Percival Puggina

31/12/2011
Era um entardecer do último mês de outubro. Eu caminhava ao longo do Malecón habanero, nas proximidades da esplanada de concentrações que Fidel batizou de Tribuna Anti-Imperialista. Ia pensando sobre a batida constante e incessante do mar contra o conjunto formado pelos molhes, murada e calçadão que se desenrola ao longo de Habana Vieja, Vedado e Miramar, protegendo a cidade das ondas da Baía de Havana. Um dia o mar vencerá o muro, pensava, observando a analogia entre a ação da natureza naquele local e o destino que, ao fim e ao cabo, terá a revolução dos Castro. O Malecón envelheceu e a revolução (que faz 53 anos hoje) está velha como velhos e encarquilhados estão os malfeitores que se apoderaram do país em 1959. Minhas meditações foram interrompidas. What do you thing about Cuba?, perguntou alguém. Era um jovem, sentado sobre a murada. Falava com um sotaque hispânico. Sorri pela coincidência entre a indagação e os meus pensamentos. Penso que um dia o mar vencerá o muro, respondi metaforicamente em espanhol. Fui instado a esclarecer. Meu interlocutor era um cubano, jornalista em Los Angeles, que estava visitando os pais. Nossas observações coincidiam. Passados nove anos da minha última visita, eu retornava a Cuba curioso com as notícias sobre reformas modernizantes. Qual o quê! Tudo em Cuba piorara com o tempo e a sociedade estava tomada por visível melancolia. O próprio Malecón, que já vi fervilhante de turistas e gente da terra, estava dez anos mais deteriorado e expressava essas realidades na pequena afluência. Para aquele rapaz, que teve a sorte de conseguir sair na boa (o que lhe permitia retornar sempre que quisesse), a situação era tão deprimente quanto eu a via. Relatei-lhe minhas observações e algumas coisas que já ouvira. Cambios? No hay cambios!, asseguravam-me os cubanos com quem falara. E essa talvez fosse a fonte de todas as melancolias. Um dia era igual ao anterior, um ano igual ao anterior, e o próximo dia, assim como o próximo ano, serão iguais aos já passados. É como se o tempo transcorresse sem outro resultado que não fosse o de fazer estragos. Não há ladrão mais maldito do que o ladrão das esperanças do povo. E não há governo mais pernicioso do que o governo que impõe a todos, a ferro e propaganda, a obrigação de viver, no cotidiano, o pesadelo dos seus sonhos e o fracassado delírio das suas utopias. Há em Cuba multidões de desocupados. Mesmo entre os que têm empregos não há o que fazer e a tarefa de consertar velharias caseiras talvez seja a que envolve maior tempo de trabalho efetivo no país. Mas isso não vale para os belos prédios da antiga Pérola do Caribe. Como ninguém cuida das coisas sem dono, a parte antiga de Havana lembra as imagens da cidade de Dresden em 1945 após o ataque aéreo dos aliados. As demissões projetadas para o setor público - 1 milhão de trabalhadores - não aconteceram porque os comitês que tratariam disso não se entendem. As atividades abertas à iniciativa privada não encontram clientela porque a sociedade tem baixíssima renda familiar média. É quase nada o que se pode fazer com salários socialistas de 15 dólares por mês. Constrange saber que autoridades brasileiras, periodicamente, vão soluçar sua nostalgia revolucionária nos ombros de Fidel Castro. Que Deus os perdoe, mas eles sabem o que fazem. Zero Hora, 31/12/2011 e 01/01/2012

Percival Puggina

30/12/2011
O governo gaúcho anunciou a realização de um concurso público para admissão de dez mil professores e informou que 18% dessas vagas constituirão cota reservada a afrodescendentes. A melhor maneira de alguém se tornar racionalmente inepto é ser politicamente correto. Incrível como a esquerda, que tanto detesta os Estados Unidos, os ianques, os anglicismos e os americanismos, gosta de macaquear toda tolice que surja por lá! A própria expressão politicamente correto (800 mil referências no Google) corresponde à tradução de political correctness (10 milhões de referências no Google), tendo ganho nos Estados Unidos, de tão usada, a abreviatura PC. A palavra afrodescendente (263 mil referências no Google) é a forma que adquiriu no Brasil outro conceito born in USA - afro-american (6,6 milhões de referências). No formato nacional, virou um neologismo ainda mais ridículo, cuja etimologia diverge do significado que lhe foi atribuído. De um lado, porque muito provavelmente todos os humanos são afrodescendentes, originários do mesmo tronco africano. De outro, porque parcela numerosa da população daquele continente é formada por árabes, egípcios e berberes, que têm a pele clara. Ou seja: afrodescendente não quer dizer coisa alguma. Entender tal vocábulo como significando negro é racismo em forma pura, não miscigenada, pois dele se infere que a palavra substituída seja, de algum modo, depreciativa. Não é. Só é para quem for racista. Que a lei de cotas raciais (arre!) não serve à justiça é coisa que poucos haverão de negar. Numa mesma rua de um mesmo bairro pobre, dois vizinhos, estudantes da mesma escola pública, com os mesmos mal remunerados professores, jogando futebol descalços com a mesma bola de meia prestam exame vestibular e tiram as mesmas notas. Por ser negro um consegue aprovação pela lei de cotas. O outro, por ser branco, não se classifica. Isso é discriminação racial. Não acontece? Acontece até pior. Escreveu-me outro dia um leitor relatando o caso de um vestibular para disputadíssimo curso. Havia 40 vagas ao todo. O último classificado pelas cotas fora o 142º lugar. O candidato que se classificou em 41º lugar ficou fora. De que modo isso serve à justiça? Ainda se poderia, com um senso bem elástico sobre o que seja justo, tolerar um sistema de cotas para acesso ao ensino superior que ponderasse a condição social num sentido amplo, mas ele envolveria irrealizável trabalho de investigação e classificação. Pois bem, o governo Tarso Genro reservará 1,8 mil vagas para negros no concurso para o magistério público estadual. Neste caso, não se trata de favorecer a ascensão de um grupo social presumivelmente desfavorecido (tal presunção, tomada pela cor da pele, é realmente presunçosa). Trata-se de outra coisa porque todos os concorrentes às posições no magistério saíram, com o canudo da mão, pelas mesmas portas escolares e universitárias. A cor da pele, nesse sentido, é tão representativa de suas diferenças quanto o penteado ou o sapato. Anuncia-se, então, um flagrante privilégio e uma ruptura com o princípio da igualdade de todos perante a lei. Não bastasse isso, a cota racial vai na contramão das promessas do governador Tarso Genro de qualificar o ensino público para que o Rio Grande do Sul recupere as posições perdidas no contexto da educação nacional. Como alcançar esse objetivo se a porta de entrada para o magistério vai levar em conta a cor da pele e não o desempenho nas provas do concurso de seleção? Vão ser politicamente corretos assim com o futuro deles mesmos e não com o futuro do Rio Grande do Sul! ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

30/12/2011
ELEITORADO FICHA SUJA Percival Puggina A eleição de políticos com ficha suja nada tem a ver com pobreza, ou etnias, ou padrões regionais de conduta. No Brasil inteiro elegem-se pessoas envolvidas em escândalos. Jader Barbalho não seria eleito se não fossem tão minguadas as exigências éticas de parcela expressiva do eleitorado. É inadmissível crer, como tem sido afirmado, que os 1,8 milhões de eleitores do novo senador sejam pessoas que a miséria destituiu de vontade própria. Ninguém das elites daquele Estado votou nele? Sua campanha foi financiada por matutos coletores de borracha na mata? E quem elegeu José Roberto Arruda em Brasília, onde estão a mais alta renda per capita e o maior IDH do Brasil? Todos miseráveis candangos? Quem elegeu e reelegeu João Paulo Cunha como o deputado federal mais votado do PT de São Paulo? Os desempregados? E quem fez dele presidente da CCJ da Câmara dos Deputados? Os pobretões do parlamento? São rasteiras e moralmente desprezíveis as motivações de voto de parcela significativa do eleitorado. Faz um discurso moralista na mesa do bar e coloca na urna um voto indecente.

Percival Puggina

24/12/2011
A PROPÓSITO, É NATAL Percival Puggina A noite de Natal é a mais diferente das noites. Silenciam as fábricas, quedam-se as ruas, ficam no solo as aeronaves. Até a mais insana das tarefas humanas, a tarefa de fazer a guerra, ganha na noite de Natal o silêncio das trincheiras. Numa noite assim, quando os mais nobres sentimentos varrem o pó do cotidiano e rompem a carapaça com que paradoxalmente sufocamos o bem para nos proteger do mal, inspiram-se os escritores para iluminar a literatura com páginas comoventes. São as histórias de Natal. Em cada uma delas se encontram fragmentos desse insondável mistério que é o homem, habitual espantalho de si mesmo, que cresce quando se ajoelha e se humaniza quando chora. Entretanto, leitor amigo, por mais histórias de Natal que você tenha lido, em nenhuma delas nem em todas elas existe a força do episódio ocorrido nas cercanias de Belém, a cidade de Davi, numa noite fria da Palestina. Nasceu o Menino, o Senhor da História, o Rei dos Reis. Envolto em panos estava; deitado numa manjedoura estava. Penso, às vezes, sobre como escreveríamos nós se nos coubesse conceber o roteiro daqueles fatos. Certamente não escolheríamos aquele local, nunca aquele povo e aquela época, jamais personagens assim. A humanidade já produziu ambientes melhores bem como circunstâncias e elenco mais promissores. E é exatamente por isso que não havia lugar na estalagem. Essa história de Natal, a própria história do Natal, tecida com os fios sutis com que o divino autor urdiu sua rede de amor à humanidade, vence os séculos, se torna eterna e se impõe ao coração dos homens. É tempo de repetir: ?Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade?.

Percival Puggina

22/12/2011
Em um descuido imperdoável, não arquivei a foto. Mas ela me ficou na memória porque a cena foi montada com perícia de bons marqueteiros. Transcorriam os últimos meses do governo Fernando Henrique Cardoso. Era época, portanto, da campanha presidencial de 2002. O fotógrafo que produziu a imagem posicionou-se, provavelmente, no nível da mesa da Câmara dos Deputados. Os figurantes, parlamentares todos, estenderam de um lado a outro do plenário um cordão do qual pendiam pequenos cartazes com os nomes de todas as CPIs solicitadas pela oposição durante os oito anos da gestão tucana. Pelo que me ficou gravado, era um cordel com bandeirolas em número suficiente para decorar um salão de baile em festa de São João. Fora do poder, o PT era tão operoso na fiscalização, tão minucioso em vasculhar as entranhas do governo e apontar indícios de irregularidades, tão exigente em transparência para a ética e em ética para a transparência, que Brizola definia o partido como a UDN de macacão. Meses depois da foto, aquele grupo político conquistou a presidência levado, não na onda, mas na branca espuma da onda de suas irretocáveis exigências morais. Portanto, desde o dia 1º de janeiro de 2003, teve acesso a todos os instrumentos necessários para apurar o que escancaradamente denunciara. Passou a contar com mais de três mil auditores altamente qualificados na Controladoria Geral da União, com o aparato técnico e funcional da Polícia Federal, da Receita Federal, da ABIN. Podia intervir junto ao TCU e ao Ministério Público Federal. E principalmente: assumiu o comando partidário de todos os órgãos da administração e do governo, e de todas as estatais sobre cujos antigos dirigentes incidiam suas acusações. Fez o quê? Encontrou o quê? Mas não ficam por aí os paradoxos. No poder, atraiu para a base o que havia de pior no Congresso, passou a impedir a formação de CPIs, constrangeu parlamentares a desassinar requerimentos de investigação que já haviam subscrito e expulsou os mais renitentes. Passou a qualificar como denuncismo as acusações levantadas pela mídia e abraçadas pela minguada oposição como afogado se abraça a pau de enchente. Denuncismo? Se for isso, Brasília está acometida de um surto psicótico depressivo que se manifesta em injustificadas renúncias, demissões e banimentos. Como o rolo compressor da base de apoio tem maioria para aprovar e rejeitar o que bem entender, o governo inviabilizou totalmente o instituto da CPI. Não adianta à oposição requerê-las porque não se concretizam as adesões necessárias. Pois eis que apesar da enxurrada de denúncias que faz rolar cabeças nos altos escalões governamentais, num parlamento onde a oposição não consegue criar uma CPI sequer, é o governo que vai dar à luz uma CPI para investigar o governo anterior. Coisa de 10 anos atrás, que poderia ter cumprido como tema de casa tão logo chegou ao poder, e que até hoje não se sabe se fez, se não fez, nem porque fez ou deixou de fazer. Trata-se de uma CPI de cabeça para baixo, às avessas. Primor de manobra diversionista. Uma CPI do governo contra a oposição, para mostrar como estão as coisas no Brasil. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

17/12/2011
Mentem, sobretudo, impune/mente. Não mentem tristes. Alegremente mentem. Mentem tão nacional/mente que acham que mentindo história afora, vão enganar a morte eterna/mente. (Do poema A implosão da mentira, de Affonso Romano de SantAnna, escrito em 1980) Para a jornalista Ann Landers, a verdade é nua, ao passo que a mentira é sempre bem vestida. Com efeito, a mentira é vestida para seduzir e induzir ao erro. Há um problema grave na vida social, portanto, quando a mentira se vulgariza, ganha status de direito e passa a ser tolerada como conduta normal. Na minha infância, a mentira determinava repreensões severas e era sancionada no catálogo das penas. Mas o sermão acabava sendo ainda mais contundente do que a punição. Hoje, a mentira pode ser pública, pode ser publicada, pode aparecer nas manchetes. Pouco importa. Ela é acolhida entre as artes e ofícios da vida social. Poderia estar falando de futebol e das mãos do atleta, espalmadas e erguidas, significando Nem toquei nele! quando joga o adversário para fora do campo com um pontapé que todos viram. Essa é uma das mais correntes e curiosas expressões da mentira. Mentira gestual, silenciosa. Mas não é sobre futebol que escrevo, embora o retângulo gramado, que nos desperta tantas paixões, seja palco de algumas mentiras cabeludas contadas ao país. É sobre política. A conheci como espaço onde, não raro, uma mesma verdade comportava diferentes interpretações, visões incompletas, em versões iluminadas pelas lanternas das distintas ideologias. Parte da tarefa dos agentes políticos consistia em tornar mais convincente sua peculiar perspectiva perante o juízo soberano do eleitorado. Tolerava-se, dentro de certos limites, uma certa diferença entre a conduta de quem chegava ao governo e o discurso que fizera na oposição. Nesse caso, as fronteiras do juízo moral precisavam ser um pouco flexíveis em função do que houvesse dentro dos armários da realidade, como parte oculta da verdade não destapada durante a dialética da campanha eleitoral. As coisas foram mudando. Mente-se industrial e impunemente, como descreve o poema acima. Mente-se com insistência, corroborando o dito popular de que é mais fácil crer numa mentira repetida muitas vezes do que numa verdade desconhecida ou pouco proferida. Julgo ser isso que o poeta chamou de mentir história afora. Uma coisa é o que assumimos, individualmente, como verdadeiro; outra é a mentira. Uma coisa é o ajuste fino entre o discurso e a ação, imposto pela realidade; outra é a incoerência absoluta. E tem mais: uma coisa é estar no jogo democrático sendo democrata; outra é usar a democracia contra a democracia. A mentira, a incoerência e os falsos democratas, que querem calar o contraditório, fraudam o processo dentro do qual se desenrola a soberania popular e alteram o resultado do jogo político assim como o atleta que simula pênalti não sofrido frauda o resultado da partida. A política brasileira teria muito a ganhar se nos tornássemos moralmente mais exigentes em relação aos desdobramentos do debate político. O dinheiro na gaveta ou alhures não é a única forma de corrupção que precisa ser combatida. É bom que a avaliemos com a gravidade que tem. Mas sem perder de vista que há outras. A democracia também é corrompida pela mentira, pela incoerência e pelos não democratas que dela se valem para cobrar direitos que não franqueariam se deles pudessem dispor. ZERO HORA, 18/12/2011

Percival Puggina

16/12/2011
A Lei da Palmada é produto do politicamente correto, que tem por objetivo submeter liberdade e consenso às rédeas de dissensos minoritários. E é mais uma intromissão do Estado na vida privada. Bastaria isso para determinar sua rejeição. Mas ela passou na Câmara dos Deputados e segue a toque de caixa para o Senado. A pedagogia do politicamente correto está produzindo alunos que batem nos professores, mas está convencida de que falta um pouco mais do mesmo. Vale dizer, ainda menos disciplina para ainda mais porrada e bullying. Tudo isso é certo e sabido. Mas o que não se diz é que a Lei da Palmada é irmã da Lei do Desarmamento, do PNDH-3, do vestibular do ENEM, da Lei de Quotas Raciais, do perfil que deram ao STF, da Lei da Homofobia, do marco regulatório da imprensa e por aí vai. Ou seja, não se diz, ou pouco se diz, que há uma ideologia soprando essa praga sobre as famílias brasileiras assim como o vento espalha fungos nas lavouras. É a ideologia do totalitarismo, que implica um Estado com o monopólio da força e com amplas funções modeladoras em relação às instituições da sociedade, entre elas a instituição familiar (quando deveriam ser estas a orientar e domar o Estado!). Recentemente, em programa de tevê, uma pedagoga integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente pregava: O Estado tem o dever de educar a sociedade para novos padrões de conduta. Ela estava convencida, por essa ideologia maldita, que é obrigação do Estado comandar o leitor destas linhas não apenas sobre coisas como declarar sua renda ou se comportar no trânsito, mas sobre como educar seus filhos. O melhor castigo, dizia um psicólogo que aplaudia a aprovação da lei na Câmara dos Deputados, é substituir uma atividade prazerosa da criança por outra menos prazerosa. Punição, como tal, nunca papai. Nunca mamãe. E depois, bem feito: aguentem os malfeitos que virão. Os corretos limites do uso da força já estão dados tanto no Código Civil (perdem o pátrio poder os pais que castigarem imoderadamente os filhos), no Código Penal (punições para casos graves de violência contra crianças e adolescentes) e no ECA (idem). Não era necessária qualquer legislação especial. A estratégia adotada para aprovação da lei na Câmara consistiu em levar o debate como se houvesse dois blocos: os contra a palmada e os a favor da palmada. Haverá alguém a favor da palmada? Alguém é a favor da quimioterapia? No entanto, há situações concretas no ambiente familiar que se resolvem com a simples possibilidade da aplicação de uma palmada. Transformá-la em tema de lei federal, objeto de delação, é completa demasia que nasce, forçosamente, de uma visão totalitária de Estado. Não hesito em afirmar que prejudiciais, mesmo, ao desenvolvimento saudável das crianças são outras coisas muito frequentes na sociedade. A saber: 1) a educação permissiva, que não estabelece limites e franqueia acesso aos vícios socialmente tolerados e não tolerados; 2) a indiferença dos pais em relação ao que fazem os filhos e ao seu preparo para a aventura de viver; e 3) a violência verbal, que faz decair o mútuo respeito e a autoridade paterna. A afirmação de que a palmada introduz a violência na instituição familiar é cristalinamente falsa. A violência entra em casa pela janela, pela porta da rua, pela antena da tevê, pelo bar da esquina e pelo beco onde se aloja o traficante. Ante elas, a eventual palmadinha educativa é o que de fato significa: sinal de amor que educa. Ao contrário do que pensam a deputada Maria do Rosário e seus colegas que aprovaram o projeto, essa lei não coibirá a violência contra as crianças. Se os três instrumentos já existentes (Código Civil, Código Penal e ECA) não conseguiram coibir os maus tratos dentro de casa, não contiveram os pais abusadores e violentos, não será uma lei que proíbe a palmada aplicada pelos pais amorosos e responsáveis que vai produzir isso. O que ela fará é ensinar às crianças (até porque prevê aulas de esclarecimento nas escolas) que é o Estado quem manda naquele pedaço que elas chamam de minha casa, meu barraco, meu apê, minha família. ______________ * Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

12/12/2011
E-MAIL QUE ENVIEI AOS SENADORES MEMBROS DA CDH Subject: SOBRE O PLS 50/2011 ANENCEFALIA E ABORTO Date: Sun, 11 Dec 2011 14:13:06 -0200 Senhor Senador Senhora Senadora Os passarinhos que ciscam a grama do Senado sabem que o STF passou a legislar. É o legítimo caso em que o poder subiu às cabeças. O caminho da roça dessa perversão institucional é proceder uma leitura de preceitos constitucionais restritivos segundo a Constituição. Ou seja: a CF diz que não pode, os constituintes não quiseram autorizar, mas lendo corretamente o espírito da norma o STF deduz que pode... Tenho convicção firme contra o projeto em epígrafe. Mas, infelizmente, não basta obter o assentimento da maioria dos plenários legislativos. Hoje, no Brasil, torna-se necessário aguardar o entendimento do STF porque - valha-Deus! - só ali, nesta esquálida democracia brasileira, é que essas questões polêmicas são decididas num quorum mínimo e ao avesso da representação popular expressa no Congresso Nacional. Sejam vigilantes, por favor, em relação ao que vem acontecendo. Percival Puggina

Percival Puggina

10/12/2011
Está em discussão na Câmara de Vereadores de Porto Alegre um projeto de lei que pretende mudar o nome da Avenida Castelo Branco para Avenida da Legalidade. A vereadora do PSOL que teve a iniciativa do projeto alega que Castelo Branco foi o primeiro presidente do regime militar, um ditador segundo ela, e que a homenagem, portanto, não se justifica. A primeira contestação salta aos olhos de qualquer analfabeto. Como ficam, perante esse critério, tantas ruas, praças e avenidas com o nome de Getúlio Vargas (para não mencionar Floriano Peixoto, Julio de Castilhos, Borges de Medeiros e tantos outros)? Getúlio implantou uma ditadura duríssima entre 1937 e 1945. A vereadora contrapôs aos que lhe apresentavam esse argumento, que Getúlio, antes de ser ditador, havia sido eleito... Impressionante desconhecimento de história! Getúlio Vargas disputou a eleição presidencial de 1930 contra o paulista Julio Prestes e perdeu por uma diferença de 300 mil votos, numa eleição com 1,8 milhão de votantes. As alegações de fraudes surgiram de parte a parte e parecem bem prováveis diante do fato de que nosso conterrâneo fez 100% dos votos do Rio Grande do Sul! Aliás, João Neves da Fontoura, logo após o pleito, afirmou, em um dos muitos prenúncios da revolução que se seguiria: Com esses homens e essas leis essa foi a última eleição presidencial no Brasil. Portanto, Getúlio assumiu a presidência em 1930 conduzido por um levante armado que depôs o presidente Washington Luís e impediu a posse do recentemente eleito Júlio Prestes. Foi como chefe de um Governo Provisório que exerceu o poder até 1934, revogadas por decreto as garantias da Constituição de 1891. Em 1934, ante as insistentes pressões legalistas que já haviam eclodido em São Paulo em 1932, convocou uma Constituinte. Foi essa Constituinte que, por via indireta, o elegeu para um novo mandato com início em 1934 (Castelo, aliás, também foi eleito pelo Congresso). Quando se aproximava o fim desse segundo período, Vargas instaurou o Estado Novo, tornando-se ditador até ser deposto em 1945. Portanto, ele só chegou ao poder pelo voto popular na eleição presidencial de 1950. Não surpreende a incoerência da vereadora nem seu desconhecimento da recente história republicana. Para determinadas ideologias, a história funciona como um armário de utilidades, uma despensa onde se apanha o que for necessário para cozinhar segundo as receitas do momento. Reprovar a ditadura de Vargas não serve porque o são-borjense foi mitificado no imaginário nacional. O afastamento entre a deposição de Getúlio e a posse de Castelo foi de apenas vinte anos. E nós estamos a meio século dos fatos de 1964! Contudo, embora as circunstâncias nacionais e internacionais de cada época estejam devidamente disponíveis nas prateleiras da história, não há, para a esquerda hegemônica conveniência política em ir buscá-las. Por quê? Porque existem correntes políticas que precisam do conflito, do antagonismo. Quanto maior aquele e mais exarcebado este, melhor. Não se trata de andar na direção de qualquer êxito político porque o sucesso da política é a superação do conflito. Aliás, a política não existe para promover confrontos, mas para superá-los. E incontáveis vezes, na história dos povos, ela dá solução a traumas e disputas que o Direito não consegue resolver. Foi o caso das tantas anistias ocorridas ao longo da nossa história. Foi o caso, inclusive, desta última, constitucionalizada, que as mesmas correntes ideológicas de hoje querem revogar por muitos modos. Entre eles, pela substituição de nomes de logradouros públicos. Em quaisquer de suas expressões, andam além da margem de qualquer êxito político, no bom sentido dessa palavra. São, isto sim, sintomas de uma nostalgia enfermiça em relação àquele terrível ambiente político, geopolítico e ideológico que instauraram, em escala mundial, durante o século passado. ______________ * Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.