Percival Puggina

26/01/2023

 

Percival Puggina

       O século XX ia apagando as luzes e o Brasil era governado por FHC. O petismo, crescendo em ferrenha oposição, mirava sua cadeira com olhos cobiçosos. No Congresso Nacional, o partido oposicionista produzia denúncias, pedidos de CPI e de impeachment como padaria fazem pães. Aos cestos. Todas as gavetas do aparelho de estado eram suspeitas! Foram oito anos disso e pouco importava se os impeachments eram recusados e as denúncias arquivadas (o PGR, Geraldo Brindeiro, ganhou o apelido de Arquivador Geral da República). O que contava era o barulho na mídia e a consequente destruição da imagem do adversário.

Em contraposição, o PT se apresentava como estuário da virtude nacional. No leque ideológico, só havia pecado a leste do PT, que cumpria, com furores de Torquemada, o papel de grande inquisidor, também, das heresias políticas desalinhadas da beata esquerda tupiniquim. Do alto de minhas surradas tamancas, eu ousava dizer que não era bem assim.

O petismo anunciava que Lula levaria para o Palácio da Alvorada seus hábitos à dura vida de sindicalista e aquela moderação de costumes que o santo de Assis foi buscar entre os pássaros. Ele teria aprendido na enciclopédia das ruas o que Rui Barbosa escrutinou nos corredores das bibliotecas. Para comandar, ele enrijecera o pulso nos tornos da Villares.

Infelizmente não tenho a imagem, mas ela foi um símbolo da atividade oposicionista durante a gestão do “príncipe dos sociólogos brasileiros” (os tucanos também tinham seus delírios). Nos últimos dias antes da eleição de 2002, o PT estendeu no plenário da Câmara dos Deputados um cordel que ia de lado a lado, diante da mesa dos trabalhos. Nela, como bandeirolas de cordel em festa do interior, cartazes mostravam os nomes de todas as CPIs solicitadas em oito anos. Escândalos que ficaram sepultados. Os meios de comunicação exibiram e Lula foi eleito.

Enfim, a moral seria restabelecida. O PT tinha a chave de todas as gavetas, acesso a todos os dados, comandaria o aparelho de informação do Estado, nada restaria oculto. Os pecados seriam proclamados desde as cumeeiras. Um mar de lama inundaria o Lago Paranoá.

Sentei e esperei. Passaram-se os dias, as semanas, os meses, os anos. E nada! Senhores, estou afirmando: nada! Coisa alguma. Lhufas! O que relato aqui aos mais moços e aos mais esquecidos diz muito sobre a relação entre Lula e FHC, entre tucanos e petistas. Explica apoios e abraços.

Agora, compare com a conduta do PT durante o governo de Bolsonaro. O partido que perdera a eleição de 2018 sob o peso das próprias culpas expostas pela Lava Jato adotou uma conduta discreta se cotejada com suas encenações contra FHC. Exceção feita à CPI do Circo, a verdadeira oposição a Bolsonaro, ferrenha, duríssima, ficou por conta da mídia e do crescente ativismo judicial via STF/TSE.

Compare o que escrevi acima quando FHC saiu e Lula entrou com o que está acontecendo agora que Bolsonaro saiu para Lula entrar. Foram quatro semanas em guerra! O petismo só fala em cadeia, cerceamento de liberdades, combate sem tréguas às demais posições ideológicas, expurgos e em tornar inelegíveis seus adversários potenciais. Passa pente fino em cartões de crédito, telefones celulares, furunga gavetas, vasculha lixeiras.

A favor de quem o PT governa sabemos todos. E contra quem o faz? Quem é realmente adversário para o petismo raiz de volta ao poder? É você, meu caro leitor. É você através dos que são censurados, multados, presos, tornados sem voz por decisões judiciais que uma vez iniciadas não mais irão cessar. São aqueles de quem, por não subscreverem a cartilha, o ministro Haddad diz que não compra coisa alguma.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

 

Percival Puggina

24/01/2023

 

Percival Puggina

         O estresse político brasileiro é um corruptor de consciências. Multidões perdem noções básicas de certo e errado que introduzem o senso moral e que toda criança sob cuidados familiares ouviu dos adultos: “Não faças aos outros o que não gostarias que fizessem contigo”; “Tua liberdade vai até onde começa a liberdade do outro”; “Evita as más companhias”, etc.

Não obstante a obviedade destes marcos morais, milhões de pessoas aceitam o abuso do poder exercido contra quem pensa diferente, aplaudem personagens que não seriam convidados para jantar com a família de quem aplaude. E por aí vai a razão cedendo lugar à paixão.

Álvaro Moreyra, poeta porto-alegrense que foi membro da Academia Brasileira de Letras, escreveu em “Lembranças... as amargas não” que no fim somos “biblioteca de nós mesmos, nosso próprio repertório”. Haveria menos imbecis e menos canalhas se todos estivéssemos atentos a isso.

Como escrevi enquanto os fatos aconteciam, na tarde do domingo dia 8, aquelas aberrações que feriram toda consciência bem formada beneficiavam exclusivamente o governo. Agora é possível explicitá-lo claramente pela conduta dos diversos atores. A ingenuidade da imensa maioria dos manifestantes, o desatino de alguns e a infiltração de outros deram suporte ao discurso do golpismo, reforçaram o palavrório de Lula no exterior, criaram a organização que faltava à sanha punitiva do ministro Alexandre de Moraes, fortaleceram a candidatura do omisso senador Rodrigo Pacheco à presidência do Senado e reduziram as bancadas de oposição nas duas casas do Congresso Nacional. Impossível apresentar à nação, ao vivo e a cores, algo com tamanho poder de beneficiar o adversário e causar tanto dano a quem são atribuídas as ações.

É inevitável que essa constatação nos remeta à conhecida frase de Napoleão: “Jamais interrompa seu inimigo quando ele estiver cometendo um erro”.

No calor dos acontecimentos, a base do governo no Senado tratou de pedir uma CPI. Ela foi proposta pela senadora Soraya Thronicke e contou com a habitual dedicação do senador Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso, que logo garantiu já ter asseguradas as 27 assinaturas necessárias. Horas mais tarde, ainda no dia 9, já eram 31 os senadores signatários do requerimento da recém-batizada CPI do Terrorismo. No dia seguinte, a Revista Exame passou a régua e totalizou 41 apoiadores (mais da metade do plenário da Casa). O número deve ter continuado crescendo porque também os senadores da oposição concordavam com ser um dever do parlamento investigar atos criminosos cometidos contra o Legislativo.

Quando a poeira das investigações começou a baixar, soube-se que o governo não estava entusiasmado com a ideia da CPI. Interrogado sobre esse recuo na entrevista que concedeu à Globo News, Lula falou do que já estava sendo feito pelo governo e foi ajudado pela própria apresentadora (coisas do jornalismo independente) que completou por ele: “Porque a gente sabe como as CPIs começam, mas nunca sabe como terminam”. Isso significa que no pluralismo de uma CPI, a luz pode entrar, também, por outras portas e janelas.

O objetivo principal da CPI, além de identificar os responsáveis e os mandantes das condutas criminosas, é saber quais as forças que se conjugaram para que a omissão permitisse os atos de barbárie que horrorizaram o mundo. Por que, raios, quando tantos, com tanto poder, estavam sabendo que “algo” grave estava por acontecer, ninguém se mobilizou para impedir? Quantos prevaricaram? Hoje, passadas duas semanas, a oposição quer a CPI e o governo se desinteressou dela. Por quê?

Para essa pergunta, a jornalista da Globo News teve uma resposta que emprestou ao Lula.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

22/01/2023

 

Percival Puggina

Nota do autor: O que se segue está escrito para leitura de democratas; se você não for, nem leia; se ler, não se aborreça.

Democracia requer democratas com bom senso moral porque não há democracia numa sociedade de malfeitores.

O vocábulo democracia é um substantivo. Quando lhe são apostos adjetivos, tem-se uma democracia com prisma ideológico, ou seja, algo multiforme. As democracias “populares” do século passado deixaram cem milhões de vítimas. No Brasil, no final dos anos 70, tivemos a “democracia relativa”. Mundo afora, todo tirano chama “democrático” seu modo de exercer o poder.

Nesta última versão, para não deixar dúvida, a democracia ganha nome e sobrenome de quem esteja impondo seu querer.

A democracia coleciona imperfeições humanas. Não obstante, é o regime que melhor protege a liberdade dos cidadãos, por isso é o escolhido dos povos livres e causa de prosperidade social. Sufocar essas liberdades para “defender a democracia” é instalar uma tirania.

Se a ocorrência de situações “excepcionalíssimas” for considerada, a todo momento, causa suficiente para ruptura das garantias constitucionais e legais dos cidadãos, a excepcionalidade se tornará normal e os tempos normais é que se tornarão excepcionais. Não é um bom roteiro.

Na hipótese da máxima anterior, melhor faria essa nação instituindo uma constituição e toda a decorrente ordem jurídica para tempos de exceção. E dê a esse regime o nome que quiser.

Não existe fé em algo; fé é sempre um ato humano em relação a alguém.

Confiança, assim como credibilidade e estima, é atributo que se conquista; pelo viés oposto, desconfiança, descrédito e desapreço, também.

A história das tiranias é um relatório de interdições e sanções crescentes, com desfechos trágicos.

Machiavel escreveu sua obra máxima aos príncipes de seu tempo. Tivesse nascido 100 anos mais tarde, teria conhecido o trágico fim de Charles I e a deposição de Charles II na Inglaterra. E escrito um livro diferente.  

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

20/01/2023

 

Percival Puggina

         Adivinhe qual a emissora de TV que Lula escolheu para sua primeira entrevista de temas múltiplos após o início de seu governo? Bingo! Acertou de cara, amigo leitor: a Globo News, representada no ato pela indefectível jornalista Natuza Nery, comentarista de política do canal e de quem nunca se viu, em quatro anos, o mais tênue deslize em sua trincheira oposicionista.

Lula falou sobre a necessária aplicação da lei aos que tentaram golpe de Estado, disse que os militares devem tirar a farda para fazer política e prometeu acabar com o desmatamento. E, de repente se pôs a falar sobre Economia. Nessa área ele consegue ser pior do que Fernando Haddad e transforma a estabanada Dilma Rousseff em seu posto Ipiranga.

O jornalista Álvaro Gribel, da mesma Globo, e sobre cuja posição não cabe dúvida, pois considerou serem palavras “de estadista” aquelas com que Lula respondeu as três questões mencionadas acima, criticou fortemente as posições do novo presidente em questões econômicas. Lula considerou uma bobagem a independência do Banco Central, reiterou ser contra a meta de inflação e contra o teto de gastos.

Lula sempre pensou assim. Lá atrás, no começo do século, ele já pensava “que uma inflaçãozinha não fazia mal algum”. Não foi por outra razão, além da inveja que tinha de FHC, que seu partido se opôs ao Plano Real, sem o qual estaríamos até hoje em hiperinflação. E aquela loucura dos anos 90 do século passado começou com alguma inflaçãozinha e descontrole fiscal vinte anos antes.

Para Lula, estabilidade social e fiscal são objetivos antagônicos por causa da ganância das pessoas mais ricas. Ao que se acresce uma sentença que deveria ganhar versões em bronze e enviada aos empresários que apoiaram a volta de Lula ao poder: “O empresário não ganha muito dinheiro porque trabalhou, mas porque os empregados dele trabalharam”.

O novo governante tem instalada na cabeça, sobre Economia, uma verdadeira súmula das idéias que deixaram a situação fiscal do Brasil em pandarecos nas mãos de seu partido, mesmo transcorridas suas quatro gestões num dos períodos mais benfazejos em tempos de globalização. Para ele, todo gasto do governo, mesmo furando o teto, mesmo aumentando impostos, mesmo reestatizando o que foi privatizado, mesmo ampliando a inflação, é “investimento”. Gasto, do tipo dinheiro roubado (imagino), é pagamento de juros.

Ele não sabe que juros elevados não são sobrepreço de empreiteiras e fornecedores. Eles são pagos a quem usa seus recursos privados para financiar a despesa pública superior à receita. Ou seja, juros da dívida são a consequência inevitável da irresponsabilidade fiscal. E é exatamente isso que ele vem prometendo cada vez que fala sobre Economia.

Se, como se diz, “promessa é dívida”, as de Lula  fazem isso mesmo: vão aumentar o endividamento do Estado. Em entrevista exclusiva à Globo, como deferência à empresa e prenúncio de tragédia à nação, Lula apontou o caminho do fracasso.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

18/01/2023

 

Percival Puggina

      Lula, durante a campanha eleitoral, se posicionou, em quase tudo, conforme a conveniência do momento. No caso do aborto, ora era favor, ora contra o abortamento voluntário. Quando lhe convinha, afirmava ser o aborto um problema de saúde, um direito da mulher, algo que elas deveriam poder fazer sem se envergonhar. Quando lhe convinha o oposto, se dizia contrário ao aborto e defensor da vida.

Sua campanha, inclusive, entrou em juízo para obrigar a de Bolsonaro a retirar do ar um vídeo em que era divulgada a posição pró aborto do candidato petista. Por ordem judicial, a matéria não mais foi reproduzida.

Agora a CNBB emite nota em que admite ter acreditado nas palavras do novo presidente da República. Em certo momento, o texto afirma:

“Assim, as últimas medidas, a exemplo da desvinculação do Brasil com a Convenção de Genebra e a revogação da portaria que determina a comunicação do aborto por estupro às autoridades policiais, precisam ser esclarecidas pelo Governo Federal considerando que a defesa do nascituro foi compromisso assumido em campanha”.

Desculpem as autoridades eclesiásticas, mas ninguém mandou acreditar no Lula. Não pode ter passado ao largo de suas observações as declarações explícitas dele sobre o assunto.

O novo governo está em seus primeiros momentos. Apenas 18 dias transcorreram e a questão do aborto já entrou pela terceira vez no noticiário provocado pelo próprio Palácio do Planalto com suas ações, ou com a transcrição de manifestações da ministra da Mulher. Num de seus primeiros pronunciamentos, ela especulou sobre o que poderia acontecer com o debate sobre aborto na futura composição do Senado e afirmou, provocando reação de Rodrigo Pacheco, que o próximo Senado, mais “conservador e bolsonarista”, significaria mais recuos do que avanços na questão do aborto.

Ao acreditar em Lula, a CNBB ouviu dele apenas a parte que lhe conveio, escolheu o que ouvir. Contudo, não faltavam evidências no sentido oposto! Agora, naquela fase em que todo governo trata de dizer o que pretende, expondo suas prioridades, essa importante questão humana está e vai ficar na mesa por uma razão que só os muito ingênuos desconhecem: o aborto é pauta da esquerda que assumiu o poder no Brasil e essa esquerda não desiste de seus objetivos. Reitero meu velho bordão: os ingênuos estão na cadeia alimentar dos mal-intencionados.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

16/01/2023

 

Percival Puggina

       Há muitos anos, após debater num programa de rádio com importante líder comunista daqui do Rio Grande do Sul, prolongamos nossa conversa fora dos microfones. Subitamente, ele me diz: “Puggina, tenho inveja de vocês cristãos”. Diante de minha surpresa, explicou que reconhecia ser muito mais suave obedecer à lei de Deus do que à lei dos homens. Que o Estado e suas leis muitas vezes transbordavam para o arbítrio e para a violência e que a guia moral da religião parecia mais natural para contenção das paixões humanas.  

Ao seu modo, ele estava manifestando uma compreensão daquilo que se denomina Direito Natural, ou intuindo a universalidade da lei moral, ou a influência positiva da moral judaico cristã, ou reconhecendo méritos na civilização ocidental cristã, ou no cristianismo cultural, ou algo de cada um desses fatores.

Pois é... Essa conversa ocorreu há tanto tempo! Mas se há uma constatação que se pode fazer sem medo de errar é que já então a lei de Deus vinha sofrendo acelerado “revogaço” em todo o Ocidente outrora dito cristão. Esse foi o caminho encontrado por aqueles que tinham para a humanidade um projeto de poder que não podia conviver com a prevalência de Deus, da família, do mercado e do sentimento de pátria na cultura dominante. O Estado e apenas ele tinha que se sobrepor de modo absoluto, a tudo e a todos.

Como isso aconteceu? É tão fácil entender! O que se convencionou chamar de cristianismo cultural era um subproduto da prática religiosa cristã. Descrevia aquilo que meu interlocutor referido no início deste artigo, constatava e, ao seu modo, atribuía valor. Decorria da vida em conformidade com a fé. Da oração, dos sacramentos, da vida piedosa e virtuosa, do amor a Deus, ao próximo e a si mesmo. Quando estes elementos essenciais da religião que fundava a cultura ocidental foram perdendo sentido e sendo relativizados, restou uma corruptela do cristianismo e uma corruptela do cristianismo cultural, cujo resultado grita nas estatísticas sociais e nas práticas políticas.

Claro, escrevo como cristão e, neste particular, como conservador. Muitos hão de sustentar que vamos bem e progredimos. Essa divergência está no foco das disputas em curso na vida social, política e econômica da sociedade brasileira.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

   

Percival Puggina

14/01/2023

 

Percival Puggina

         Em nome do amor vencendo o ódio, estamos assistindo a mais odiosa caçada a adversários políticos desde 1978, já lá vai, portanto, quase meio século. É um longo tempo, cujos eventos se contiveram no espaço de vida intelectual ativa de pessoas com menos de 60 anos, atentas aos fatos nacionais. Em outras palavras, apenas os idosos (15% da população brasileira) tiveram experiências em tempos de liberdades restritas. Autoritarismo político em pleno funcionamento está sendo visto e vivido pela primeira vez por 85% dos brasileiros.

Não deveriam estar protestando contra isso? Sempre viveram e conviveram com governos e suas oposições. Sabem que o PT nunca deu moleza a seus adversários. Sempre puderam observar, também, que o PT, se perde uma eleição, seja presidencial, estadual ou municipal, desenrola a campanha padrão do “Fora fulano”, contra o sujeito sentado na cadeira que os petistas ambicionavam. Sempre puderam assistir a maledicência e a destruição moral dos adversários, (muito bem retratados no livro “Assassinato de reputações”, best seller de Romeu Tuma Jr.).

Nunca, porém, essa geração mais jovem assistiu algo como essa sanha acusatória, essa caça às bruxas, essas ameaças públicas, essa criminalização da oposição, essa judicialização total da política, essas declarações de guerra, essas ações concretas de censura e restrição de direitos (inclusive de defesa), essa aplicação cruel de sanções severíssimas contra cidadãos acusados de pretender contra o Estado aquilo que o Estado, objetivamente, está a fazer. Nunca autoritarismo tão explicito foi usado contra um presidente enquanto o acusavam de pretensões ditatoriais...

Perceberam, leitores, que hoje não restam senão uns poucos bons comunicadores de perfil conservador e/ou liberal, em atividade no país? Os demais estão silenciados! Punidos! Investigados! No exílio! Contas bancárias bloqueadas! Demitidos de suas empresas! Tamanho foi o constrangimento que alguns desistiram e mudaram de ramo para viver em paz. As poucas empresas de mídia que não aplaudem de pé o jogo sinistro do topo do poder estão medindo palavras. Escolhendo assuntos.

Os que atuam de modo individual nas redes sociais confinam-se no que alguns, com muita propriedade, têm chamado “campos de concentração digitais”. Tal expressão define de modo adequado esses espaços patrulhados, sem privacidade, farejados por uma polícia digital de cães caçadores de palavras e temas proibidos que atuam para dar recheio aos infindáveis e inescrutáveis inquéritos abertos. Subsistem controlados em “primeira instância” pelas próprias plataformas que usam para expor seu pensamento. Também elas estão alinhadas com as causas e pautas do poder instalado e cuidam de controlar a propagação daquilo que produzem os comunicadores que ainda insistem em usar esses retalhos de liberdade tolerados pela patrulha dos campos de concentração digitais.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

13/01/2023

 

Percival Puggina

         Esta é uma batalha pelo futuro da humanidade. Se a liberdade de expressão for perdida na América, tirania é tudo que resta à frente. (Elon Musk)

Todos sabem que sou conservador e liberal, nessa ordem. Como conservador sei que não há vida civilizada sem instituições. Há dois séculos a humanidade descobriu que as instituições do Estado comprometem a vida civilizada quando fazem mau uso de seu poder.

Escrevo sobre sintomas que sinto. No caso, como brasileiro, sou paciente dos males nacionais. Pacientes podem discordar das terapias indicadas pelos médicos; jamais, porém, algum discordou dos próprios sintomas. “Doutor, eu não sinto isso que digo sentir.” Ninguém fala algo assim.

Portanto, só uma pessoa alienada como esse doente imaginário, que perdeu também o juízo, não perceberá os sinais de um avanço contra a liberdade de opinião e de algo ainda pior na perspectiva da política. Refiro-me ao oficializado combate à divergência, até que toda a luz da comunicação parta das bem-remuneradas usinas do oficialismo estatal e a divergência acabe a toco de vela e a troco de feira.

Uma a uma estão caindo as cartas da direita “até não ficar nada”, como na canção A Cartomante de Ivan Lins. Alguém poderia imaginar o debate político brasileiro sem Rodrigo Constantino, um analista arguto, lógico, hábil demolidor de falácias e narrativas enganosas? Quem poderia pensar no “Pingo nos Is” em poucos dias reduzido à atual expressão pálida de si mesmo? Que dizer da Jovem Pan, sem Guilherme Fiuza, Augusto Nunes, Caio Coppola, Cristina Graeml, Ana Paula Henkel, Carla Cecato, Zoé Martinez, Marco Antônio Costa? A solitária coincidência entre as dificuldades enfrentadas pela Revista Oeste, Brasil Paralelo, programa Sem Filtro, Gazeta do Povo, JCO e tantos outros é desafinarem da orquestra e divergirem de seu maestro.

Você já percebeu que os principais comunicadores do país que não sejam de esquerda estão perdendo seus canais nas plataformas por decisões judiciais ou delas próprias? E note-se: a tudo que acabo por descrever nestes pequenos espaço de liberdade, somam-se decisões tomadas pelas direções das empresas confessadamente movidas pelo medo – medo legítimo – de  ilegítimas e desmedidas sanções. Pense que hoje temos uma forma de exílio digital (!) constrangendo comunicadores e parlamentares a usar plataformas no exterior.

Será isso coisa recente? Claro que não. Olhando pelo retrovisor, lá atrás, os grandes grupos de comunicação, ao afinarem seus instrumentos e se tornarem naquilo que o escritor Felix Maier chamou de “imprensa antifas”, no mesmo diapasão e desmazelo ético, despediram seus mais influentes jornalistas não alinhados com as intenções políticas do petismo. Ou isso não aconteceu, ou foram outras coincidências? Pessoalmente, só posso dizer que dessa escalada para a tirania, na rota denunciada por Elon Musk, de fato sinto os sintomas que sinto.     

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

        

        

Percival Puggina

11/01/2023

 

Percival Puggina

         A ordem para entregar todas as pessoas presentes no acampamento instalado junto ao QG do Exército foi emitida por alguém que deixou no armário o senso de humanidade. Lá se foram embarcadas pessoas idosas, pessoas enfermas, crianças e suas mães. Você não precisa pensar muito para perceber que isso está errado. Não creio que algo assim já tenha sido feito em cracolândias, para apreensão de drogas e traficantes.

Era inevitável que a multidão detida evocasse a imagem nefasta de um “campo de concentração”. O erro, que desencadeou uma série de problemas operacionais – e humanos – foi considerar criminoso o simples fato de estar alguém acampado diante de uma instalação militar em protesto contra a sequência de ações cujo produto final foi a eleição de Lula.

É excesso de autoestima e perda do senso de medida indignar-se e reagir de modo punitivo a essa prolongada irresignação inativa. Por que, raios, vociferar tanto contra a visibilidade proporcionada pela simples presença passiva, semana após semana?

Vê-los me fazia lembrar de Mahatma Ghandi ou Martin Luther King, que estão longe de ser maus exemplos. Indignar-se e reagir a eles é desprezar a autonomia do ser humano. Quem assim procede tem excesso de estima por si mesmo e escassa estima pela humanidade.

As pessoas devem ser livres para protestar pacifica e eternamente, se quiserem. É o que fizeram, sempre sob repressão do Estado, as Mães da Praça de Maio na Argentina durante 30 anos entre 1976 e 2006 e há 20 anos fazem as Damas de Branco em Cuba, enquanto marcham, juntas, silenciosas, para a missa. Há exemplos para a esquerda e para a direita.

É inútil colocar uma rolha e selar com o lacre da autoridade as opiniões divergentes. Ao peso e custo de sanções, perguntas sem resposta podem não ser verbalizadas, mas persistirão nas mentes e ecoarão na história. Vale o mesmo para as perguntas que hoje são feitas sobre as misteriosas omissões das autoridades na proteção da Esplanada dos Ministérios.   

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.