Percival Puggina

07/11/2014

 


 Raras vezes se ouviu semelhantes confissões. Confessaram em dueto, Lula e Dilma. "Eles não sabem o que somos capazes de fazer!" proclamou ele, enfático. "Nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição!" admitiu ela, faceira.

E assim foi. Nunca se viu tanta baixaria. Nunca a verdade foi tão chicoteada pela mentira. Nunca se disse tanta estupidez, porque a estupidez, de algum modo, renderia votos. Desde as eleições que sucederam o Plano Cruzado, em 1986, não se praticava no Brasil um estelionato eleitoral de tais proporções. Todas as providências, todas as urgentes providências demandadas pela péssima situação econômica e pelas deficitárias contas públicas agravaram-se por terem sido postergadas para depois das eleições. Ainda se discutem as urnas e já os preços administrados pelo governo começam a subir. A realidade nacional não podia chegar ao conhecimento do povo. Menos ainda na hora de o povo deliberar sobre quem estava mais capacitado para enfrentar a realidade.

Em todo o país, os militantes e agentes petistas exploravam a ignorância alheia advertindo que se Dilma não vencesse a eleição o Bolsa Família deixaria de existir. E isso era repetido milhões de vezes, com a face lenhosa de quem mantém acirrada inimizade com os fatos. Aécio Neves já havia apresentado e aprovado na CCJ do Senado projeto de lei que torna o Bolsa Família programa de Estado. Algo que o PT não fez, exatamente para não prejudicar sua chantagem política contra os miseráveis do país.

Numa eleição acirrada, apenas esse diabo solto já seria suficiente para alterar o resultado do pleito. Mas houve muito mais! Qualquer prefeita, candidata a reeleição, que fizesse dez por cento do que foi feito na campanha de Dilma teria seu nome retirado das urnas por decisão da Justiça Eleitoral. Imagine uma prefeita cujos garis fossem incumbidos de entregar seus "santinhos" de porta em porta! Imaginem o que faria a Justiça contra uma prefeita, lá do interior, cujos CCs se pusessem ao telefone ameaçando os moradores de determinado bairro de que as obras em execução seriam suspensas se a chefe não fosse reeleita!

Já não falo nas muitas mentiras e acusações vis que arrastaram para esta campanha o qualificativo de "a mais suja da história da República". Estas, as mentiras, revelam o fundo da alma de quem as propaga. Atenho-me, antes, ao que todos viram, assistiram e souberam. Numa eleição em que a diferença de votos ficou em dois pontos percentuais, bastaria que um desses abusos e ilegalidades não fosse cometido para que o resultado final se invertesse. Mas se entende. Quem olha a situação nacional e o esforço do petismo em impor sua hegemonia (intenção reiterada na recentíssima Resolução do Diretório Nacional do PT), sabe que o partido governante não poderia perder as eleições. Este pleito presidencial de 2014 foi disputado sob condição especialíssima: havia nele um partido que simplesmente não saberia viver sem tudo que já tem como coisa sua no patrimônio da União.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

02/11/2014

 

Todo dia recebo mensagens de petistas. Muitas procedem de gente boa, que tenta justificar moralmente seu voto em Dilma sob a alegação de que "corruptos por corruptos eu fico com os que, na minha opinião, estão conduzindo melhor o país".

Tal frase é produto de duas informações falsas. Segundo ela, a) os números do governo petista seriam favoráveis quando comparados com os do governo tucano; b) se o governo petista foi uma infindável sucessão de escândalos, com o alto comando do partido mudando-se para a Papuda, também no governo FHC houve corrupção, "como todo mundo sabe". Sabe? Veremos.

1) Os números favoráveis do governo petista

É sempre difícil e impreciso comparar situações sociais, políticas e econômicas em épocas e circunstâncias diversas. Mesmo assim, julgo importante lembrar que os anos de Lula foram mágicos para o Tesouro Nacional e para as contas públicas. Naquele período, o mercado chinês foi às compras com uma voracidade inexcedível em qualquer momento da história. Centenas de milhões de chineses passaram a demandar grandes quantidades de quase tudo que o mundo podia oferecer. Nossas commodities alcançaram preços antes impensáveis.

No governo Itamar Franco, o Brasil precisou vencer uma inflação de 80% ao mês e reverter, com severo ajuste fiscal, a má fama brasileira no mercado mundial. O governo Lula surfou na onda chinesa. O estouro dos mercados mundiais de 2008 encontrou o Brasil bem protegido por um ortopédico colchão de divisas, levando a gestão petista a julgar desnecessário adequar-se. Enquanto outros países faziam como a formiga da fábula de Esopo, o PT, deslumbrado pelo que considerava êxitos seus, brincava de cigarra. Por isso, os 12 anos petistas resultaram desastrosos política, moral, econômica e financeiramente.

O PT gosta de comparar certos dados de 2014 com os de 2002 (último ano do governo tucano). Omite, porém, o fato de que nos meses que precederam a vitória e a posse de Lula, o medo tomou conta dos mercados. A bolsa caiu, o dólar disparou e os preços subiram como precaução ante o que aconteceria se o PT, ao assumir, fizesse o que, irresponsavelmente, exigia de seu antecessor. Tal comparação, portanto, alcança requintes de desonestidade: é o PT cobrando de seu opositor o mal que ele próprio causou por ter feito uma oposição perversa e moralmente desonesta.

Os fatos divergem do que o PT gosta de proclamar: o Brasil deve muito ao governo de FHC. Agora, sob a gestão petista, apresenta um desempenho muito inferior ao dos países de seu entorno, que foram mais prudentes nas suas contas. O Brasil de Lula e Dilma malbaratou os ganhos herdados e se reencontra, agora, com os velhos males da inflação e da recessão. Ao fim e ao cabo, a gestão petista foi melhor? Melhor em quê?

2) O alvará de boa conduta passado pelo PT ao PSDB

Pela cartilha petista, escândalo no território inimigo era e continua sendo coisa que ou existe ou se fabrica. Onde houvesse o mais tênue fio de fumaça da suspeita o partido era o primeiro a chegar, com um tonel de gasolina. Apontava o dedo acusador com a suposta autoridade moral de quem jamais contou dinheiro mal havido. Foi assim que o partido, sem muito esforço, diga-se, destruiu moralmente os governos Collor e Sarney. Foi assim que o partido avançou contra o governo FHC, requerendo mais de duas dezenas de CPIs, sempre com apoio da mesma mídia que o PT hoje execra. As investidas foram tantas, tão contínuas e violentas que o prestígio do ex-presidente despencou dos elevados índices a que chegara nos pleitos que venceu. Quanto de verdade havia naquelas acusações? Não pergunte isso ao PT. Sabe por quê? Porque o PT concedeu ao PSDB um atestado de boa conduta.

Com efeito, em 2003, com a posse de Lula, os petistas não mais dependiam das CPIs para investigar coisa alguma. Passavam a dispor de todos os meios para isso. Ministério da Justiça, Controladoria-Geral da União, ABIN, Polícia Federal, Receita Federal, eram apenas alguns dentre os muitos instrumentos disponíveis. Sem esquecer, ainda, gavetas e arquivos de todos os ministérios, repartições e empresas estatais do país. Entretanto, surpresa! Empossado Lula, a inquisição petista deve ter embarcado em Alcântara rumo a algum asteróide distante. Nada foi investigado! O outrora refinado faro não capta mau cheiro sequer quando vem da sola do próprio sapato. Seus sherloques, seus produtores de dossiês, seus assassinos de reputações, que antes pareciam saber de tudo que acontecia na República, foram acometidos de um alheamento, de um autismo em que não apenas ninguém está a par do que acontece na sala ao lado, mas é a própria mão direita a primeira a desconhecer o que a esquerda faz. Sobre essa duplicidade de conduta nada se fala, nada se escreve. Quando não há explicação moralmente aceitável é preferível deixar o dito pelo não dito. E Lula maneja com perfeição a prolongada retórica do silêncio. Se, na oposição, acusavam sem evidências, cometeram crimes de injúria e difamação. Se, no governo, dispunham de meios para investigar e não o fizeram, cometeram crime de prevaricação.

Já cansei de escrever sobre isso. E só colho silêncio como resposta. É um silêncio que comprova a tese: o melhor atestado de boa conduta do PSDB é passado pelo PT. O resto é conversa fiada. Não, não sou tucano. Nem idiota.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

30/10/2014

Escreverei sobre fato novo, valendo-me de notícias velhas. Não faz um ano, nem dois, nem três, que os meios de comunicação e as redes sociais vêm divulgando análises técnicas independentes, estudos elaborados em universidades, opiniões de juristas, alarmantes experiências feitas por hackers e insistentes alertas de que o sistema de votação utilizado no Brasil é vulnerável e de que a transmissão de dados via internet também não proporciona segurança. É insistentemente dito que essas deficiências fazem com que o sistema usado em nosso país seja refugado por muitos outros. Salta aos olhos mais desatentos que um sistema de votação que não permite recontagem tem um gravíssimo e imperdoável pecado original.

Mais recentemente, após recusas em submeter o sistema a auditorias independentes, chegam às redes sociais notícias de urnas não zeradas no início da votação e de disparidade entre os resultados médios das seções com identificação digital e as seções com identificação documental em situações análogas. E por aí vai. É possível que o clima de desconfiança se nutra, também, de informações falsas. Mas as informações falsas só transitam graças à desconfiança propiciada, de um lado, pela inconfiabilidade do sistema e, de outro, pelas eloquentes insinuações de Dilma e de Lula sobre o que seriam capazes de fazer para vencer.

Não se trata de uma desprezível e deselegante inconformidade com a derrota. Eu não me prestaria para esse papel. Trata-se de algo grave, a cobrar posicionamento dos cidadãos que se sentem civicamente responsáveis. Instala-se, no país uma pesada suspeita sobre a higidez e a invulnerabilidade do sistema, conduzindo à incertezas sobre a legitimidade dos mandatos saídos das urnas dos dias 5 e 26 de outubro.

Sei que dar satisfação a torto e a direito sobre os porquês de suas escolhas e decisões, ou sanar inquietações cívicas, não são tarefas que se contem entre as atribuições jurisdicionais mais urgentes e relevantes do Tribunal Superior Eleitoral. Mas neste caso não é exatamente assim. O que milhões e milhões de brasileiros, nestes dias, estão expressando como podem nas redes sociais não se soluciona com um dar de ombros das autoridades. Não silencia ante a voz do trono. Não some por decreto. Não cabe em nenhuma gaveta. Não se enterra nos desvãos do tempo. Nas democracias (muitas delas proibiram o uso desse modelo), a confiabilidade do sistema eleitoral é tema de elevadíssimo interesse público, questão altamente sensível, sobre a qual não pode haver dúvidas. E, menos ainda, inúmeras, imensas e reiteradas dúvidas.
Muito já foi escrito sobre o quanto era politicamente impróprio confiar a presidência da Corte que conduziria este pleito a um ex-funcionário do partido governista. Agora, surpreende o silêncio do TSE sobre aquilo que mais se fala no país: as suspeitas sobre a eleição por ele presidida. Já surpreendia antes, quando os cidadãos se angustiavam e não passava dia sem que alguma informação circulasse, potencializando as incertezas. E surpreende ainda mais agora, quando denúncias e inconformidades surgem dos pontos mais variados do território nacional.

Para bem da democracia, da respeitabilidade das instituições e da legitimidade dos mandatos, que tudo seja auditado e investigado. E que estas sejam as últimas eleições feitas segundo esse método de votação e transmissão de dados. Afinal, ao longo dos anos, quase uma centena de países vieram conhecer o modelo brasileiro. Nenhum o adota.
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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

27/10/2014

Eram 20 horas do dia 26 quando os números da eleição presidencial me caíram diante dos olhos, saídos do éter e cercados das mesmas inconfiabilidades que caracterizam as pesquisas de intenção de voto. Mas desta vez eram números para valer. Dilma e o PT ganharam mais quatro anos para destruir o Brasil e o caráter da população brasileira.

 Vieram-me à mente as palavras de Mateus 11, 21-22.

“Ai de ti, Corazim e ai de ti, Betsaida! Porque, se os milagres que fiz nas vossas ruas tivessem sido praticados em Tiro e Sidom, há muito que o seu povo se teria arrependido com vergonha e humildade. Verdadeiramente, Tiro e Sidom estarão melhor do que vocês no dia do juízo!”

 Elas são bem adequadas ao momento. Qualquer outro povo que tivesse, desde 2005, quando estourou o primeiro escândalo do governo Lula, conhecido o que o Brasil conheceu, sabido do que o Brasil ficou sabendo, contemplado o futuro que o Brasil contempla, sido fatiado em alas e conflitos como o Brasil foi, andado nas companhias com que o Brasil andou, feito os negócios que no Brasil se fizeram, perdido tudo que no Brasil se jogou fora, teria enxotado seu governo a votos na primeira oportunidade. O Brasil já perdeu a terceira. Se o que acontece nas nossas ruas ocorresse em país sério, seu povo se teria arrependido com vergonha e humildade. Ainda não chegou para nós o dia em que o Brasil tomará juízo.

Felizmente, metade da nação já despertou. A disputa começou muito mais desigual. Ao longo dos últimos meses, porém, o petismo, sem meias nem peias, que se julga dono do Brasil, foi produzindo o mais incômodo de seus resultados: o antipetismo consciente, crescente e comunicante, que se irá organizar porque exatamente aqui, onde o PT julga que tudo termina, é onde tudo começa. O que era disperso ganhará coesão.

Já que o PT preferiu dividir, dividido está. E o que foi dividido saberá unir-se. Em dois anos haverá novas eleições e, desta vez, os antipetistas sabemos quem esteve e quem está com quem. Isso o PT e o Congresso Nacional ficaram sabendo: metade do Brasil é antipetista. E todo parlamentar que não for assumidamente antipetista vá cantar na sua freguesia porque terá metade da nação contra si.

• Arquiteto, empresário, escritor, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, autor de “Crônicas contra o Totalitarismo”, “Cuba, a tragédia da utopia” e “Pombas e Gaviões”.
 

Percival Puggina

26/10/2014

 

 Dentro de poucas horas saberemos o que foi fecundado no ventre das urnas e qual o aprendizado nacional a partir da experiência acumulada nestes últimos anos. Aguardo com ansiedade cívica a abertura da porta da maternidade para as notícias do início da noite. Afinal, não nos faltam escândalos, más notícias, nem nuvens negras no horizonte.
Como parlamentarista, sou contrário a esse sistema de eleições que, ingenuamente, entrega tanto poder a uma só pessoa e seu partido. Contemplo o futuro com expectativas que vão além do resultado das eleições. Já temos definidos os parlamentos federais e estaduais. Os partidos políticos e suas bancadas não podem continuar, por ação e omissão, fazendo tanto mal ao Brasil. Não me representam! Mas há muitos parlamentares que sim, o fazem. Portanto, em vez de tudo esperar de uma pessoa só (quem quer que venha a presidir a República) eu prefiro confiar nos melhores deputados que saíram das urnas do dia 6.
Sei que eles existem. Não são tantos quanto conviria, nem tão poucos que nada possam fazer. Sei que quase todos ouviram de seus eleitores esta interrogação: “O que poderás fazer lá, sozinho no meio das feras?”. Essa pergunta trata de um problema real e é inevitável que esteja repercutindo fortemente na consciência de cada um deles. É para essas figuras públicas, para os melhores homens e mulheres de nossos parlamentos, que se dirigem, neste momento cívico, minha preocupação, a acalentada sugestão que aqui exponho, e minhas orações.
Não me conformo com saber que os bons sejam, inexoravelmente, sobrepujados pelos maus. Não precisa ser assim! O que eu estou sugerindo é que, entre tantas vigorosas frentes parlamentares já existentes nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, se articulem e passem a operar frentes parlamentares integradas por membros de diversas bancadas, unidas pelos ideários liberais e conservadores, movidas por reta intenção, dedicadas ao desenvolvimento econômico e social do país, com sólida adesão aos melhores princípios e aos mais elevados valores.
Que frentes parlamentares podem existir e operar de modo suprapartidário, a experiência já demonstrou com fartura de bem sucedidos exemplos. Pois que os bons, que os melhores, façam a sua e ponham-na a funcionar. E vamos ver quem pode mais! Vamos ver quem vai conquistar o respeito da população. Muito bem pode ser realizado e muitos males podem ser impedidos, contanto que os bons se organizem como força política indispensável à própria respeitabilidade de cada um, à honorabilidade do Brasil e ao bem de todos na pátria comum.


 

Percival Puggina

24/10/2014

 

 Tenho pensado muito, nestes dias, sobre os motivos que levam grande número de pessoas a votar na candidata do PT. Como método de análise, tratei de classificar esses eleitores em grupos ordenados segundo as prováveis motivações.

 O primeiro, e certamente o que abriga maior número de cidadãos, é composto por aqueles que recebem do governo algum benefício de natureza social compensatória. Ainda que os principais programas assistenciais em vigor venham de governos anteriores, parece fácil iludir tais pessoas com a ameaça de que uma mudança no comando do país implica o risco de extinção de tais auxílios.

 O segundo grupo é formado pelo numeroso e privilegiado contingente de membros da nomenklatura petista, investidos em posições de mando ou ocupando postos de indicação partidária no governo, em empresas estatais, no próprio Estado e na administração pública. Para esses eleitores não existe qualquer dúvida: uma derrota petista significa o fim do contracheque. Frequentemente, esses contracheques guardam nenhuma simetria com a qualificação e os serviços prestados pelos recebedores.

 O terceiro grupo inclui o vasto contingente de pessoas cujos postos de trabalho e fontes de renda provêm dessa miríade de organizações não governamentais (ONGs) cujos recursos, paradoxalmente, procedem do erário nacional. Para franquear acesso aos fundos públicos, o governo e seu partido levam em altíssima conta a posição política daqueles que as dirigem. Vale o mesmo para o recrutamento de recursos humanos às atividades fins.

 O quarto grupo é formado pelos aficionados ideológicos. São eleitores que colocam a ideologia acima de tudo. São cegos a toda evidência.

 O quinto grupo agasalha (o verbo agasalhar cabe bem para estes) todos os que, graças ao PT, vivem à vida regalada sem serem do governo. Atuam no restrito universo das grandes empresas, no mundo da cultura, da publicidade, fazendo negócios multimilionários com o governo. E com os governantes.

 O sexto grupo, sem fixações ideológicas e interesses individuais, está a par dos fatos, acompanha as notícias, reprova os malfeitos, conhece os dados econômicos e se preocupa com a situação nacional. E, ainda assim, vota no PT. Entre as mentiras que lhe são contadas e o que os próprios olhos e ouvidos lhe revelam, esse grupo prefere crer nas mentiras. É mais difícil entendê-los do que compreender o Bóson de Higgs (aquela partícula que representa a chave para explicar a origem da massa das partículas elementares). Esse grupo e suas misteriosas razões têm votos que podem decidir, contra toda a lógica, a eleição presidencial.

• Arquiteto, empresário, escritor, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, autor de “Crônicas contra o Totalitarismo”, “Cuba, a tragédia da utopia” e “Pombas e Gaviões”.
 

Percival Puggina

21/10/2014

 

 O relativismo moral é um dos grandes males nascidos no século passado. Graças a ele nada mais é errado nem falso. Tudo é uma questão de ponto de vista e circunstância. Na vida social e na política isso faz um estrago danado. No século passado, pensadores italianos criaram a expressão pensiero debole (pensamento fraco, débil). Ele se opõe ao pensiero forte, correspondente à tradição filosófica clássica que reconhece o absoluto, perante o qual existe o bem e o mal e o verdadeiro se distingue do falso. O relativismo e o pensamento fraco levam ao seguinte paradoxo: tudo é relativo exceto Sua Excelência, o Relativismo, admitido como o único absoluto permitido...

 Pois bem, tão logo iniciou a campanha do segundo turno, o PT abriu o açougue apelando para o assassinato de reputações e para a ainda mais velha e velhaca maledicência. Três dias depois, ao menor revide do adversário, o PT partiu para acusá-lo de fazer exatamente aquilo que a candidata e seu partido estavam fazendo contra ele. Surpreso, leitor? Aonde, raios, poderia ir a coerência quando a moral já escorreu para a caixa de coleta das águas servidas? O pensamento fraco e a ética de conveniência articulam-se exclusivamente em conformidade com os fins desejados. O fato que descrevi é apenas mais uma surrada aplicação da máxima atribuída a Lênin: “Chame-os do que você é, acuse-os do que você faz”.

Tem mais. Quando Paulo Roberto Costa, na denúncia premiada, relatou que o falecido senador tucano Sérgio Guerra recebera propina de R$ 10 milhões para encerrar uma CPI da Petrobras em 2009, o PT alvoroçou-se. Estava ali, segundo o pensamento fraco petista, tudo que precisava para compensar, um pouco, o dano causado pela mina de escândalos em que, sob seu comando, se converteu a maior empresa estatal brasileira. No entanto, qualquer pessoa que não tenha miolo mole percebe que ao reconhecer como verídico esse específico crime atribuído ao falecido senador, o PT está admitindo publicamente que ele mesmo, de corpo inteiro, agiu na outra ponta desse mesmo crime, pagando propina ao tucano. Que um partido faça isso e o confesse sem pejo, é pensamento fraco, é relativismo moral. Que a suprema mandatária da nação reconheça tudo publicamente, durante um debate, não tem adjetivo que sirva. Que milhões de eleitores achem tudo muito natural e vibrem com a genial “sacada” do talento petista, é coisa de quem tem miolo mole, incapaz de juntar “b” com “a” para fazer “ba”.

• Arquiteto, empresário, escritor, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, autor de “Crônicas contra o Totalitarismo”, “Cuba, a tragédia da utopia” e “Pombas e Gaviões”.

  

Percival Puggina

19/10/2014

 A partir de 1930, superados os tempos em que as divergências políticas se resolviam com a mão no sabre ou o dedo no gatilho, a política rio-grandense foi crescendo em civilidade. Eram fortes os confrontos entre PSD e PTB, entre Arena e MDB, entre PDS e PMDB, mas a convivência se mantinha em limites razoáveis.

 Graças a isso, minha geração nunca presenciou um antipetebismo, um antipedessismo, um antiarenismo ou um antipeemedebismo. Daí uma certa surpresa com o surgimento do antipetismo, força política com inusitada disposição para agir, tanto no campo da produção intelectual quanto na militância de rua. Sobrepondo-se aos partidos, o antipetismo desempenhou papel decisivo na sucessão estadual gaúcha de 2002, definindo as surpreendentes oscilações que se observaram ao longo do processo eleitoral.

Todos os analistas que se debruçaram sobre aquele pleito, dentro e fora do PT, foram unânimes em sublinhar esse fenômeno. Tarso Genro, então derrotado, também atribuiu ao antipetismo o resultado da eleição. O cientista político Giusti Tavares qualificou tal dito como tautológico, equivalendo a dizer que o PT perdeu porque seu adversário ganhou.

Nestes dias, estamos assistindo o antipetismo surgir como força política dominante em diversas unidades da Federação. Foi ela que primeiro viu em Marina Silva uma possibilidade de interromper a hegemonia petista no pleito de outubro. Foi ela que, tão logo o petismo fez os estragos de costume na imagem da acreana, mudou-se para o Aécio Neves, produzindo a reviravolta contada pelas urnas do dia 5 deste mês. É ela que agora, no Rio Grande do Sul, se mobiliza para impedir a reeleição de Tarso Genro. É ela que, nacionalmente, motiva a ação da oposição mais visível ao governo Dilma exercida por intelectuais e jornalistas com acesso a alguns meios de comunicação. E é ela que proporciona uma intensa mobilização oposicionista de massa, cotidiana e diuturna nas redes sociais. O antipetismo encontrou nessa nova mídia, tão caseira quanto universal, uma ferramenta de difusão de informações, de ditos e contraditos, assumindo à conta própria, aquilo que a oposição político-partidária não consegue fazer.

O antipetismo, escrevi em artigo publicado no Correio do Povo em 27 de março de 2003, é a tempestade colhida pelos semeadores de ventos. Quem observou a conduta dos candidatos presidenciais nos debates da Bandeirantes e do SBT pode apreciar nas falas da presidente Dilma (e nas ensandecidas falas de Lula nos últimos dias) o modo de agir do petismo. Porque deixa de lado a ética, a verdade e o interesse nacional, essa conduta, com o tempo, concede ainda maior vigor aos que a ela e a seu partido se opõem. No coração do petismo se vai produzindo a lesão que, com o tempo, debilitará o partido e o levará à derrota.

Quantas e quantas vezes, nos últimos 12 anos, em artigos, vídeos e palestras, chamei a atenção para a descontinuidade entre o furor acusatório do PT contra o governo FHC e seu total desinteresse, após assumir o poder, em investigar aqueles a quem acusara! Assim é o petismo, sempre transformando mentiras e versões em verdades e fatos. Na oposição, bastam-lhe os danos causados pelas acusações que faz. No governo, bastam-lhe os dividendos do poder. Mas não há mal que sempre dure.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 


 

 

Percival Puggina

16/10/2014

Nos anos 60 a 64, houve uma acirrada batalha ideológica no Brasil. A política era debatida no campo das ideias e o comunismo ganhava crescente espaço entre os estudantes. Entidades estaduais e nacionais eram disputadas palmo a palmo e constituíam imagem visível da Guerra-Fria. Lembro-me que, em fins de outubro, na sede do R.U. (Restaurante Universitário da UFRGS) as paredes se cobriam de cartazes e faixas comemorativos do aniversário da Revolução Bolchevique. Era o outubro vermelho da moçada que se deixara seduzir pelas arengas de Leonel Brizola, pelo sucesso dos rebeldes de Sierra Maestra e pelo amplo movimento internacional de solidariedade a Cuba (mal sabiam eles o que estava tendo início naquela infelicitada nação).

 Em 1961 surgiu a POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária), como dissidência do PCB. Em 1962 foi constituída a organização intersindical CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e, no mesmo ano, nasceu a Ação Popular, aglutinando a esquerda cristã formada na JUC e na Ação Católica. Essas e outras organizações, depois de 1964, iriam para a clandestinidade e dariam origem à uma centena de movimentos e conciliábulos guerrilheiros e terroristas.

 Algumas entidades que surgiram para produzir formação necessária à luta ideológica e cultural de resistência ao comunismo viveram poucos anos e deixaram má fama, acusadas de receber recursos financeiros de empresas norte-americanas e da CIA. Por outro lado, quando o governo Goulart caiu em 1964, acreditaram os defensores das liberdades democráticas que os perigos do comunismo estavam afastados e foram tratar da própria vida. Enquanto isso, nos bastidores, ano após ano, teve sequência o trabalho de infiltração e ocupação de espaços, de formação de quadros, de organização da massa; continuou o lento e sutil aparelhamento das instituições de ensino, das cátedras, dos cursos de formação para o magistério; desenvolveu-se a ocupação das redações dos veículos de comunicação, do ambiente cultural e dos seminários de formação religiosa. Assim, quando o país se redemocratizou, estávamos a um passo de dedo para que, em apenas cinco anos, um partido de massas como o PT já disputasse, com força, a presidência da República.

 Desnecessário falar sobre os 12 anos de governo petista. Nós, que percebemos para onde ele vem conduzindo o Brasil, não devemos supor que uma possível derrota do governo nas urnas do dia 26 equivalha ao desmonte da máquina que está em operação no país, destruindo reputações, manipulando a sociedade, comprando votos e gerando violência. No governo, o PT desgoverna, na oposição, não deixa governar.

Portanto, precisamos unir forças e, sem esmorecimento, prosseguir trabalhando para informar e formar a consciência política da sociedade, dando vitalidade aos valores de uma sólida democracia constitucional. Sem democratas, tudo que se consegue é um arremedo de democracia. E as rãs de Esopo logo estarão pedindo um rei. Uma possível vitória oposicionista em 26 de outubro é apenas o começo de um trabalho que inicia com meio século de atraso.