Percival Puggina

14/01/2023

 

Percival Puggina

         Em nome do amor vencendo o ódio, estamos assistindo a mais odiosa caçada a adversários políticos desde 1978, já lá vai, portanto, quase meio século. É um longo tempo, cujos eventos se contiveram no espaço de vida intelectual ativa de pessoas com menos de 60 anos, atentas aos fatos nacionais. Em outras palavras, apenas os idosos (15% da população brasileira) tiveram experiências em tempos de liberdades restritas. Autoritarismo político em pleno funcionamento está sendo visto e vivido pela primeira vez por 85% dos brasileiros.

Não deveriam estar protestando contra isso? Sempre viveram e conviveram com governos e suas oposições. Sabem que o PT nunca deu moleza a seus adversários. Sempre puderam observar, também, que o PT, se perde uma eleição, seja presidencial, estadual ou municipal, desenrola a campanha padrão do “Fora fulano”, contra o sujeito sentado na cadeira que os petistas ambicionavam. Sempre puderam assistir a maledicência e a destruição moral dos adversários, (muito bem retratados no livro “Assassinato de reputações”, best seller de Romeu Tuma Jr.).

Nunca, porém, essa geração mais jovem assistiu algo como essa sanha acusatória, essa caça às bruxas, essas ameaças públicas, essa criminalização da oposição, essa judicialização total da política, essas declarações de guerra, essas ações concretas de censura e restrição de direitos (inclusive de defesa), essa aplicação cruel de sanções severíssimas contra cidadãos acusados de pretender contra o Estado aquilo que o Estado, objetivamente, está a fazer. Nunca autoritarismo tão explicito foi usado contra um presidente enquanto o acusavam de pretensões ditatoriais...

Perceberam, leitores, que hoje não restam senão uns poucos bons comunicadores de perfil conservador e/ou liberal, em atividade no país? Os demais estão silenciados! Punidos! Investigados! No exílio! Contas bancárias bloqueadas! Demitidos de suas empresas! Tamanho foi o constrangimento que alguns desistiram e mudaram de ramo para viver em paz. As poucas empresas de mídia que não aplaudem de pé o jogo sinistro do topo do poder estão medindo palavras. Escolhendo assuntos.

Os que atuam de modo individual nas redes sociais confinam-se no que alguns, com muita propriedade, têm chamado “campos de concentração digitais”. Tal expressão define de modo adequado esses espaços patrulhados, sem privacidade, farejados por uma polícia digital de cães caçadores de palavras e temas proibidos que atuam para dar recheio aos infindáveis e inescrutáveis inquéritos abertos. Subsistem controlados em “primeira instância” pelas próprias plataformas que usam para expor seu pensamento. Também elas estão alinhadas com as causas e pautas do poder instalado e cuidam de controlar a propagação daquilo que produzem os comunicadores que ainda insistem em usar esses retalhos de liberdade tolerados pela patrulha dos campos de concentração digitais.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

13/01/2023

 

Percival Puggina

         Esta é uma batalha pelo futuro da humanidade. Se a liberdade de expressão for perdida na América, tirania é tudo que resta à frente. (Elon Musk)

Todos sabem que sou conservador e liberal, nessa ordem. Como conservador sei que não há vida civilizada sem instituições. Há dois séculos a humanidade descobriu que as instituições do Estado comprometem a vida civilizada quando fazem mau uso de seu poder.

Escrevo sobre sintomas que sinto. No caso, como brasileiro, sou paciente dos males nacionais. Pacientes podem discordar das terapias indicadas pelos médicos; jamais, porém, algum discordou dos próprios sintomas. “Doutor, eu não sinto isso que digo sentir.” Ninguém fala algo assim.

Portanto, só uma pessoa alienada como esse doente imaginário, que perdeu também o juízo, não perceberá os sinais de um avanço contra a liberdade de opinião e de algo ainda pior na perspectiva da política. Refiro-me ao oficializado combate à divergência, até que toda a luz da comunicação parta das bem-remuneradas usinas do oficialismo estatal e a divergência acabe a toco de vela e a troco de feira.

Uma a uma estão caindo as cartas da direita “até não ficar nada”, como na canção A Cartomante de Ivan Lins. Alguém poderia imaginar o debate político brasileiro sem Rodrigo Constantino, um analista arguto, lógico, hábil demolidor de falácias e narrativas enganosas? Quem poderia pensar no “Pingo nos Is” em poucos dias reduzido à atual expressão pálida de si mesmo? Que dizer da Jovem Pan, sem Guilherme Fiuza, Augusto Nunes, Caio Coppola, Cristina Graeml, Ana Paula Henkel, Carla Cecato, Zoé Martinez, Marco Antônio Costa? A solitária coincidência entre as dificuldades enfrentadas pela Revista Oeste, Brasil Paralelo, programa Sem Filtro, Gazeta do Povo, JCO e tantos outros é desafinarem da orquestra e divergirem de seu maestro.

Você já percebeu que os principais comunicadores do país que não sejam de esquerda estão perdendo seus canais nas plataformas por decisões judiciais ou delas próprias? E note-se: a tudo que acabo por descrever nestes pequenos espaço de liberdade, somam-se decisões tomadas pelas direções das empresas confessadamente movidas pelo medo – medo legítimo – de  ilegítimas e desmedidas sanções. Pense que hoje temos uma forma de exílio digital (!) constrangendo comunicadores e parlamentares a usar plataformas no exterior.

Será isso coisa recente? Claro que não. Olhando pelo retrovisor, lá atrás, os grandes grupos de comunicação, ao afinarem seus instrumentos e se tornarem naquilo que o escritor Felix Maier chamou de “imprensa antifas”, no mesmo diapasão e desmazelo ético, despediram seus mais influentes jornalistas não alinhados com as intenções políticas do petismo. Ou isso não aconteceu, ou foram outras coincidências? Pessoalmente, só posso dizer que dessa escalada para a tirania, na rota denunciada por Elon Musk, de fato sinto os sintomas que sinto.     

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

        

        

Percival Puggina

11/01/2023

 

Percival Puggina

         A ordem para entregar todas as pessoas presentes no acampamento instalado junto ao QG do Exército foi emitida por alguém que deixou no armário o senso de humanidade. Lá se foram embarcadas pessoas idosas, pessoas enfermas, crianças e suas mães. Você não precisa pensar muito para perceber que isso está errado. Não creio que algo assim já tenha sido feito em cracolândias, para apreensão de drogas e traficantes.

Era inevitável que a multidão detida evocasse a imagem nefasta de um “campo de concentração”. O erro, que desencadeou uma série de problemas operacionais – e humanos – foi considerar criminoso o simples fato de estar alguém acampado diante de uma instalação militar em protesto contra a sequência de ações cujo produto final foi a eleição de Lula.

É excesso de autoestima e perda do senso de medida indignar-se e reagir de modo punitivo a essa prolongada irresignação inativa. Por que, raios, vociferar tanto contra a visibilidade proporcionada pela simples presença passiva, semana após semana?

Vê-los me fazia lembrar de Mahatma Ghandi ou Martin Luther King, que estão longe de ser maus exemplos. Indignar-se e reagir a eles é desprezar a autonomia do ser humano. Quem assim procede tem excesso de estima por si mesmo e escassa estima pela humanidade.

As pessoas devem ser livres para protestar pacifica e eternamente, se quiserem. É o que fizeram, sempre sob repressão do Estado, as Mães da Praça de Maio na Argentina durante 30 anos entre 1976 e 2006 e há 20 anos fazem as Damas de Branco em Cuba, enquanto marcham, juntas, silenciosas, para a missa. Há exemplos para a esquerda e para a direita.

É inútil colocar uma rolha e selar com o lacre da autoridade as opiniões divergentes. Ao peso e custo de sanções, perguntas sem resposta podem não ser verbalizadas, mas persistirão nas mentes e ecoarão na história. Vale o mesmo para as perguntas que hoje são feitas sobre as misteriosas omissões das autoridades na proteção da Esplanada dos Ministérios.   

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

10/01/2023

Percival Puggina

         Cada vez que a elite política e intelectual que domina o Brasil usa a palavra democracia, meu aparelho digestivo reage com engulhos. Numa democracia, senhores, existe respeito a lei e limites ao uso que as autoridades fazem de seus poderes. Nesses bem-aventurados países, vive-se uma realidade posterior ao absolutismo e nenhuma cabeça, coroada ou não, age como se não houvesse lei, nem Justiça, nem humanidade. Neles, o bom exemplo vem de cima e as motivações pessoais do lobo não submetem os cordeiros.

Os reprováveis e lamentáveis acontecimentos do dia 8 têm seus motivos, mas motivos não são razões da razão. Assim também, não são razões da razão as que levaram nosso país à dura realidade de termos um campo de concentração funcionando na Capital Federal onde seres humanos capturados com rede de arrastão foram conduzidos de modo imprudente e indiscriminado. A quantos dias estamos de tresloucada e arrogante versão brasileira de um gueto para opositores?

Quando idosos arrebanhados, rotulados com a pecha de terroristas são submetidos às degradantes condições que vemos eu me pergunto: quem, realmente está promovendo o terror; quem se dedica a criar medo na população? Serão, realmente, aquelas pessoas enroladas na bandeira do Brasil? Em quem suas orações e seu devotado amor à pátria causam pânico?

Lembrou-me alguém que “os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz”. Quem não foi esperto, eu sei. Quem não foi esperto cometeu o que qualifiquei e continuo qualificando como um erro descomunal. Quem foi esperto disse que mané perdeu. Quem foi esperto extrairá do dia 8 todo proveito possível  e boa dose do proveito impossível.

O ministro Alexandre de Moraes tem agora o enredo que lhe faltava para a sigilosa novela que, há anos, vinha tentando escrever. Até prova em contrário, continua sendo mero script. Nada me convence de que a ideia da tal invasão de Brasília nos dias 6, 7 e 8, convocada num vídeo que assisti, já não fosse 100% infiltração. Mas, vá saber!

Caros leitores, perante os fatos, de nada vale esbofeteá-los ou injuriá-los. Não é assim que eles mudam. Fora da política não há salvação. Quem não crê no trabalho político está admitindo não haver salvação. E está deixando todo o trabalho para quem crê. Como escrevi há muitos anos: “Os ingênuos estão na cadeia alimentar dos mal-intencionados”.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

08/01/2023

 

Percival Puggina

         As invasões e depredações neste momento em curso na capital federal constituem um erro descomunal! Quem julgar que estou equivocado pense em Alexandre de Moraes  , em Lula, em Flávio Dino, em Rodrigo Pacheco, nos ministros indicados pelo PT aos tribunais superiores. Vocês acham que eles estão, neste momento, fazendo um exame de consciência? Avaliando suas condutas anteriores? Arrependidos? Decidindo mudar de vida? Entregando o poder aos invasores?

Bem ao contrário! Estes atos contribuirão para explicar o que esses atores da cena política faziam antes sem motivo. Agora, instigados pelo vandalismo que estamos assistindo pela TV, passarão a intensificar e ampliar suas ações! Outras garantias individuais vão para o saco e outros pagarão a conta.

Há tempos, milhões de brasileiros olham assustados para o futuro. Identificam um avanço totalitário incidindo sobre a liberdade e a privacidade dos cidadãos, sobre os direitos humanos e veem na lixeira princípios constitucionais e leis que os protegiam.

Jornalistas vítimas de assédio judicial. Seus espaços de comunicação tomados pelo Estado que, sempre insatisfeito, impõe multas, recolhe passaportes e inclui as vítimas em inquéritos que (como muito bem escreveu alguém) são as únicas coisas persistentemente sigilosas em nosso país.

Aos poucos, mas sem recuos, o país saiu dos trilhos do bom Direito e da boa Justiça. Há um terrorismo de Estado e um fedor distópico orwelliano impregna a atmosfera da vida social de inesperadas supressões de direitos. E há o silêncio com que a outrora grande mídia expressa seu descompromisso com bens essenciais à natureza humana.  Dezenas de milhões de cidadãos estão indignados, mas a indignação, hoje, se expressou de modo totalmente equivocado.

Não sei o que vai acontecer depois que eu encerrar este texto. Entretanto, preciso lembrar que dentro de três semanas assume um novo Congresso Nacional. Ele foi aclamado como expressiva vitória eleitoral dos conservadores e liberais ou, mais sinteticamente, dos não esquerdistas, ou não revolucionários, ou não petistas. Essa eleição a esquerda reconhece que perdeu.

Então me pergunto: por que, à parte da loucura de hoje, não aproveitamos esses dias para, nas bases, aí onde vivem centenas de parlamentares, conversar com eles, dizer-lhes o quanto precisamos deles para recuperar bens de altíssima relevância, como as liberdades de opinião e de expressão, para coibir abusos de que tantos são vítimas e para sustar o autoritarismo, venha de onde vier?

Esses congressistas – deputados e senadores da próxima legislatura – são nossa esperança. E Lula quer os votos deles! Cabe-nos, portanto, agir no sentido oposto, mostrando o quanto a democracia e as nossas liberdades dependem de que cumpram o compromisso assumido com quem lhes confiou a representação política e foi explicitado no ato de posse, quando disseram: "Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil".

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

07/01/2023

 

Percival Puggina

         O grande Carlos Drummond de Andrade abre o inesgotável poema “E agora José?” com estes versos que parecem dirigidos a nós:

E agora, José?
A festa acabou
A luz apagou
O povo sumiu
A noite esfriou
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome
Que zomba dos outros
Você que faz versos
Que ama, protesta?
E agora, José?

É assim que estamos, no desconsolo dos que se sentem abandonados. Contudo, não. Tenho pensado muito nestes primeiros dias de 2023 sobre a pergunta do poeta. Algumas respostas já tenho.

O PT conta com nossa resignação. Alguns de nós cometem o grave erro de propagar narrativas enganosas que postergam e tornam ainda mais difícil a adoção das atitudes adequadas ao momento político. É urgente restaurar nossas liberdades, o estado de direito e a democracia. É preciso acabar com a censura. Instituir o voto impresso é indispensável à legitimidade dos mandatos.

Prestei muita atenção à fala de Lula quando se reuniu com o polifônico e despreparado primeiro escalão de seu governo. Lula montou um governo tecnicamente frágil porque precisava contar votos no Congresso Nacional. Ele sabe que ali está exposto o tendão de aquiles de seu governo. Então, ele falou em prestigiar, atender, ouvir, agradar, servir água e cafezinho, “mesmo que o parlamentar seja um adversário ideológico”.

Ficou clara a preocupação do malfeitor? Ele tem plena consciência sobre onde residirão suas dificuldades. Ele falou aos que se tornaram ministros como parte de acordos políticos (ou seja, “de vocês, eu espero votos no Congresso”), deixando implícito que se não representarem votos, esses ministros dançam.

Diante desse discurso eu me deparo com o imenso erro cometido por aqueles que por pessimismo habitual ou analogias precipitadas, equiparam o futuro Congresso com o atual. Erro terrível! Tiro no pé! O futuro Congresso está no foco das nossas esperanças. Ali está a maioria que nós elegemos, ali está a vitória que tivemos. Desconhecê-la, ou fazê-la equivaler a esse pano de chão sujo e inservível que foi a legislatura que findou em 31 de dezembro, é atirar nossos congressistas aos braços de nossos adversários. Rematada tolice!

Temos que mostrar a eles o caminho talvez difícil, mas necessário, da volta ao estado de direito, à democracia, às liberdades. Lula afirmou aos seus ministros a obviedade duramente aprendida por Bolsonaro: o governo só fará o que o Congresso deixar. Então é aí que vamos trabalhar no sentido oposto àquele que Lula deseja.

Ao petismo servem os abusos do STF. O petismo vibra com os atos de censura. O petismo se sente protegido com nossa desproteção. E os congressistas que elegemos, a maioria que formamos, deve ser motivada, inflamada a cumprir seu papel com determinação.

Se errarmos, se nos omitirmos, se pensarmos que os girassóis secaram ao sol destes primeiros dias, se desprezarmos aqueles de quem necessitaremos para o jogo da democracia, ficaremos como José do poema de Drummond, com a chave não mão, querendo abrir a porta, mas a porta, por precipitação e incompetência, não mais existirá.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

06/01/2023

 

Percival Puggina

         Li aos saltos, sustando a leitura e meditando cada parágrafo, a nota oficial em que o Cacique Serere Xavante pede perdão ao “irmão Alexandre”, ao “irmão Lula”, ao TSE e ao STF. Foi preciso estacionar a mente, trecho por trecho, para tentar enquadrar aquilo que lia na moldura de um chefe tribal orgulhoso de sua função e de sua estirpe. Não deu, não coube. Preferi crer que não fosse dele a redação, mas de seus advogados, porque isso seria mais conforme à minha memória dos versos de Gonçalves Dias:

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi:

Sou filho das selvas,

Nas selvas cresci;

Guerreiros, descendo

Da tribo Tupi.

Da tribo pujante,

Que agora anda errante

Por fado inconstante,

Guerreiros, nasci:

Sou bravo, sou forte,

Sou filho do Norte;

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi.

Eu sei. Eu assisti pela TV a longa fala do cacique à beira do fosso que limita, os fundos do Palácio da Alvorada e sei que sua prisão foi pedida pela Procuradoria Geral da República. Vi que o índio, em sua longa fala, pisoteou várias bolas, avançou diversos sinais, falou coisas indizíveis, mas – que diabos! – será tão difícil entender o que lhe ia na mente naqueles dias e naqueles atos e a perspectiva dele mesmo sobre suas atribuições na cultura da tribo? Não estava li um chefe tribal exibindo vigor enquanto falava ao chefe branco? Eu o ouvi assim, reprovando o que dizia, mas entendendo a situação cultural ali manifesta.

Milhões de brasileiros, aliás, estavam e estão sendo servidos da mesma indignação que o animava naqueles dias de Brasília. Obrigados, todos, a cantar seu canto de morte, cerceadas as vozes e subtraídas as letras.

Não desconheço nem desconsidero sua condenação por tráfico de drogas em 2007. Fato grave em seu passado! Contudo, passado. Quanto aos atos criminosos de vandalismo desencadeados quando ele já estava preso, não vejo como possa o cacique ser responsabilizado, exceto se comprovada a prévia organização do ato. Leio que algumas dezenas de malfeitores já foram identificados, mas o processo – no ritmo da velha toada desses inquéritos – corre em sigilo. Seria tão importante saber se houve concurso aos atos efetivos de vandalismo e terrorismo por parte de pessoas conhecidas dos manifestantes diante do Quartel General do Exército! Isso tudo me parece tão improvável...

Não sei se o cacique assinou aquela nota oficial sob constrangimento, embora algo, dentro de mim, o considere mais compatível com quanto já revelou sobre si mesmo. Tampouco conheço o efeito dessa nota sobre aqueles perante os quais, agora, ele buscou ser perdoado. Será possível que alguém se sinta confortável, satisfeito, perante tal pedido? Parece-me que o senso de medida, também sumido na redação da “nota oficial” do cacique vem sendo, em toda parte, proporcionado pelas narrativas e se faz tão interesseiro quanto elas.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

05/01/2023

 

Percival Puggina

         Não sou eu quem diz; é Sigmund Freud quem aponta, em “Psicologia de massas e análise do eu”, a importância do Outro na vida dos indivíduos. Por isso, diz o autor, “a psicologia individual é também, desde o início, psicologia social...”.  

Lembrei-me disso ao observar a conduta exacerbada dos atores governamentais nesses alarmantes primeiros movimentos do governo. Aquela foto oficial do novo ministério, com seus 37 integrantes, propõe 37 vezes a mesma pergunta: “O que eu posso fazer para me destacar dessa multidão?”.

Os disparates que estamos a assistir já estavam engatilhados. Difícil fazer tanto estrago em tão pouco tempo. Seu ponto de partida é o maior de todos os disparates: o chefe Lula, "santo em vida", "injustiçado maior da República", “absolvido” em duas ou três instâncias da Globo e da ONU, se não me enganoclamando por vingança e extinção da direita. Cruz-credo! Os 37 querem mostrar serviço, ser mais bem ranqueados e isso representa, na prática, destruir o que vinha dando certo, principalmente se puder ser rastreado até Paulo Guedes e Bolsonaro.

Na mentalidade do petismo raiz, onde se albergam os filhos da estrela, é preciso recuar ao status quo de 2006. De preferência aos anos do comunismo consumista chinês, quando o dinheiro entrava aos borbotões, Obama achava que Lula era o cara e este se via como a reencarnação do rei Midas, transformando em ouro tudo que tocasse. Deu no que Dilma viu.

Agora, para aparecer bem na foto dos 37, é preciso calar a oposição, dar corda e apoio aos inquéritos comandados por Alexandre de Moraes, mandar o mercado se lixar, acionar desprivatizações, atacar o agronegócio, buscar indústrias verdes, desencardidas, e restituir o Brasil aos índios, tão limpinho e cheiroso quanto ficam os locais das manifestações petistas quando acabam a cerveja e o show.

Agora, finda a pantomima eleitoral, os filhos da estrela já podem retomar suas amizades com a turma do Foro de São Paulo, restaurar o programa Mais Médicos, usar o dinheiro do trabalhador para financiar a parceria da Pátria Grande e a ministra da Saúde está liberada para dizer que acabou toda atividade pró vida, ou antiabortista em seu ministério, coisa que todos sabiam, mas não se podia dizer porque na democracia, no estado de direito e na justiça petista as coisas são assim.

Agora tem que desreformar a previdência social, elevar impostos, acabar com o teto de gastos, voltar à ideologia de gênero, usar pronomes de gênero neutro, aumentar as inúteis despesas com publicidade, criar na AGU uma procuradoria para “defender a democracia” e outra para enfrentar “desinformação sobre os serviços públicos”.

E o que está rolando é apenas a primeira semana.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

04/01/2023

 

Percival Puggina

         A exigência de visto para turistas do Canadá, da Austrália e dos Estados Unidos entrarem no Brasil começa a valer a partir do dia 10 de janeiro.

O governo brasileiro é pilotado por pessoas com cabeça de militante de centro acadêmico. O pessoal preserva suas saudosas memórias da UNE e mantém seus automáticos alinhamentos antiamericanistas, anticapitalistas e anti-imperialistas. Prefere o impávido e exitoso modelo cubano ao do inimigo ianque, tornando inevitável à preservação da honra nacional que a reciprocidade se impusesse: ou os brasileiros são dispensados do visto nesses três países ou vamos exigir visto dos turistas deles!

A moçada já grisalha, mas com o cérebro ainda deitado no colchão do centro acadêmico, ficou eufórica: “Agora eles vão ver o que é bom para a tosse!”. Só que o prejuízo será nosso. A medida vai afetar o setor turístico porque embora a entrada de canadenses e australianos seja inexpressiva, a de norte-americanos chegou próxima dos 500 mil no ano de 2023.

O topete e a presunção desaparecem quando nos propomos uma simples questão: quantos cidadãos desses três países tentam permanecer clandestinamente no Brasil? Ah, pois é. E quantos brasileiros, você conhece que já estão vivendo nos EUA, no Canadá e na Austrália.? Ah, pois é.

Aliás é bom que o fã clube nessa turma também saiba: o Brasil está longe de ser considerado um país atrativo no grande business do turismo internacional. Vir ao Rio de Janeiro, por exemplo, é turismo de aventura, tipo Gaza em versão light, e os criminosos fazem questão de proporcionar seu show na “safra” de verão, reforçando a mensagem que diz – “Não venham!”. Então, quando tudo corre bem, o Brasil recebe 6% do número de turistas que visitam a França ou a Espanha e 10% dos turistas que vão à Nova Iorque. E olha que temos espaço para acomodar nossos visitantes!

A insegurança em que vivemos foi cuidadosamente cultivada por sucessivos governos de esquerda que viram a criminalidade como agente da revolução social, a ser paparicada como se parceira de causa fosse. Nossa atual condição de pária internacional em virtude das parcerias do petismo com governos criminosos só veio complicar mais a situação.

O turismo brasileiro fica, então, na grande dependência dos glúteos femininos rebolando nas praias e no carnaval. A insensatez abunda.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.