Percival Puggina

25/11/2022

 

Percival Puggina

“As coisas desmoronam e acontecem por estupidez e descuido.” (John Sanford)

         Se você, cidadão consciente, conservador e liberal, patriota, considera parte de seu dever de casa dar uma espiada nas vitrines da concorrência, provavelmente já percebeu que o Congresso Nacional a ser empossado em fevereiro não será notavelmente diferente do atual. O mercado está aberto para as mercadorias da política nacional.

A perspectiva de que Lula – oh céus! – seja empossado na presidência já comanda as decisões das agremiações políticas. Arthur Lira e Rodrigo Pacheco negociam as respectivas reeleições. A “maioria conservadora” perdeu a totalidade do centrão. Há sinais claríssimos de que as melancias ideológicas se vão reacomodando na carroça brasiliense e os cargos, se não existem, vão sendo criados para atender a demanda. Certo como a morte, o prejuízo será nosso.

Independentemente do que venha a acontecer no curto prazo, e o prazo encurta no tic-tac do relógio, considero indispensável que a janela da realidade, ou o palco, ou o picadeiro (como queiramos) sirva para ver toda a malícia de um sistema político que não funciona para a democracia, mas para os agentes políticos, ou atores, ou acróbatas (como queiramos). É graças a esse sistema que os eleitores trocaram uns por outros, mas – surpresa! – não deu muito certo. Mais uma vez, é reduzido o número de parlamentares de quem se pode dizer com admiração – “Esse me representa!”.

O que me dá uma canseira na alma é tão poucos darem importância a um problema desse tamanho! A inteira campanha eleitoral transcorreu num verdadeiro caos institucional, mas quase ninguém escolheu seu congressista levando em conta a necessidade de reformar as instituições. A imensa maioria dos cidadãos considera tratar-se de “caveira de burro” azarenta, sempre presente. No entanto, é pura e simples subordinação do jogo à regra do jogo. E tudo se agrava porque, mais recentemente, o juiz do jogo também gosta de bater sua bolinha, tem time do coração, entra em campo e dá botinada no adversário.

Não bastasse isso, sob o ponto de vista do poder político, nossa “democracia” é comandada pelos interesses de uns poucos. No Congresso, as decisões são tomadas pelos presidentes do Senado e da Câmara, e por uma dúzia de líderes em cada uma das duas casas. São 26 pessoas que regem 596 congressistas. Ponha mais sete ministros que formam a maioria politicamente alinhada no STF e o presidente da República e verá que 36 pessoas dirigem o show. Nota: se isso lhe parece desproporcional, não perca de vista o fato de que hoje uma, apenas, dirige tudo e só se aposenta em 2043.

Não tenho espaço neste artigo para discorrer sobre reforma política, tema sobre o qual tanto já escrevi. Apenas aproveito a cena do “acidente” para dizer que ele não é casual. Há motivos institucionais mais do que suficientes para se reproduzir indefinidamente.

É o que acontece quando quase ninguém se importa.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

          

Percival Puggina

24/11/2022

 

Percival Puggina

        A generosa multa aplicada pelo piedoso Alexandre de Moraes ao PL é uma representação, em números, da enfurecida régua com que o presidente do TSE mede as sanções impostas a quem o desagrada ou contraria. Esquece sua excelência que a inquietação política do país tem como causas principais, a atual composição do STF e do TSE, as decisões pessoais dele como presidente da corte eleitoral, a teimosia de vender como transparente um sistema absolutamente opaco, que transformou a votação e a apuração num debate entre peritos em ciências da computação. Não há como atribuí-la ao presidente da República, cuja quietude não serve para assombrar as madrugadas das cortes.

A enfezada atuação do STF e do TSE no jogo político presidencial criou a mais desigual disputa que já presenciei neste meu “tão longo andar”, para dizer como Quintana. Elas proporcionaram rígida proteção ao candidato Lula e lhe franquearam todos os ataques a seu adversário. Bolsonaro trazia para a campanha as vicissitudes naturais de qualquer governo agravadas pela pandemia e pelas equivocadas determinações impostas pelo STF. A ele estavam autorizados todos os rótulos e xingamentos; ao ex-presidente, eram vedadas referências a seu passado e, até mesmo, às suas amizades no comprometedor circuito do Foro de São Paulo. Era como um jogo de futebol onde o juiz não apenas tivesse lado e jogasse, mas desse botinadas no adversário e marcasse gols “de caneta”.

As relações entre Lula, sua trupe e as “democracias” do Foro são tão notórias que se poderia dizer notariais, autenticadas por fontes primárias. Os Castro Brothers, os joroperos e salseros Chávez y Maduro e o chichero Ortega, cada um a seu tempo, formou com Lula o núcleo duro dessa banda ibero-americana das esquerdas radicais. Não é por outro motivo que a secretária-executiva do Foro, Mônica Valente, faz parte do grupo de transição de Lula. Aparentemente, porém, operando no TSE, os negacionistas do passado do ex-presidente mandam evidências às urtigas e consciências às favas.

A história desses regimes, para quem os conheceu, os estudou e leu jornais aciona todas as sirenes de prevenção quando se observa o Brasil. Os governos petistas nos deixaram uma corte constitucional majoritariamente vinda da militância esquerdista. Como as universidades e a máquina pública, aquele poder foi infiltrado, para usar a palavra tecnicamente adequada. Por isso, submete a seus fins a Constituição, os Códigos de Processo e os próprios precedentes, abraçando o consequencialismo e o ativismo a ponto de intervir diretamente no jogo político.    

Não é difícil prever o futuro com um novo governo Lula. Alguém aí aposta um tostão no retorno de nossas liberdades de opinião e expressão? No fim da censura? Na preservação da autonomia do ensino militar? Na não criação da prometida Guarda Nacional? No não aparelhamento e no zelo pela hierarquia nas Forças Armadas? Na não adoção de uma política reestatizante? No respeito ao direito de propriedade? Na obediência aos princípios fundamentais da administração pública? Pois sim!

Nicolas Maduro governa a Venezuela desde 2013 em virtude da morte de Chávez, reeleito e morto antes da posse. Maduro assumiu como vice-presidente interino, marcou eleição e superou seu opositor Capriles por 50,61% contra 49,12%. Coisa muito parelha, para variar. Seu governo é um desastre social, político e econômico. Em nome da proteção dos pobres, criou a pobreza extrema e extensa. Impopular, perdeu a eleição parlamentar de 2015 e imediatamente, através da ... da... sim, Suprema Corte e dos Tribunais Eleitorais, e com apoio do estamento militar, já muito bem aparelhado por Chávez, o Tribunal Superior de Justiça assumiu as funções da Assembleia Nacional... Em 2019, com êxodo se instalando no país, com o governo desaprovado por 71% dos eleitores, Maduro venceu um pleito em que a abstenção atingiu 54%.

Imagino que dois ou três leitores destas linhas concordem comigo quando percebo semelhanças entre os dois cenários.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

23/11/2022

 

Percival Puggina

         “Quero contribuir, dentro e fora do Congresso, para que o País recupere a sua autoestima e a sua paz, que voltemos a sorrir, ter esperança e felicidade. Assim iremos construir o Brasil que queremos e merecemos”. Prepare-se para uma boa gargalhada. Essa frase fofa, esse merengue político é um tuíte do senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, cuja caneta está à disposição de quem lhe garantir a permanência no cargo.

Você pode imaginar exemplo mais robusto de desprezo à nação? Consegue pensar em outra pessoa publicando tal frase numa hora assim? Algo nesse teor, dito por um candidato a cargo eletivo, já seria entendido como palavrório de quem não tem o que dizer e imagina ser lido por uma tropa de descerebrados. Ou seja: é um desaforo ao povo mineiro e ao Brasil.

O senador realizou a proeza de ser pior do que Davi Alcolumbre, seu antecessor. Já imaginou ter saudades de Alcolumbre? Muitos de seus conterrâneos que dizem haver votado nele para evitar a eleição da Dilma estão arrependidos. Pior do que a Dilma? Sim, há quem o diga com a cabeça entre as mãos. 

Sob sua presidência, o Senado virou um poder flácido, impotente. E há quem diga que a impotência é o que tem de melhor. O resto, pesquisadas as motivações, é pior.

A nação se agita nas ruas e praças, canta, chora, reza. Sofre ao sol e à chuva buscando fortaleza na presença e esperança no som da própria voz enquanto percebe suas liberdades se esvaírem. Vê sua dignidade sendo roubada pelo arbítrio de canetas ameaçadoras. É constrangida a admitir que sua opinião nada vale e que, doravante, está fadada a viver presa aos cordéis comandados pelo Grande Irmão orwelliano, seu algoz.

O senador, porém, vai ao Twitter com floreadas promessas de paz, esperança e felicidade, imaginando que a exemplo de Lula, pode trocar a própria história como animais artrópodes trocam de pele.

Que Rodrigo Pacheco, nos dois meses que lhe restam como presidente do Senado, tenha a decência de deixar de lado sua omissão e cumpra sua missão.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

20/11/2022

 

Percival Puggina

        Sei que falo por muitos, inclusive por magistrados que honram sua toga e seu malhete. Tive um irmão, mais moço que eu, infelizmente falecido, jovem juiz de comarca e jovem desembargador no TJ/RS. Muito aprendi dele sobre as dificuldades e responsabilidades, limites e possibilidades da função jurisdicional.

Seria intolerável a meu mano a ideia de um ministro do STF cujo poder exceda às balizas constitucionais, ou de um ministro na presidência do TSE, recebendo de dirigentes partidários denúncias sobre suposto “assédio eleitoral” por empresários, afirmar: “Na hora que prender dois ou três eles param rapidinho”. E a lista de excessos não tem fim.

Que é isso? Mas o que é isso? Uma frase de capitão de mato? Céus, não! De tiranete? As ações nela implícitas têm marcado e conturbado a vida nacional de um modo que futuras ordens, ameaças e interdições não conseguirão apagar. Não funcionou com a nova biografia de Lula e não funcionará com as medidas que adotam contra nossa liberdade.

O episódio em que essa frase foi pronunciada transcorreu antes da eleição (O Antagonista 18/10). À época, o PT fazia fila no protocolo do TSE levando denúncias contra a mídia independente e contra cidadãos empenhados em exercer um direito antes conhecido como liberdade de opinião.

Não sei quantos ministros do STF, ou do TSE teriam o topete de agir como Alexandre de Moraes, tornando-se uma esponja de prerrogativas que fazem dele a figura mais semelhante a um déspota a quem jamais tive a má sorte de estar sujeito como cidadão.

Os inquéritos que abre contra suas vítimas – digo, jurisdicionados – lidam com assuntos de conhecimento público, mas são infindáveis e ficam encobertos pelo manto do sigilo que caracteriza o conjunto inteiro de suas ocupações. Contanto que esteja transparente desde seu singular ponto de vista, pouco importa se para os demais esteja tão opaco quanto milhões de linhas de um inacessível código fonte, por exemplo.

Dezenas de milhões de brasileiros, repito, veem nessas condutas ilógicas, arbitrárias, desmedidas, punitivas – precisamente nessas reiteradas condutas! – razões para sua insubmissão e revolta perante o cenário proposto nos totais recitados pelo TSE em 30 de outubro. Você já imaginou, um dia, viver assim?

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

18/11/2022

 

Percival Puggina

         O STF decidiu que qualquer investigação que vise a identificar agravo ou crime contra ministro do STF seja julgado pelo próprio STF porque qualquer parte do território nacional é, para esses fins, dependência do próprio Supremo. É uma leitura geográfica do próprio Regimento Interno.

Os inquéritos abertos no Supremo, à revelia do ministério público, fazem com que aquele poder se sinta habilitado a intervir em qualquer situação, passando com uma motoniveladora sobre todo o Poder Judiciário Nacional e sobre o devido processo, jogando-lhes uma pá de cal por cima e desnorteando investigados e advogados.

Nunca se viu protagonismo tão exacerbado, nem tanta inovação. Grande parte da inquietação que o país hoje vive se deve a esse ativismo. Nem mesmo seu vizinho meio desfibrado, o Congresso Nacional, escapa a essa sanha. Os parlamentares que ainda zelam por suas prerrogativas não encontram apoio entre seus pares que adotam, perante qualquer fato ou situação que não seja de seu interesse pessoal, uma atitude desdenhosa e omissa.

O novo truque desse superpoder, que assusta quem tem olhos para ver, é restringir acesso às redes sociais de parlamentares que caiam em desgraça, exatamente como vinha fazendo com a plebe “golpista”, “fascista”, “Mané”.  

É evidente que excessos dessa ordem podem ser recebidos com subserviência por quem jogou a própria dignidade na caçamba do lixo orgânico. Os bons cidadãos, porém, veem a situação com outros olhos e sabem que cortar a comunicação de um congressista através de seus meios digitais é tirar-lhe a voz. É lesão gravíssima à representação popular, eixo das democracias. A vontade nacional se manifesta através da representação exercida por parlamentares e não por magistrados ou tribunais sem voto.

Dezenas de milhões de brasileiros a tudo veem. E entendem o que veem, mesmo que lhes digam que não podem ver nem entender.

Na próxima semana, o Congresso retoma suas sessões normais. Vamos ver quem ainda justifica as calças que usa. Continuará o Legislativo como assistente passivo, valhacouto de covardes, enquanto o povo despido de prerrogativas enfrenta o medo e as ameaças contra ele proferidas dentre dentes cerrados?

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

Percival Puggina

16/11/2022

 

Percival Puggina

I want to wake up in a city

That never sleeps
And find I'm king of the hill
Top of the heap

         Essa canção, em que a música de John Kander e a letra de Fred Ebb foram eternizadas na voz de Frank Sinatra, acabou se convertendo num hino da cidade e do sonho americano com o sucesso. Se é possível fazer sucesso lá, mesmo chegando com “sapatos vagabundos”, como diz a letra, é possível fazer sucesso em qualquer lugar.

Convidados pela LIDE, empresa de João Dória, seis ministros do STF brasileiro foram a Nova Iorque para uma conferência cujos temas são a liberdade e a democracia em nosso país. Ouvidas as falas, voltei a lembrar da canção, porque o que vem sendo feito aqui, foi feito lá. Falaram como fazem no STF, todos de acordo, levados por quem concorda e assistidos pelos que aplaudem. A discordância ficou na rua.

No olho da rua, como costumamos dizer, sem perceber que também estamos afirmando a existência de uma visão da rua, como espaço típico do cidadão. O olho da rua também é das passeatas e da praça, Ágora ateniense das manifestações.

Exatamente aí o problema que passou batido nas minipalestras de 10 minutos concedidos aos convidados. Unânimes, se disseram guardiões da democracia. Brandiram o indicador sem jamais apontar, nem em desvio de rota, nem por esbarrão, para o próprio peito. No entanto, um bom exame de consciência lhes diria que a expressão do ministro Barroso ao cidadão que o interrogava sobre o relatório do ministério da Defesa – “Perdeu, mané!” – confirma, sem querer, a sensação de que o protagonismo exacerbado do STF e de seu braço eleitoral tinha lado de estar e atuar.

Ao falar, o xerife das canetas fumegantes, colocou a “mídia tradicional” no altar das reverências. Fica fácil entender por quê. Ela foi, o tempo inteiro, espelho mágico do tribunal! Nenhum tão belo, justo, veraz e prudente na face da terra. Uns e outros, mídia tradicional e Corte uniam-se no desprezo às mídias alternativas – alternativas exatamente por isso, para dar voz aos que não a tinham. Foram elas – Deus seja louvado! – que retiraram a mordaça de conservadores e liberais, silenciados, não por acaso, também nas salas de aula, nas universidades, nos ambientes culturais. Todos defensores das diversidades, exceto filosóficas ou ideológicas.

Foram elas que replicaram a importância, e sobre tudo a prudência, de instalar impressoras dos votos nas máquinas de votar. Tinham toda razão do mundo e a prova está na mesa dos fatos: a eleição sob questionamento e as perguntas varridas para baixo do tapete.

Estava curioso para saber o que diriam sobre democracia e liberdade. O que ouvi foi a sustentação oral do que produziram no Brasil, onde o olho da rua testemunhou censura, intimidação, repressão, interdições, restrições de direito e uso abusivo do poder.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

12/11/2022

 

Percival Puggina

         Quando a expressão “atos antidemocráticos” virou feijão com arroz do discurso político “progressista”, abençoado pela mídia amiga, julguei instrutivo a mim mesmo listar atos antidemocráticos sem aspas que venho observando aqui da pequena cápsula de trabalho de onde escrevo. A lista vai assim:

Primeiro – a função contramajoritária

      Em 2019, em meio a um tratamento rigoroso e invasivo, opondo-se às iniciativas do governo recém-empossado, ministros do STF se declararam no exercício de uma função contramajoritária e passaram a agir como se fossem oposição a um governo recém-instalado.

Segundo – atos antidemocráticos e fake news

       A criação de duas figuras de conceituação imprecisa – atos antidemocráticos e fake news – originou inquéritos abertos para permanecer perenemente assim, sigilosos, misteriosos, ameaçadores e a suscitar medidas coercitivas imediatas.

Terceiro – coerção sobre os ambientes digitais

       A censura nua e crua de veículos que atuam em meio digital, o bloqueio de redes sociais e a desmonetização de canais estabeleceram um ambiente de temor (que levou à autocensura), restringindo a expressão do pensamento em prejuízo da democracia.  E ela não subsiste à perda da liberdade de expressão.

Quarto – desprezo ao povo

        Ao longo de quatro anos, milhões de cidadãos saíram às ruas em dezenas de periódicas manifestações cívicas, clamando por manutenção da Lava Jato, contra a anulação da pena de Lula, pela possibilidade de prisão de criminosos após condenação em segunda instância, fim das permanentes intromissões e invasões de competência do Executivo e do Legislativo pelo Judiciário (STF). A surdez das instituições à voz das multidões não é conduta própria das democracias. Ao menos não dos parlamentos.

Quinto - A prisão do deputado Daniel Silveira

       A prisão do deputado Daniel Silveira, no inovador “flagrante” proporcionado por um vídeo no YouTube, teria sido marca solitária não fosse duplicada pelo covarde consentimento posterior de seus pares.

Sexto – a pandemia

     Durante a pandemia, severíssimas restrições ao direito ao trabalho e à circulação de pessoas infringiram liberdades fundamentais e prepararam o ambiente social para outras demasias que estavam por vir.

Sétimo – desrespeito a prerrogativas do governo

     Mais de uma centena de vezes o STF foi usado por partidos oposicionistas para sustar atos do governo promovendo permanentes intromissões em questões próprias do Executivo, quando não da mera administração pública, criando instabilidade e insegurança jurídica – ambiente em que a democracia não floresce.

Oitavo – o passado do candidato sumiu

       A campanha eleitoral agravou a desordem institucional do país e ampliou em muito os motivos para que o próprio tribunal, que deveria agir em favor do esclarecimento dos eleitores, entrasse em rota de colisão com seus fins. O candidato da oposição, não por acaso aquele que nomeou a ampla maioria de seus membros, foi submetido pelo TSE a um photoshop eleitoral, sendo apagados seus antecedentes, lançado sigilo sobre os acontecimentos de seu governo, rompidas suas relações internas e externas. Enquanto Lula era beneficiado com essas graças, os pleitos de Bolsonaro eram recebidos pelo “xerife” Alexandre de Moraes com caneta fumegante e promessas de novas desgraças. Não, a eleição não transcorreu num ambiente isonômico, isento e equilibrado. Foram atos muito graves contra condições inerentes à democracia.

Nono – censura a prazo

       Às vésperas da eleição, aceleraram-se os meios de censura, chegando à sua absurda aplicação na forma especialmente grosseira de censura prévia, notabilizada com o famoso consentimento viva voz proporcionado pela ministra Cármen Lúcia.

Décimo – parlamentares sem redes sociais

        Depois da eleição, a democracia foi duramente atingida por determinações judiciais que bloquearam as redes sociais de parlamentares. A agressão que esses atos cometem contra a democracia é ainda mais explicitamente inconstitucional. Hoje, deixar um parlamentar sem acesso a seus seguidores é tirar-lhe a palavra, fundamento da própria expressão “parlamentar”. Contudo, assim tem sido feito.

Conclusão

       Os dedos que ameaçam a população deveriam voltar-se para o próprio peito, examinar a própria consciência, penitenciar-se por seus excessos, entender a voz das ruas e prover uma saída institucional para a crise que não foi o povo quem provocou.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

11/11/2022

 

Percival Puggina

         Em sua coluna na Gazeta do Povo (11/11), o amigo Alexandre Garcia usa as palavras certas para descrever o ocorrido. Usa-as desde o título: “Tentaram colocar palavras na boca do Ministério da Defesa”. Perfeito!

Foi exatamente o que fez o lamentável jornalismo brasileiro, funcionando como marqueteiro do ativismo judicial e seus meios de repressão das liberdades individuais.

As manchetes posteriores à entrega do relatório das FFAA atribuíam-lhe a conclusão de que não houve fraude na eleição. Havia, porém uma enorme distância entre o afirmado e o deduzido pela velha mídia. O relatório é extenso e em certo trecho afirma que os votos totais dos boletins de urna (BUs) correspondem ao totalizado pelo TSE nas urnas em que essa conferência foi feita. Ponto. 

Ora, bolas, que à soma das parcelas corresponde um e apenas um total, é uma obviedade que o computador do TSE confirma. Se o problema estivesse aí, em primários erros de soma, facilmente identificáveis, já estava todo mundo preso.

O problema sempre foi outro: o que está nos BUs corresponde efetivamente ao que foi digitado pelos eleitores? Isso, o relatório informa não ter sido possível avaliar porque os meios não foram possibilitados aos técnicos que o elaboraram.

Sabe, leitor, o que mais me incomoda nessa história toda? É a teimosia desrespeitosa, grosseira, prepotente com que a impressora de votos foi inviabilizada pelos tribunais superiores. Essa teimosia levou às ruas e praças milhões de brasileiros, durante anos; criou um conflito permanente entre o governo e o STF (posteriormente, também com o TSE); intoxicou as relações e trouxe suas consequências ao período posterior à eleição.

Culpam o povo, culpam o presidente, culpam meia dúzia de veículos, xingam a multidão, mas eles se inflam com as próprias palavras para substituir o que lhes falta: um pingo de razão.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

09/11/2022

 

Percival Puggina

 

         O ápice do desrespeito é a perda do respeito por si mesmo e, com sitiadas exceções individuais, membros das duas Casas acomodaram-se em poltronas nesse patamar. Que raios de Congresso foi esse que elegemos em 2018?        

Eleitos para representar a sociedade, como expressão de sua soberania, dedicam-se, em ampla maioria, a fazer negócios, cuidar de reeleições, usar recursos públicos para objetivos políticos pessoais e perenizar currais eleitorais.

Não veem povo, sem alternativas, à porta dos quartéis pedindo aos militares que façam o que eles, detentores de mandato, não fazem? Veem, sim, mas não são freio nem contrapeso, não são coisa alguma e para nada servem, seja nas calmarias, seja nas tormentas.

Afundam com o navio ao som de um coral de puxa-sacos “lá nas bases”.

Que fracasso! Durante quatro anos, a nação, aos milhões, lhes falou desde os megafones e microfones, em extraordinárias jornadas cívicas. De nada valeram as advertências proclamadas pela voz das ruas! De nada. Nem mesmo para que protegessem as próprias prerrogativas! Ministros do STF usurpam-lhes o poder, escrituram em nome de 11 pessoas as vias digitais e nelas silenciam-lhes as vozes.

Não perceberam ainda? Privados os parlamentares das redes sociais, o plenário vira gaiola e a tribuna poleiro de onde deputados e senadores falam, uns aos outros, em circuito fechado. Como toleram isso?

Cada medida autocrática contra um congressista é um insulto ao parlamento. De tão frequente e tolerada, a situação faz lembrar o que escreveu Eça de Queiroz”, referindo-se às Cortes portuguesas em uma de suas Farpas: “É uma escola de humildade este parlamento! Nunca, em parte nenhuma, como ali, o insulto foi recebido com tão curvada paciência”.

Essa curvada paciência, porém, esgotou a tolerância do povo que não aceita a patrulha do pensamento nem a gradual, mas constante e crescente, perda de suas liberdades. Quem não entendeu isso não entendeu coisa alguma.

Que o próximo parlamento, com honra e dignidade, retome o verdadeiro sentido da representação popular, para volta da democracia e da liberdade.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.