Percival Puggina
O grande Carlos Drummond de Andrade abre o inesgotável poema “E agora José?” com estes versos que parecem dirigidos a nós:
E agora, José?
A festa acabou
A luz apagou
O povo sumiu
A noite esfriou
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome
Que zomba dos outros
Você que faz versos
Que ama, protesta?
E agora, José?
É assim que estamos, no desconsolo dos que se sentem abandonados. Contudo, não. Tenho pensado muito nestes primeiros dias de 2023 sobre a pergunta do poeta. Algumas respostas já tenho.
O PT conta com nossa resignação. Alguns de nós cometem o grave erro de propagar narrativas enganosas que postergam e tornam ainda mais difícil a adoção das atitudes adequadas ao momento político. É urgente restaurar nossas liberdades, o estado de direito e a democracia. É preciso acabar com a censura. Instituir o voto impresso é indispensável à legitimidade dos mandatos.
Prestei muita atenção à fala de Lula quando se reuniu com o polifônico e despreparado primeiro escalão de seu governo. Lula montou um governo tecnicamente frágil porque precisava contar votos no Congresso Nacional. Ele sabe que ali está exposto o tendão de aquiles de seu governo. Então, ele falou em prestigiar, atender, ouvir, agradar, servir água e cafezinho, “mesmo que o parlamentar seja um adversário ideológico”.
Ficou clara a preocupação do malfeitor? Ele tem plena consciência sobre onde residirão suas dificuldades. Ele falou aos que se tornaram ministros como parte de acordos políticos (ou seja, “de vocês, eu espero votos no Congresso”), deixando implícito que se não representarem votos, esses ministros dançam.
Diante desse discurso eu me deparo com o imenso erro cometido por aqueles que por pessimismo habitual ou analogias precipitadas, equiparam o futuro Congresso com o atual. Erro terrível! Tiro no pé! O futuro Congresso está no foco das nossas esperanças. Ali está a maioria que nós elegemos, ali está a vitória que tivemos. Desconhecê-la, ou fazê-la equivaler a esse pano de chão sujo e inservível que foi a legislatura que findou em 31 de dezembro, é atirar nossos congressistas aos braços de nossos adversários. Rematada tolice!
Temos que mostrar a eles o caminho talvez difícil, mas necessário, da volta ao estado de direito, à democracia, às liberdades. Lula afirmou aos seus ministros a obviedade duramente aprendida por Bolsonaro: o governo só fará o que o Congresso deixar. Então é aí que vamos trabalhar no sentido oposto àquele que Lula deseja.
Ao petismo servem os abusos do STF. O petismo vibra com os atos de censura. O petismo se sente protegido com nossa desproteção. E os congressistas que elegemos, a maioria que formamos, deve ser motivada, inflamada a cumprir seu papel com determinação.
Se errarmos, se nos omitirmos, se pensarmos que os girassóis secaram ao sol destes primeiros dias, se desprezarmos aqueles de quem necessitaremos para o jogo da democracia, ficaremos como José do poema de Drummond, com a chave não mão, querendo abrir a porta, mas a porta, por precipitação e incompetência, não mais existirá.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Menelau Santos - 08/01/2023 19:53:05
Concordo com o Sr. Professor, em tese. Mas temo duas coisas: a perseguição aos conservadores que já se delineia em tornar réus pelo TSE (e depois cassa-los), vários candidatos vencedores pro Bolsonaro e a virada de casaca de alguns que sempre ocorrem (vide Joice, Frota e Kim).H. James Kutscka - 08/01/2023 14:39:41
Perfeito Puggina, mas esse será apenas o plano B . Agora devemos é com todas as forças tentar anular essa eleição fajuta.Iluir Zanoncine - 08/01/2023 09:07:35
Muito bom o artigo, temos que agir e deixar de reagir, agir com a força do nosso trabalho, com a nossa capacidade de influenciar social e politicamente o nosso meio com o maior raio de abrangência e atingir de forma direta e indireta nossos representantes.Marcelo Antunes - 07/01/2023 19:53:02
Enfim um texto lúcido sobre o cenário que se pôs para a direita brasileira. A eleição acabou, devemos pensar no quadriênio combativo que se inicia e em um nome para a presidência em 2026 (seja o de Bolsonaro ou outro, não sei e não vou fazer juízos agora). Temos frentes distintas para atacar e temos pessoal engajado, o que nos difere é são os aspectos culturais e o nível de radicalidade (mais isso também fragmenta a esquerda). Se soubermos escolher os alvos e quais batalhas lutar, a eleição de 2022 terá sido apenas um quebra-molas no nosso caminho. Sigamos.