Percival Puggina

09/04/2023

Percival Puggina

         O fenômeno é visível. A cada episódio eleitoral, aumenta o número de candidatos vinculados a instituições militares e policiais. O motivo é evidente. Desses grupos são esperadas virtudes inerentes à sua formação: respeito à lei, disciplina, valores consolidados, amor à pátria, civismo, honra, coragem, entre outros. Deles também se presume compromisso com a segurança da sociedade e do país. Sim, assim se presume. Quanto mais ameaçada se sentir a sociedade, mais ela voltará sua atenção aos candidatos procedentes das instituições voltadas à sua segurança. Em 2022, elegeram-se 87 policiais e militares para o Congresso Nacional!

Por motivação análoga, todo ano cresce o número de candidatos oriundos das atividades pastorais. É notável a dimensão que esse fenômeno adquiriu ao longo de sucessivas eleições em todo o país. Há hoje partidos políticos vinculados a igrejas que dividem o pentecostalismo original em um número sempre crescente de fragmentos e tendências.

Legendas como o PL, o Republicanos e o PSC reúnem bancadas numerosas, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. Qual a razão disso? Por que aumenta a cada pleito o número de pastores com mandato parlamentar? É simples: pessoas que se sentem desprotegidas na segurança de sua vida e de seus bens, não raro se percebem, também, crescentemente ultrajadas em sua fé e em seus bens espirituais e afeições morais. Então, buscam proteção política da igreja que frequentam. A Frente Parlamentar Evangélica contabiliza 132 deputados, 14 senadores!

Embora tenha sido rejeitada pelos tribunais a tese de um suposto “abuso de poder religioso” por candidatos das igrejas, bem como a de impedir propaganda eleitoral durante os cultos, essa é uma ideia que ronda os pleitos. Não preciso dizer quem mais se agrada das propostas que coibiriam tais práticas.

Se os militares e policiais eleitos se penduram, de modo muito preponderante, do centro para a direita no varal ideológico, o mesmo não se pode dizer dos evangélicos. Em muitos casos, estes formaram base com governos petistas mostrando que a orientação religiosa nem sempre acompanha a política.

Indo para a conclusão. Quando o eleitor vota em militares e policiais, está pedindo socorro. E quando o PT se propõe impedir a participação de militares e policiais em disputas eleitorais e funções de governo, está, simplesmente, querendo se livrar de uma oposição com crescente êxito eleitoral. Quando eleitores votam cada vez maior disposição em pastores e em raros católicos que manifestam sua fé, estão apoiando quem se dispõe a enfrentar a sistemática destruição moral e cultural do Ocidente empreendida pela esquerda.

Partidos de esquerda fariam grande bem, até a si mesmos, se ponderassem os motivos pelos quais tantos eleitores os rejeitam. E a hierarquia católica faria melhor se, depois de cantar “Vitória, tu reinarás!”, pensasse no motivo pelo qual vem perdendo todas as batalhas da contemporaneidade, inclusive dentro dos educandários católicos.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

08/04/2023

 

Percival Puggina

         O evangelista Lucas, em 22,8-13, faz um relato instigante sobre a preparação da ceia que antecedeu a Paixão. Pedro e João foram incumbidos por Jesus das providências necessárias e perguntaram-Lhe onde ela deveria acontecer. A resposta – vejam bem – foi assim:

"Logo que entrardes na cidade, encontrareis um homem levando uma bilha d'água. Segui-o até a casa onde ele entrar. Direis ao dono da casa: O Mestre te pergunta: onde comerei a Páscoa com meus discípulos? E ele vos mostrará no andar superior uma grande sala provida de almofadas. Preparai ali".

Não é uma determinação incomum? Quem era aquele personagem que entra visto pelas costas na história da humanidade? Personagem anônimo estava, na hora certa, no lugar certo, cumprindo sua missão. Usando uma expressão que ganha popularidade nestes dias tumultuados e de tão pouca fé humana nas pessoas das instituições, aquele homem me representa. Nos representa. Como ele, temos que palmilhar o caminho para a casa do Pai, e devemos fazê-lo de tal maneira que outros livremente nos sigam.

O homem com a bilha d’água, de certo modo e do modo certo, serviu a Cristo como a Igreja O deve servir, sem perguntar qual seria seu lugar na mesa, sem posar para a fotografia. O que transcorreu naquela casa, transformada no mais importante templo material do cristianismo, seria mais do que suficiente para impor ao evangelista uma identificação bem precisa. Mas não. Não é assim que as coisas acontecem na história da Salvação.

Também os sacerdotes por uma graça superior à sua condição humana, comparecem ao altar da Santa Ceia como o homem da bilha d’água. Abrem as portas da grande sala e a confiam ao Mestre para que opere, ali, o imenso dom da Eucaristia, “como aquele que serve”. Na eternidade, assim como no tempo humano – eis que sempre, em algum lugar, ela está sendo celebrada – a Eucaristia faz permanente a Aliança, o sacrifício da Cruz e a Ressurreição.

Feliz Páscoa!

Percival Puggina

06/04/2023

 

Percival Puggina       

         Ao saber da chacina ocorrida em Blumenau pensei naquela constatação proporcionada pela História: as sociedades dominadas por algum processo revolucionário foram, antes, submetidas pelo medo. Coagidas por ele, pelo terror, abrigaram-se sob seus algozes. Vale para cidadãos em relação ao Estado e vale para os moradores de áreas dominadas pelo tráfico em relação às respectivas facções criminosas.

A sociedade brasileira vive assim. A criminalidade atormenta nosso cotidiano. Bandidos, quando por azar são presos e levados à audiência de custódia, retornam dali para sua tenebrosa faina. Em muitos casos, nem a lei permite prendê-los porque protege melhor os fora-da-lei do que zela pelos cidadãos de bem. Estes, além de tungados pelo crime e achacados pelo Estado (vem aí mais um aumento de impostos), são vítimas de um tratamento discriminatório por parte dos intelectuais de foice, martelo e estrela, que o veem como causa de todos os males.

Os meios de comunicação fazem coro ao coitadismo do bandido-padrão da retórica hoje oficial no país: o “menino” que rouba um celular e “apanha da polícia”. A polícia é maltratada nas manchetes. A situação, de tão recorrente, se tornou típica. Criminosos recebem polícia à bala. Após violenta troca de tiros, morrem dois policiais e dez bandidos. Pronto! As manchetes destacarão a injustiça do placar! Ora, bandido que atira contra a polícia só é visto como vítima por quem é tão bandido quanto ele.

O Brasil é o único país do mundo onde os réus só cumprem pena de prisão após “trânsito em julgado da sentença condenatória”. E os processos podem ser postergados até a prescrição. Por que? Porque o Congresso Nacional, em sucessivas legislaturas, incorpora em seu plenário congressistas com problemas na Justiça em número suficiente para barrar iniciativas que revertam qualquer dessas aberrações.

Então, desarma-se a vítima. Propõe-se o desarmamento das polícias, sua desmilitarização e normas para inibir sua atuação. Propõem-se, insistentemente, políticas de desencarceramento e de liberação das drogas. O ambiente cultural romantiza a vida criminosa, rompem-se os laços familiares e, nas famílias (como nas escolas), os códigos de boa conduta. Ensina-se nas faculdades de Direito que o bandido é potencialmente bom, a sociedade objetivamente má e sua justiça, vingativa. Apaga-se na vida social a simples menção a Deus.

O medo prospera. Quando o terror se instala, os fracos clamam pelo Estado, vocacionado para a omissão e a leniência. E fecha-se o cerco. Pense comigo: quais os crimes que hoje, no Brasil, suscitam a mais obstinada e célere persecução penal judicial, sem contraditório, ampla defesa e devido processo? Pois é... São os voláteis e subjetivos crimes de opinião, típicos dos regimes revolucionários. Ou não?

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

        

Percival Puggina

05/04/2023

 

Percival Puggina

         Quando o Papa Francisco emite alguma opinião política, a esquerda vive um comovente surto de arrebatamento espiritual. Aquilo que é mera e imprudente adesão do Pontífice a uma narrativa se transforma em objeto de culto, é envolto em incenso e exibido como relíquia canônica. Mas isso só vale se o Papa for Francisco. Não se aplica a qualquer outra opinião política, seja de Bento XVI, João Paulo II, Paulo VI, João XXIII, Pio XII e assim, regressivamente, até São Pedro.

Nunca imaginei que um dia veria esquerdistas invocando a infalibilidade papal! “Como pode um católico questionar as afirmações do Papa se ele é infalível?”, muitos escreveram comentando um vídeo que gravei sobre a entrevista em que Francisco se manifestou sobre assuntos institucionais brasileiros.

Opa! Não corram com esse andor! A infalibilidade papal não se aplica a meras opiniões de quem calça as “sandálias do Pescador”, para usar a expressão de Morris West. É óbvio que não.  O dogma da infalibilidade é uma dedução teológica com origem no próprio ato de instituição da Igreja por Jesus Cristo após pedir a tripla confirmação de Pedro. Graças ao que ali aconteceu, a Igreja Católica, exceção feita ao sempre lamentável Cisma do Oriente, se manteve hígida e como tal chegou até nós.

O dogma da infalibilidade foi proclamado em 1870 por Pio IX através da constituição dogmática Pastor Aeternus. O documento estabelece como dogma que, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, ao definir uma doutrina de fé ou de moral, o Romano Pontífice conta com a assistência divina prometida a seu antecessor Pedro e esta lhe assegura a infalibilidade desejada por Jesus à sua Igreja.

Para que estes requisitos se verifiquem, a proclamação de um dogma – repito: sempre sobre doutrina de fé, ou de moral – é preciso que o Papa o faça na precisa e anunciada condição “ex-cathedra”, vale dizer, desde a cadeira de Pedro. Fora isso, ele tem a falibilidade inerente à condição humana.

Resta claro, portanto, que a opinião do Papa sobre a política brasileira é mera opinião pessoal, notoriamente de esquerda, transparente nas suas manifestações. Em virtude das repercussões, muitas passam longe das funções da “cathedra” e, obviamente, abastecem o arsenal das narrativas mundo afora.

Na longa tradição que acompanhei de perto, como leigo católico estudioso dos documentos oficiais emitidos pelos pontífices de meu tempo, eu os reverenciei e admirei pela prudência e contenção de suas manifestações públicas.

Eu seria o último a negar, a quem quer que seja os diretos de opinião, palpite e achismo. Mas se quem opina, palpita ou acha é meu líder religioso e diz um disparate, alimentando a tensão política local, eu me permito opinar, palpitar ou achar que perdeu uma oportunidade de ficar calado.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

04/04/2023

 

Percival Puggina

       No dia 16 de março, a CNN publicou o balanço das prisões efetuadas em Brasília após os atos criminosos de 8 de janeiro. O ministro Alexandre de Moraes concluíra, então, a análise dos últimos 129 pedidos de liberdade provisória e a situação era a seguinte:  

Dos 2.182 presos por participarem ou terem envolvimento nas manifestações, 294 permaneciam na prisão (86 mulheres e 208 homens). Os primeiros a serem postos em liberdade provisória, a pedido da Polícia Federal, foram 745 idosos, ou com comorbidades, ou mulheres com filhos menores de 12 anos. Todos os presos nessa condição são cidadãos pacíficos que estavam acampados diante do QG do Exército e “poderão responder à Justiça por incitação ao crime e associação criminosa”. Terão que cumprir as seguintes medidas:

Uso de tornozeleira eletrônica;

Proibição de deixar a comarca de origem;

Permanecer em casa no período noturno e nos finais de semana;

Obrigação de apresentar-se ao juízo da Execução da comarca de origem semanalmente;

Proibição de deixar o Brasil;

Cancelamento de passaportes;

Suspensão imediata de quaisquer documentos de porte de arma de fogo e de certificados CAC (caçador, atirador e colecionador)

Proibição de usar redes sociais;

Proibição de comunicar-se com os demais envolvidos nos atos.

Exceção feita aos vândalos e aos que os orientaram, contrataram, financiaram, etc., e que, com certeza, se contam entre os que continuam encarcerados, aguardando penas que bem merecem, os demais muito provavelmente integraram o coro do “não quebra, não quebra, não quebra!”.  Por quê? Porque não são delinquentes, porque são tias do Zap, são chefes de família, que, acampados diante do quartel, ou indo à Esplanada, de modo civilizado, cantavam hinos e rezavam.

Contudo, são cotidianamente humilhados pelo noticiário que os trata como malfeitores. Enfrentaram o trauma da prisão, da restrição de direitos e o constrangimento de responderem a um processo por – vejam bem! – incitação ao crime e associação criminosa.

Qual o crime que esses nossos conterrâneos cometeram num país onde o governo compra congressistas, onde estão soltos os que enriqueceram roubando empresas estatais, onde é perigoso andar nas ruas, onde a vida humana e seus bens não merecem consideração e onde bandidos de verdade vão direto da audiência de custódia para casa e novos crimes?

Cometeram o crime de pedir socorro onde lhes pareceu que poderiam ser ouvidos quando, durante quatro anos, exercendo condição de cidadãos, não foram ouvidos pelo Congresso Nacional nem pelo Supremo Tribunal Federal.  Sei que no esquizofrênico universo jurídico brasileiro deve existir alguma lei afirmando que desistir de falar às instituições e pedir socorro à porta dos quartéis é crime de pedir socorro e que juntar-se a outros para fazer isso é “associação criminosa”. Algo análogo, já se vê, a integrar facção tipo Comando Vermelho ou PCC, ou a planejar, com outros, o assalto a uma agência bancária, ou a organizar um mecanismo para tungar a Petrobrás.

Note-se: não tinham o menor poder de fazer acontecer algo, como, de fato, não conseguiram. Agiram de modo pacífico, fazendo o que lhes pareceu necessário ao bem do país, dedicados ao que entenderam como tarefa cívica diante de tudo que viram acontecer nos meses anteriores. Cantaram diante dos quarteis, inútil e sentimentalmente, como galo que cantasse ao entardecer para que o sol não se pusesse.

As cenas do retorno desses presos e presas ao lar, passados mais de dois meses sob as condições de uma prisão, só não ferem a sensibilidade de quem perdeu em algum lugar do passado atributos preciosos ao ser humano, como empatia, condolência, comiseração, misericórdia. São sentimentos que, nuns, morrem com a cobiça; noutros, com a ira; noutros, com o vício; noutros, ainda, com a experiência inebriante do poder. 

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

02/04/2023

 

Percival Puggina

            Os primeiros, foram os eleitores. Levaram a sério a ideia de que um partido nascido da fusão do Democratas com o PSL forçosamente estaria alinhado na trincheira oposta àquela onde se instalasse o PT, se vitorioso na eleição presidencial. O União Brasil jamais seria parceiro de um governo petista. Em seguida, contados os votos, foi a vez de jornalistas, cientistas políticos, colunistas, palpiteiros, internautas no remo ou na cabine de comando, em ampla maioria, passarem recibo ao mesmo conceito: as cadeiras do União no Congresso ocupavam o quadrante direito dos gráficos.

Ninguém contava com a má-fé que, passada a eleição, levou o partido com a segunda maior bancada conservadora e liberal do Congresso a ocupar três ministérios no governo Lula. Verdade que o apoio prestado não está correspondendo ao que informam as tabelas usuais de conversão de cargos de governo em votos parlamentares nas casas legislativas do país. Sim, é desse jeito que a coisa funciona. No caso do União, é visível o desconforto de congressistas que se mantém fiéis às convicções com que se apresentaram aos eleitores em outubro do ano passado.

Nesse território se movimenta o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, filiado ao Novo. No horizonte político do centro para a direita, ele é um dos nomes que pode surgir como alternativa caso se inviabilize a apresentação de Bolsonaro em 2026. No entanto, o Novo que o reelegeu conquistou apenas três cadeiras na Câmara dos Deputados e nenhuma no Senado.

Ciente disso, Zema tem trabalhado para ampliar o partido no Congresso, ciscando nas insatisfações do União Brasil. No mês passado, atraiu o combativo senador Eduardo Girão, do Podemos. Nestes dias, tem conversado com o senador Sérgio Moro, do União. É obvio que o senador paranaense deve andar muito desconfortável sob uma legenda da base de apoio do Lula que regurgita anseios de vingança em relação a ele e o acusa de armar um autossequestro.

À medida que o desastre anunciado se for confirmando (coisa que, sinceramente, não desejo à nação) e o novo governo, em sua volta ao passado, atolar todos no pântano do qual havíamos conseguido sair, a colheita de Zema deve prosperar. E a oposição ganhará consistência no Congresso.

Felizmente, nem tudo se paga com cargos e nem todos por eles se vendem.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

01/04/2023

 

Percival Puggina              

         Ideologias são muitas. As mais radicais causam enfermidades psicológicas e geram indivíduos “sem noção”; grandes absurdos e grandes horrores têm nelas suas origens.

Recentíssimo exemplo de uma dessas enfermidades foi proporcionado pelo presidente da “Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos” Apex, ou ApexBrasil. O ex-prefeito de Rio Branco, ex-governador do Acre e ex-senador Jorge Vianna participou do Fórum Brazil-China Business (aquele a que Lula compareceria se não adoecesse novamente às vésperas do evento).  Coisa grande, portanto.

Nessa ocasião, na condição de encarregado de promover as exportações e investimentos brasileiros perante o principal importador de nossas commodities, o presidente da Apex abriu a cartilha petista sobre o tema ambiental. Esse novo catecismo da religião ambientalista entrou em vigor tão logo o Congresso Nacional retirou Dilma da presidência da República. Com o léxico esquerdista na ponta da língua, passou a atacar o agronegócio vinculando-o ao desmatamento da Amazônia. Creiam, para nossa sorte, os chineses certamente estavam mais interessados em tratar com os empresários presentes do que na fala do acreano ex-quase-tudo.

Aqui em Porto Alegre, o amigo jornalista Cléber Benvegnu comentou o fato na Rádio Bandeirantes aplicando, àquele merchandising às avessas, o diagnóstico correto: tara ideológica. Mas é bem isso! É uma compulsão que derruba a razão, faz desrespeitar o órgão que preside porque não há no mundo dos negócios brasileiros de exportação produtos mais relevantes que os do agro; e o Brasil não tem importador maior do que a China.

No entanto, o embaixador das exportações brasileiras, com dados de uma cartilha dodói da cabeça, que vê o ser humano que não seja de esquerda como inimigo da natureza e da humanidade, para alegria dos europeus, liga o desmatamento da Amazônia ao agronegócio brasileiro.

Não veem a própria incoerência: comem picanha e bebem cerveja. Em campanha eleitoral garantem disponibilizar seu consumo a todos... Mas são contra a criação de gado e as lavouras de cevada; querem que todos comam aves e suínos, desde que cereais e rações não sejam produzidos na escala necessária. Não perca seu tempo tentando entender.

Quanto ao agente chefe da nossa agência de promoção de exportações, vem a pergunta: recebeu a merecida carta de demissão no saguão do aeroporto, ao retornar ao Brasil? Não! Vai receber? Não! Nessa coisa lamentável que chamamos política, o Estado e suas instituições têm razões que, em situação normal se diria próprias de mentes perturbadas.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

Percival Puggina

29/03/2023

 

Percival Puggina

 

         Responda para si mesmo, estimado leitor: se você fosse elaborar um projeto de lei de impeachment, colocaria essa tarefa, de algum modo, nas mãos do senador Rodrigo Pacheco? Convidaria, como ele fez, o ministro Ricardo Lewandowski para conduzir o trabalho junto com doze apóstolos da justiça humana escolhidos por eles?

Ah, pois é! Eu também não cometeria um atentado ao bom senso com tão gigantescas proporções. Mas foi de tais mãos que nasceu, como produto de um coletivo de judas, a proposta de uma nova Lei do Impeachment que reduz o poder da sociedade.

São simples as razões deles para assim agir e as nossas para discordar. Vivemos sob a dura experiência de ter nossos direitos reprimidos por meia dúzia de donos da verdade. A inteira receita da proposta para o novo estatuto do impeachment foi confeccionada por uns poucos felizes e bem sucedidos concessionários desse extraordinário bem.

Aos olhos dos autores do projeto, nossa longa experiência na lida com as narrativas que a esquerda usa para adoçar suas falácias e mistificações nos torna incompetentes. Apesar de pagarmos a conta de todos os desastres e trazermos o lombo ardido pelo chicote da censura, nos veem como destituídos de discernimento para os benefícios do livre exercício da cidadania. Assim, nos tomam o poder que hoje nos é concedido pela Lei do Impeachment e pelo Regimento Interno da Câmara de “denunciar o presidente da República à Câmara dos Deputados”.

Essa tarefa, ao que pretendem os autores da nova lei, fica reservada a um “pugilo de bravos” onde – surpresa! – alguns deles se contam, carregando para o futuro, a exitosa experiência acumulada no manejo das instituições a seu gosto e favor. Afinal, é uma escola com 20 anos de atividade.

Por outro lado, enquanto a onisciência do grupo retira prerrogativas das mãos do povo, a lista dos crimes de responsabilidade se alonga contra tudo e todos que se interpuseram ou resistiram aos objetivos políticos da esquerda nos últimos seis anos. Lá estão, marcando os alvos, as subjetividades e o espalha-chumbo retórico e frenético das “fake news” e “atos antidemocráticos”. Você sabe o que isso significa, não sabe?

Do que é realmente imperioso para a cidadania, não se trata: reativação do funcionamento de freios e contrapesos. Atualmente um está sem freio e o contrapeso do outro estragou há muitos anos. Caiu no chão, não funciona e ninguém conserta.

O retrato dos autores do projeto da nova Lei do Impeachment fornece o retrato de seus alvos. Não é assim que se legisla e há que pressionar (especialmente a Câmara dos Deputados) para que não legitime esse aleijão proposto pelo Senado.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

  

Percival Puggina

28/03/2023

 

Percival Puggina

         Corria o ano de 1962 quando meu pai contou à família que decidira candidatar-se a deputado estadual. A novidade surpreendeu a todos porque ele sempre atuara no setor privado, como pequeno empreendedor ou como executivo de empresas de maior porte. De onde lhe saíra tal ideia? Vivíamos os anos que se seguiram à renúncia de Jânio Quadros, o vice-presidente João Goulart assumira o poder, o estresse político nacional se expandira na sociedade. A política era assunto recorrente, tanto em casa quanto no colégio. Mas a candidatura anunciada realmente surpreendeu a numerosa plateia familiar (éramos sete irmãos).

Iniciou-se ali, na sala de casa, minha experiência com campanhas políticas. Meu pai foi eleito naquele mesmo ano e por três vezes renovou o mandato. As campanhas do deputado Adolpho Puggina eram feitas no pó e na lama das estradas de então, a bordo de uma trepidante Rural Willys. Sua “plataforma de comunicação” era o serviço dos Correios que levava aos fundões do mundo rural, onde estavam seus eleitores, pequenos “santinhos” impressos, cuidadosamente empacotados durante sucessivos mutirões familiares.  

Para custear as despesas de eleição – cédulas, santinhos, gasolina e hospedagem – o “velho” fazia um empréstimo na antiga Caixa Econômica Estadual e o amortizava em prestações ao longo dos meses seguintes.

Dezesseis anos mais tarde, quando disputava o quinto pleito, ele comunicou que não seria reeleito. Seus antigos cabos eleitorais estavam querendo cobrar para angariar votos, pediam dinheiro, carro, material de publicidade vistoso, cartazes e os concorrentes estavam disponibilizando isso. Ele não iria fazer uma campanha milionária porque não tinha meios e não queria a política assim.

“O resultado disso será desastroso, meu filho”. Essas palavras do velho e experiente parlamentar me vêm de modo recorrente à lembrança quando observo a política como feita entre nós, em especial nos parlamentos. E de lá para cá essa situação só se agravou.

O leitor destas linhas pode estar pensando na corrupção que se instalou junto com a necessidade de custear campanhas caríssimas para um número crescente de partidos e de candidatos. Sim, é verdade. Mas a isso se agrega a corrupção da representação popular (equivalente à corrupção da democracia), sob o pujante impulso dos fundos públicos para custeio da política e das emendas parlamentares.

Este último e fatal elemento a fazer prova do “resultado desastroso” antevisto por meu pai permite, inclusive, que parlamentares se reelejam mesmo que, no desempenho do mandato, votem contra os interesses dos cidadãos entre os quais se incluem seus eleitores! Isso não importa, contanto que os recursos cheguem às bases e satisfaçam a relação de troca: para o candidato, voto é grana; para o eleitor, grana é voto. Com isso, corrompe-se a cidadania. Um desastre moral do qual poucos escapam, mas cujas consequências atingem a todos.  

Voto distrital melhoria bastante isso, mas quem se importa?

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.