Percival Puggina

08/06/2012
O Partido Progressista de Porto Alegre decidirá, no próximo dia 11, qual o candidato que apoiará na eleição de outubro para a prefeitura da Capital. Sou convencional, mas estou em viagem e não terei retornado até aquela data. Embora minha posição já tenha sido expressa dentro e fora do partido antes de viajar, considero oportuno reafirmá-la e formalizá-la quando se aproxima a data da importante decisão. A lista de coisas inadmissíveis, em política, é extensa. E coligações como a pretendida com o PCdoB fazem parte dessa lista. Um partido político pode renunciar a muitas coisas. Pode renunciar a cargos, a projetos de poder, a candidaturas. Pode, até, renunciar ao próprio nome como o PP fez ao deixar de ser PDS. Mas não pode renunciar ao conjunto de seus princípios, nem unir-se com quem tem princípios que lhe sejam totalmente opostos. Aliás, foi a unidade nos dois conjuntos ? no das coisas que o partido defende e no das coisas que rejeita - que permitiu ao grupo partidário continuar unido e sendo quem sempre foi, malgrado as mudanças de nome. A identidade sempre foi sólida no plano essencial das convicções. Há duas administrações consecutivas o PP vem participando, de modo continuado, do governo municipal de Porto Alegre. Nos últimos anos, exerceu a liderança na Câmara de Vereadores. Essa tarefa foi confiada ao admirável homem público que é o vereador João Dib. Unir-se agora à oposição não é algo que se faça sem insuportável constrangimento! Já vi outros partidos agindo assim e sempre considerei deplorável tal prática. Definitivamente, não nos imagino fazendo a mesma coisa. Não, essas práticas do lulismo ainda não nos seduziram! Estou convencido de que venceremos as eleições com uma coligação já testada, em torno do prefeito José Fortunatti. Mas, ainda que não fosse assim, se o caminho para uma vitória em outubro fosse uma coligação pelo lado oposto, com o PCdoB, essa seria uma vitória que eu preferiria não ter. Um partido é algo que se demora a fazer. Mas se desmancha facilmente com casuísmos, cisões internas e renúncias a valores irrenunciáveis. Iniciada a campanha, os eleitores porto-alegrenses logo compreenderão quem sabe a que vem. E quem vem ao que não sabe, porque, até hoje, só atravancou o desenvolvimento da cidade, estimulou invasões de bens públicos e particulares, agindo contra a ordem e contra o progresso. Não me seduzem demonstrações de afeto nascidas do interesse eleitoral. Tampouco me mobilizam os anúncios de reciprocidade. Passo, agradeço e desconfio. Logo ali, em 2014, haverá decisões tomadas vários andares acima deste em que hoje estamos. Haverá outros atores, outros projetos de poder, outros interesses e novas circunstâncias. Aqueles que hoje nos pedem apoio têm todo o direito de fazê-lo. Mas não nos tomem por ingênuos. Muito sucesso aos candidatos a vereador, ao prefeito Fortunati. Todo o respeito ao meu partido. Todo o respeito ao partido, como eu o conheci. Com os valores que há quase 20 anos venho me dedicando a difundir. Que Deus inspire a decisão dos convencionais para que ela não nos comprometa com aqueles que O rejeitam. Percival Puggina (Autorizada a reprodução)

Percival Puggina

02/06/2012
Se eu compreendi direito, temos duas versões totalmente divergentes sobre a trombada ocorrida na esquina da vida onde recentemente se cruzaram Lula, Nelson Jobim e Gilmar Mendes. Numa das versões, o ministro do STF foi insistentemente pressionado e, por fim, ouviu uma insinuação que entendeu e contestou como se chantagem fosse. Noutra, foi um encontro cordial, em que o trio abordou ?questões genéricas, institucionais?. Quase como se estivessem jogando conversa fora. Existem coisas inverossímeis. Claro que verossimilhança e seu antônimo não servem para firmar convicções absolutas, mas ajudam a gente a não fazer papel de bobo. Perante afirmações de difícil comprovação, podemos apelar para esse critério. Assim, por exemplo, se alguém disser que São Francisco de Assis acumulou uma fortuna em esmolas e a enterrou em algum ponto da Úmbria, a gente pode rejeitar a afirmação como falsa. Ela não seria coerente com a história de vida de uma pessoa que levou seu desapego aos bens materiais ao ponto de retirar-se da abonada casa paterna sem ter sequer um bolso para colocar as mãos. Não, não. O Poverello morreu poverello como uma andorinha. Todavia, se nos disserem que Mark Zuckerberg, o mal falado criador do Facebook, atropelou alguém no mundo dos negócios, podemos admitir o fato como provável porque há vários relatos nesse sentido. Assim também, se for atribuída a Carlinhos Cachoeira alguma operação empresarial irregular, a coerência entre a acusação e a imagem pública do cidadão será útil para formar opinião a respeito do episódio em si. Pelo viés oposto, quando lemos que Demóstenes Torres tinha ?liaisons dangereuses? com o mundo do crime, foi necessário que se exibissem muitas evidências para criar um convencimento a respeito porque se tratava de algo incompatível com quanto dele até então se sabia. A notícia do encontro entre Lula e o ministro Gilmar Mendes, no escritório do ex-presidente do STF, nos coloca perante uma dessas situações. É inverossímil que os três ali estivessem apenas para tratar de generalidades. Vale lembrar, adicionalmente, que Lula, ao deixar a presidência, informou que dedicaria parte de seu tempo a provar que o mensalão não existiu. Ora, o referido processo, depois de longa jornada através dos anos e das linhas e entrelinhas dos códigos, está em vias de desabar muito peso pesado da política nacional sobre o colo dos onze do STF. Para quem queria provar que o mensalão não existiu, uma absolvição no Supremo (ou um adiamento para as calendas da impunidade geral) seria tudo de bom. Por outro lado, ninguém pode acusar o ex-presidente de excesso de escrúpulos no jogo do poder. Que o diga a ciranda de ministros a que restou constrangida a presidente Dilma. Tampouco se atribuirá a Lula qualquer devoção à sacralidade das instituições ou reverência às melhores regras do jogo político. Eis porque, quando a notícia da reunião se tornou pública, ouvi negativas à versão de Gilmar Mendes, mas não vi uma única boca aberta em forma de ?o? expressando incredulidade: ?Quem? O Lula? Não! Ele jamais seria capaz de uma coisa dessas!?. É aí que entra, novamente, a questão da verossimilhança. Ela não faz prova. Ela não condena. Sobre ela incide, sempre, poderosa dúvida razoável a serviço dos advogados de defesa. Mas o passado conta. E nem toda história ou biografia ganha o privilégio de uma comissão encarregada de a reescrever ao gosto da freguesia. Pelo menos é o que se espera. ZERO HORA, 03 de junho de 2012

José Antônio Giusti Tavares

21/05/2012
?Deus primeiro enlouquece aquele a quem quer punir?. Ao longo do tempo esta passagem de Sófocles passou a designar as conseqüências desastrosas da insensatez, a qual, por sua vez, procede em regra da combinação entre vaidade, ambição e ignorância. Este artigo ocupa-se da aliança regional, no Rio Grande do Sul, entre o Partido Progressista e o Partido Comunista do Brasil: um engenhoso achado por meio do qual duas representantes legislativas, Ana Amélia Lemos, Senadora pelo PP/RS, e Manuela d?Ávila, Deputada Federal pelo PCdoB, pretendem simplesmente envolver, em estrito benefício de suas carreiras eleitorais pessoais, as lideranças, os militantes e os eleitores de seus respectivos partidos. Aparentemente não foi difícil à Senadora persuadir os representantes do PP na Assembléia Legislativa do Estado a apoiarem a idéia. Empenha-se, agora, em convencer os edis da capital. Trata-se de um pacto no qual uma parte, a senadora, deve cumprir a sua obrigação primeiro, apoiando a eleição da deputada ao governo municipal de Porto Alegre, na expectativa de que a outra, a deputada, cumpra a sua no futuro, apoiar a eleição da senadora ao governo do Estado: ou seja, daquele tipo particular de pacto para cuja fragilidade já alertara Thomas Hobbes no século XVII. Mas essa é a questão bem menor. O Partido Progressista possui sólidos vínculos de integração política, constituídos a rigor desde o regime constitucional de 1946 e pelo PSD, com o eleitorado e com as lideranças representativas das diferentes regiões do Rio Grande do Sul. Tem identidade e consistência bem definidas quanto a valores e a propósitos políticos, que lhe permitiram permanecer incólume frente à expansão avassaladora do malufismo, que invadiu os demais estados do país entre o fim do regime militar e os primeiros anos da Nova República. Talvez apenas na perspectiva do tempo se possa medir a magnitude da ameaça que o devaneio e a futilidade trazem para o Partido Progressista e para o Rio Grande do Sul: a insólita negociação, que faria escândalo ao coronelismo da Primeira República, trai e envergonha figuras públicas respeitáveis, condenando-as mesmo à indignação silenciosa. A senadora afirmou que o acordo obedecia a uma atitude pragmática e que, nele, a única dificuldade consistia em um nome. O PCdoB não é apenas um nome: seus veículos de difusão ideológica afirmam que, ao contrário do que supõem os reacionários e os idiotas, o comunismo não desapareceu com o Muro de Berlim ou com a desintegração do Império Soviético. Os comunistas têm razão. O comunismo não é apenas um nome e não há qualquer dúvida ou ambigüidade possível: só há um comunismo moderno, o marxismo-leninismo. Por outro lado, o simbolismo possui um papel fundamental na política, e os comunistas empregam-no com grande inteligência. O propósito que um macro ou micro partido comunista busca não consiste, em um primeiro momento, em fazer leis ou lograr o controle do governo, mas simplesmente em ser acolhido pela política constitucional, participando das instituições por cima, silenciosamente, e minando-as por baixo, pelo ruído popular. Mas não se tenha dúvida: deixando-se assimilar no primeiro momento pela política constitucional, no segundo empenha-se em assimilá-la e sujeitá-la inteiramente. A senadora definiu também a sua atitude como pragmática. Na política européia e norte-americana o termo se emprega com propriedade e rigor. Contudo, no Brasil, converteu-se, há longo tempo e ainda hoje, na designação que se auto-atribuem, com muita freqüência, detentores de mandato público, legislativo ou executivo, para mascarar o tráfico de recursos públicos, com os eleitores e entre si, na busca pessoal de ganhos privados, que o mau uso do mandato representativo lamentavelmente permite. Trata-se da política de clientela, para cujos efeitos perversos têm alertado há longo tempo os estudos clássicos sobre a política brasileira: desintegra a identidade partidária, sem a qual não há democracia representativa, e dizima ou pelo menos torna inefetivas e inócuas as oposições, sem as quais a liberdade constitucional desaparece. Se o Brasil deseja uma democracia constitucional e representativa, necessita de pluralismo partidário real, com pelo menos um sério partido liberal, um sério partido social-democrata e um sério partido conservador. Não necessita de qualquer partido comunista, macro ou micro, de verdade ou de brinquedo. * Cientista Político.

Percival Puggina

20/05/2012
Retorno ao fato porque é de riqueza extraordinária. Quem assistiu Diários de Motocicleta há de lembrar da passagem de Che Guevara pelo leprosário de San Pablo, atendido por uma congregação de religiosas no meio da selva, às margens do Amazonas. E há de lembrar que para os sinistros efeitos do filme, Che é apresentado como um santo abrasado de amor aos enfermos, e as irmãs como um perverso corpo de autoridades locais. Pura mistificação! Após duas semanas fazendo travessuras por ali enquanto superava uma crise de asma, Che bateu asas e foi fazer seu turismo revolucionário noutra freguesia. Quanto às irmãs, tão maltratadas pelo filme, continuaram, vida afora, enfiadas no mato, cuidando dos leprosos. Eis um bem torneado exemplo da diferença entre o verdadeiro amor ao próximo e a fantasia que empresta ao marxismo e ao comunismo o brilho vulgar das lantejoulas. Para o cineasta Walter Salles as religiosas eram megeras e Guevara um anjo de bondade. Tem sido cada vez mais recorrente a publicação de artigos sobre Educação. Junto-me, então, a administradores, economistas, empresários, filósofos que enveredaram por essa pauta. Vou enfocá-la sob um aspecto que - não se surpreenda, leitor - tem muito a ver com o filme abordado acima. Aliás, são tão recorrentes as reflexões sobre o tema da Educação por profissionais das mais variadas especialidades que o fato já despertou reações adversas, contestando a concessão de espaço para quem não é do ramo. Os não educadores seriam meros palpiteiros. Mas convenhamos, é muito difícil ficar calado diante do que se vê. Imagine um brasileiro que percorra do primeiro ao último degrau o sistema de ensino do país. Qual a corrente filosófica a que mais esteve submetido durante todo esse período, ainda que haja trocado de escola, de cidade e de Estado, em cada trecho do percurso escolar? Pois é. Marxismo. É análise marxista, crítica marxista, economia marxista, visão marxista da história, teologia da libertação, pedagogia do excluído e, como lastro para o materialismo histórico, camadas maciças de maledicência sobre o cristianismo. Esse marxismo de polígrafo escolar tem a profundidade de um pires. Os que o lambem como tema de casa são incapazes de escrever uma lauda a respeito, mas saem do colégio prontinhos para ler a vida com os olhos que lhes deram. Assistem Diários de Motocicleta e concluem: no peito de Che batia um coração de mártir; já o coração daquelas beatas do leprosário não se abria nem com formão e martelo. Só escapam dessa linha de montagem, que inclui a maioria dos estabelecimentos de ensino confessionais, os poucos estudantes que recebem em casa, ou de algum professor achado por pura sorte no meio do caminho, dose suficiente de antídoto para enfrentar o que lhes é ministrado ao longo dos cursos. Se mesmo nos bons educandários, deixa-se de lado a sã filosofia e se depreciam os grandes valores que inspiraram e inspiram a imensa maioria dos melhores vultos da humanidade, pergunto: como esperar das elites brasileiras que junto a esses estabelecimentos buscam formação, coisa melhor do que isso que vemos por aí? Quando parece muito normal que o governo contrate um grupo para escrever o passado (Walter Salles faria excelente documentário sobre a comissão), a temática educacional há de ser, sim, motivo de grave preocupação para quem reflita sobre o futuro do país. ZERO HORA, 20/05/2012

Percival Puggina

18/05/2012
Quem já passou pela porta que dá acesso às salas de embarque doméstico do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, sabe do que estou falando. Além daquela porta tudo se torna impreciso. Esfumam-se os compromissos, dissolvem-se as agendas, o futuro se faz incerto e a paciência é testada além das fronteiras da civilidade. Inevitavelmente me vêm à mente, ao ingressar naquele círculo de horrores, a sentença que Dante Alighieri esculpiu nos umbrais do Inferno: Abandonai toda esperança, vós que entrais. Recentemente tocou-me estar ali. Meu voo deveria sair às 8 horas, mas somente consegui embarcar lá pelas 2 da tarde, após várias mudanças de sala de espera. Aliás, naquele aeroporto, coincidirem número de voo e portão de embarque é uma proeza irrealizável. De tempos em tempos a gente troca de sala de espera e com isso vai-se sabendo um pouco da vida de muito mais gente. Pois bem, enquanto uma funcionária de empresa aérea corria de sala em sala chamando, na base do grito, os passageiros de determinado voo (trata-se de um interessante sistema de aviso sonoro que elimina a fria impessoalidade metálica dos autofalantes) comentei alguma coisa com um vizinho de banco a respeito do caos reinante. Respondeu-me ele com uma fé inabalável buscada na sacristia de suas confianças cívicas: Até a Copa de 2014 tudo estará solucionado. Horas mais tarde, já embarcado, as palavras ainda ressoavam em minha mente. Até a Copa. Quando a Copa começar. Em 2014. Por enquanto vamos assim, mas em 2014... Percebi que esse mesmo ano integra o horizonte de todas as promessas eleitorais de 2010. Aqui no Rio Grande do Sul, os principais temas suscitados na campanha sucessória do ano passado, temas candentes do discurso oposicionista que levou ao poder o candidato Tarso Genro, foram imediatamente catapultados para aquele ano, o ano da Copa, o término mandato, o ano da graça de 2014. No plano federal, chega a ser surpreendente que as mesmas pessoas que acreditaram no discurso de que tudo já estava resolvido em 2010, agora firmem convicção de que tudo estará resolvido em 2014. Contaram-me sobre uma senhora que levou o filho pequeno para cirurgia de fimose num hospital credenciado junto ao SUS. Demorou tanto a marcação do procedimento que quando chamado, o paciente, já idoso, relatou um problema de próstata. Exagero, exagero. Mas tudo estará solucionado em breve. Dos gargalos do SUS à supremacia numérica, bélica e organizacional da bandidagem em relação às forças policiais. E a própria corrupção. Dizem que ela vai acabar graças ao fim dos sigilos e aos utilíssimos portais da transparência. Já pensaram? Um corrupto flagrado num portal desses? Que desprestígio para a categoria! É caso para expulsão do sindicato. Mas por enquanto vamos assim, sabendo que tudo estará resolvido até 2014, ano da Copa. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

12/05/2012
Usando as palavras do macaco Sócrates no extinto programa humorístico Planeta dos homens: ... eu só queria entender. No infinito conjunto das diferenças que permitem tornar distinguíveis entre si bilhões e bilhões de pessoas só há uma coisa em que todas são rigorosamente iguais - a dignidade natural. Da rainha Elizabeth ao selvagem txucarramãe, todo ser humano é portador da mesma e eminente dignidade. Desse ensinamento, nascido da tradição judaico-cristã, derivou o que de melhor se pode colher no pensamento ocidental para inspirar a busca da harmonia em meio às diversidades. Constatar que as diversidades existem, reconhecer méritos e deméritos, são alguns dos inúmeros atos cotidianos que podem implicar diferenciação e discernimento sem, contudo, representarem agressão a alguém. Mas nem sempre é assim. Todos já presenciamos discriminações ofensivas à dignidade humana em virtude, por exemplo, de pobreza, raça, defeitos físicos, deficiências mentais, sexo e inclinação sexual, religião, posição social. Quem barra o negro por ser negro, segrega o índio por ser índio, vira as costas ao pobre por ser pobre, ridiculariza o feio por ser feio, abandona o enfermo por ser enfermo, impede o crente de se manifestar por ser crente, ou agride o homossexual por ser homossexual, comete transgressão que pode, conforme o caso, caracterizar delito sujeito às penas da lei. São muitas as formas em que se manifesta essa discriminação viciosa, quando não criminosa. Em todos os casos, quem resulta afrontada é a pessoa humana em sua dignidade, em sua integridade e em seus direitos. Ponto. Submeter alguém a trabalho escravo, por exemplo, é ofensa à dignidade de um ser humano e não a um ser humano branco, ou negro, ou pobre, ou mestiço. Essa ideia de classificar as pessoas segundo o que as distingue é coisa de marxista. E leva à clássica simplificação a que chegam os totalitarismos nos quais as pessoas ou são companheiras ou são inimigas. Um dos resultados dessa reclassificação da humanidade por classe, gênero, ordem, espécie, como se fôssemos insetos, leva aos atuais absurdos. Determinados grupos sociais que se têm como objetos de discriminação, passam a exigir agravamento de penas para os delitos praticados contra indivíduos do respectivo grupo ou subgrupo e/ou reclamam tratamento privilegiado em determinadas circunstâncias do cotidiano social. Denominam a isso de discriminação positiva. Tal expressão e as respectivas práticas nasceram nos Estados Unidos com o nome de positive discrimination, recentemente substituído por affirmative actions como forma de contornar o peso negativo da palavra discriminação que é inerente a essas políticas. É como se os respectivos indivíduos e grupos emergissem para um estamento social superior ao dos demais, catapultados por presumíveis créditos coletivos. São ideias que me vêm à cabeça quando vejo, por exemplo, um advogado de 35 anos sendo indenizado por ter nascido em Londres. E o que é pior: recebendo a indenização. Esse rapaz era neto de um fazendeiro riquíssimo, chamado João Belchior Marques Goulart. Na condição de descendente de um avô exilado, passou pelo terrível constrangimento de nascer e viver alguns anos na Europa. Querem outro exemplo? Duas colegas e amigas, egressas do mesmo curso superior, prestam concurso público. Uma é branca e a outra, negra. Durante as provas, amigas que são, acompanham os respectivos desempenhos. A moça branca sai-se melhor. No entanto, a amiga, que se inscreveu como cotista, conseguiu aprovação e nomeação, ao passo que a outra, embora com melhores notas, ficou de fora. Não se tratava, aqui, de franquear a alguém o ingresso num curso universitário alargando-lhe a porta do vestibular. O que também seria abusivo. Não. Ambas já haviam superado essa fase. Ambas portavam idêntico diploma do mesmo curso superior. A que foi aprovada no concurso não obteve sucesso pela produtividade intelectual, mas pela produtividade de melanina. Não existe melhor maneira de uma sociedade enredar-se num novelo de injustiças e contradições do que desconhecer a igual dignidade de todos os seus membros. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

08/05/2012
LAVANDO ESTÁTUAS DE BARRO Percival Puggina Nessas denúncias da Record contra a Veja, o que chama a atenção não é o que a Record apresentou como se fosse a versão patropi do caso Murdoch. Aliás, diante do que vi e li até este momento, cabe perguntar: a revista induziu seus leitores a algum erro? Cometeu algum crime? Não há erro em receber informações de um contraventor ou mesmo de um criminoso. A polícia faz isso todos os dias! Criminosos são admitidos em juízo como testemunhas. Até a CPI do Cachoeira quer ouvi-lo como testemunha. Por que não poderia a Veja buscar informações junto a ele? Que ele as tinha está mais do que evidente. A presidente Dilma teria incorrido em pusilanimidade se tivesse demitido seus ministros diante de acusações em que não vislumbrava fundamento algum. Apenas diante de notícia de jornal. A grande maioria das denúncias que levaram à queda de ministros dos governos petistas já eram objeto de antigas investigações dos órgãos de controle e da PF. O que, de fato, chama a atenção é o modo como a imprensa chapa branca e os jornalistas lulistas, dilmistas e petistas fanáticos (gente que gosta de estadistas, bem se vê), aproveitam-se dessas notícias para tentar lavar e enxaguar a honra de quem não tem. Estão lavando estátuas de barro. Quando terminarem de lavar não ficou coisa alguma.

Percival Puggina

05/05/2012
Acho curioso o modo como por vezes são levados os debates. Se eu criticar os Estados Unidos pela guerra no Iraque ou pelo que acontece na prisão de Guantánamo, ninguém na face da terra vai me cobrar uma crítica ao regime cubano. Ninguém. Todos aceitarão que exerço um direito natural de opinião. Mas se disser qualquer coisa sobre a miséria, o totalitarismo e a opressão que pesa sobre a sociedade cubana imediatamente se forma fila para cobrar posição sobre abusos praticados pelos EUA. Entenderam? Junto à intelectualidade brasileira, para falar mal do comunismo tem que pagar pedágio. Será o comunismo, como proclamam, uma utopia, uma ideia generosa? Seus 100 milhões de cadáveres devem ficar se revirando na cova. Foi um ideal alheio que lhes custou bem caro! Infelizmente mal conduzido, amenizam alguns cocmpanheiros. Que tremendo azar! Uma ideia tão generosa e não produziu um caso medíocre que possa ser exibido sem passar vergonha. Durante um século varreu com totalitarismos boa parte da Ásia e da África, criou revoluções na América Ibérica, instalou-se em Cuba e não consegue apresentar à História um único, solitário e singular estadista. Que falta de sorte! Tão generoso, tão ideal, tão utópico, e nenhuma coisa parecida como democracia para botar no currículo. E há quem creia que ainda pode dar certo. Quanto ao sistema econômico que ficou conhecido como capitalismo (que não é sistema político nem ideologia), eu afirmo que seu maior erro foi aceitar conviver com uma designação deplorável. Contudo, chamem-no assim, se quiserem, embora, a exemplo de João Paulo II, eu prefira denominá-lo economia de empresa. Suas vantagens sobre um modelo de economia centralizada, estatizada, são irrefutáveis na teoria e certificadas pela prática dos povos. É um sistema que não foi concebido por qualquer intelectual. É um sistema em construção na história, muito compatível, também por isso, com a democracia. Promove a liberdade dos indivíduos e a criatividade humana. Reconhece a importância do mercado. A maior parte dos países que adotam esse sistema atribui ao Estado, em sua política e em seu ordenamento jurídico, a tarefa de zelar pelo respeito às regras do jogo em proteção ao bem comum. Aliás, quem quiser organizar as coisas desconhecendo a autonomia do econômico, submetendo-o a determinações que contrariem o que é da natureza dessa atividade (lembram dos tabelamentos de preços?) vai se dar mal. Vai gerar escassez, câmbio negro, fome. Digam o que disserem os arautos do fracasso do sistema de economia de empresa em vista da crise que afeta alguns países, os embaraços deste momento só se resolverão com atividade empresarial, comércio, pessoas comprando, indústrias produzindo, pesquisa e investimento gerando, expandindo e multiplicando a atividade produtiva. Outro dia, nas redes sociais, alguém acusou o capitalismo de haver matado milhões. E não deixava por menos. Dezenas de milhões! O sistema? Onde? O capitalismo pode não resolver muitos casos de pobreza. Mas essa pobreza sempre terá sido endêmica, cultural, estrutural, de causa política. Não se conhecem sociedades abastadas que tenham empobrecido com as liberdades econômicas. Tampouco confundamos economia livre, de empresa, com colonialismo ou mercantilismo. Qualquer economia que queira prosperar e realizar desenvolvimento social sustentável vai precisar do empreendedorismo dos empreendedores, da geração de riqueza e de renda, e de coisas tão desejáveis quanto produção e consumo, compra e venda, lucro, salário e poupança interna. Quem quiser atraso vá visitar os países que ainda convivem com economias centralizadas: Coreia do Norte e Cuba, onde só o armamento da polícia e das forças armadas não é sucata. Ali se planta com a mão e se mata lagarta com o pé. E o povo vive da mão para a boca, prisioneiro do ideal generoso que alguns insistem em impingir aos demais. O Brasil vem sendo governado por socialistas e comunistas há mais de uma década. Embora não ocultem, no plano da política, as intenções totalitárias que caracterizam sua trajetória, num sentido geral vêm respeitando os fundamentos do sistema econômico no qual ainda engatinhamos. E, algo que muito os agrada, vão extraindo dividendo político de seus resultados. Mas procedem com indisfarçável esquizofrenia. Agem de um modo, falam de outro e vão enganando os bobos. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

05/05/2012
Gosto de analogias. E foi essa que me ocorreu quando li, em ZH, que sobram vagas para cotistas na UFRGS. Pode? No Brasil pode. Calça e sai andando. Aliás, com as tais de cotas, criou-se uma inadequação nas duas pontas do fio em que se enreda e desequilibra a sociedade brasileira. Quem assistisse às sessões nas quais o STF se manifestou pela constitucionalidade das cotas no vestibular da UnB poderia imaginar que a Lei Áurea, decorridos 124 anos, ganhava um upgrade decisivo e definitivo. Era como se a desigualdade social causada pelos séculos de escravidão estivesse sendo resolvida por dez homens e uma sentença. Não, não estou exagerando. Quem exagerou na retórica e na cena foram os ministros. Com a adoção de cotas, reiteradamente proclamada como transitória para não ser inconstitucional (palavras dos próprios, seguindo o relator), servia-se, enfim, justice sociale à la suprême no cardápio da universidade brasileira. Tudo provisório porque, graças a essa breve degustação, o Brasil logo apresentaria ao mundo uma fisionomia mais simétrica. Não fosse provisório, seria inconstitucional, claro... Retórica de fancaria, enganosa, mas ao gosto da tese e da turma. É bom que saibamos: hoje, constitucional é o que a maioria do STF tem por justo. Ou por necessário. Ou por conveniente. Ou por correspondente ao clamor das ruas. Ou por imperioso ensinar às ruas. A escolha de qualquer desses critérios depende do caso e da opção de cada ministro. Basta, depois, para explicar o inexplicável, pinçar os dóceis princípios constitucionais e manipulá-los como massinha de moldar. Não subestimem a situação aplicando-lhe certas ideias que andam por aí a respeito de insegurança jurídica. A coisa é bem mais grave. Querem uma evidência? Os canais de tevê das duas casas do Congresso perdem audiência. É no canal do STF que acontece a real action, onde estão as novas celebridades, e onde as grandes questões se decidem. Que parlamento, que nada! E não esqueçam: o sistema de indicação dos ministros do Supremo foi concebido quando a reeleição presidencial era vedada. Em tese, a cada quatro anos mudariam os critérios de escolha. Hoje, oito dos onze membros da corte foram recrutados pela corrente política que encilhou o poder há mais de uma década. Por outro lado, enquanto sobra sapato na ponta da universidade, a ponta do ensino fundamental anda de pé no chão. Para cada beneficiário de cotas raciais em atos de formatura do Ensino Superior, centenas de crianças com produção de melanina semelhante à do formando estão recebendo uma educação inicial de péssima qualidade. É equivocado afirmar que se cristalizam assim as injustiças sociais. Assim elas se reproduzem! Multiplicam-se, celeremente, na falta de planejamento familiar e numa realidade socioeducacional que só é vista de julho a setembro, em ano de eleição. O STF deu mais uma prova de que a justiça discrimina. Se duvidar, pergunte às ruas. No subsolo do Brasil, nas senzalas do século 21, quem não faz discriminações, raciais ou sociais, leitor, é a injustiça. Ali, brancos, pretos e pardos são irmãos na miséria. Porque ocupam a franja do tecido social, dispõem do mesmo ensino público de péssima qualidade, abandonado pelo caminho por milhões de crianças, analfabetas funcionais, que ficam sem o molde da chave que abriria a porta dos salários dignos e dos méritos acadêmicos. Não fosse bastante, ainda serviram como cobaias para experiências pedagógicas tão fajutas e ruinosas quanto ideológicas e renitentes. ZERO HORA, 06/05/2012