• Percival Puggina
  • 27/04/2011
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UMA PÉROLA DA TV BRASIL

twitter: @percivalpuggina Tenho muitos leitores esquerdistas. Por vezes me enviam pérolas como foi a dica para acessar a série - O dia que durou 21 anos - apresentada pela TV Brasil, a tal TV do Lula, como era chamada ao tempo de sua criação. São três vídeos de uma desfaçatez indescritível. O texto é do jornalista Flávio Tavares. Os documentos são de arquivos norte-americanos. Nos créditos, exibem-se logotipos do próprio governo, entre eles o colorido Brasil país de todos e de diversas empresas estatais. Ou seja, o pacote foi pago com recursos públicos. Antes de irmos ao que interessa, acho importante reafirmar minha posição pessoal sobre o movimento de 1964. Ele fez um bem ao Brasil na medida em que evitou o maior dos males. Mas errou feio, depois, ao ocupar o poder por duas décadas inteiras e ao conviver com a prática da tortura, abrindo uma janela para que a esquerda radical passasse a ser identificada com temas que sempre lhe causaram alergias: democracia, liberdade de expressão e direitos humanos. Ponto e novo parágrafo. Vamos aos vídeos. Eles foram produzidos para mostrar que os Estados Unidos estiveram, desde suas preliminares, e por longos anos, atentos e colaborativos em relação ao regime militar brasileiro, que só se estabeleceu para proteger os interesses norte-americanos e evitar as reformas de base. Estas reformas seriam sábios e perfeitos instrumentos com os quais o talentoso João Goulart iria promover a ascensão social dos trabalhadores brasileiros. Então a coisa fica assim: a partir de 1963, quando o plebiscito revogou o parlamentarismo e fez retornar os poderes de governo a Jango, teve início repugnante conspiração. A ela se juntaram a Casa Branca (Kennedy e Johnson), o Departamento de Estado, as Forças Armadas dos EUA, a CIA, a Igreja, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica do Brasil, o empresariado nacional urbano e rural, as empresas multinacionais sediadas no Brasil e a grande mídia da época. Nessa avassaladora convergência, em união de seus corações graníticos e malignas mentes, mobilizaram eles fantásticas energias para fazer com que ... nossos pobres continuassem pobres! Assista os vídeos (é só procurar na rede pelo título O dia que durou 21 anos) e comprove por si mesmo. Está ali, com som e imagem, a seguinte mensagem: dado que seria difícil mobilizar a opinião pública em torno da proposta de manter os pobres na pobreza, buscou-se legitimar o movimento contra as reformas de base criando a paranoia do comunismo. Para essa fantasmagórica tarefa, realizada em poucos meses, partindo do zero e sem qualquer suporte nos fatos nacionais e internacionais, mobilizaram-se pesados recursos financeiros e propagandísticos. Em outras palavras ainda, segundo os tais vídeos da TV Brasil, a bipolaridade que marcou os longos anos da Guerra Fria não existiu no Brasil a não ser como trabalho de propaganda das mal-intencionadas forças golpistas. A URSS que estendia suas malhas, a ferro e fogo, na África, na Ásia, na América Central, no Caribe e na América do Sul, mediante movimentos guerrilheiros e forças de ocupação, ignorava solenemente as terrinhas descobertas por Cabral no século 16. Se já ouvira falar no Brasil, não prestara atenção. Aqui só agiam os gananciosos ianques, difundindo a paranoia de um comunismo que nos desprezava e nos afastava de seu interesse como quem tira do caminho uma casca seca de laranja... Escolha, leitor, o que lhe parece mais acintoso. Esse suposto desinteresse soviético pelo Brasil em tempos de Guerra Fria? A coragem de afirmar uma bobagem dessas? Ou, a tolerância dos órgãos de fiscalização da República com o uso de recursos públicos para produzir tamanha mistificação? Com que facilidade, num modelo institucional como o nosso, se usa o que é do Estado para promover a ideologia do governo! ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.