PAÍS DE NOVELA
Relatei em Pombas e Gaviões o caso da mocinha da novela que, advertida pela mãe sobre o erro que iria cometer, contestou-a: Ora, mãe, deixa eu errar porque errando se aprende. O pior do episódio não foi o descaramento da guria, mas o vácuo cerebral da mãe, que emudeceu ante tão sábia manifestação de experiência juvenil. Errando se aprende!... Ora, só aprende com os próprios erros quem, ausentes outras formas de aprendizagem, busca os caminhos certos aberto ao bem e à verdade. Jamais será esse o caso dos que, tendo recebido a orientação correta, andam na direção oposta porque o erro é o objetivo buscado (como, sem qualquer constrangimento, aquela adolescente de novela expressou à tolinha da mamãe de novela).
E daí? E daí o Brasil, país de novela, ralou os fundilhos no despenhadeiro da inflação. A cada mês, a moeda perdia metade de seu valor. Nosso dinheiro mudava de nome como terrorista. Os zeros desprendiam-se das cédulas como contas de um colar que se desfia. De quem era a culpa, aos olhos do país de novela? Denunciada pelos maus governantes e pelos maus políticos a culpa era de quem mandava o rapaz do supermercado, na quietude das madrugadas, etiquetar as mercadorias com preços maiores. Ali operava, no mais comum dos sensos, o ignóbil senhor da inflação! A mesma repulsa social era externada em relação ao conjunto do empresariado urbano e rural, aos donos dos postos de combustível, das empresas de transporte, e por aí vai. Contra os senhores da inflação congelavam-se preços e os fiscais de Sarney iam ao campo contar boi no pasto. Enquanto isso, o verdadeiro vilão, o descontrolado gasto público, obrigava a máquina de imprimir dinheiro a ralar engrenagens dia e noite. Eis que, surpresa geral: o Plano Real, promovendo equilíbrio e superávit fiscal, acabou com aquela rotina. De estalo, o empresariado brasileiro, dos supermercadistas aos agentes funerários, contida a inflação, pararam com as remarcações. Aprendemos algo com tão amarga experiência? Aprendemos do erro?
Lhufas! O povo brasileiro continua crendo que o governo deve ser o patrocinador geral da nação e de suas corporações, deve proporcionar todas as demagogias e responder afirmativamente aos mais descabidos interesses. Governo austero está condenado a fragorosas derrotas eleitorais. De nada valeram as contínuas advertências dos técnicos mais responsáveis no sentido de que Lula, sacando contra o futuro, estava gerando pesada conta para quem viesse depois de seu messianismo, de seu delirante anseio de aprovação e de sua síndrome de Napoleão. Dilma foi escolhida para um duplo papel. Sacerdotisa e vítima do sacrifício que se avizinhava. A inflação está aí. O excessivo gasto público, os PAC da vida, a Copa, os Jogos Olímpicos, a generosa distribuição de dinheiro público e a institucionalização da corrupção (que impõe descaradas barreiras aos próprios órgãos de fiscalização!) são incompatíveis com a estabilidade monetária. Aprendemos algo com tais erros? Lhufas!
Pois eis que a inflação furou a banda para cima, o dólar furou a banda para baixo, os juros alegram os banqueiros e já estamos ouvindo os xingamentos aos produtores, aos comerciantes, aos empresários, às tarifas. Os culpados voltam a ser eles. Não sua santidade o presidente Lula. Não a mãe do PAC, a gestora sem igual, que se manteve fiel até o fim às estripulias promovidas com o dinheiro público para construir o mito lulista e a vitória petista. Agora, bem, agora nos deparamos com as inevitáveis consequências.
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* Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.