Houve um tempo (e quase nada resiste ao tempo) em que Hugo Chávez e Lula eram vistos como os primeiros santos do socialismo! Nada corroía a imagem que, num espelho defeituoso, os credenciava aos altares da veneração mundial. Madre Tereza, coitada, fazia tão pouco, por tão poucos! Enquanto a vida lhes sorria, eles corriam mundo, lideravam o movimento socialista na América Ibérica, financiavam eleições e governos de esquerda.
Não faltava sequer, nas igrejas cristãs, por exemplo, quem entoasse cânticos, fizesse genuflexão e concedesse indulgência plenária à vida para lá de escandalosa do santo de Garanhuns. Na Venezuela, essa devoção originou um Pai Nosso em versão chavista (“Chavez nuestro que estás en el cielo”). Pergunto: o que fizeram ambos, cada um no seu quadrado, para alcançarem esse reconhecimento referendado por razoável crescimento da economia, elevação do nível de emprego e do Índice de Desenvolvimento Humano? Para produzir desenvolvimento, praticamente nada; para gerar os desastres subsequentes, tudo que estava ao alcance deles.
A economia Venezuelana era e continua sendo, totalmente dependente do petróleo. O país tem a maior reserva mundial dessa estratégica commodity que corresponde a 90% de suas exportações. Quando Hugo Chávez assumiu o poder em fevereiro de 1999, o barril de petróleo custava US$ 10; quando disputou reeleição em 2006, o preço se elevara em 600% e o barril era adquirido a US$ 61. Quando morreu, em março de 2013, Maduro manejava a economia com o barril a US$ 102. Com a receita de exportações aumentada em 10 vezes, o chavismo ganhou prestígio e teve recursos para implantar o socialismo que iria, logo ali adiante, entregar seus mais conhecidos produtos: fracasso absoluto de renda, miséria, supressão de liberdades. Em vez de usar a riqueza que, circunstancialmente, lhe caiu dos céus para promover novos eixos de desenvolvimento, o chavismo promoveu seu oposto e hoje precisa de 2000 generais companheiros para manter-se no poder em escancarada ditadura militar.
O surgimento do lulismo tem clara simetria com o caso venezuelano. Embora a economia brasileira seja mais complexa, o período correspondente ao governo Lula envolve o somatório de dois fenômenos em relação aos quais o pernambucano não teve qualquer ingerência: as importações chinesas e os preços internacionais do petróleo.
Em 2003, quando Lula assumiu o poder, a China importava US$ 295 bilhões no mercado mundial. A economia do país crescia num ritmo alucinante, sempre acima de dois dígitos e centenas de milhões de novos consumidores exerciam forte pressão de demanda nos preços mundiais das principais commodities. A produção brasileira era bola desse jogo: minério de ferro para a indústria chinesa e cereais para produção de proteína animal. Na eleição de 2006, as compras chinesas haviam saltado para US$ 631 bilhões e Lula posava de sábio, de mágico, de santo. Nunca houve tanta disponibilidade de dinheiro para ser roubado chamando pouca atenção. Em 2010, quando Dilma disputou seu primeiro pleito, o gigante oriental já estava consumindo US$ 1,307 trilhão e o Brasil vendendo tudo. E tudo a preços crescentes. A tonelada do minério de ferro, por exemplo, em 2003 (primeiro ano de Lula) era vendida a US$ 32; em 2006 a US$72; em 2010 a US$$ 148. Desde então vem caindo e fechou o ano passado a US$ 69. Aconteceu o mesmo com todas as nossas commodities. Os preços, no mínimo, dobraram durante esse período. E vêm caindo desde então.
O petróleo brasileiro, durante os governos petistas, viveu o mesmo período áureo que beneficiou o chavismo. Em 2003, o barril valia US$ 31, subiu para US$ 58 em 2006, para US$ 82 em 2010 (eleição de Dilma) e alcançou US$ 108 em 2014. Esses preços viabilizaram a exploração do pré-sal, mas não se mantiveram e fecharam o ano de 2018 a US$ 54.
Conto toda essa história para destapar o grave pecado desses dois ícones da hecatombe regional. Entregaram-se à embriaguez do momento. Usaram para o mal a sorte que tiveram. Elevaram o gasto público supondo que os níveis de receita se manteriam elevados para sempre. Não criaram as condições para sustentar o desenvolvimento por outro meio que não fosse a venda de commodities. Abriram as comportas da corrupção. Liberaram a criminalidade. Satisfizeram-se com capturar parcela expressiva da população em situação de aparente dependência direta de seus favores. O resto é história sabida.
Penso que faltava contar esta. Uma barragem se rompendo em lama talvez seja a melhor representação visual de sua obra.
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Jose Guilherme Schossland - 05/02/2019 19:13:50
A exemplo da Petrobras, a Vale pagará o quadruplo a seus "aplica-Dores" estrangeiros. Quem sabe seja essa, a criminosa "motiva-açao".Roseleide Santana de Farias Silva - 04/02/2019 15:29:27
Bom dia! Excelente matéria! Parabéns!Enio Sandler - 03/02/2019 23:52:37
Excelente Puggina, como sempre, parabéns . AbraçãoJosé Nei de Lima - 03/02/2019 21:30:09
Este era o modelo de regime que queria o pessoal do PT e PSOL para o Brasil, olha só o que deixaram de herança, corrupção e até dinheiro nas cuecas, dinheiro em malas, espero que não retorne nunca mais,o Brasil precisa crescer de uma vez, um grande abraço amigo, que Deus vos abençoe amém.samuel997 - 03/02/2019 13:37:38
O fator básico que latrinoamericano recusa compreender: O ESTADO É INIMIGO DO DESENVOLVIMENTO. Desenvolvimento se faz com Governo mínimo, liberdade econômica, leis capitalistas, abolição de leis marxistas (o Brasil está cheio delas)... É TÃO SIMPLES!ODILON ROCHA - 02/02/2019 15:59:56
Caro Professor O mais triste é constatarmos que tudo, tudo mesmo, não passou de uma postura, de ambos, ideológica, cumprindo o calendário marxista e metas gramscianas. Dane-se o país, dana-se o povo! A corrupção cega, ainda mais para quem é imoral, qualquer preocupação de cunho patriótico, em todos os sentidos. Poder e bolso valem bem mais. E se acham progressistas, reformadores do mundo!Mila Kette - 02/02/2019 14:00:07
Caro Percy, outra tragédia é o feminismo. Aqui nos US elas inventaram "toxic masculinity"! Gillette fez um comercial baseado nessa maluquice; os homens americanos ficaram furiosos, e reagiram. Inclusive muitas mulheres reclamaram. As feminazi (como as chamamos aqui) têm muito poder. Há que quebrar essa oligarquia matriarcal!MARIA LOURDES - 01/02/2019 21:28:57
Respondendo a pergunta do segundo parágrafo: fizeram marketing, ou melhor tinham bons marketeiros. Quando apareceu a colocação de que o Brasil, sob o PT, tornou-se a 6ª (?) economia mundial, vi que tinha algo muito errado.FERNANDO A O PRIETO - 01/02/2019 20:36:17
Ótima análise muito boa, como sempre. O que se baseia em situações passageiras de valorização de ativos no mercado não pode ser usado como base para planejamento do futuro de um país; servirá para correções pontuais de rumo (por exemplo, no caso do petróleo a altos preços. usar o obtido como reserva para quando o preço baixar). Mas a questão é mais profunda do que a economia, embora esta seja importante. Qualquer governo deve ter uma diretriz de VALORES morais para poder fazer algo de bom. Mesmo tendo essa diretriz, sabemos que o mal se infiltrará, pela deficiência da natureza humana (afinal, até entre os discípulos do Cristo havia um que era errado). Portanto é necessária uma vigilância constante sobre os que alegam possuir tais valores! No caso do lulismo e do chavismo, simplesmente não havia base moral alguma.Dalton C. Rocha - 01/02/2019 17:25:41
Eu nasci em 1970 e neste tempo todo, eu vi caírem de podres, vários regimes ou esquemas de poder. Regime Militar, Sarney, Collor, FHC e PT. Todos caíram basicamente, pelos mesmos motivos: 1- Colocaram os juros e o desemprego lá em cima. Ao mesmo tempo, colocaram o crescimento e o desenvolvimento lá embaixo. 2- Colocaram os interesses da especulação e da corrupção, acima dos interesses do povo brasileiro. Tanto faz, a fachada. Tanto faz se sob o general-presidente Figueiredo ou da ex-terrorista marxista Dilma. Estas duas coisas, fazer uma crise econômica e os interesses da especulação e da corrupção, acima de tudo, foram seguidas, com fé fanática, por todos os governos de 1980 até hoje, 2018. Tanto o Regime Militar, como Collor, como o PT, apenas cavaram suas próprias sepulturas políticas, fazendo estas coisas. Dilma, FHCannabis, Figueiredo, etc. tinham fachadas diferentes, mas fizeram a mesma crise econômica, ao povo brasileiro. Quem acabou com Regime Militar foi, o general Figueiredo. E quem tirou o PT do poder foi a Dilma. Aí está, mais um governante, para o Brasil. O Bolsonaro. Se ele seguir estes dois passos acima, Bolsonaro estará cavando sua própria sepultura política também.Fabio - 01/02/2019 16:13:25
Ótimo artigo! Falta lembrar talvez o principal motivo do crescimento econômico da era Lula: a desvalorização do dólar em função da Guerra do Iraque. Aliás, todos os países da América Latina experimentaram crescimento econômico durante a guerra e no pós guerra, aproveitando os preços baratíssimos em dólar.TELMO A BOTELHO - 01/02/2019 16:11:01
Excepcional resumo do "BOOM" econômico da era Lula/PT ... nada deles se sustentou mas, ainda hoje, tentam ludibriar os menos favorecidos com a suposta "Era do Apogeu".Luiz Roberto - 01/02/2019 14:16:30
Texto como sempre muito lúcido e elucidativo trazendo informações reais para todos nós, que não temos o conhecimento que o senhor tem!