brasil perdeu. Perdeu? Não tenho tanta convicção assim. Como escrevi em registro postado no facebook tão logo encerrou-se a partida, o futebol não pode ser, em si mesmo, um objetivo nacional. O Brasil tem muito mais a ganhar, por vias melhores. E tem muito a perder se continuar pelos caminhos em que tem andado. Teremos aprendido isso? Se aprendemos, não perdemos.

Nos últimos meses, muito se discutiu, muito se escreveu sobre a Copa e sobre a conveniência de sua realização no Brasil. Pois bem, caros leitores, o momento da derrota se mostra oportuno para avaliarmos o quanto o evento e suas circunstâncias são fúteis e transitórias. Hospedar o circo da FIFA, a cadeia produtiva do futebol espetáculo, desembolsando para isso recursos bilionários é um luxo a que só se podem entregar nações ricas onde não falte o essencial para parcelas imensas de suas populações. A derrota de terça-feira evidenciou que a festa, num átimo, deixou de ser nossa. Tornou-se totalmente alheia a nós. Em extravagante inversão de prioridades, teremos apenas assinado a nota e patrocinado a festa da FIFA.

O Brasil perdeu. Perdeu? Penso que não, se aprendemos a lição segundo a qual devemos usar a democracia para: a) escalar bem nossa elite dirigente; b) sermos internamente solidários; c) buscarmos a competência necessária para que nossos acertos superem largamente nossos erros; d) identificarmos tudo que nos amarra, que nos prende os pés, que limita nossa velocidade, que nos faz ser menos objetivos e eficientes do que podemos e devemos. São tantos, tantos mesmo, os fundamentos que faltaram à seleção! E, não por coincidência, são os mesmos que faltam ao nosso país. Muita tatuagem, muita brilhantina e pouco brilho, muita malandragem, muita publicidade. E pouco futebol.

Mesmo sabendo disso tudo, tendo reprovado sempre a imprudente decisão de trazer a Copa (e ainda importamos os Jogos Olímpicos para o precário horizonte de 2016!), eu quis a vitória para o Brasil. Espero, agora, que a constrangedora derrota tenha proporcionado à nação, envolta em ficção, sob tanta fantasia publicitária, um sofrido mas proveitoso encontro com a realidade.