Percival Puggina

03/05/2012
O GARGALO DA EDUCAÇÃO Percival Puggina O que mais aprecio na tevê são programas de entrevistas, documentários, debates e assemelhados. Chama a atenção a frequência com que o gargalo educacional brasileiro entra na pauta. São economistas, cientistas, cientistas políticos, administradores, empresários preocupados com as grandes dificuldade que as deficiências do sistema de ensino introduzem no nosso desenvolvimento social e econômico. Com efeito, jovens de baixa escolaridade, analfabetos funcionais, pessoas com pouco ou nenhum preparo, estarão para sempre longe dos salários dignos e não contribuem para a competitividade do país. Em contrapartida, volta e meia leio artigos de professores reclamando dessa intromissão de outros especialistas em sua área de competência. Pudera! Os professores, quando ouvidos, só parecem interessados em temas corporativos e em expressar seu compromisso com a tal pedagogia do oprimido, que até hoje só serviu para ascensão profissional das lideranças do bla-bla-blá ideológico. Professores assim são parte do problema. Tudo aponta para um isolamento deliberado ou forçado dos outros, dos bons professores, que poderiam ser parte da solução.

Percival Puggina

28/04/2012
Assisti a boa parte das sessões em que o STF deliberou sobre a adoção de quotas raciais para ingresso nas universidades públicas. Praticamente todos os votos foram ornados com líricas declarações de amor à justiça pela igualdade. Estavam dispostos a servi-la às mancheias. O ministro Fux, por exemplo, não falava. As palavras lhe gotejavam como favos de mel enquanto o versejador Ayres Britto ralava os cotovelos na quina da mesa. Joaquim Barbosa cedeu a cadeira a Castro Alves e quedou-se em pé, atrás, feliz por estar ali, nesthora, sentindo deste painel a majestade. A ministra Rosa Maria, tecendo frases como quem bordasse sobre tela, assentou que a ação tinha de ser julgada à luz da Constituição, que consagra o repúdio ao racismo e o direito universal à educação. Foi um alívio, àquelas alturas, ficar sabendo que a ação seria julgada à luz da Constituição porque eu já desconfiava de que os votos estavam sendo iluminados pelos estatutos de algum movimento racial. Contudo, ficaram a quilômetros das ponderações da ministra as inevitáveis decorrências do voto que deu: doravante incorrerá em racismo e afrontará o direito universal à Educação toda universidade, pública ou privada, toda feira do livro, todo prêmio literário, que não prover as tais cotas. Marco Aurélio, por pouco, muito pouco, não disse que a adoção de quotas raciais se justifica porque o Estado é laico. Levandowski, o ministro-relator, foi saudado como a princesa Isabel da sessão. Só não lhe deram tapete vermelho e damas de companhia porque não ficaria bem. Mas sua imensa contribuição para a justiça racial no Brasil o fará ombrear, na história, com a filha de D. Pedro II. Ao lado da Lei Áurea, haverá de estar, para sempre, o Voto Diamantino que relatou à corte. O ministro, contudo, tinha um problema. Havia um preceito, na Constituição, segundo o qual ninguém pode ser discriminado por motivos de cor, etc.. E era demasiado óbvio que o regime de cotas raciais feria essa prescrição ao criar exceções ao mérito como critério seletivo. A arguição de inconstitucionalidade do regime de cotas alegava que os positivamente discriminados ingressam na universidade com nota inferior à obtida por aqueles que, negativamente discriminados, ficam de fora apesar de haverem obtido nota superior. Como saiu-se dessa encrenca o ministro? A possibilidade da discriminação positiva não poderia ser permanente, disse ele. Não poderia ser uma porta aberta para a eternidade. Precisaria valer apenas enquanto necessária. Só por uns tempos. Caso contrário, ocorreria a inconstitucionalidade. Capice? Enxuguemos pois as consequências, provisoriamente, através dos séculos, enquanto permanece aberta, a montante, lá no bê-á-bá do sistema público de ensino, a torneira das causas. Mas quem se importa? De jeitinho em jeitinho, vai-se a Constituição para o brejo, a segurança jurídica para o espaço e o Poder Legislativo para o outro lado da praça. Se o Congresso se omite em legislar, andam dizendo os ministros-constituintes, o STF precisa agir subsidiariamente. Esquecem-se de um dado da dinâmica parlamentar: quando o Congresso não delibera é porque não há entendimento sobre a matéria. E isso é absolutamente normal, significando que o parlamento, provisoriamente, decidiu não decidir. Aliás, a ideia de que o Estado precisa emitir leis sobre tudo e sobre todos é irmã do totalitarismo. Quando, nas normas que conduzem qualquer organização humana - do estatuto do clube à constituição nacional - se pretende criar exceções ou regulamentar detalhes, produz-se uma balbúrdia com efeito contrário ao pretendido. Em vez de esclarecer, confunde-se cada vez mais. Por favor! Menos leis, mais liberdade. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

25/04/2012
TERIA SIDO ELEITO? Tarso Genro teria sido eleito se tivesse informado, durante a campanha eleitoral, que tentaria elevar a contribuição previdenciária dos servidores para 16,5% - uma de suas primeiras providências após a posse? Os deputados que o apoiam teriam sido eleitos se tivessem informado aos seus eleitores que votariam um aumento dessa alíquota para 14% (valor a que chegaram após negociações internas) e que foi considerado pelo Poder Judiciário tão inconstitucional quanto um confisco de vencimentos? Farão, agora, uma tentativa de elevar para 13,5%... Tarso teria sido eleito se, em vez de bater no peito e proclamar que a Lei do Piso Salarial do Magistério leva a assinatura dele, tivesse declarado, durante a campanha, que só iria pagar esse piso no longínquo mês de novembro de 2014 (se o mar estiver calmo, o céu estrelado e a brisa fresca e suave)? Tarso teria sido eleito se, em vez de prometer, como fez, que as questões do magistério seriam tratadas pessoalmente com ele, governador, tivesse dito que faria o contrário disso, como de fato fez, negociando sempre através de prepostos? Tarso teria sido eleito se tivesse prometido inspeções veiculares, aumento do valor de taxas do Detran, criação de centenas de CCs para companheiros, majoração imediata dos valores dessas funções bem acima do concedido aos servidores de carreira e 13º salário para secretários de estado? Dilma teria feito no RS os votos que fez se, em vez de prometer o metrô para Porto Alegre, tivesse dito que a União entraria com menos de uma terça parte do valor da obra e somente ao final de sua construção, ou seja, bem depois do término de seu mandato?

Percival Puggina

21/04/2012
Não, o senador Demóstenes não matou a oposição. Não se mata o que não existe. De tempos para cá, em Brasília, só há governo. As pessoas me param na rua: Cadê a oposição?. Pois é. A construção da hegemonia chegou ao telhado e já faz os arremates da cumeeira, com o total sumiço da oposição como força política perceptível. O discurso oposicionista é quase confidencial. Nem durante os governos militares a oposição foi tão reservada. Ao contrário do que os atuais comissários da história querem fazer crer, aquela atividade oposicionista, comparada com a atual, era estrepitosa. Havia interesse e espaço nos meios de comunicação suficientes para que se afirmassem lideranças. Embora a época fosse menos midiática, todos conheciam Tancredo, Brossard, Ulysses, Simon, Montoro, Covas, Teotônio, bem como os cassados - Brizola, Arraes, Juscelino, Lacerda. Eram tratados assim. Um nome só bastava, tal a intimidade. Sabia-se o que pensavam e faziam. Não se atribua a anomia e a anemia oposicionistas à falta de atrativos da direita, tipo assim: se a direita fosse moça, num baile do tempo antigo, passaria a noite fazendo tricô. Definitivamente não. Quaisquer pesquisas que investiguem opiniões sobre temas específicos revela que os brasileiros se posicionam, majoritariamente, do centro para a direita do arco ideológico. A maioria é a favor da ordem e contra a violência como instrumento da política. Quer um Código Penal severo e que as penas sejam cumpridas. Deseja reduzir a maioridade penal. Defende o direito de propriedade e rejeita invasões. É contra a proibição à posse de armas de defesa. É contra o aborto (as mulheres ainda mais do que os homens). Reconhece o valor da instituição familiar e da religião. Rejeita tipos como Fidel, Chávez e Morales. Quer que seja preservada a vida privada e não admite marcos regulatórios para a mídia. Em outras palavras, recusa de A a Z a agenda do partido do governo. Este, no entanto, usou a cabeça. Primeiro, assumiu o programa econômico que derrotara nas urnas. E, depois, foi ao mercado comprar quase toda a esquerda, quase todo o centro e quase toda a direita. Bastaria isso para esvaziar a oposição. Só não está no governo quem não quer. Bombom tem para todo mundo. O presidencialismo brasileiro, tão ruim que só fica de pé se bem escorado, fornece ambiente ideal às hegemonias. Ao longo da Primeira República, foi sustentado pela política dos governadores. Quando ela se rompeu, manteve-se pela ditadura de Vargas. Quando ele renunciou, seguiu-se um tempo de balança mas não cai, até cair. Reergueu-se com a política dos generais. E desde 1985 temos isto que agora alcança seu orgasmo: o presidencialismo de coalizão, com longo arco de abrangência e grande capacidade financeira de atrair interesses. Entenda-se: o grupo hegemônico é a fonte do poder, dos privilégios, dos cargos e contratos, e dos maiores favores que se possa conceber. É um poder do qual poucos admitem ficar longe, mormente os bandidos. Nada que não se explique pelo mais elementar conhecimento da natureza humana. Como resultado, quem quiser saber o que a oposição nacional está pensando ou fazendo terá que acessar os canais de tevê do Congresso e ver - o que é improvável - se algum dos poucos oposicionistas está na tribuna. Atingimos em Brasília, simultaneamente, o cúmulo da hegemonia, da hipocrisia e da venalidade. Na nossa política só o dinheiro manda e como só o governo tem dinheiro, só existe governo. A oposição, então, que fale baixo e não atrapalhe os negócios. ZERO HORA, 22/04/2012

Percival Puggina

21/04/2012
Omitirei o nome da publicação e dos autores do artigo que vou criticar. Não me parece sensato divulgar fontes de equívocos. Direi apenas que se trata de uma publicação católica e que o artigo abordava o tema da corrupção, definindo a ética do ganhar sempre mais, que seria própria do capitalismo, como determinante da corrupção. Tal tese é um disparate sob quaisquer ângulos de observação e os autores devem saber. Mas estão se lixando. O que pretendem é levar os leitores a extrair conclusão errada de premissa falsa: se o capitalismo causa corrupção, então, na vigência de seu antônimo - o socialismo - a sociedade se conduziria por elevadíssimos valores morais. Um verdadeiro paraíso reconstruído. Ora, o desejo de ganhar mais não é uma especificidade da economia de mercado, ou livre, ou de empresa (prefiro designar o sistema econômico com esses nomes que lhe atribuiu João Paulo II). É um anseio da pessoa humana, em todos os tempos e em qualquer sistema. Resumamos o assunto, então, em alguns tópicos. ? Duvido que os redatores dessa fraude intelectual recusem um aumento de salário, um bom negócio ou uma oportunidade de comprar por menos ou vender por mais. ? Como consequência de um sistema de economia livre, de empresa, os agentes econômicos dedicam-se com maior empenho ao que fazem, a criatividade aumenta, a produtividade cresce, os custos decrescem. Beneficiam-se produtores e consumidores. ? Gera-se uma saudável conseqüência ética pois a competência é premiada com resultados positivos e a incompetência punida com prejuízos. ? Há uma relação histórica, ademais, entre economia de mercado e democracia pois o grande senhor da economia de mercado é ele mesmo, o mercado, formado por milhões e milhões de pessoas, com suas expectativas, anseios, etc.. ? Contudo, estava certo o papa João Paulo II quando, escrevendo sobre o tema, ensinava que se o núcleo da liberdade for apenas econômico ? e não ético e religioso (papel das instituições políticas e jurídicas) ? ocorrem situações de opressão econômica, formam-se monopólios, cartéis, mecanismos de corrupção, e outras enfermidades sistêmicas. Com efeito, absolutamente livre, o mercado padece dos mesmos males que acometem a liberdade individual na ausência de toda restrição. ? Nas economias planificadas, socialistas, o anseio de ?ganhar mais? é tolhido pela centralização estatal. Como conseqüência ? e a história o demonstrou com muita clareza ? a produtividade diminui, a iniciativa acaba, a economia fica estagnada, a pobreza se multiplica de modo irremediável, o muro cai, os governos tombam, os intelectuais do socialismo se escondem. ? O fracasso socialista é tão óbvio que Leão XIII o previu três décadas antes de esse sistema ter sido tentado na Rússia. E João Paulo II, tendo vivido sob tal realidade, proclamou-o ?falido?. ? Da mesma forma que existe uma relação direta entre democracia e economia de mercado, existe, também, uma relação direta entre economias planificadas e totalitarismos. E a razão é simples: para coibir aquele desejo natural de ?ganhar mais?, torna-se necessário criar uma estrutura estatal opressiva. Quando se concentram no Estado tanto o poder político quanto o econômico, nenhum poder resta à sociedade e à pessoa na sociedade. ? Ademais, com a queda do Muro, foi possível conhecer o nível de corrupção instalado nas repúblicas socialistas, corrupção que também se espraia pela sociedade como defesa perante a escassez e a miséria geral. Quem quiser conhecer isso de perto, ainda hoje, vá a Cuba (onde fui três vezes), ou à Coréia do Norte (onde não tenho coragem de ir). Bastariam estas poucas evidências para desmascarar a malícia do texto a que me refiro. Mas há nele um erro ainda muito mais grave: como pode um cristão afirmar que o capitalismo corrompe (e levar o leitor a presumir que o socialismo purifica), como se nele se extinguisse o pecado original? Corrupção existe em qualquer sistema político ou econômico, embora alguns a favoreçam mais do que outros. E, nesse caso, o socialismo e os totalitarismos são imbatíveis. Mas em quaisquer regimes ou sistemas existe o pecado, os que a ele se entregam, e os justos que se empenham em serem bons. Se tudo fosse questão de sistema, Cristo teria proposto um, em vez de perder seu tempo propondo-se a si mesmo, ao custo em que o fez. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

20/04/2012
PRESÍDIO CENTRAL DE PORTO ALEGRE. VERGONHOSO PARA QUEM? Observando as imagens do Presídio Central de Porto Alegre, reiteradamente exibidas na tevê e em fotos de jornais, ocorre-me uma pergunta: quem demoliu aquela construção? Quem arrancou portas e arrombou paredes para que houvesse liberdade de movimentação interna dos presos? A maior parcela de responsabilidade pela situação física da construção é dos próprios presos sobre cuja dignidade humana tanto se fala, com justa razão. Mas é bom lembrar que os presos destruíram quase tudo que ali se encontra em estado ruinoso. Ademais, em qualquer presídio responsavelmente administrado, quem cuida da limpeza são os próprios encarcerados. Então, também aquela sujeira expressa imenso desleixo dos usuários. Por fim, outra grande parte da responsabilidade, a maior, sem dúvida, cabe ao Estado, que descumpre a primeira de suas funções essenciais (eu estou dizendo a primeira, aquela para a qual o Estado nasceu!) que é cuidar da segurança dos cidadãos. Ante tal situação, os cidadãos comuns, ao contrário do que vem sendo dito, não têm de que se envergonhar. Têm que se aborrecer, entristecer, indignar. Mas não têm por que se envergonhar. Pagamos impostos suficientes para proporcionar presídios excelentes, mas quando o dinheiro chega na ponta do serviço público prestado não dá nem para manter uma pocilga.

Percival Puggina

13/04/2012
O ministro Marco Aurélio Mello aproveitou seu voto em favor do aborto de anencéfalos para promover extenso ataque ao meu direito de opinião e ao meu direito de tentar fazer com que aquilo que penso adquira repercussão social e vigência jurídica e política no país onde nasci e onde sou cidadão no pleno exercício de meus direitos. O ministro está convencido de que apenas pessoas que pensam como ele - ou que, como ele, não pensam como eu - têm o direito de opinar e mobilizar opiniões sobre assuntos em que a Moral se encontra com o Direito. Isso ficou muito claro quando afirmou, textualmente, como argumento trazido ao seu voto, que: 1º) dogmas de fé não podem influenciar decisões do Estado; e que 2º) ?a questão posta nesse processo (...) não pode ser examinada sob os influxos de orientações morais religiosas?. Para o ministro, portanto, as opiniões que guardem relação com moral de base religiosa assemelham-se a dogmas e resultam impertinentes ao direito positivo brasileiro. Não há como conceder ao ministro o benefício da dúvida, supondo que ele talvez desconheça a diferença entre uma coisa e outra. Trata-se de uma hipótese inconcebível. Ele sabe. Aceito, então, sugestões que resguardem Sua Excelência de uma severíssima reprovação junto à opinião pública brasileira. Eu não encontrei qualquer que sirva a esse fim. Já vi muito tolo dizendo isso, mas o ministro não é um tolo. Ainda que eu estivesse solitário nas minhas convicções morais; ainda que não houvesse dezenas de milhões de brasileiros que pensam como eu sobre temas relacionados à vida, à família, à ordem social, à política, aos direitos fundamentais; ainda que eu fosse o único brasileiro a perceber que já estão impressos na Constituição da República os princípios que me inspiram e os valores em que creio, jamais aceitaria que me fosse recusado o direito de buscar civicamente, pelas vias institucionais, a vigência social e jurídica do meu ponto de vista. O Estado Democrático de Direito me assegura isso e mais: mesmo que a Constituição recusasse todas as minhas convicções - coisa que ela não faz e por isso suscita essas releituras tão em voga - ainda assim, ela me concederia o direito de opinar e de tentar mudar o que a meu juízo devesse ser mudado, segundo a ordem instituída. O ministro sabe que é assim. E isso nada tem a ver com dogma. Tem a ver com democracia e com direitos fundamentais dos cidadãos. Sobre o tema escreve com muita precisão o filósofo espanhol e professor de Direito Andrés Ollero: Ter em conta as convicções de todos equivale, por outro lado, a reconhecer que todos têm convicções. Os reais adversários do pluralismo e, portanto, da verdadeira liberdade humana, são, precisamente, aqueles que se afobam em proscrever do debate político quaisquer conceitos ou convicções que possam ser associados a alguma vertente religiosa. No fundo de tais esforços vicejam o orgulho e a vaidade, dois ingredientes que fermentam e estufam a massa de rocambole do STF. Aliás, do ministro Marco Aurélio Mello ouvi, viva voz, numa entrevista em foi questionado sobre certa indicação para aquela corte: O que mais quero é que apareça alguém para me fazer sombra. Que respeito pode uma vaidade dessas conceder à opinião alheia? ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

07/04/2012
Em 2014, com a Copa, o Brasil receberá milhares turistas. Na África do Sul, contados um a um, foram 309.554, dos quais 32% eram africanos, 24% europeus e 13% americanos. Bem menos do que os 2 milhões de visitantes que foram assistir os jogos na Alemanha e um pouco menos do que os 400 mil que, em 1994, viajaram para os Estados Unidos. Embora em proporções distantes daquelas em que se alinham as euforias políticas, deve-se reconhecer que haverá, sim, expressivo fluxo de turistas. Todos devem ser bem recebidos e levar daqui boa impressão. Para eles e para isso vêm aí as tais obras, que são, de fato, o que mais nos interessa. Estamos faceiros com elas e reconhecemos, quase unanimemente, ser indispensável atender quaisquer exigências que a Fifa nos faça. Menos pela Copa, repito, e mais, muito mais, pelas obras da Copa. Estamos votando, inclusive, uma lei federal dizendo que durante o período dos jogos, certos preceitos da nossa legislação terão vigência sustada para que prevaleça a soberania da Fifa. Tudo pelas obras. Tenho bem presente o pânico que fazia fremir o Rio Grande toda vez que, nos arremates para acertar a empreitada do estádio do Inter, a bola batia na trave. Um gelo de fazer fumaça corria pela espinha dorsal das autoridades. Aquele pé no traseiro sugerido por um desaforado francês da Fifa poderia chutar para longe de nós os benditos empreendimentos. Enfim, desse risco parece que nos livramos. Contudo, no catálogo das promessas, no instigante saco de Papai Noel da Copa, há um detalhe que me incomoda como etiqueta áspera no cangote. Por que só agora aparecem recursos para essas melhorias em nossa infraestrutura, muitas das quais previstas e necessárias há longo tempo à mobilidade urbana de Porto Alegre? Só por causa da Fifa e seus turistas? Como se entende isso? Afinal, não há um dólar furado de origem externa a financiá-las. A Fifa só arrecada. Não põe um pila no negócio. Todas as obras serão feitas com dinheiro nosso, verde-amarelo, federal, do contribuinte brasileiro. Dinheiro que por algum motivo sinistro e malevolente não sairia do Tesouro Nacional nem dos cofres do BNDES pelo bem de Porto Alegre nem do Rio Grande do Sul. Dinheiro que não veria o pôr de sol do Guaíba se fosse para atender o povo daqui. Dinheiro que só deu as caras por causa dos turistas que aparecerão atraídos pelo evento. Estou apontando uma evidência, tipo - Olha aí, oh!. Aliás, ninguém se deu o trabalho de disfarçar. Não são para nós. São para a Copa. E então? Não é um insulto? Graças à Fifa e aos visitantes estrangeiros conquistamos um pacote de regalias que sem essa motivação não mereceríamos e não teríamos. É nisso que dá havermos permitido que a centralização de tudo nas mãos União relegasse Estados e municípios à situação atual. Não será preciso piorar muito para nos tornarmos meras colônias de uma metrópole localizada no Planalto Central. Estão nessa situação praticamente todas as unidades federadas, com exceção das amigas da corte. Não há separatismo nessa analogia que faço. Bem ao contrário, se estou reclamando é exatamente porque muito antes de ser gaúcho sou brasileiro e rejeito o que estão fazendo com a Federação sonhada por nossos ancestrais. Obras da Copa!. Me poupem. Especial para ZERO HORA 08/04/2012

Percival Puggina

07/04/2012
Em março de 1960 eu era um adolescente interiorano, recém chegado a Porto Alegre, iniciando o Curso Científico no tradicional Julinho, como era conhecido o Colégio Estadual Julio de Castilhos. Nunca vira uma escola com tanta gente, tamanha efervescência política e professores tão exigentes. Mas o que importa aqui é a política. Até sobre as provincianas disputas estudantis daqueles anos incidiam os reflexos da Guerra Fria. Os comunistas do Julinho - e havia muitos - cantavam uma espécie de grito de guerra em que se anunciava que a vil reação vai virar sabão. Havia estudantes profissionais, com idade para serem pais dos colegas, incumbidos, pelo Partidão, de angariar militantes para a prenunciada cadeia produtiva de sebos e sabões que usaria como matéria-prima a nós, os adolescentes da direita reacionária. Ainda hoje, quando encontro por aí alguns desses camaradas, me retornam à mente suas desajeitadas figuras juvenis cantando ameaçadores refrões pelos corredores do colégio. Posteriormente, na Faculdade de Arquitetura, testemunhei o upgrade da insanidade ideológica. Professores expurgados, colegas que desapareciam para, meses depois, reaparecer no Chile ou em algum lugar da Europa. Aquilo mexeu comigo. Como era contra radicalismos e violências suscitei malquerenças de ambas as trincheiras. Protestei contra o expurgo de professores. Fui fichado no DOPS. Reinava a desarmonia nas turmas, construíam-se sólidas inimizades e havia um mal-estar permanente nas salas de aula e na política estudantil. O país inteiro, aliás, não teve mais normalidade institucional até a eleição de Tancredo Neves. Sequestravam-se de diplomatas. Colegas envolveram-se numa ação fracassada contra o cônsul norte-americano em Porto Alegre. Bombas explodiam em atos terroristas. Assaltos a bancos, carros fortes, joalherias e supermercados eram ações expropriatórias para atender a crescente demanda da revolução comunista por recursos financeiros. A esquerda dava uma de Fidel e Che - os Batman e Robin da luta armada latino-americana. Sequestrava aeronaves, explodia quartéis, roubava armamentos. E repressão, claro. Como não? Por volta de 1985, a abertura estava concluída. Haviam retornado os que saíram do país. Foram criados novos partidos. Completara-se a anistia de 1979 com o perdão aos que haviam cometido crimes de sangue. O passado não era consertável, mas o futuro sim. Contamos, hoje, mais de um quarto de século de estabilidade num ambiente político marcado, até aqui, por muito menos ódios e ressentimentos. No próximo pleito presidencial, os adversários do regime instalado em 1964 terão exercido o poder por duas décadas consecutivas. Fernando Henrique esteve no exílio. Lula tinha sido líder sindical, passou uns dias na cadeia e fora afastado da presidência do seu sindicato. Em 2010 elegeu-se uma companheira em armas, como a ela se referiu o bem informado José Dirceu quando lhe passou a chefia da Casa Civil. Vinte anos. Como podem, agora, falar em Comissão da Verdade para pacificar o país e completar a redemocratização? Nada desmente mais essa farsa revisionista e revanchista do que o estresse político causado nas últimas semanas por sucessivos episódios. Vivem eles a nostalgia dos ideais revolucionários que se corromperam no poder. Foram-se as utopias e sucumbiu a reputação. É preciso, agora, posar como flagelados de uma guerra santa, como heróis e mártires de uma ingente luta pela democracia. É preciso suscitar ódios para recuperar o amor - ainda que seja, apenas, o amor próprio. Falsários! Com a dócil e emasculada aquiescência dos herdeiros do MDB, mais interessados em gravitar perto das prateleiras do almoxarifado do poder, tomam nas impróprias mãos uma bandeira democrática que nunca ergueram, fosse para a defender a democracia, como alegava fazer a ARENA, fosse para a restaurar enquanto esteve perdida. Em momento algum daqueles anos loucos usaram a palavra democracia de um modo que não fosse para a desqualificar como serva dos interesses da burguesia. Quando sequestraram o embaixador norte-americano Burke Elbrick, exigiram e conseguiram que fosse lido um manifesto em rede nacional. Com uma oportunidade de ouro dessas nas mãos, falaram em democracia? Não! Nem de passagem. Falaram em novos assaltos, sequestros, justiçamentos e extensão da guerrilha ao campo. Os panfletos que deixavam nos locais de suas ações tampouco usavam essa palavra. Os nomes das dezenas de organizações que atuaram no período ostentavam os vocábulos marxista, leninista, maoísta, revolucionário, comunista, socialista, proletário. Mas a palavra democrático jamais aparece! Não há um D em qualquer das siglas. Então, para alcançarem o intuito - bem stalinista, por sinal - de reescrever a história será preciso passar a borracha em muita coisa redigida por eles mesmos. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.