Percival Puggina

15/05/2011
twitter: @percivalpuggina Todo mundo sabe: o mercado de trabalho no Brasil é ponto de convergência de uma infinita e sempre crescente normatização. Há material para todos os gostos. Vai do saudável ao demagógico. Do feito para complicar ao absolutamente incompreensível. Quando se acrescenta a isso, por um lado, o pequeno valor atribuído por tantos magistrados ao que está escrito na lei e, por outro, o infinito amor de tantos juízes ao que eles monocraticamente acham da vida, tem-se um quadro caótico, dentro de cuja moldura pode aparecer qualquer coisa. Até justiça. Não, não estou exagerando. Isso é tão verdadeiro que o Tribunal Superior do Trabalho resolveu parar durante toda esta semana numa tentativa de sair do enrosco e acabar com a consequência mais visível de tal situação: sentenças contraditórias sobre causas idênticas, que comprometem a credibilidade da justiça trabalhista e causam indignação às partes. Note-se que essa realidade nada tem de recente nem é exclusividade da justiça do trabalho. Vou relatar fato ocorrido numa vara de Porto Alegre, segundo ouvi há quase quarenta anos de um amigo procurador do Estado. Um advogado comparece para audiência, expõe sua tese e perde. Dias mais tarde, volta à mesma vara defendendo a tese oposta e tranquiliza o cliente: Essa está no papo. Conheço a posição do juiz. Cheio de confiança, entra para a sala de audiências e... perde novamente. Enquanto junta seus papéis e os enfia, furioso, dentro da pasta, o advogado resmunga entre dentes: Sinto-me nesta vara como o flautim do czar. O magistrado pede que ele esclareça o que quer dizer. Ele recusa. O juiz insiste. E o advogado, constrangido, acaba contando a história do flautim do czar. Aqui vai ela. Os mongóis estavam invadindo a Rússia. Numa determinada batalha, em que os russos levavam a pior, a banda, sentindo a derrota, executou com impressionante vigor o hino do czar (embora à época das invasões mongóis ainda não houvessem czares nos principados russos, a história vai como foi contada). Essa arremetida cívico-musical empurrou os combatentes para a reação e para uma inesperada vitória. O czar, sabendo do fato, mandou presentear os integrantes da banda com tantas moedas de ouro quantas coubessem no seu instrumento de trabalho. O sujeito da tuba ficou rico e o do flautim não recebeu uma moedinha sequer. Meses mais tarde, em nova batalha, repete-se a situação, mas foi a banda mongol que levou vantagem. Desta feita, encolerizado com a derrota, o czar determinou que cada membro da banda fosse punido com a introdução do respectivo instrumento de trabalho no - digamos assim - trecho final de seu tubo digestivo. E a pena só pode ser cumprida no infeliz do flautim. É lamentável e é preocupante, mas essa anedota reflete a realidade comum no judiciário brasileiro, com a sua excessiva politização, com o pouco respeito à lei escrita, com o uso indevido e o abuso interpretativo dos princípios constitucionais segundo a ideologia de cada um (prática que acaba de ser solenizada pelo próprio STF). O nome do monstrengo gerado é este: insegurança jurídica. Como natural consequência dela, o cidadão, antes de agir, em vez de ler a lei, ou de ouvir um advogado, deve consultar o juiz. ______________ * Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

14/05/2011
twitter: @percivalpuggina Acumularam-se na mídia internacional, ao longo desta semana, análises segundo as quais, na execução de Bin Laden, os Estados Unidos atuaram de modo totalmente irregular. Escândalo! Os ianques foram lá e mataram o sujeito dentro de casa! Pois é. Fizeram isso mesmo. As coisas deveriam ser levadas de outro modo? Vejamos, então, em que consistiria a tal conduta regular, pela qual tudo andaria nos trinques. Segundo esses estrategistas de day after, o governo ianque, alertado de que Bin Laden morava em um casarão fortificado, próximo a instalações militares da cidade de Abbottabad, deveria:1º) solicitar ao governo paquistanês, através da embaixada em Islamabad, que confirmasse presença do líder da Al Qaeda, em território daquele país soberano, no endereço indicado e, se possível, que o prendesse para investigações; 2º) o governo do Paquistão teria que postular isso perante seu Poder Judiciário (afinal, se há juízes em Berlim deve havê-los também no Paquistão, não é mesmo?); 3º) cumpridas essas preliminares, levada a cabo a investigação inicial, confirmada a presença do terrorista, a justiça paquistanesa determinaria à autoridade policial que retornasse ao bunker de Bin Laden e o prendesse; 4º) os EUA, então, peticionariam a extradição do preso com a finalidade de julgá-lo em território norte-americano, segundo suas leis; 5º) no caso de não haver acordo de extradição entre os dois países, seria necessário firmar um termo de reciprocidade pelo qual o governo do senhor Obama se comprometeria a agir simetricamente em circunstâncias análogas e inversas; 6º) por fim, obtida a extradição, proceder-se-ia ao julgamento de Bin Laden nos Estados Unidos. Não mencionei aqui a indispensável presença de advogados de defesa interpondo habeas corpus e embargos em quase todas as etapas sucessivas à prisão do líder da Al Qaeda, porque um processo que não contemple amplas garantias à defesa do réu não pode ser considerado um processo regular. Ao fim e ao cabo, tudo andaria segundo os conformes e Bin Laden seria julgado. A menos que aparecesse no Paquistão um Tarso Genro de sherwani para duvidar da correção da justiça ianque e negasse a extradição. A tal conduta regular, prezado leitor, seria algo assim, ou mais ou menos assim, dependendo da ordem jurídica do Paquistão. Como se vê, esses conselheiros presidenciais de internet e mouse desejavam tanto que Bin Laden pagasse por seus crimes quanto você está interessado na captura de tubarões brancos no arquipélago de Vanuatu. Estou de brincadeira? Não. De brincadeira está quem imagina que as coisas deveriam ser conduzidas, mesmo, desse modo. Houve quem citasse como modelo para a ação os julgamentos de nazistas em Nürenberg, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, e o recente processo contra Saddam Hussein. Deduziam daí que teria havido, em relação a Bin Laden, um retrocesso na conduta norte-americana. Aqueles casos, porém, se referem a julgamentos ocorridos após as respectivas guerras, em tempo de paz. A guerra contra o terror, diferentemente, é uma guerra em curso. Tanto está em curso que a Al Qaeda já revidou. E sempre é bom lembrar aos que se consideram longe do problema: o ataque às Torres Gêmeas não feriu apenas os EUA; o ataque aos trens de Madrid não feriu apenas a Espanha. Nos aviões, nos prédios, nos trens havia gente do mundo inteiro. Eis por que caberia aos Estados Unidos, nas circunstâncias, agir como agiu. Aliás, nenhum comando militar, em país algum, ciente de que o QG de seu inimigo está acessível em tal ou qual lugar, deixará as armas de lado para agir por via diplomática e jurídica. Nem general bêbado faz uma coisa dessas. A lista de abusos e tropelias norte-americanas é imensa, mas não creio que os fatos do dia 2 de maio façam parte dela. ______________ * Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

08/05/2011
twitter: percivalpuggina Poucas coisas tão postiças quanto a sabedoria dos intelectos vaidosos. E poucos tão infelizes quanto os que pretendem beber a felicidade no próprio copo, de canudinho, como refresco. Comecemos pelos primeiros, pelos enfatuados do próprio saber. Para eles, todo espelho é mágico e lhes atira beijos. Lambem seus títulos. Devoram as próprias palavras após pronunciá-las para que nada se perca de seu sabor. E vão engordando de lipídios um orgulho autógeno, encorpado pelas lisonjas alheias e pelas que generosamente dedicam a si mesmos. De quem falo? Bem, pessoas assim estão em toda parte. Não posso dizer que formam um exército numeroso porque não há exército composto apenas por generais de quatro estrelas. Andam dispersos, portanto. Mas se há um lugar onde, por dever de ofício, se reúnem expoentes de tal conduta, esse lugar é o STF. Chega a ser divertido assisti-los desde a perspectiva pela qual eles mesmos se veem. Aferi-los pela infinita régua com que se medem. Apreciar o esforço que fazem para ostentar sabedoria. As frases lhes saem lustradas, polidas como corneta de desfile. Não que isso seja mau em si, mas chama atenção como parte da grande encenação das vaidades presentes. Imagino que por vezes se saúdem assim: E sua vaidade como vai, excelência?. E o outro retruca, cortesmente: Bem, bem, recuperando-se do último voto vencido, mas as perspectivas são boas, obrigado ministro. Nada mais próprio do que a palavra corte para designar aquele colegiado (cuja importância para a democracia e o Estado de Direito - esclareço porque não quero ser mal entendido - ergue-se acima dessas fragilidades humanas). É uma corte. É uma corte onde todos exercem, sobre o Direito a que estamos submetidos, uma soberania irrestrita, que flutua em rapapés e infla os egos à beira do ponto de ruptura. Se há alguém, ali, cuja vaidade consegue sobressair-se dentre todas, esse é o ministro Marco Aurélio Mello. Imagino o mal-estar que cause entre os demais quando se põe a lecionar-lhes. No plenário ele é o Verbo. Sua excelência sequer fala como as pessoas comuns falam. As palavras lhe saem arquejadas, numa espécie de sopro divino, criador, forma verbal das cintilações do astro rei da constelação. Ante um brilho desses só se chega usando óculos escuros e protetor solar. Pois bem, quando os ministros sentaram para decidir sobre direitos das uniões homoafetivas, Marco Aurélio Mello resolveu atacar a Igreja. Foi até a Inquisição, passeou sobre os diferentes doutrinadores a respeito da relação entre a Moral e o Direito - círculos concêntricos, círculos secantes, mínimo ético e por aí passeou, sempre buscando deslegitimar a influência religiosa sobre a moral social e sobre o Direito. Por fim, abraçou-se à tese de uma desembargadora gaúcha, para quem a família formada por homem, mulher e prole é coisa voltada para o patrimônio e causa da infelicidade universal. No viés proposto, família é qualquer outro arranjo possível, enquanto perdurar a felicidade de cada um. Muitos doutrinadores da zorra geral chamam a essa coisa transitória de família eudemonística (eudemonia é felicidade em grego). Pergunto ao senso comum do leitor: mas não é exatamente essa visão egoísta, a busca de uma felicidade que transforma os outros em bens de consumo a causa determinante da infelicidade geral e das desagregações familiares? Pergunto a pais e mães neste dia das mães: pode existir família onde não exista capacidade de renúncia e de sacrifício? Não é esse egoísmo deslavado que arrasta ao abandono e ao desabrigo tantas mães cujos maridos foram buscar felicidade em outros ninhos? Os membros de nossa Suprema Corte talvez se bastem com a própria vaidade. Mas nem a vaidade, nem a fruição da felicidade como um refresco tomado em canudinho são capazes de gerar conteúdos válidos para orientar a harmonia social aqui onde nós, os humildes cidadãos, levamos responsavelmente nossa vida, nossos deveres e nossos amores. Foi-lhes dado, senhores, o poder para decidir o que bem entendam. Decidam, mas não ensinem o mal ao povo. ______________ * Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

08/05/2011
twitter: @percivalpuggina Você lembra de Dona Zelite? Em quase todos os discursos, após assumir, Lula se referia com desdém e mágoa às elite. Dito assim, engolido o plural, soava como um personagem. Surgiu, então, a Zelite. Ou, com o devido respeito, Dona Zelite. Lula se queixava dela a torto e a direito. A Zelite era preconceituosa. A Zelite não gostava de pobre. A Zelite o considerava despreparado. A Zelite era puxa-saco do FHC. A Zelite não reconhecia os méritos dele Lula. A Zelite isto, a Zelite aquilo. Nunca se soube o paradeiro da madame, mas o presidente a descrevia com clareza. Ela era o que havia de chique. Graduara-se em curso superior, era fluente em língua de gringo e citava autores estrangeiros (tipo de coisa que deixava Lula fulo da vida). Era branca de olhos azuis (o presidente insistia nessas duas características). Circulava em altas rodas e fazia cara de nojo para buchada de bode. Nosso ex-presidente trazia gravadas no subconsciente cicatrizes e luxações da tal luta de classes. O contato com o sindicalismo dos anos 70 o fazia dedicar à Dona Zelite uma aversão que extravasava sempre que surgia a oportunidade. Por outro lado, todas as suas referências à tal dama, se bem analisadas, evidenciavam os desconfortos de um complexo de inferioridade escancarado, diagnosticável por qualquer estudante de Psicologia. Lula penava com a convicção de que Dona Zelite o via como primário, pobre, retirante, baixinho e feio. O leitor deve estar surpreso. O quê? O cara com complexo de inferioridade? Com toda aquela jactância e desenvoltura em público? Complexo de inferioridade viajando de Aerolula? Surfando na consagração popular? Esclareço: tudo faz parte do quadro. São mecanismos de compensação que, de um modo ou de outro, se manifestam nos complexos e nas patologias psíquicas. A ele, a presidência disponibilizou meios formidáveis para compensar esse sentimento que tanto o perturbou ao longo da vida. Durante o exercício do poder, o incômodo causado pelo complexo foi sendo amortecido e dando lugar ao prazer da aprovação nacional. E Dona Zelite sumiu dos discursos! Aquela figura de retórica - quase uma projeção psicológica - foi se dissipando, dissipando, para reaparecer na fila do gargarejo, batendo palmas e rindo das tiradas presidenciais. Dona Zelite virou fã! Seria a cura definitiva? Talvez pudesse ser assim, se o prazer da aprovação não tivesse passado a dominar o presidente e feito emergir um novo transtorno. Lula descobriu que nada conquista mais aplausos do que distribuir dinheiro. Até o Sílvio Santos sabe. E o dinheiro passou a jorrar da cartola presidencial como petróleo na península arábica. Grana para todo lado! Grana para todo mundo! Do Paraguai à ONU. Do mais pobre ao mais rico. Dona Zelite lavou a égua e a popularidade de Lula disparou. Quando o dinheiro acabou, Lula raspou o cofrinho dos filhos - quer dizer: gastou a grana de quem vinha depois. Foi por isso que Dilma assumiu cortando despesas que ajudou a ampliar. E que a ajudaram a se eleger. A inflação, leitor, a inflação que está aí, subindo como espiral de fumaça, prenunciando tempos bicudos, é parte do preço que estamos pagando pelo tratamento daquele que pode ser considerado como o mais oneroso complexo de inferioridade da nossa história. Zero Hora, 08/05/2011

Percival Puggina

07/05/2011
twitter: @percivalpuggina Quase não dormi. Embora creia que o Estado não tem por que tutelar todos os tipos de relações afetivas que se manifestem na sociedade, e que se restringe à família, por ser a instituição fundamental, o espaço reservado à sua proteção, não considero que o reconhecimento de direitos previdenciários às uniões homossexuais vá abalar os fundamentos da sociedade. O que me manteve alerta, insone, foram algumas coisas que ouvi saírem da boca dos senhores ministros do STF durante o julgamento de ontem, quando, a toda hora, alguém pegava o microfone para dizer que o STF não estava se substituindo ao Congresso Nacional. Certamente o diziam por saberem, todos, que era exatamente isso que estavam fazendo. Vejamos. Em 1988, nossos constituintes expressaram com clareza vernácula que família é uma instituição formada pelo casamento ou união estável entre o homem e a mulher. Oito anos mais tarde, ao legislarem sobre união estável (lei nº 9.278/96) reconheceram como entidade familiar, a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família. Será que resta alguma dúvida sobre o que pensavam os constituintes e sobre o que expressaram os legisladores brasileiros a respeito dos sujeitos constitutivos de família e união estável? Onde se evidencia, no texto constitucional e no texto legal, o tal vazio legislativo que o STF precisava colmatar, como chegou a afirmar o ministro Celso de Mello? Será que ao dispor em contradição à vontade de suas excelências, o Congresso Nacional criou uma cárie que precisava ser sanada e colmatada? Era tão aberrante a ideia (embora sempre presente nos votos prolatados) que o aveludado ministro Ayres Britto, um rebelde togado, de fala mansa, relator do caso, se viu obrigado a reiterar que não era isso não, e que a própria constituição fornecia os instrumentos para a decisão que estavam tomando. Ou seja, onde o Legislativo fez questão de explicitar homem e mulher ele, na verdade, estava querendo dizer algo bem diferente disso. É de tirar o sono! Sabe, leitor, como procedeu nossa corte constitucional para derrubar um preceito da constituição? Foi nas caixinhas dos princípios, dos valores e dos direitos fundamentais, escolheu os que desejava e os mastigou como chicletes até assumirem o formato que lhe convinha. Em palavras mais simples: fez justiça pelas próprias mãos dando um tiro na Constituição Federal. Bastava ouvi-los. Todas as manifestações eram um libelo contra o preceito constitucional, uma defesa ardorosa da união homossexual, uma manifestação candente de simpatia pela causa, um ataque à moralidade com identidade religiosa (como se por ter origem religiosa deixasse de ser popular e social e perdesse direito à expressão política). Na falta de um bom argumento - um só bastava, desde que fosse bom para derrubar a maldita explicitação homem e mulher - retiravam pequenos argumentos do meio das folhas de papel como quem busca, afanosamente, o talão do estacionamento nos bolsos do casaco. Foi uma coisa alarmante porque de duas uma: ou havia um vazio legislativo a ser colmatado e o STF legislou em contradição com a Constituição, ou era preciso declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do art. 226 da Carta da República, que estaria em contradição com aqueles princípios constitucionais que eles mastigavam sem dar satisfação para ninguém. É bom lembrar aos onze o ensinamento do ex-ministro Francisco Campos, para quem repugnava ao regime de constituição escrita a distinção entre leis constitucionais em sentido material e formal. Em tal regime são indistintamente constitucionais todas as cláusulas constantes da constituição, seja qual for seu conteúdo ou natureza. Ademais, nas claríssimas palavras do doutrinador Jorge Miranda (também constituinte na democratização portuguesa), sequer os órgãos de fiscalização instituídos por esse poder (constituinte) seriam competentes para apreciar e não aplicar, com base na Constituição, qualquer das suas normas. É um princípio de identidade ou de não contradição que o impede. Mude o Congresso a norma constitucional, se 3/5 de seus membros o desejarem. No Estado Democrático de Direito as coisas são feitas assim. Mas, para o bem desse mesmo Estado, nunca mais repita o STF tão arbitrária conduta! ______________ * Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

30/04/2011
Relatei em Pombas e Gaviões o caso da mocinha da novela que, advertida pela mãe sobre o erro que iria cometer, contestou-a: Ora, mãe, deixa eu errar porque errando se aprende. O pior do episódio não foi o descaramento da guria, mas o vácuo cerebral da mãe, que emudeceu ante tão sábia manifestação de experiência juvenil. Errando se aprende!... Ora, só aprende com os próprios erros quem, ausentes outras formas de aprendizagem, busca os caminhos certos aberto ao bem e à verdade. Jamais será esse o caso dos que, tendo recebido a orientação correta, andam na direção oposta porque o erro é o objetivo buscado (como, sem qualquer constrangimento, aquela adolescente de novela expressou à tolinha da mamãe de novela). E daí? E daí o Brasil, país de novela, ralou os fundilhos no despenhadeiro da inflação. A cada mês, a moeda perdia metade de seu valor. Nosso dinheiro mudava de nome como terrorista. Os zeros desprendiam-se das cédulas como contas de um colar que se desfia. De quem era a culpa, aos olhos do país de novela? Denunciada pelos maus governantes e pelos maus políticos a culpa era de quem mandava o rapaz do supermercado, na quietude das madrugadas, etiquetar as mercadorias com preços maiores. Ali operava, no mais comum dos sensos, o ignóbil senhor da inflação! A mesma repulsa social era externada em relação ao conjunto do empresariado urbano e rural, aos donos dos postos de combustível, das empresas de transporte, e por aí vai. Contra os senhores da inflação congelavam-se preços e os fiscais de Sarney iam ao campo contar boi no pasto. Enquanto isso, o verdadeiro vilão, o descontrolado gasto público, obrigava a máquina de imprimir dinheiro a ralar engrenagens dia e noite. Eis que, surpresa geral: o Plano Real, promovendo equilíbrio e superávit fiscal, acabou com aquela rotina. De estalo, o empresariado brasileiro, dos supermercadistas aos agentes funerários, contida a inflação, pararam com as remarcações. Aprendemos algo com tão amarga experiência? Aprendemos do erro? Lhufas! O povo brasileiro continua crendo que o governo deve ser o patrocinador geral da nação e de suas corporações, deve proporcionar todas as demagogias e responder afirmativamente aos mais descabidos interesses. Governo austero está condenado a fragorosas derrotas eleitorais. De nada valeram as contínuas advertências dos técnicos mais responsáveis no sentido de que Lula, sacando contra o futuro, estava gerando pesada conta para quem viesse depois de seu messianismo, de seu delirante anseio de aprovação e de sua síndrome de Napoleão. Dilma foi escolhida para um duplo papel. Sacerdotisa e vítima do sacrifício que se avizinhava. A inflação está aí. O excessivo gasto público, os PAC da vida, a Copa, os Jogos Olímpicos, a generosa distribuição de dinheiro público e a institucionalização da corrupção (que impõe descaradas barreiras aos próprios órgãos de fiscalização!) são incompatíveis com a estabilidade monetária. Aprendemos algo com tais erros? Lhufas! Pois eis que a inflação furou a banda para cima, o dólar furou a banda para baixo, os juros alegram os banqueiros e já estamos ouvindo os xingamentos aos produtores, aos comerciantes, aos empresários, às tarifas. Os culpados voltam a ser eles. Não sua santidade o presidente Lula. Não a mãe do PAC, a gestora sem igual, que se manteve fiel até o fim às estripulias promovidas com o dinheiro público para construir o mito lulista e a vitória petista. Agora, bem, agora nos deparamos com as inevitáveis consequências. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

27/04/2011
twitter: @percivalpuggina Tenho muitos leitores esquerdistas. Por vezes me enviam pérolas como foi a dica para acessar a série - O dia que durou 21 anos - apresentada pela TV Brasil, a tal TV do Lula, como era chamada ao tempo de sua criação. São três vídeos de uma desfaçatez indescritível. O texto é do jornalista Flávio Tavares. Os documentos são de arquivos norte-americanos. Nos créditos, exibem-se logotipos do próprio governo, entre eles o colorido Brasil país de todos e de diversas empresas estatais. Ou seja, o pacote foi pago com recursos públicos. Antes de irmos ao que interessa, acho importante reafirmar minha posição pessoal sobre o movimento de 1964. Ele fez um bem ao Brasil na medida em que evitou o maior dos males. Mas errou feio, depois, ao ocupar o poder por duas décadas inteiras e ao conviver com a prática da tortura, abrindo uma janela para que a esquerda radical passasse a ser identificada com temas que sempre lhe causaram alergias: democracia, liberdade de expressão e direitos humanos. Ponto e novo parágrafo. Vamos aos vídeos. Eles foram produzidos para mostrar que os Estados Unidos estiveram, desde suas preliminares, e por longos anos, atentos e colaborativos em relação ao regime militar brasileiro, que só se estabeleceu para proteger os interesses norte-americanos e evitar as reformas de base. Estas reformas seriam sábios e perfeitos instrumentos com os quais o talentoso João Goulart iria promover a ascensão social dos trabalhadores brasileiros. Então a coisa fica assim: a partir de 1963, quando o plebiscito revogou o parlamentarismo e fez retornar os poderes de governo a Jango, teve início repugnante conspiração. A ela se juntaram a Casa Branca (Kennedy e Johnson), o Departamento de Estado, as Forças Armadas dos EUA, a CIA, a Igreja, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica do Brasil, o empresariado nacional urbano e rural, as empresas multinacionais sediadas no Brasil e a grande mídia da época. Nessa avassaladora convergência, em união de seus corações graníticos e malignas mentes, mobilizaram eles fantásticas energias para fazer com que ... nossos pobres continuassem pobres! Assista os vídeos (é só procurar na rede pelo título O dia que durou 21 anos) e comprove por si mesmo. Está ali, com som e imagem, a seguinte mensagem: dado que seria difícil mobilizar a opinião pública em torno da proposta de manter os pobres na pobreza, buscou-se legitimar o movimento contra as reformas de base criando a paranoia do comunismo. Para essa fantasmagórica tarefa, realizada em poucos meses, partindo do zero e sem qualquer suporte nos fatos nacionais e internacionais, mobilizaram-se pesados recursos financeiros e propagandísticos. Em outras palavras ainda, segundo os tais vídeos da TV Brasil, a bipolaridade que marcou os longos anos da Guerra Fria não existiu no Brasil a não ser como trabalho de propaganda das mal-intencionadas forças golpistas. A URSS que estendia suas malhas, a ferro e fogo, na África, na Ásia, na América Central, no Caribe e na América do Sul, mediante movimentos guerrilheiros e forças de ocupação, ignorava solenemente as terrinhas descobertas por Cabral no século 16. Se já ouvira falar no Brasil, não prestara atenção. Aqui só agiam os gananciosos ianques, difundindo a paranoia de um comunismo que nos desprezava e nos afastava de seu interesse como quem tira do caminho uma casca seca de laranja... Escolha, leitor, o que lhe parece mais acintoso. Esse suposto desinteresse soviético pelo Brasil em tempos de Guerra Fria? A coragem de afirmar uma bobagem dessas? Ou, a tolerância dos órgãos de fiscalização da República com o uso de recursos públicos para produzir tamanha mistificação? Com que facilidade, num modelo institucional como o nosso, se usa o que é do Estado para promover a ideologia do governo! ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

23/04/2011
Barra-me na rua conhecido anarquista. Viste a Bélgica? Está há um ano sem governo, provando a inutilidade dessa instituição. Quando é que vamos aprender, Puggina?. Pensei em sugerir a ele muita calma, mas ponderei que a calma não costuma integrar o arsenal psicológico dos radicais. Apelei, então, para as palavras mais sábias de meu repertório, aprendidas do amigo José Antônio Celia: Não é bem assim, meu caro. Essa frase, para quem ainda não foi advertido sobre seu extraordinário potencial retórico, é como aquelas poções dos ambulantes medievais. Serve para tudo. De um lado é compatível com quaisquer refutações moderadas que se faça. De outro, raramente admite contestação plena. A Bélgica não está sem governo porque o queira, mas porque os partidos não conseguem compor um. O rei se inquieta e até os estudantes saem às ruas para protestar. Os jovens belgas querem governo e, se meu amigo anarquista deseja extrair uma lição daqueles fatos, tome essa entre as mais significativas. Comendo suas batatas fritas, tão notáveis, encorpadas e saborosas que se constituem em símbolo nacional, a moçada exige, nas ruas, governo e governabilidade. Os belgas conseguem atravessar esses meses todos sem governo porque lá, como em qualquer país racionalmente organizado, existe clara separação entre o Estado, o governo e a administração. O funcionamento regular da administração, profissional e apartidária, mantém ativos os serviços públicos. É essa separação, então, que torna possível conviver com hiatos de governabilidade, vale dizer, sem expressão das ideias políticas majoritárias na condução dos rumos nacionais. Por outro lado, a função governo, em países que fazem a conveniente distinção acima mencionada, é sempre enxuta, modesta nas suas proporções e econômica nos seus custos. Neles, quando muda o governo, substituem-se umas poucas centenas de servidores e em nada fica afetada a administração. Já no Brasil, são dezenas de milhares de cargos e fontes de receita em torno dos quais se engalfinham as lideranças políticas que chegam ao pote do poder. Compor governo, na Bélgica, pode ser um problema. No Brasil, país onde o povo, em vez de domar os poderes à sua justa medida ajoelha-se ante seus favores, governar é um regabofe. Se meu amigo anarquista quer outra lição dos fatos belgas, tome também esse entre os mais significativos. O Reino da Bélgica é uma composição federal de regiões com diferentes origens, cujo hino nacional tem versão em três idiomas, holandês, francês e alemão. Nasceu como nação independente há menos de dois séculos, numa das revoluções europeias de 1830, pela vontade dos cidadãos de Bruxelas. Não havendo quem os defendesse, foram às ruas lutar por independência. Conta-se que quando Sylvain Van de Weyer retornou para Bruxelas, juntando-se à população, uniu-se ao comando um republicano, de perfil autoritário, chamado Louis de Potter. Inquirido por um auxiliar sobre onde deveria instalar, no Palácio Real, aquele novo membro do governo provisório, Van de Weyer, que era um liberal, indagou se havia alojamento vago no segundo andar. Diante da resposta afirmativa, determinou: Coloque-o lá. Não existem ditadores de segundo piso. A realidade brasileira é tão diferente! Aqui o autoritarismo se instala onde quer que haja um gabinete, uma caneta e uma sala de espera. Querer apropriar entre nós, de modo permanente, a atual e provisória situação belga, é um despropósito. Precisamos ter menos governo e mais sociedade, precisamos ter mais município e menos Brasília. Comecemos por aí, então, quem sabe estudando a experiência belga e de tantos outros países com elevado grau de desenvolvimento político, econômico, social e cultural. Aprendamos o bê-á-bá da cultura política, da conduta reta, do interesse público, da austeridade e da organização de um Estado na justa medida, alinhado com as demandas da modernidade. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

21/04/2011
Tempos atrás havia um programa de tevê, desses dominicais, em auditório, no qual uma pessoa, previamente escolhida para aquela extraordinária oportunidade, era convidada a fazer, às cegas, uma série de escolhas. No desenvolvimento do programa, sem o saber, ela ia trocando, ou não, uma casa por um pé de couve, um pé de couve por uma geladeira, uma geladeira por cem mil reais e assim sucessivamente. Quem assistisse o programa torcia pela infeliz que, na maior parte das vezes, ia fazendo péssimos negócios sem o saber. Maus negócios nos atingem o âmago do ser. É por isso que muitas profissões valem-se desse sentimento para promover a atividade a que se dedicam. Não faça nada errado, consulte um advogado (hoje em dia, diante de sentenças esquisitas que andam por aí, é melhor consultar direto o juiz, mas esse é outro artigo). Construa certo, contrate um arquiteto. Há todo um marketing mobilizando as energias do interesse próprio e o natural anseio de não cairmos em esparrelas que nos prejudiquem. Nada há de errado em querer fazer bons negócios. Milhões deles são selados todo dia, mundo afora e, na sua quase totalidade, são bons porque correspondem à conveniência das partes. Aliás, é assim, sobre bons negócios, que se move a roda da economia, ao passo que as sub-primes da vida, os esbanjamento dos recursos, as trocas desvantajosas e coisas que as valham, atolam a prosperidade social no barro das espertezas, dos equívocos, das ganâncias desmedidas e dos bem medidos prejuízos. Ao longo de nossa vida vamos fazendo, também, negócios de outro tipo. Assim, por exemplo, trocamos ou não horas de lazer por horas de estudo. Horas de trabalho por remuneração desse trabalho. O uso mais prazeroso do nosso dinheiro por plano de saúde e aposentadoria. Certos prazeres da liberdade por amor e estabilidade conjugal e familiar. Exercícios físicos e alimentação menos atraente por saúde e longevidade. E assim por diante, vida afora. Quando fazemos opções erradas, selamos maus negócios e ficamos com incontornável dano. Pois bem, o que vale para os planos material e moral, vale igualmente para o espiritual. Também nele fazemos opções que podem redundar em bons ou em maus negócios. E o dia de hoje talvez nos forneça o melhor exemplo do que estou afirmando. Estamos no domingo de Páscoa, no domingo da Ressurreição do Senhor para os cristãos e para a tradição do Ocidente, onde é a maior festa religiosa. São Paulo dizia: Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé. Na Ressurreição metemos o pé no estribo para a vida eterna. É nela que vencemos o aguilhão da morte. E eu não convivo de modo saudável com a ideia de que a morte, ao fim e ao cabo, seja a grande e definitiva vitoriosa sobre tudo e sobre todos. Faz um péssimo negócio, portanto, quem troca por coisas perecíveis os preciosos tesouros da fé - a Páscoa por chocolate, Cristo por um coelho, o Natal por um iPad e o menino Jesus por um Papai Noel de shopping. Tudo isso é muito pitoresco e atraente, mas passa longe da essência da celebração, do mesmo modo que os balões e os brigadeiros estão na festa, mas não são a festa. Quem faz esse tipo de negócio fica como o sujeito do programa de auditório, afundado em inconscientes transações. Feliz Páscoa, então! ZERO HORA, 24/04/2011