Percival Puggina

28/01/2015

 A execução de um traficante brasileiro na Indonésia trouxe a aplicação desse tipo de pena à pauta nacional. É impossível fazer de conta que o assunto não existe. Existe sim e é importante pensarmos sobre ele.

A pena de morte é moralmente aceitável? Como católico, recorro com segurança e convicção à tradicional doutrina da Igreja. O que ela me ensina a esse respeito? Ensina que sob o ponto de vista moral, há enormes distinções entre a dignidade do agressor e a dignidade do agredido, entre a situação concreta do inocente e a do culpado. Também ensina que deve existir uma proporcionalidade entre a agressão e a respectiva reação. Me diz que isso vale tanto para o conflito entre dois indivíduos, quanto para a situação em que um indivíduo fere o bem da sociedade. Mantém-se igualmente aqui o princípio da proporcionalidade.

Ora, o tráfico de drogas é a ação criminosa que responde pelo maior número de mortes violentas no Brasil. Apela para métodos infames de sedução, atingindo muito preferencialmente a juventude, no momento de aprendizado do exercício da liberdade individual. A partir daí, a droga passa a afetar as decisões do dependente e desencadeia um verdadeiro terremoto nas relações familiares e sociais. O traficante faz, de cada vítima, uma caixa de Pandora aberta, a semear males pelo mundo. O tráfico é usina a gerar tragédias, a produzir cadáveres. E a povoar de zumbis as cracolândias. Essa atividade criminosa disputa com o terrorismo, e por enquanto vai vencendo, a título de maior mal do século 21.

O Catecismo da Igreja Católica, quando trata da pena de morte, no nº 2267, afirma que "se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana". No entanto, ainda no mesmo nº 2267, esclarece que "a Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade de culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto".

São João Paulo II, na encíclica Evangelium Vitae, nº 56, ensina: "Claro está que, para bem conseguir todos estes fins, a medida e a qualidade da pena hão de ser atentamente ponderadas e decididas, não se devendo chegar à medida extrema da execução do réu senão em casos de absoluta necessidade, ou seja, quando a defesa da sociedade não fosse possível de outro modo. Mas, hoje, graças à organização cada vez mais adequada da instituição penal, esses casos são já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes".

Pois bem, se há algo tão comprovado quanto a plural malignidade do tráfico de drogas é a impotência do sistema penal para reprimi-lo através do encarceramento dos traficantes. Ou os grandes traficantes, desde o interior dos estabelecimentos penais, dão continuidade a seus negócios, ou as sucessões de comando preservam a atividade das organizações criminosas.

Por tudo isso, considero perfeitamente justificável, perante o ensino moral da Igreja, a aplicação da pena de morte ao crime de tráfico de drogas no Brasil, sem desconhecer, é claro os impedimentos taxativos impostos pelo irrealismo da Carta de 1988.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

25/01/2015

 

 Ao congregar sob um só comando Estado, governo e administração, na figura onipotente da presidência da República, nosso modelo institucional produz um grave déficit democrático e um enorme ônus aos pagadores de impostos. Essa fusão só pode dar confusão. A função governo, que é transitória, deve ser partidária. Nisso andamos certos. Mas constitui um completo disparate partidarizar e aparelhar, simultaneamente, o Estado e a administração. Estes, são permanentes.

A partidarização do Estado, vou ficar com este fio do problema, tem determinado as grandes trapalhadas da nossa política externa. Aponto, entre muitos outros, os casos com Honduras, Paraguai, Bolívia, Israel, Itália, Cuba, Irã e Indonésia. Em todos esses, e em muitos outros, ou o Brasil traspassou, varou, o princípio constitucional de respeito à soberania das demais nações ou foi na contramão das melhores tendências internacionais. Isso para não falar na magnanimidade dos governos petistas para com ditadores africanos e sul-americanos, malbaratando recursos nossos em nome da ambicionada cadeira no Conselho de Segurança da ONU.

Andando por esses descaminhos ideológicos, seguindo a cartilha do Foro de São Paulo, o Brasil foi parar no Haiti. Corria o ano de 2004 e a ONU criara o MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para estabilização do Haiti). Transcorreu uma década, o Brasil comanda a missão, e já enviamos ao Haiti mais de 30 mil homens. E agora? Bem, agora a recíproca revelou-se verdadeira. Agora, o Haiti é aqui.

Vinte mil haitianos aparecem no Acre. No Acre? Sim, o governador do Acre é petista. A revista Veja, em 2/02/2014, assim descreve a rota dos haitianos: "Até cruzar a fronteira do Brasil, os haitianos viajam dias a partir da República Dominicana, país vizinho ao Haiti. De lá, embarcam para o Panamá e para o Equador, que não exige visto de entrada. Alguns permanecem no país por algum tempo até juntar dinheiro para o resto da viagem. De Quito (Equador), cruzam o Peru até a cidade de Puerto Maldonado, onde atravessam de carro a fronteira do Brasil e chegam à cidade de Assis Brasil (AC). A corrida de táxi até Brasileia custa 20 reais."

Do Acre, os haitianos dirigem-se, preferentemente, para São Paulo, não por acaso, cidade administrada pelo PT, o que deixa essa longa história, do início ao fim, sob orientação de certa diretriz partidária. Todas as informações que se têm sobre a recepção aos haitianos não permitem um louvor à dedicação humanitária de quem lhes abriu nossas portas. Se o país os acolhe num gesto humanitário, não é correto tratá-los miseravelmente. E eles estão submetidos a condições inumanas de recepção e encaminhamento.

O governo já anunciou que está em elaboração uma Lei de Migrações, para substituir o Estatuto do Estrangeiro, atualmente em vigor. Mas parece que antes de sair a lei já sepultou o Estatuto, segundo o qual a "imigração objetivará, primordialmente, propiciar mão-de-obra especializada aos vários setores da economia nacional, visando à Política Nacional de Desenvolvimento em todos os aspectos e, em especial, ao aumento da produtividade, à assimilação de tecnologia e à captação de recursos para setores específicos".

Nada justifica acolher os haitianos para, depois, jogá-los à própria sorte, dispersos num país de proporções continentais. Os petistas administram as questões internacionais com o mesmo desleixo com que tratam das questões nacionais.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

22/01/2015

Em setembro de 1980, a jornalista Janet Cooke trabalhava na seção de temas "Semanais" do Washington Post, onde, para ingressar, inflara significativamente seu nível de formação profissional. Nessas condições, ela escreveu um artigo - "Jimmy's World" - no qual relatou a surpreendente história de um menino de oito anos que se tornara adicto à heroína, levado a isso pelo namorado da mãe. A história teve enorme repercussão. Enquanto ela "preservava sua fonte" (o caso inteiro era uma invenção), as autoridades se empenhavam, inutilmente, em procurar pistas que levassem à criança. Dentro do próprio jornal surgiram dúvidas sobre a veracidade do relato. A direção, porém, bancou a funcionária e sua matéria. Candidatou-a ao cobiçado "Pulitzer Price for feature writting" (textos de especial interesse humano). Eram negros, o menino, o namorado da mãe, a mãe e a jornalista. O principal postulante do prêmio para a autora de Jimmy's World dentro da comissão de seleção era um militante negro, interessado em revelar aos brancos a realidade das drogas na comunidade negra.

Janet Cooke ganhou o mais cobiçado troféu do jornalismo norte-americano. Só foi desmascarada, dias após, porque a divulgação de seu perfil profissional fez com que a universidade onde obtivera o bacharelado suspeitasse de que tudo mais que ela dissera de si mesma era falso. E a teia das mentiras foi se rompendo. O Post divulgou o que ficara sabendo, extraiu a confissão da moça, e pediu a retirada do prêmio.

Pois bem, existem mentiras de todo tipo, mentiras piedosas, mentiras avulsas. Existem, também, como no relato acima, mentiras que envolvem compromissos. Estas últimas são construídas dentro de uma rede de solidariedade. Precisam de apoios. Precisam de quem as repita e de quem as referende.

Agora, passo ao Brasil. São mentiras assim que estão em curso no nosso país, já há bom tempo. Graças a elas, a Nação é empacotada como besouro colhido em teia de aranha. Usadas como instrumento da política, essas mentiras são multiplicadas graças à teia de solidariedade entre interesseiros mentirosos, que acabam envolvendo nela a nossa liberdade e a nossa vitalidade como indivíduos e cidadãos. Os compromissos firmados em torno das mentiras paralisam a Nação. Não esqueçamos: a aranha tem objetivo final bem conhecido em relação à sua presa.

Poderíamos usar a fórmula e a cadência de certos preceitos mágicos incluídos na Constituição Federal e afirmar que, aqui no Brasil, a mentira é direito de todos. E dever do Estado. De fato, nossa legislação protege o mentiroso. E ninguém mente mais à Nação do que o Estado. Durante a campanha eleitoral, a presidente Dilma mentia para trás, vangloriando-se de inexistentes realizações e conquistas dos governos petistas. Mentia para a frente, anunciando um futuro brilhante para o próximo quadriênio. Atribuía, falsamente, intenções perversas a seus opositores. Essas mentiras eram repetidas, país afora, por uma rede de multiplicadores formada por milhões de ativistas.

Findo o pleito, mantida a cadeira e a caneta, a presidente passou a fazer nada do que havia prometido. E foi adiante. Jogou inteiro sobre a sociedade o saco de maldades que, durante a campanha, ela mesma se encarregara de pendurar nas costas de seu adversário. Mesmo assim, são poucos, muito poucos, os que erguem a voz para denunciar que caímos numa rede de mentiras ante as quais nada podemos fazer porque, como disse, no Brasil, a mentira é direito de todos. E dever do Estado.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

21/01/2015

Excelência, fale apenas por si. A nós, o que nos deixa indignados é o tráfico!

 A execução de alguém é, sempre, um ato de extrema violência, que agride nossa sensibilidade. Na madrugada de ontem, na Indonésia, um cidadão brasileiro sentiu o peso da lei local que aplica a pena máxima para o crime de tráfico de drogas. Há dez anos, Marcos Archer entrara no país com 13 quilos de cocaína escondidos nos tubos de uma asa delta. Apanhado pelo raio-x do aeroporto, conseguiu fugir, mas foi capturado dias depois. Simultaneamente, também foram executados um holandês, um malauiano, um nigeriano, uma mulher vietnamita e uma cidadã do próprio país.

Nossa presidente, a mesma pessoa que sugeriu mediação internacional (por que não foi por conta própria?) para resolver a sequência de crimes contra a humanidade que estão sendo cometidos pelos fanáticos do ISIS, primeiro pediu clemência, depois se disse "consternada e indignada" e, por fim, engrossou ainda mais chamando nosso embaixador em Jacarta para consultas. O Itamaraty afirmou que o fato estabelecia "uma sombra" nas nossas relações com a Indonésia. Excelências, sombrio é o tráfico!

Não é paradoxal? Nem uma só palavra foi dirigida por nosso governo para desculpar-se ante as autoridades de lá pelo fato de um cidadão brasileiro haver tentado levar para dentro do país delas o pó da morte que passeia arrogantemente pelas esquinas, ruas e estradas do Brasil. Foi o governo da Indonésia, com suas leis duras contra o tráfico, que indignaram o governo brasileiro.

Certamente, para cada traficante morto na Indonésia, um país onde esse mal deve ter proporções pequenas, morrem no Brasil dezenas de milhares de seres humanos, vítimas da droga e do ambiente criminoso que em torno dela se estabelece. A pergunta que faço é: o que é melhor? Punir o tráfico com tal severidade que o sentido de preservação da própria vida acabe com ele, ou perder milhares de vidas por ano, executadas direta e indiretamente pelos traficantes? A quem deveria convergir mais firmemente nossa sensibilidade, racionalidade e indignação?

Note-se que nas execuções de ontem havia apenas uma pessoa da Indonésia. As demais eram estrangeiras. Não disponho de estatísticas mais amplas do essa pequena amostra, mas ela sugere que os indonésios não andam muito dispostos a enfrentar a lei local nesse particular.

A leniência com a criminalidade, que se expressa tanto na nossa legislação quanto nas proteções e garantias que oferecemos aos criminosos, transformaram o Brasil numa terra sem lei, a partir do topo da pirâmide social.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

19/01/2015

 


 O ataque à revista Charlie Hebdo foi mais uma entre milhares de ações violentas praticadas por fanáticos muçulmanos contra "infiéis" de outros credos e, principalmente, por muçulmanos contra muçulmanos. No momento em que escrevo, a contagem de tais atos, iniciada depois do ataque às Torres Gêmeas, registra 24,8 mil eventos. À chacina do Charlie, já se somam outros seis atentados no Paquistão, na Nigéria, no Líbano, no Afeganistão, no Egito e, novamente, na França, dia 9.

Obviamente, entre 1,5 bilhão de muçulmanos, é pequena a parcela de fanáticos violentos, jihadistas, dispostos a passar o resto do mundo na espada. No entanto, o mundo está apreensivo. A numerosa concentração de chefes de Estado e de governo nas manifestações de Paris mostra que estamos diante de algo alarmante. Por isso, quero lembrar que, antes de ser um problema mundial, o terrorismo e o fanatismo islâmico violentos são, sobretudo, um tema para o Islamismo, tanto quanto o nazismo foi tema para os alemães, antes de se tornar problema internacional. Religião alguma deve se prestar a uma cultura de intolerância e violência! Não é de causar surpresa, portanto, diante dos fatos que estão em pleno desenvolvimento e motivando insistentes matérias jornalísticas, que já se possa identificar a existência de um temor ao Islã. Não é inteligente nem sensato negar o óbvio. O mundo sabe. O terrorismo é o mal do século. E o medo cria reações irrefletidas ou insanas. Quem pranteia ou desfila pelos milhares de vítimas silenciosas do Boko Haram?

Reflitamos, agora, sobre a criminosa e repugnante execução dos jornalistas, artistas e humoristas da Charlie Hebdo. Seres humanos foram friamente fuzilados para "vingar a honra do Profeta". Diante do ocorrido, uniram-se, com razão, as vozes do mundo num coro multilíngue, ecumênico e pluriétnico em favor da vida e da liberdade de imprensa, destacados valores da civilização ocidental. Não esqueçamos, porém, que o humorismo da revista, com frequência, é grosseiro, desrespeitoso e de mau gosto. Comete injúria religiosa, como quando representou graficamente o Pai, o Filho e o Espírito Santo em atos de sodomia. Há diferença entre a blasfêmia privada, para ofender a Deus, e a blasfêmia publicada para ofender a sensibilidade religiosa das pessoas. O ataque à revista tornou oportuno exaltarmos a liberdade de criação e de imprensa como apreciadíssimo valor da nossa cultura. Mas é bom lembrarmos - sem relação nem proporção entre causa e efeito - que o respeito aos demais, a seus valores, crenças e etnias é, também, um valor da civilização ocidental.

ZERO HORA, 18 de janeiro de 2015


 

Percival Puggina

16/01/2015

Não surpreende que o mundo esteja falando sobre o Islamismo e sobre os grupos fanáticos e violentos que o infestam. Não surpreende que, em meio à população ocidental, estarrecida com a violência religiosa, surjam manifestações de repulsa a esse credo e àqueles que o adotam (notadamente emigrantes ou descendentes de países de língua árabe). Não surpreende que ocidentais fiquem chocados com práticas culturais e religiosas que afrontam a dignidade das mulheres muçulmanas. Não surpreende que setores mais bem informados do Ocidente, que acompanham o noticiário internacional, fiquem indignados com a ação de grupos radicais que, neste momento, promovem lavagem étnica em seus territórios, extorquindo, expulsando ou matando cristãos. Não surpreende que xiitas e sunitas se atraquem em conflitos, afinal, essa disputa já dura mil e quatrocentos anos. Não surpreende que políticas anti-natalistas e abortistas tenham gerado problemas demográficos em tantos países europeus, levando-os a favorecer a emigração e a possibilitar o ingresso de grupos radicais no interior de suas fronteiras. Não surpreende, enfim, que a jihad contra os infiéis, há 14 séculos, sob o pretexto de delirantes ordens divinas, promova ataques violentos ao mundo ocidental. Nada disso causa surpresa. Nós nos lembramos desses males cada vez que passamos por uma inspeção de segurança em qualquer aeroporto do mundo.

O que surpreende - a mim, pelo menos, muitíssimo! - é o silêncio do mundo Islâmico. Como é possível que essas coisas aconteçam de modo tão disseminado, em tantas sociedades muçulmanas, sem que os próprios muçulmanos movam uma palha sequer para enfrentar essa questão? Existem no mundo 1,5 bilhão de seguidores do Profeta e a imensa maioria dessas pessoas nada tem a ver com jihad, detesta violência e quer viver em paz sua vida espiritual, social e familiar.

Não esqueçamos que no próprio Ocidente moderno surgiram o comunismo, o nazismo e o fascismo. Com eles, presenciou-se uma onda de violência que dizimou bem mais de cem milhões de seres humanos. Essa trinca sinistra foi um fruto de uma cultura que se considerava civilizada. O nazismo e o fascismo, antes de se tornarem uma questão internacional e levarem o mundo à guerra, foram um assunto da Alemanha e da Itália. Primeiro tiveram a tolerância em seus países; depois conquistaram o coração de suas populações; em seguida impuseram o tacão totalitário sobre seus povos. Finalmente, incendiaram a Europa.

Perante tão recentes e óbvias lições da História, surpreende o silêncio do mundo islâmico sobre esse germe do mal instalado dentro de suas fronteiras. Mesmo que não possamos considerá-lo uma unidade política, ou mesmo religiosa, seu silêncio e omissão são e serão consequentes. Silencioso e inativo, o bem pode ser tão maligno, ou ainda mais maligno do que o mal em plena atividade.

* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

15/01/2015

 

Zero Hora deste sábado publica artigo escrito por um jovem vestibulando. Em redação que lhe asseguraria boa nota no ENEM, ele discorre sobre a necessidade de se ter sonhos e lutar por eles. Afirma que os sonhos mais nobres são os de ajudar a sociedade ou, quem sabe, mudar o mundo. E exemplifica: "Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, Martin Luther King Jr. e Ernesto Che Guevara são exemplos de homens que corajosamente desafiaram a opressão que lhes era imposta e ajudaram, cada um à sua maneira, a construir um mundo diferente: um lugar mais justo, igualitário, livre da tirania e feliz".

 Fiquei pensando: o que faz Che Guevara nessa lista? Quem terá apresentado o vampiro argentino a esse jovem como modelo de nobreza, idealismo e valores humanos? Muito provavelmente algum desses professores a serviço de uma ideologia sanguinária, homicida e tirânica que não se constrangem em mentir para conquistar corações e mentes... Em algum momento, esse jovem foi apresentado à versão comunista do Che. Os comunistas, sabemos todos, são péssimos construtores daquilo que propõem, jamais produziram uma democracia, um estadista, uma economia comunista que se sustentasse, mas são ótimos construtores de versões sobre o que fazem.

A versão sobre Che inclui frases a respeito de idealismo, um mundo melhor, ternura, solidariedade, disposição para sacrificar a própria vida. Mas esconde as que efetivamente revelam a dimensão ativa de seu caráter revolucionário. Relaciono algumas, a seguir. O leitor interessado as encontrará facilmente na rede, mas se quiser um infinidade de outras e de relatos sobre a brutal morbidez do argentino, poderá encontrá-las aqui e aqui.

1. “Louco de fúria, mancharei de vermelho meu rifle estraçalhando qualquer inimigo que caia em minha mãos! Com a morte de meus inimigos preparo meu ser para a sagrada luta, e juntar-me-ei ao proletariado triunfante com um berro bestial!”

2. “O ódio cego contra o inimigo cria um impulso forte que quebra as fronteiras naturais das limitações humanas, transformando o soldado em uma eficaz máquina de matar, seletiva e fria. Um povo sem ódio não pode triunfar contra o adversário."

3. “Para mandar homens para o pelotão de fuzilamento, não é necessário nenhuma prova judicial … Estes procedimentos são um detalhe arcaico burguês. Esta é uma revolução!”

4. “Um revolucionário deve se tornar uma fria máquina de matar motivado pelo puro ódio. Nós temos que criar a pedagogia do Paredão!” (O Paredão é uma referência para a parede onde os inimigos de Che eram mortos por seus pelotões de fuzilamento, e em alguns casos pessoalmente mortos pelo próprio Guevara).

5. “Eu não sou o Cristo ou um filantropo, velha senhora, eu sou totalmente o contrário de um Cristo … eu luto pelas coisas em que acredito, com todas as armas à minha disposição e tento deixar o outro homem morto, de modo que eu não seja pregado numa cruz ou qualquer outro lugar. “

6. “Se qualquer pessoa tem qualquer coisa boa para dizer sobre o governo anterior, para mim já é bom o suficiente matá-la.”

7. Che queria que o resultado da crise dos mísseis em Cuba fosse uma guerra atômica: “O que nós afirmamos é que devemos proceder ao longo do caminho da libertação, mesmo que isso custe milhões de vítimas atômicas”.

8. “Na verdade, se o próprio Cristo estivesse no meu caminho eu, como Nietzsche, não hesitaria em esmagá-lo como um verme.”

9. “É muito triste não ter amigos, mas é ainda mais triste não ter inimigos.”

Tradução: Emerson de Oliveira
Fonte: http://www.ihatethemedia.com/

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

11/01/2015

São tantas as investidas do governo da União contra a autonomia dos Estados e municípios que já não as vemos como investidas nem como anomalias institucionais. Quando a presidente Dilma convidou José Eduardo Cardozo para o Ministério da Justiça, ela estava sinalizando para um agravamento dessa situação e para uma radicalização à esquerda em seu governo. O novo ministro pertence à nata do Foro de São Paulo, em cujas reuniões desfia sua oratória revolucionária. Por convicção política o ministro só pode ser partidário da centralização, do acúmulo de poder, da unidade de comando.

Não apenas o Ministério da Justiça operará com tais propósitos. Assim será, também, o conjunto do governo por imposição racional das políticas petistas. A democracia como vista por nós, cidadãos comuns, não é a mesma que o PT propõe. Para o partido governante no Brasil, a nossa democracia é burguesa, frágil e pronta para ser comida pelas bordas.

O senhor Cardozo, em recente entrevista ao Estadão, expôs seus projetos para a Segurança Pública, com destaque para a construção de uma estrutura permanente de colaboração das polícias estaduais com a federal. Editorial do mesmo jornal informa que o governo encaminhará ao Congresso um projeto de emenda à Constituição, ampliando o elenco de crimes em relação aos quais passaria a haver competência da União para intervir. No outro lado da cancha, garante o ministro, os Estados conservariam as prerrogativas atuais. Com as palavras de Sua Excelência: "Hoje não posso impor para a PM do Estado normas operacionais. Mas, se tiver uma competência concorrente, posso ter a União estabelecendo diretrizes gerais sem suprimir a possibilidade de os Estados tratarem do mesmo assunto".

Enquanto planeja uma nova maneira de intervir nas competências dos entes federados, o governo petista descuida do próprio rabo. Sim, porque existe um bom elenco de crimes constitucionalmente postos na alçada federal. Entre eles, estão os praticados por autoridades da República, que têm sido investigados com maior sucesso pela mídia nacional do que pelos órgãos federais incumbidos de fazê-lo. E vale lembrar ao ministro que também são de competência federal, entre outros, os crimes sempre bilionários contra o sistema financeiro, a lavagem de dinheiro, o contrabando e o descaminho. E lá também está o rabo do macaco estendido no meio da avenida.

Nas modernas democracias constitucionais, descentralização é um quase sinônimo de democratização. Pelo viés oposto, centralização é um quase sinônimo de autoritarismo, ou totalitarismo, ou tirania. É algo assim que está em curso no Brasil, de um modo escancarado. O governo da República se sente dispensado de disfarçar o caráter autoritário, totalitário ou tirânico de suas incursões pelas unidades federadas distribuindo dinheiro e brindes como se a vida nacional fosse um grande programa de auditório em que a falsa generosidade arranca abobalhados aplausos.


* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

09/01/2015

 


 Em junho de 2014 minha mulher e eu fomos conhecer Istambul. Não por coincidência, procedíamos de Roma. Quiséramos, de fato, experimentar esse salto abrupto, proporcionado por pouco mais de duas horas de voo, entre as duas cidades milenares - a Roma do Ocidente e a Roma do Oriente.

 Encontramos uma Istambul fortemente ocidentalizada. O trânsito caótico, aliás, lembra muito o de Roma. No entanto, sobre a buzinação dos automóveis e o ruidoso assédio dos comerciantes é possível ouvir, cinco vezes ao dia, a miríade de minaretes reproduzirem a voz do muezin chamando à oração. É assim que a gente se lembra, frequentemente, de estar num país islâmico.

 Durante séculos, o panorama das cidades do mundo cristão foi marcado pela visibilidade das torres das igrejas. Elas se erguiam acima das demais edificações, ganhando altura e sinos exatamente para assinalarem a presença do sagrado. Com o tempo, porém, nos grande centros urbanos, os arranha-céus superaram as torres, os sinos calaram e as igrejas sumiram na paisagem. Em Istambul, diferentemente, os minaretes, sempre visíveis, preservam sua importância simbólica para a religiosidade da população muçulmana.

Daquele primeiro contato com um país islâmico, ficaram-nos duas importantes constatações. Primeiro, foi o fato de que, em momento algum, qualquer de nós - minha mulher e eu - ocidentais, católicos, praticantes, nos sentimos estranhos perante a religiosidade da população local, suas expressões de fé, suas mesquitas, seus cantos e suas práticas religiosas. Tudo nos pareceu bom, digno e respeitável. Ficou ainda mais difícil, então, entender a existência, no Ocidente, de pessoas e organizações que, se dizendo agredidas por manifestações públicas de religiosidade, pretendem aboli-las.

Segundo, foi perceber que não existe, na Turquia, interdição ou rejeição a outras religiões, seus símbolos e suas práticas. Certamente entre outros, há templos católicos, evangélicos e sinagogas, revelando o caráter moderno e civilizado do povo. Um bom exemplo dessa virtude torna-se nítida no interior de Santa Sofia, ou Agia Sophia (Sagrada Sabedoria). Aquela magnífica construção foi catedral de Constantinopla durante 11 séculos. Com a tomada da cidade pelos seljúcidas, em 1453, foi convertida em mesquita. Em 1935, virou museu. Ao visitá-la, observam-se, por toda parte, símbolos cristãos e tentativas de recuperar mosaicos com temas católicos que haviam sido recobertos com tinta durante seu uso como mesquita. Deixamos Santa Sofia pensando sobre a extravagante sensibilidade que faz certas pessoas, em pleno século 21, se sentirem constrangidas, agredidas, com a visão de um crucifixo ou de outro símbolo religioso em local público.

Estas reflexões, me levam, enfim ao ataque terrorista à redação do Charlie Hebdo. Assim como há o ateísmo como doença mental (presente em todas as experiências comunistas do século 20), existe a religiosidade como doença mental, perceptível nos fanatismos e no jihadismo que, com violência crescente, se verifica no islamismo. A intolerância é um mal que pode afetar tanto os crentes quanto os ateus. Não é um mal inerente à crença ou à descrença. É um mal do indivíduo.

Os cartunistas do semanário francês não foram as únicas e singulares vítimas dessa insanidade que iniciou no século 7º e nunca teve fim. Em mais de meia centena de países, seja como vítimas do ateísmo, seja como vítimas de fanatismos religiosos, morrem 20 cristãos por dia no mundo. Centenas de milhares são constrangidos a migrar. Cinco dezenas de países os discriminam negativamente. No Iraque, por exemplo, desde 2003, a população católica perdeu 700 mil membros. Outros 450 mil deixaram a Síria. Duas centenas de igrejas cristãs foram destruídas na Nigéria, durante o último mês de outubro. Mas esses fatos não ganham manchete, não levam ninguém às praças do mundo civilizado, e não geram, na diplomacia de Dona Dilma, qualquer manifestação.

O nome disso é farisaísmo. Enquanto defende a liberdade de criação dos cartunistas franceses, designa para a pasta da Comunicação de seu próprio governo um ferrenho adversário da liberdade de imprensa, que deixou isso bem claro já no discurso de posse.

* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.