Percival Puggina

19/02/2011
Tenho bem presente a comoção com que o mundo tomou conhecimento da queda do Muro de Berlim, seguida da derrocada dos regimes comunistas no Leste Europeu e do desmonte da União Soviética. Inimaginável: derrubavam-se estátuas de Lênin por toda parte, como atos simbólicos que marcavam o fracasso político, econômico e social do pior dos totalitarismos instalados ao longo do século 20. Inimaginável: não foi preciso mais de dois anos para que, deixando péssimos vestígios, se desfizessem as estruturas de poder estabelecidas nos 15 países constituintes da URSS. Inimaginável, mesmo então: nenhum desses países manteve o regime e a nenhum o regime retornou. Inimaginável: em diversos deles, os partidos comunistas foram banidos, ou melhor, foram varridos, como convinha, para a lixeira da memória, misturando-se ao nazismo, fascismo e odores de cebolas podres. Não havia então internet, que hoje atua sobre as informações como um acelerador de partículas subatômicas, dessas capazes de atravessar quaisquer barreiras. Lembro que quando escrevi um artigo falando sobre as emocionantes cenas do povo derrubando estátuas dos tiranos comunistas, um jornalista de Santa Maria retrucou na edição seguinte do jornal local que eu estava espalhando informação falsa... Pois é, inimaginável. Passou-me sob os olhos, dias atrás, foto de uma estátua de Lênin, mantida no chão, nos arredores da cidade de Mogosoaia (Romênia), em decúbito dorsal, para lembrar que ele, como tantos seguidores e sucessores, foi apenas mais um mito com vontade de ferro, ideias de m... e pés de barro, tombado pela própria história. Eis que 22 anos mais tarde, o mundo observa nova onda libertária formar-se, desta feita naquelas regiões quentes cortadas pelo Trópico do Câncer, no norte da África. Inimaginável também ela, porque, diferentemente das contrariedades que fermentavam no antigo Leste Europeu, os povos de tais nações sempre se mantiveram distantes dos ideais democráticos. Tanto era assim, que a democracia vinha sendo considerada como uma vocação ocidental, não necessariamente capaz de repercutir na alma dos orientais. É o que me dizia, outro dia, uma mocinha segundo quem a democracia era coisa importante para o Ocidente. Só para o Ocidente. Aliás, a menina tinha convicções ziguezagueantes. Para ela, a democracia se tornava algo inestimável (pelo qual valia a pena matar, morrer e usar o terrorismo) quando se referia ao tempo dos regimes militares da América Latina. Sumia entre as coisas inúteis quando relacionada às práticas internas dos Estados Unidos. Voltava a ganhar importância, inclusive no Oriente, se algum ditador obtinha proteção norte-americana. E se diluía num emaranhado de conceitos quando seus olhos caíam sobre a amada Cuba e a transgênere Venezuela. Contemplando os recentes levantes naquela região, pude perceber um claro anseio por liberdade, esse fulgurante valor em cujo útero a democracia é concebida. Toda a insegurança que cerca as análises sobre o futuro desses movimentos repousa sobre dois riscos: a ainda imponderável força das correntes islâmicas radicais em cada país e a carência das instituições. Há professores que gastam horas de aula para criticar as Cruzadas ocorridas há mais de nove séculos, mas não abrem a boca para mencionar a Jihad islâmica, que começou no século 7º e nunca mais suspendeu sua guerra contra os infiéis. Todos os estudantes brasileiros saem da escola tendo ouvido falar das Cruzadas. Mas desconhecem a palavra Jihad. É claro que você sabe por quê: 1ª) atacando-se as Cruzadas ataca-se a Igreja, cujos valores é preciso destruir para o triunfo da revolução cultural marxista; e 2ª) a Jihad escolheu os EUA como o grande satã, o berço do mal, que precisa ser aniquilado, e quem adota os EUA por inimigo imediatamente ganha lugar na sala, na cozinha e na cama dos promotores da revolução cultural marxista. Isso quanto ao risco das forças islâmicas radicais. Sobre a questão institucional, é importante ponderar que a democracia precisa de boas instituições tanto quanto nós precisamos do ar que respiramos. E essas instituições estão, presentemente, indisponíveis na tradição regional. Será preciso construí-las. Coisa que, por exemplo, ainda hoje não alcançamos sequer em nosso país, onde gradualmente marchamos para a total desmoralização da política, daqueles que a fazem e para a completa centralização dos poderes político e econômico, num processo em tudo avesso à democracia e à saúde moral da pátria. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Rui Nogueira

17/02/2011
MINISTRO DECIDE TIRAR POCHMANN DO IPEA Rui Nogueira O Estado de S. Paulo - 14/02/2011 O ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), o peemedebista Moreira Franco, vai tirar o economista Márcio Pochmann do comando do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Militante do PT, o economista e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) assumiu em 2007 e faz uma administração polêmica, sempre debaixo de suspeitas de aparelhamento político-partidário. Moreira Franco, apurou ontem o Estado, ainda está conversando com assessores para definir os nomes da nova diretoria, mas há duas queixas generalizadas: com a qualidade e a profusão de pesquisas do Ipea e com a decisão de Pochmann segurar a liberação (por empréstimo) de pesquisadores altamente capacitados para cargos no governo Dilma Rousseff. Isso não é assunto para ser tratado pela imprensa, disse ontem o ministro. Pochmann e o diretor do Departamento de Macroeconomia, o economista João Sicsú, impuseram uma orientação de alinhamento com o ideário estatista, privilegiando as pesquisas que apoiam o crescimento da máquina e dos gastos do Estado. Defesa de privatizações e reformas estruturais são assuntos fora da pauta. Apesar de ter assumido criticando a falta de pesquisas estratégicas, de longo prazo, Pochmann é acusado de transformar o Ipea numa máquina de coletar números para apoiar o governo. Se eu quero saber o que a população está achando do SUS eu contrato o Ibope, desabafou Moreira Franco, em conversa recente. O Estado ligou ontem para o economista, deixou recado, mas não houve retorno.

Percival Puggina

16/02/2011
Não fosse pela Finlândia, o sistema pelo qual nós elegemos nossos deputados seria único no mundo. E se enquadraria no preceito segundo o qual se algo só existe no Brasil e não é jabuticaba deve ser besteira. E é. Por uma razão muito simples como veremos a seguir. Graças a esse sistema, ante a proximidade do processo eleitoral, os mais poderosos e articulados grupos de interesse e segmentos sociais do país se mobilizam para a tarefa política de escolher e eleger seus representantes. Os eleitos por esse mecanismo compõem poderosas bancadas que operam com unidade e vigor superiores aos dos partidos políticos, tendo por tarefa primordial zelar pela felicidade dos seus representados. Não é preciso luneta nem lanterna para ver que esse tipo de representação deveria ser evitado em vez de estimulado. Mas não é bom que os interesses dos grupos sociais sejam cuidados no parlamento?, perguntará o leitor menos afeito a esses temas de modelagem institucional. Não, é péssimo. Por várias razões. É nesse jabuticabal que os privilégios são concebidos e transformados em direitos adquiridos. É nesse jabuticabal que se instala escabroso balcão de negociações. É nele que operam os abusos do poder econômico, que se aloja profundo desinteresse por tudo que envolva o bem comum, que se corrompem os procedimentos e que as convicções rolam com as águas das sarjetas. E é nele, por fim, graças ao engenho e à arte de conceder vantagens a alguns encaminhando a conta ao restante da sociedade, que se constroem longevas carreiras políticas a despeito dos escândalos atribuídos a tantos de seus operadores. Os dois principais grupos que se pode distinguir nas nossas massas votantes são: 1º) o dos que votam em qualquer um (e qualquer um é o tipo de sujeito capaz de qualquer coisa), e 2º) o dos que votam em alguém para lutar por seus interesses pessoais e grupais. Os primeiros, os que votam em qualquer um, são um caso perdido. Os segundos, um pouco menos. Mas é à soma dos dois que a Câmara dos Deputados deve sua crescente desqualificação. E é devido a ela que o bem comum resulta vítima de um verdadeiro bullying no plenário do parlamento. Contemple os impostos que você paga e saiba: boa parte dessa conta se formou graças ao mecanismo que aqui descrevo. Só isso bastaria para que os eleitores conscientes incluíssem certos tópicos da reforma política como condições indispensáveis à definição de seu voto. Um sistema de eleição não proporcional, majoritário, tipo distrital, por exemplo, produziria mais representantes comprometidos com o bem comum. Por outro lado, há um incontornável paradoxo na conduta da massa votante interesseira. Se ela considera moralmente aceitável assumir como critério decisivo de voto a melhor representação de suas conveniências, como pode reprovar os parlamentares quando se põem a defender as conveniências deles mesmos? Sob essa ótica e ética, por qual razão deveriam os indivíduos políticos flagelar sua espontânea cobiça? Se todos podem legitimamente valer-se da política para cuidar do seu lado, se eleição fosse para isso, por que se imporia aos políticos o dever de descuidar do seu próprio lado? Muitos que os reprovam, estão, na prática dizendo assim: gente egoísta, só pensam em si, não pensam em mim... Eis por que somos o país dos egoísmos e privilégios, no qual, cada vez mais, rareiam os estadistas. ZERO HORA, 13/02/2011

Políbio Braga

15/02/2011
A volta do dragão da inflação é culpa exclusiva do governo Lula/Dilma (Do site de Políbio Braga) Há várias semanas o editor vem insistindo em dois pontos sobre o cenário econômico: 1) a inflação está subindo muito. 2) a economia patina. . As causas dos dois problemas podem ser encontradas na infernal gastança pública patrocinada pelo governo Lula. . A revista Veja desta segunda-feira toca o dedo na ferida, ao constatar: ?O governo passado comprou com dinheiro público cada ponto de aprovação e cada ponto que determinou a vitória de Dilma Roussef?. . O serviço sujo que a presidente Dilma Roussef promove desde que assumiu, dando pauladas sucessivas no crescimento econômico e cortando na carne os gastos públicos, é herança maldita que ela mesma ajudou a construir e da qual se beneficiou diretamente. . O conjunto de medidas destinadas a desacelerar o crescimento econômico e reduzir os gastos públicos, tem apenas o propósito de conter o descontrole inflacionário. . As donas de casa já sentiram há mais tempo que os preços de produtos e serviços dispararam, coisa que a inflação oficial, o IPCA, não apanhou. . No acumulado de um ano, no final de fevereiro, a inflação oficial, o IPCA, registrou 6% de alta, mas a inflação de serviços não indexados (restaurantes, hotéis, passagens aéreas, cabeleireiros) emplacou 8,6% no mesmo período. Gastos com saúde (10,5%), transporte (20,8%) e comida (22,1%) são assombrosos. E o viés é de alta. - A inflação dos alimentos é a que mais assusta. Cortes de carne como picanha (42%) e filé (52%) tornaram os preços intoleráveis. Um quilo de filé já custa mais do que um quilo de bacalhau do Porto.

Percival Puggina

13/02/2011
CARTA MUITO LÚCIDA DE UM LEITOR DE A RAZÃO José Serra corta 50 bilhões A hipótese de um corte de tamanha magnitude, por parte de um novo governo vitorioso, frente àquele que, derrotado, estruturou o orçamento, seria aceitável ainda que o defenestrado, pelo voto, vociferasse contra a medida. No Brasil isto não ocorreu. O orçamento foi elaborado, para uma campanha eleitoral, por um governo que se manteve no poder. A candidata do governo para a Presidência era a Chefe da Casa Civil que comandou a elaboração do orçamento. O então Ministro da Fazenda que assumiu a responsabilidade pelo orçamento apresentado é o mesmo que, agora, deveria cumprir o que planejou e prometeu. A falácia ou, mais claramente, a mentira não resistiu sessenta dias. Assim sendo, chega-se a uma conclusão de que não é só a Câmara de Deputados que recebe um Tiririca eleito. É, também, a mesa oval da Presidência da República que reúne os Ministros, que, lamentavelmente, está composta de alguns tiriricas. O povo, feito para rir, assiste esta imposição por parte de um governo que elaborou o orçamento. Nossa revolta é justa e santa. Carlos Edison Domingues - advogado- Santa Maria edisondomingues@terra.com.br

Percival Puggina

13/02/2011
SE BERLUSCONI FOSSE GAY Oh, tempora! Se Silvio Berlusconi fosse gay seria proibido criticar suas aventuras sexuais...

Percival Puggina

11/02/2011
Quando o Brasil foi descoberto, reinava em Portugal D. Manuel I, sob cujo cetro o país viveu período de grande glória e esplendor. Foi descoberto o Caminho das Índias e, mais importante ainda, o caminho das Molucas, pequeno arquipélago a leste da Indonésia, de onde vinham para o entreposto de Constantinopla as especiarias que genoveses e venezianos revendiam a peso de ouro no mercado europeu. Portugal enriqueceu e impressionantes obras públicas adornaram a paisagem de Lisboa, com um estilo que levou seu nome. Por essas e outras empreitadas, D. Manuel credenciou-se ao sonoro título de Rei de Portugal e dos Algarves, dAquém e dAlém-Mar em África, e Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. Entrou para a história como O Venturoso. Seriam necessários cinco séculos de governantes inúteis, explorações e frustrações para que o Brasil gerasse seu próprio Venturoso, graças à feliz combinação astral que nos regalou Lula como presidente. Você, leitor, pode discordar, bater pé, abanar a cabeça, mas Lula sabe que é assim. E é o que basta. Custou-lhe muito alcançar essa condição. Não pense ser fácil, leitor, governar um país do tamanho do Brasil durante dois mandatos, trazer para o regaço do governo os maiores pilantras da política nacional, entregar o posto, passados oito anos, com a Educação entre as piores do planeta, o SUS num caos e a segurança do jeito que todos sabemos. E, ainda assim, contar com 87% de aprovação. Tem que ser muito venturoso! À sua sucessora, num mandato recebido de bandeja, restaram as desventuras e os ônus políticos de dar jeito na crise que o Venturoso empurrou para diante com a pança e o papo. Com gastança e lambança ao longo dos últimos anos de sua gestão. Não havia no país mesa de economista na qual as luzes amarelas das contas nacionais e da inflação não estivessem acesas, intranquilizando as madrugadas. Mas o processo sucessório não permitia condescendências. Para o realismo cínico, as eleições vêm em primeiro lugar. O interesse nacional chega mais tarde, bem depois de coisas essenciais como o partido, o poder, os fundos de pensão, o marketing e os cargos. O noticiário da semana mostra que a presidente Dilma, bem antes do que esperava, topou com as agruras da vida. Cortar R$ 50 bilhões do orçamento não contribui para a popularidade de quem quer que seja. O brasileiro é tolerante até com a corrupção, mas não admite austeridade. Metam a mão, mas não me cortem os gastos públicos! E dona Dilma tomou essa decisão que não apenas retira R$ 50 bi da gastança. Não senhor! Tira-os também da lambança. Tira-os das emendas parlamentares, o que equivale a rarear a moeda de troca com cujo tilintar se rege a orquestra da base de apoio. Não nos surpreendamos se, em breve, os telefonemas da Casa Civil para seus deputados e senadores começarem a retornar com sinal de fora de área. E enquanto isso, D. Lula, Patriarca do Brasil e Protetor do Irã, Defensor Perpétuo da Democracia dAlém-Venezuela e dAquém-Cuba, e senhor do Comércio com Gabão, Congo, Burkina Faso e Tuvalu, diz que estão querendo desconstruir sua sacrossanta imagem. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Editorial ZH

06/02/2011
PÉSSIMA LARGADA Editorial - Zero Hora (RS) - 05/2/2011 No primeiro dia de trabalho da nova legislatura na Câmara Federal, a imagem associada ao Legislativo foi humilhante para os parlamentares que levam a sério a missão de recuperar a reputação do Congresso. Eleito como uma das caras novas do parlamento, por conta de sua popularidade como ídolo do futebol, o deputado Romário de Souza Faria foi flagrado por fotógrafos, na quinta-feira, jogando futevôlei na praia da Barra da Tijuca, no Rio. Foi uma péssima largada para alguém que, como celebridade, deveria passar a ser visto, agora na condição de político, como referência de conduta, em respeito aos que o elegeram e ao próprio Congresso. Enquanto o deputado do PSB se divertia na areia, a Câmara realizava sua primeira sessão depois da posse, com o agravante de que a presença de Romário havia sido registrada. Além de optar pelo lazer, quando deveria fazer sua estreia em plenário, o deputado burlou os controles internos da Casa, repetindo uma prática lamentavelmente consagrada pelos maus parlamentares. A atitude de Romário é nefasta para o início de uma legislatura e oferece mais argumentos aos que estigmatizam famosos dedicados à vida pública, mesmo que casos como esse sejam exceção. Não são poucos os políticos celebrizados pela exposição da imagem em outras atividades que exercem ou já exerceram funções executivas ou legislativas com dedicação e decência. O comportamento do deputado carioca deve, portanto, ser submetido à mesma avaliação de qualquer outro parlamentar, sem restrições ao seu currículo de ex-ídolo do futebol. O flagrante na praia, com a fotografia divulgada por sites e blogs na internet, tem a força de uma caricatura para a prática comum a outras legislaturas, que incorporaram a semana de apenas três dias ? de terça a quinta-feira ? ao calendário do Congresso. Lamenta-se que a atitude condenável do deputado se sobreponha ao que é menos visível. Enquanto Romário e outros colegas se ausentavam de Brasília, muitos legisladores marcavam o primeiro dia de trabalho com a apresentação de 170 projetos de lei, uma emenda constitucional, cinco projetos de resolução e três projetos de lei complementar. É desses, dos que realizam alguma atividade produtiva, que o eleitor espera bom senso. É deles também a tarefa de exigir respeito à vida parlamentar, em especial dos estreantes que, nos primeiros dias no Congresso, são contagiados pelos pouco afeitos ao trabalho e ao decoro.(...)

Percival Puggina

04/02/2011
É muito provável que o leitor desconheça o fato relatado na edição de Zero Hora do dia 2 deste mês, em artigo com o título Mamãe, passei em Medicina. O autor, professor de matemática e engenheiro pelo ITA foi protagonista da experiência que conta. Chama-se Daniel Lavouras e submeteu-se às provas do ENEM deste ano, sendo qualificado para ingresso no prestigiado e disputado curso de Medicina da Faculdade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Até aí nada de mais. Afinal, supõe-se que um professor de matemática, engenheiro aeronáutico, seja uma pessoa com preparação escolar e conhecimentos bem superior à media dos concorrentes. Acontece que ele se confessa, no artigo, absolutamente ignorante nos principais conteúdos com relevo para um curso de Medicina. Transcrevo-o: Nunca entendi a mitose e a meiose. Não sei a diferença entre eucariontes e procariontes, Darwin, Mendel e seus amigos não me são próximos. Tudo que sei de cromossomos e DNA é o que leio em jornais e revistas. (...) Chutei com precisão? Não, ao contrário, errei praticamente todas as questões de Ciências Biológicas. Ah, em compensação eu tive o extremo mérito de entender que a foto de um jogador parado fora da quadra com uma bola de vôlei significa que ele vai sacar e também percebi a foto do Mr. Bean no quadro da Mona Lisa. É sim, eu acertei estas! (e para todos que ainda não conhecem a prova do Enem, fica o convite para que o façam, visitem o site do Inep). O professor não vai cursar Medicina, claro. Sua experiência e o que escreveu bradam contra o absurdo de um exame vestibular nacional que não distingue alhos de bugalhos. E tampouco distingue o curso de Economia do de Artes Cênicas, ou o curso de Publicidade do de Engenharia de Minas. E assim, alguém que erra quase todas as questões de Ciências Biológicas habilita-se a cursar uma das melhores faculdades de Medicina do país. O ENEM não é apenas um recordista em trapalhadas de grande porte. Ele é um mal em si mesmo. E é, também, sintoma específico, no campo da Educação, de dois males genéricos que afetam o Brasil: o centralismo e a ruptura com os fundamentos do sistema federativo. Estamos sendo cozinhados como sapos, pelo gradual aquecimento da água da panela, num modelo que privilegia, em tudo e para tudo, aquilo que é nacional e federal. Adotamos, cada vez mais, sistemas centralizados. Brasília deixou de ser tão-somente a capital do país. Ela se tornou a única cabeça pensante, o caixa único, a sede dos sistemas únicos e o ponto de convergência, pela via fiscal, de 23% do nosso PIB. Tamanha concentração de poder e dinheiro transformou a antiga cidade dos candangos no município brasileiro com mais alto Índice de Desenvolvimento Humano. E para ali convergem prerrogativas que aviltam a Federação, transformando estados e municípios, ora em pedintes, ora em agraciados com as migalhas que caem de sua mesa. Pois o ENEM é filho desse sistema. Nasceu portador do defeito genético que herdou do papai, o enganoso federalismo brasileiro, no qual a União, cada vez mais, vai dispondo sobre tudo e sobre todos, absorvendo as autonomias ainda residuais na nossa vida social. Um exame de ingresso nos cursos de terceiro grau, com extensão nacional, é um devaneio autoritário, uma coisa de porte descomunal, monstruosa no aspecto e, por óbvio, descomedido na dimensão de seus erros. É desanimadora, contudo, a bovina docilidade com que instituições de ensino superior, de tanta importância na formação da inteligência nacional, se entregam a esse sistema qual vacas para touro. Cedem autonomia e aceitam sua própria degradação. Em troca de um prato de lentilhas. Lentilhas federais, claro. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.