Percival Puggina

21/08/2014

 

 Ao promover uma invasão de terras, os membros do MST seguem rigorosamente as instruções fornecidas por seus líderes. Na hora do enfrentamento, as crianças vão na frente, formando um escudo humano para proteção dos marmanjos. Isso é algo a que estamos habituados a assistir aqui, bem perto dos nossos olhos.

 Não pode nos surpreender, portanto, que o Hamas, na guerra que promove contra Israel desde a faixa de Gaza, utilize escolas e hospitais como bases para lançamento de seus foguetes para, depois, derramar lágrimas de crocodilo sobre imagens dos danos ali causados. É o Hamas que impõe seu totalitarismo religioso fanático sobre a pacífica população da faixa de Gaza e não Israel. É o Hamas que está se lixando para os males que afligem a população civil da região sobre a qual impõe sua insensível tirania.

 Com muita razão aliás, o noticiário sobre o conflito observa uma grande desproporção entre as potencialidades bélicas de ambos os lados. Mas é muito difícil entender o tipo de justa proporção que se poderia esperar naquelas circunstâncias. Se o problema do conflito ali travado é a desproporcionalidade das forças combatentes e não a existência de um grupo terrorista islâmico agressor na fronteira de Israel, com o intuito explícito de o destruir, torna-se indispensável definir o que seria uma justa proporção aplicada ao caso.

 Indago: para atender a esse clamor, Israel deveria abandonar o armamento que usa e passar a empregar mísseis de fabricação caseira? Seria isso o que se espera? Ou, quem sabe, Israel deveria adotar atitude passiva enquanto os radicais do Hamas despacham seus artefatos desde os telhados de Gaza? Existem extensas áreas despovoadas ou muito pouco povoadas em Gaza. Por que os terroristas do Hamas se abrigam exatamente nos setores urbanos mais densamente ocupados? E é israelense a responsabilidade pelos danos?

_____________
* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
  

Percival Puggina

19/08/2014

 

Em época de campanha eleitoral todos fogem das chamadas questões sensíveis. O repórter que fizer uma dessas perguntas vai perder o amigo. É como se não fosse de bom tom formular tais questões. No entanto, são elas que possibilitam ao eleitor formar um perfil dos políticos que postulam seu voto.

 Habitualmente, e quase sem exceção conhecida, os candidatos se escondem desses temas discursando sobre o que são favoráveis. Políticos adoram falar sobre o que gostam, aprovam, respeitam, querem ver protegido. E nisso, muito provavelmente, todos estarão de acordo: gostam do povo, de pegar criancinhas no colo, se interessam em promover os mais necessitados, querem que haja emprego e moradia para todos. Querem educação de qualidade e um serviço de saúde padrão Fifa. Ou seja: todos sonham com o paraíso aqui mesmo e o prometem disponível logo ali, em janeiro do ano que vem.

 Mas isso e nada são a mesma coisa. Numa sociedade de massa, num país onde mais de 100 milhões de eleitores irão expressar suas escolhas, a imprensa cumpre papel importantíssimo no esclarecimento e na formação das decisões de voto. Disse alguém, com pelo menos boa dose de razão, que o jornalismo ou é investigativo ou não é jornalismo. Outro alguém disse que se o jornalismo não desagrada governantes não é jornalismo. E digo eu algo que também já foi dito: se o jornalismo político não pressiona os candidatos para extrair deles o que eles não querem dizer, presta à democracia um serviço inaproveitável.

 As perguntas mais necessárias são as mais indigestas. O senhor é a favor ou contra o aborto? Qual sua opinião sobre a redução da maioridade penal? O senhor concorda com nosso sistema de progressão de regime aos condenados? Qual sua opinião sobre invasão de propriedades privadas ou públicas? Como o senhor reagiria em situações de tumulto associado com vandalismo ou terrorismo? O que pensa sobre posse e porte de armas? Qual deve ser o limite da tolerância? Como esse limite funciona em relação a grupos intolerantes? As leis de cotas raciais são convenientes ou inconvenientes ao país? O senhor é a favor ou contra a adoção da meritocracia no serviço público? Como se combina meritocracia com leis de cotas raciais? Qual sua opinião sobre o sistema tributário nacional? O Brasil é, de fato uma Federação que respeita a autonomia dos Estados e municípios? Convém ao país a presença de militantes partidários em posições de confiança nos órgãos da administração pública e nas empresas estatais? Parece-lhe razoável que o partido governante, seja qual for, influencie ideologicamente as relações internacionais do Brasil? O Itamaraty é lugar de partido político? Como a questão dos direitos humanos deve influenciar as relações externas do Brasil? Qual sua opinião sobre as atuais demarcações de reservas indígenas e de áreas para quilombolas? Parece-lhe bom ao país e à sociedade que as chefias do Estado, do governo e da administração sejam confiadas à mesma pessoa?

Essa lista é pequena fração da que efetivamente, ao longo dos próximos 45 dias, deveria ser respondida por todos os candidatos, de modo especial, pelos candidatos aos cargos de presidente da República e de membros do Congresso Nacional. Infelizmente, só ouviremos o que não interessa saber e nada saberemos daquilo que realmente importa para o exercício correto de nosso dever cívico.
 

Percival Puggina

17/08/2014

 

 Há poucos dias, o Datafolha divulgou pesquisa sobre o grau de confiança da sociedade em suas instituições. No topo, apesar do sistemático empenho de alguns jornalistas, partidos políticos e seus militantes em desacreditá-las, estão as Forças Armadas. No pé da lista, os partidos políticos. O processo eleitoral em curso, portanto, se trava entre instituições cujas atividades são exercidas num ambiente de desconfiança generalizada. Também, pudera! A toda hora, as instituições de Estado se revelam lesivas ao interesse público. Os eleitos, feitas as devidas exceções, dão sinais de crer que seus mandatos constituem uma espécie de patrimônio pessoal, a ser usada comercialmente. Rotos e descozidos atracam-se em disputas num molde institucional que só agrava os próprios males.

 Não surpreendem, pois, as opiniões emitidas pelos eleitores. Quanto mais aumenta o número de partidos (em nome de uma suposta representatividade das minorias na qual todos resultam minoritários), mais a colheita de lideranças para a elite política nacional perde qualidade. Quando morre alguém com o perfil de Eduardo Campos, vai-se um dentre tão poucos que se abre um rombo no quadro dirigente do país! Por outro lado, nas últimas décadas do século 20, o assassinato de reputações tornou-se um meio de ação política usado sem escrúpulo, com duplo objetivo: o crescimento do partido autor dos disparos e a morte política de seus adversários. Quando entramos no século 21, num país onde todas as legendas eram tradicionais e iguais entre si, o inconsciente coletivo registrava a existência de apenas um partido diferente - probo e virtuoso como almoxarife de convento. Bastou uma década para que esse mesmo partido cometesse suicídio moral. Na degradação do Brasil contemporâneo, Getúlio Vargas dispararia contra o próprio peito uma vez por semana.

 O que mais surpreende nesse contexto é a inércia das elites partidárias. Elas apostam na perenidade do modelo que as acolhe e beneficia. Confiam na imutabilidade de suas perniciosas rotinas. Amam de paixão essa concentração de poder e de recursos fiscais em Brasília. Dane-se a Federação! Danem-se Estados e municípios! Pouco importa que tamanha concentração de poder e grana atraia tantos bandidos!

Nesta eleição, se for preciso, ensine a seu candidato que as melhores democracias confiam as chefias de Estado e de governo a diferentes pessoas. Diga-lhes que militantes partidários nada têm a fazer na Administração Pública, nas estatais, nas relações exteriores. Vote pela liberdade, pela vida, pelos valores com V maiúsculo. Vote pela revolução do bem.

ZERO HORA, 17 de agosto de 2014
 

Percival Puggina

16/08/2014

 

 Denunciar os terríveis malefícios prestados à Igreja Católica pela Teologia da Libertação (TL) faz parte dos deveres cívicos e religiosos que me impus desde que comecei a escrever para jornais, nos anos 80. A TL é uma versão comunista da teologia cristã, que serve ao comunismo e desserve á Igreja. Já levo 29 anos tratando, periodicamente, desse lastimável mas necessário tema.

 Passadas quase três décadas, não encontrei motivo para corrigir uma linha sequer do que escrevi a respeito, muitas vezes incluindo no rol das minhas execrações vastos setores da hierarquia da Igreja instalados na CNBB, em alguns de seus órgãos e em segmentos de sua assessoria. Esses setores, nos anos 80, estavam mais preocupados com promover o PT e suas pautas. Agora estão mais preocupados com proteger os efeitos políticos sobre o PT das estripulias que esse partido promove com cotidiana dedicação.

 Pois foi nesse mal coado e azedo caldo de cultura, cozido em água benta, que se formou Marina Silva, a senhora acreana que a morte de Eduardo Campos traz à ribalta desta eleição. Cuidado! A fala mansa da ex-vice de Eduardo Campos não se harmoniza com a rigidez e o radicalismo de suas posições. O dever cívico de conhecê-las não se cumprirá ouvindo o meigo discurso eleitoral que vem por aí. Há informações muito mais precisas e irrefutáveis na biografia da candidata.

Seu primeiro alinhamento político deu-se com filiação ao Partido Comunista Revolucionário (PRC), célula marxista-leninista albergada no PT onde militou durante uma década. Foi fundadora da CUT do Acre e lá, filiada ao PT, conseguiu o primeiro de uma série de mandatos legislativos: vereadora em Rio Branco, deputada estadual, senadora em dois mandatos consecutivos. Em 2003, no primeiro mandato de Lula, assumiu a pasta do Meio Ambiente, onde agiu como adversária do agronegócio. Sua gestão deu-lhe notoriedade internacional e conquistou ampla simpatia de organizações ambientalistas europeias que agem com fanatismo anti-progressista em todo mundo, menos na Europa...

Foram cinco anos terríveis para o desenvolvimento nacional. No ministério, Marina travava projetos de infraestrutura, impedia ou retardava empreendimentos públicos e privados, aplicava a torto e a direito um receituário avesso às usinas, aos transgênicos, ao agronegócio, principal motor do desenvolvimento nacional e responsável pela quase totalidade dos superávits de nossa balança comercial. Os pedidos de licenças ambientais empilhavam-se, relegados ao descaso. Empreendimentos eram cancelados por exaustão e desistência dos investidores. Sempre irredutível, Marina incompatibilizou-se com governadores, com os setores empresariais e com a então ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Foram cinco anos terríveis!

Quando se sentiu politicamente firme, largou a Igreja Católica, mudou-se para a Assembleia de Deus e para o PV. Depois, largou não sei que mais e se mudou para o projeto da Rede. Mas isso não a fez menos alinhada com as trincheiras de combate às economias livres, ao agronegócio, e ao evangélico domínio do homem sobre os bens da Criação. A ecomania de Marina Silva inverte a ordem natural nesse convívio, submetendo os interesses da humanidade às determinações que diz extrair do mundo natural. No fundo, vestido com floreios ecológicos, é o velho ódio marxista à propriedade privada dos bens da natureza.

De um leitor, a respeito da animosidade de Marina Silva para com o agronegócio: "Ela é uma praga de gafanhotos stalinistas reunidos numa pessoa só".

_____________
* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

 



 

Percival Puggina

14/08/2014

"A Teologia da Libertação é mais importante que o marxismo para a revolução latino-americana" Fidel Castro, citado por Frei Betto em "O Paraíso perdido", pag. 166.

Paraíso perdido é o título de uma obra poética de John Milton sobre a tentação e queda de Adão e Eva. E é, também, o título de um livro de memórias gastronômicas e de militância comunista em que Frei Betto descreve suas andanças pela América Latina e Leste Europeu nos anos 80.

São mais de 400 páginas relatando dezenas, talvez mais de uma centena de viagens e itinerários em contato com lideranças católicas e governos comunistas, cumprindo dois objetivos: aproximar os católicos do comunismo e apresentar a Teologia da Libertação (TL) às lideranças comunistas. Muitas dessas viagens tiveram Cuba como destino e Fidel como figura central. Ao longo dessa jornada em que o frei vendia mercadoria avariada para os dois lados, ele e Fidel se tornaram amigos.

O relato se encerra pouco após a queda do Muro de Berlim, com o desfazimento da União Soviética. As longas páginas finais em que discorre sobre a perda do "paraíso", podem ser resumidas nestas palavras do autor: "Mudar a sociedade é modificar também os valores que regem a vida social. Essa revolução cultural certamente é mais difícil que a primeira, a social. Talvez por isso o socialismo tenha desabado como um castelo de cartas no Leste Europeu. Saciou a fome de pão, mas não a de beleza. Erradicou-se a miséria, mas não se logrou que as pessoas cultivassem sentimentos altruístas, valores éticos, atitudes de compaixão e solidariedade”.

Ora, economias comunistas são estéreis. Não saciam a fome de pão. E a fome de beleza, a cultura de valores, compaixão e solidariedade, jamais foi gerada sob o materialismo de tal regime. Sem qualquer exceção, onde ele se instalou, avançou com ferocidade contra tudo que os poderia produzir. Família, liberdades, religiões e seus valores foram sempre espezinhados sob o tacão do Estado totalitário. Quem quiser detalhes, informe-se sobre o que aconteceu com padres, bispos, cardeais, instituições religiosas na Hungria do cardeal Jószef Mindzensty, na Tchecoeslováquia do cardeal Josef Beran, na Polônia do cardeal Wyszynski, na Ucrânia do arcebispo Josyf Slipyj, na Iugoslávia, do arcebispo Stepinac. O comunismo foi, sempre, uma usina de mártires.

Aliás, Nero, Décio, Diocleciano e Galério foram mais moderados e indulgentes com os cristãos do que os governantes comunistas. "Qual o produto de tantos anos de trabalho do frei?" indagará o leitor. Pois é. Ele foi razoavelmente bem sucedido em levar a desgraça do comunismo aos cristãos. E fracassou totalmente em levar o "cristianismo" da TL às elites do comunismo. Apesar disso, a Teologia da Libertação volta a ganhar vida e adeptos no ambiente católico.

_____________
* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

 


 

Percival Puggina

11/08/2014

 Quando nossos filhos eram pequenos, alugamos certa feita uma casa de veraneio cujo sótão servia de moradia a algum animal que emitia guinchos finos e esganiçados semelhantes ao riso humano. Na primeira vez em que foi ouvido, as crianças, assustadas, perguntaram o que era e eu respondi em tom casual sem dar muita importância: “É o Risadinha. Não é possível vê-lo, mas ele mora aí em cima”. E o Risadinha acabou incorporado para sempre ao folclore familiar, sendo evocado cada vez que se escuta algum rangido ou uma porta bate inesperadamente.

Você acredita nessas coisas? Boitatá, lobisomem, risadinha? Todas são muito facilmente acolhidas pelo imaginário infantil e perdem o sentido, é claro, perante a razão dos adultos. Mas há outras assombrações mais sérias. São concebidas com objetivos políticos e, submetidas a um tratamento gramscista, produzem extraordinário efeito sobre muitas mentes maduras. A técnica empregada envolve conhecimentos de psicologia de massas, mas é de concepção simples, consistindo em criar uma palavra, atribuir a ela o pior dos sentidos, mencioná-la milhões de vezes e associá-la aos adversários. Gradualmente, o novo fantasma entra para o vocabulário comum e se converte, não apenas em algo real, mas numa entidade horripilante, da qual é necessário fugir em disparada ante a menor manifestação de sua existência. Pronto, está criado o Risadinha para gente grande.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o vocábulo – desculpem ter que usá-lo – “neoliberalismo”. É possível que o leitor destas linhas, à simples menção da palavra, já tenha sentido o sangue gelar nas veias. Afinal, neoliberal é agente do demo, solto pelo mundo para perder as almas, certo?

Todos estarão lembrados das obras mais macabras atribuídas ao tal... – tá bom, você sabe do que estou falando. Entre seus piores quebrantos se incluíam: Plano Real, privatizações, responsabilidade fiscal, superávit primário, economia de mercado, pagamento da dívida externa, agronegócio, exportações, e inserção no mercado globalizado. Ante a menor referência a qualquer desses tópicos, os caça-fantasmas punham-se a campo, como anjos do Senhor, bradando enxota-diabos e denunciando cheiro de enxofre. Trata-se, porém, como se viu, de uma pantomima.

Da mesma forma como o discurso contra as medidas "neoliberais" acabou levando o PT ao governo, aquelas mesmas medidas sustentaram o discurso fanfarrão de Lula durante oito anos. A lua de mel com a fartura, em praia calma, vento suave e céu azul não pode durar sempre. As prodigalidades se juntaram às tormentas internacionais. E o país passou a andar para trás. E se alguém, com um pingo de lucidez, diz ser isso o que está acontecendo, lá vem o governo com seu Risadinha de gente grande a esconjurar, desta feita, "o mercado".

_____________
* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

08/08/2014

Mudanças sociais importantes se fazem por reforma ou por revolução? Tem-se aí pano para muita manga e a sobra ainda dá um colete razoável. No final do século 19 estabeleceu-se um debate acerca dos caminhos para alcançar a nova ordem social, política e econômica almejada pelos comunistas. Alguns autores passaram a defender que os avanços nessa direção se fizessem através da luta sindical e das cooperativas. Eram os reformistas. Rosa de Luxemburgo postou-se contra eles. Em 1900 publicou "Reforma ou Revolução?", condenando o reformismo e afirmando, entre outras coisas, que os sindicatos ocupam-se com lutar por melhores salários, sendo, portanto, órgãos de defesa do proletariado, mas não de ataque ao capitalismo. Enfim, segundo Rosa, reformar serviria à conveniência do capital e só a revolução seria libertadora.

Essa tese se impôs com tamanha força entre marxistas de diferentes matizes que, passado um século, raros são os adversários das economias livres, de mercado, de empresa, que se assumem como reformistas. A opção revolucionária esteve no foco, por exemplo, de nossos conhecidos Fóruns Sociais Mundiais e de quantos a ele acorriam de toda parte. Em tais eventos renovavam-se, sobre muros e cartazes, os conhecidos dizeres - "Um outro mundo é possível". Duvido que qualquer participante de tão prestigiadas congregações se assumisse reformista. O FSM, em si, era revolucionário. Discutia-se o modo de fazer a revolução. Jamais, substituí-la por reformas. O objetivo, sempre o mesmo: construir o possível "outro mundo".

Ora, edificar onde já existe algo cuja estrutura se considere inaceitável implica demolição. Em palavras da Sociologia: revolução. O processo de desconstrução, demolição ou implosão da ordem social envolve a derrubada de seus pilares. Entre eles, a instituição familiar, a disciplina, o respeito à lei, a religiosidade, e o direito de propriedade. A eliminação deste último pode ser alcançada acabando com ele ao modo cubano de 1959, que tanto encanta nossos governantes de hoje, ou enfraquecendo esse direito, adelgaçando e debilitando esse pilar, até seu ponto de ruptura. Eis o que sempre esteve e está por trás das ações do MST, da Via Campesina, desse novo braço da luta revolucionária denominado MTST e dos muitos aparelhos assemelhados que, no Brasil, encontraram abrigo junto à CNBB, onde muitos confundem cristianismo com revolução social (se assim fosse, Jesus Cristo jamais teria subido à Cruz; teria feito uma revolução e seria merecedor de simples notas de rodapé nos livros sobre a história dos povos à leste do Mediterrâneo).

Está posto aí o motivo pelo qual, em recente invasão de propriedade urbana por militantes do MTST, apesar da ordem judicial de desocupação dada pelo magistrado do feito, a providência não foi autorizada pelo governador Tarso Genro que a retarda quanto pode. O governador chegou a dizer que iria obter uma sustação da ação por noventa dias, ao que o juiz do caso, pacientemente, ensinou: o Estado nada tem a dizer numa ação da qual não é parte. É a mesma intenção revolucionária que explica a ilimitada tolerância dos poderes de Estado com as tropelias do MST e esse jogo de palavras fuleiro, que chama invasão de ocupação. E é também por ela que convivemos com tão excessiva tributação, espécie de desapropriação sem nome nem direito de defesa.

Que ao menos não possam presumir ignorância nossa sobre para onde, aos poucos, nos conduzem.
 

Percival Puggina

05/08/2014

 

 A cartilha manda repetir sempre as mesmas coisas, ainda que não resistam a uma acareação com os fatos, porque a repetição se impõe à razão e acaba sendo mais convincente do que eles. Não importa que o realejo cause lesão por esforço repetitivo. O resultado compensa.

 Assim, ao longo dos anos, nossos ouvidos enrouqueceram de escutar que o país vivia sob um sistema econômico iníquo, que gerava aberrantes desníveis de renda e concentração de riqueza. Tão repetida cantoria acabou por convencer cautos e incautos de que somente uma guinada para a esquerda poderia nos conduzir ao éden da igualdade, da justiça e da prosperidade geral. Gradualmente, então, foi se abrindo a porta para o socialismo, apesar de os fatos, pela janela, berrarem que isso é uma loucura e que tal sistema não consegue apresentar um único caso de prosperidade e democracia. Têm razão os fatos: o anunciado socialismo, sempre, excetuadas suas elites, igualou a todos na pobreza, e só ao Estado concedeu liberdades. Mas isso quase ninguém diz e é nesse caminho que estamos sendo lenta e docilmente conduzidos.

O mais insólito nesse percurso é o próprio governo e seu partido, que se declaram socialistas, após 12 anos de gestão, terem que negar os fatos que os olhos mostram e insistirem em que a pobreza diminuiu. Agravou-se, assim, a situação de todos os que são pobres de fato. Eles deixaram de existir nas contas do governo.

O efeito da repetição é tão eficiente que o sujeito que escreve o que acabei de escrever passa a ser visto como um brutamontes destituído de sentimentos humanos. De nada vale dizer que não há concentração de renda maior do que aquela promovida por um aparelho estatal que fica com quase a metade de tudo que a nação produz. De nada vale denunciar esse Robin Hood burocrata que toma de quem tem (e de quem não tem) para dar ao insaciável governo. De nada vale informar que essa brutal, perversa e inútil concentração de renda nas mãos do Estado é típica do socialismo, avessa ao empreendedorismo e à economia de mercado. Com o tempo, só fará aumentar a pobreza do país.

Escrevo de teimoso, portanto: a persistência da pobreza que o governo se recusa a reconhecer têm como causa esse crescente avanço do Estado sobre a economia nacional. Não bastasse a robusta mordida de leão, o governo, no curto prazo, ainda toma dívidas em nome das gerações futuras. Mais ganancioso e perverso, só traficante.
 

Percival Puggina

03/08/2014

 

 Qualquer analista independente, olhando os números da economia e das finanças públicas do Brasil percebe que, enquanto estão caindo os indicadores que deveriam subir, estão subindo os que deveriam cair. Sobram gráficos desse tipo nas telas de qualquer perito. Quando situações assim ocorrem é impossível querer revogar a regra de gestão segundo a qual são cumulativas as consequências dos erros não admitidos e não corrigidos.

 Foi o que o analista do Banco Santander percebeu e expôs no relatório encaminhado aos clientes preferenciais da instituição, ou seja, àqueles com maior interesse em aplicações financeiras. Deu chabú. O presidente do partido do governo bradou que se tratava de "terrorismo eleitoral". A presidente Dilma proclamou ser "inadmissível o mercado interferir na política". Como é que é? A presidente parece imaginar que o mercado seja uma pessoa com maus sentimentos. No entanto, o leitor destas linhas sabe que entre as várias dimensões da pessoa humana se incluem a dimensão política e a econômica. Portanto, falar mercado e falar eleitorado é falar dos mesmos. O mercado não é formado por um conjunto de seres abstratos, mas por pessoas que trabalham, compram, consomem e votam.

 Estranho, muito estranho, foi perceber que a bronca do governo surtiu efeito. A direção do banco desculpou-se, afirmou ter havido um erro, que aquela era a opinião de um funcionário e explicitou sua convicção no sentido oposto: a economia brasileira seguirá bem sucedida trajetória de desenvolvimento. Falar mal dizendo a verdade não pode. Falar bem ocultando a verdade pode.

Se tudo isso lhe parece muito, aguarde que tem mais. No dia 27, à mesma entrevista coletiva em que o banco reagiu e virou pelo avesso o relatório do seu analista (isso sim é que foi impróprio), o presidente da Telefónica se manifestou confiante em que "o Brasil vai ter um crescimento espetacular" e que "os governantes deste país fizeram um trabalho espetacular" e que "os brasileiros têm que estar orgulhosos". Espetacular, mesmo, é que ninguém, no governo ou na mídia, considerou inadequada tal declaração, emitida por cidadão estrangeiro, presidente de uma empresa multinacional operando no Brasil. Arre! Na terça-feira, foi a vez do FMI, em análise do setor externo das 28 maiores economias do mundo, afirmar que a brasileira apresenta sinais de moderada fragilidade, sendo uma das economias emergentes mais vulneráveis a mudanças no cenário mundial. Guido Mantega não acusou o FMI de fazer política, mas desqualificou o relatório. Sendo assim, os erros persistirão e as consequências, permanecerão cumulativas.

ZERO HORA, 3 de agosto de 2014