Percival Puggina
10/05/2019
Ontem, 9 de maio, numa cumplicidade translúcida, escancarada, as raposas da comissão mista meteram pata na reforma administrativa austera e séria proposta pelo Presidente. Não lembro de que algo assim já houvesse acontecido. O Congresso negar ao eleito a possibilidade de organizar seu governo segundo melhor lhe pareça? Note-se: essa metida de pata ocorreu para recriar dois ministérios que são autênticos navios piratas, a serviço dos cambalachos em que se negociam votos e se atendem interesses locais em detrimento da conveniência nacional. A recriação do Ministério das Cidades e do Ministério da Integração Nacional tem que ser lida e entendida pelo que é: uma regressão à velha política, à política das raposas. Se vivemos ou se queremos viver numa Federação, poucas coisas serão tão perniciosas e não federativas quanto um Ministério das Cidades e um da Integração Nacional. Ambos são clara expectativa de influência e poder sobre os prefeitos e governadores, com mediação e bônus para aquele lastimável tipo de congressista que, sem isso, não sabe o que fazer em Brasília.
Sem essas duas pastas (pelo controle das quais se engalfinharão), as velhas raposas viam verdes as uvas...
Aquela esperança que se acendeu com o resultado das eleições de outubro passado, determinando grande renovação nas duas casas do Congresso, já foi consumida pelo jogo de interesses da velha política. Ela continua a dar as cartas, os partidos do velho Centrão receberam a lição das urnas, mas rapidamente recrutaram adeptos entre os novos colegas e se firmaram como centro de poder. Ontem se juntaram ao PT para tirar o COAF das vistas do Ministério da Justiça, vale dizer, de Sérgio Moro, para hospedá-lo no Ministério da Economia.
O Ministério da Economia não é hospedaria adequada para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Na página do órgão, lê-se:
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf tem como missão produzir inteligência financeira e promover a proteção dos setores econômicos contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.
Não se trata, como tentaram fazer crer alguns meliantes da retórica parlamentar, de um órgão para “lidar com finanças”, em paralelismo ou em subsídio ao Banco Central. O COAF, como se vê e como ele se descreve, é um órgão para investigar condutas criminosas, ilícitas, que requerem ação do Ministério da Justiça e da Polícia Federal, e relações institucionais com MPF e Justiça Federal. Bolsonaro levou o COAF para o lugar certo, onde os bons cidadãos sabem que ele deve ficar.
Raposas cuidam de seus rabos ainda mais do que macacos. Se o COAF deve ir para a pasta da Economia, a Polícia Federal deveria, pelo mesmíssimo motivo, ir para a Secretaria da Pesca.
Essas decisões da comissão mista, que agora dependem dos plenários das duas casas, são importantíssimas ao futuro do país. Enquanto as velhas raposas do Congresso Nacional, ao modo vulpino, ajudam o PT, agora na oposição, a quebrar de novo o país, discutem-se entre nós temas que, em poucos meses, virarão blábláblá dentro do buraco de que nos avizinhamos. Todas as raposas, creiam, estarão do lado de fora e não lhes faltarão uvas. Nem vinhos finos.
P.S. Melhor será se acordarmos logo para o fato de que não aconteceram as esperadas mudanças no Congresso Nacional. Estes dias deixaram evidente que as velhas raposas do Centrão continuam dando as cartas e ignorando o país real. O Congresso foi renovado, mas a regra do jogo continua sendo ficha suja. Então, escrevi este artigo para que isso nos mobilize. Depois de tudo que aconteceu nos últimos seis anos, esses cavalheiros e essas damas não podem imaginar que tudo continuará como antes. Nem pensar!
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
08/05/2019Vitorio Messori, cientista político e jornalista italiano, abre as quase 700 páginas de seu notável “Pensare la história – Una lettura cattolica dell’avventura umana” relatando a advertência que um dia lhe fizera Léo Moulin, que durante meio século foi docente de Sociologia na Universidade de Bruxelas. Messori o descreve como um racionalista agnóstico muito próximo do ateísmo. Traduzirei pequeno trecho extraído da página 23 da edição italiana. Diz Moulin:
“A obra prima da propaganda anticristã é ser bem sucedida em criar nos cristãos, sobretudo nos católicos, uma consciência pesada; em instalar neles o embaraço, quando não a vergonha perante a própria história. A custa de insistir furiosamente, desde a Reforma até hoje, os convenceram de serem os responsáveis por todos ou quase todos os males do mundo. Paralisaram-vos na autocrítica masoquista para neutralizar a crítica dos que tomaram vosso lugar.”(...)“A todos deixastes apresentar a conta, frequentemente errada, sem quase discutir.”
Todo esse preâmbulo é aproveitável ao que quero dizer, referindo-me à História do Brasil e às suas raízes cravadas na Civilização Ocidental, conforme contada em nossas salas de aula por professores militantes de causas políticas. Também eles, por motivos análogos, precisam desenvolver nos alunos essa consciência pesada, o embaraço, a vergonha, para atribuir e distribuir aqui culpas pelos males nacionais, ali créditos em virtude desses mesmos males.
esse caso, a quem melhor do que à História e seus protagonistas? Paralisada por essa autocrítica, parcela significativa do Brasil supostamente pensante, ao longo de muitos anos, não conseguiu sequer criticar, como percebia Léo Moulin, as torpezas dos que com essa estratégia chegaram ao poder.
É notório o que acontece em tantas salas de aula onde a dignidade nacional é derrubada a toco de giz; onde a liberdade é atributo unilateral e unidirecional, e a possibilidade de contestação é limitada pelo volume de insultos e perseguições que o contestador esteja disposto a suportar.
Para cada episódio ou personalidade significativa da História do Brasil ou do Ocidente há pelo menos um relato depreciativo a fazer, entre sorrisos irônicos e expressões de desprezo, numa atitude que faz lembrar aquelas senhoras de velhos filmes italianos, vestidas de preto, entrincheiradas atrás de suas janelas, espalhando intrigas maliciosas.
Quanto mal fazem! E é tão fácil entender suas motivações! Como usam a História e as demais ciências sociais para analisarem as realidades em perspectiva marxista, nada presta, nada é bom, nada tem dignidade, porque, como dizem, “nem o comunismo entendeu bem a obra de Marx”. Precisam declarar maligna e errada toda a obra humana através dos milênios, desde o momento em que os primitivos se desviaram do uso comum dos bens, marcaram território ou construíram cerca. É como se a partir daí tudo pudesse ser descrito como etapa na direção do capitalismo e da burguesia, a clamar por revolução.
O marxismo irrefutado em sala de aula, corrompendo a verdade e as consciências, faz mais mal ao Brasil que a soma de todas as outras corrupções.
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
06/05/2019
A jornalista arregala os olhos, tranca os lábios e sacode a cabeça em sinal negativo. “Diga, moça, você verá que não dói”, insisto eu. Mas ela persiste na recusa. Eu volto: “Ao menos diga que o PT e o Partido Comunista Cubano são responsáveis por isso que você está descrevendo”. Nada. Palavra alguma, também, sobre comunismo, sobre Lula, sobre Fidel. Na voz daqueles analistas, a ditadura venezuelana parecia um desses vulcões simpáticos que posam para fotografia de turistas e, subitamente, começam a cuspir fogo vindo do nada .
Aliás, durante todo o programa entretive esse diálogo mental com a apresentadora enquanto ela e seus colegas se revezaram em merecidas e pesadas críticas à ditadura venezuelana, hoje com Maduro, ontem com Chávez, mas ignorando as causas do que está em curso naquele país.
Aprendamos, pois, com Aristóteles e esclareçamos o que o mutismo dos analistas escondeu. O velho grego ensina haver quatro tipos de causas para que as coisas existam. Elas são materiais, formais, eficientes e finais. Assim, a causa material do que acontece na Venezuela, sua substância, chama-se comunismo. A causa formal, que determina sua essência, talvez por saltar aos olhos, era o único tópico reconhecido pelos analistas: ditadura com apoio militar. As causas eficientes, aquelas que explicam como a coisa tomou a forma atual, eram as que a moça, em meu diálogo mental, se recusava a admitir: o Foro de São Paulo, o regime e o governo cubano, o apoio do petismo quando governou o Brasil, e mais Lula, Fidel e Raúl Castro. E a causa final, razão de existir, é a manutenção de um grupo político no poder por tempo indeterminado, evoluindo na direção do partido único, que submeta a si todas as instituições do país.
Longe de mim a ideia de ensinar a moça a ajudar na sua missa diária. Quem realmente dirige o rito sabe o que está fazendo, tem seus motivos e quaisquer outros ficam fora de cogitação.
Minha intenção, por outro lado, é muito prática. Ao mostrar o que a moça estava omitindo, assim como o bebê que tranca os lábios ante uma colher de sopa de potinho, estou aproveitando o noticiário destes dias para revelar as terríveis consequências das ações dos agentes malignos que se congregaram no Foro de São Paulo no já longínquo ano de 1990.
O Brasil petista, o protagonismo de Lula nas eleições venezuelanas, os “financiamentos” a fundo perdido proporcionados pelos governos brasileiros e os cambalachos a eles relacionados foram causa eficiente da tragédia venezuelana. Esconder estas realidades da opinião pública, calar a respeito delas e jamais mencionar o Foro de São Paulo, é também ocultar parte das causas da crise em que nosso próprio país foi jogado.
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
03/05/2019
“A única escolha que faz sentido para a oposição, hoje, é ser 100% contra qualquer ideia que tenha chance de melhorar o país.” (J.R.Guzzo, tweet em 27/04)
Vivemos tempo demais sob a severa influência de uma ideologia escancaradamente reacionária. Aliás, com tanto por modernizar talvez devesse afirmar que ainda vivemos tempos remotos, paleolíticos. Os adeptos dessa ideologia, atuando em salas de aula, acorrentando-se a fórmulas superadas, se dedicam, por todos os modos, a puxar as rédeas da humanidade, da civilização e do país. Foi em nome dessa ideologia, num prenúncio do que estava por vir, que saíram às ruas no ano 2000 a vociferar contra o Descobrimento.
Vale lembrar os fatos. Aqui no Rio Grande do Sul, Olívio Dutra era governador e Raul Pont prefeito da Capital. Um grande relógio fora montado no ano anterior pela Rede Globo em contagem regressiva para o dia 22 de abril. Ficava próximo à Usina do Gasômetro. Tanta era (e continua sendo) a repulsa pela história nacional que, chegado o dia dos festejos, um grupo de trabalhadores em não sei o que resolveu acabar com o relógio. Espontaneamente, sem qualquer combinação, chegaram juntos, na hora certa, equipados e bem dispostos. Sua posição sobre os 500 Anos afinava-se pelo diapasão do petismo que dava as cartas e jogava de mão no Estado e na prefeitura. Tocaram fogo no artefato sob os olhos atentos da Brigada Militar, num dia em que oficial circulava sem camisa, inspetor de polícia dava ordens para capitão e secretário de Estado assistia tudo sorrindo. Era a festa dos Outros Quinhentos.
Chamavam de Invasão o feito de Cabral, e, por algum motivo obscuro, não o escolheram patrono do MST. É claro que se os portugueses tivessem tocado direto para as Índias, nosso país seria hoje o que são as tribos que se mantiveram sem contato com a civilização. Vale dizer: viveríamos lascando pedra.
Essa ideologia, se pudesse, acabaria com o imenso usucapião denominado Brasil. Os negros voltariam à África, os invasores brancos seriam banidos para a Europa e os índios promoveriam uma continental desapropriação do solo e das malfeitorias aqui implantadas. Alerta: os defensores de tão escabrosa geopolítica se aborrecerão terrivelmente se você apontar o racismo embutido nesses conceitos que viriam a dividir os brasileiros a partir da eleição de Lula em 2002.
O estrago foi grande. Não voltamos às cavernas como se poderia presumir do discurso retrógrado que condenava o “grande capital”, a “grande empresa”, a “grande propriedade”, e para o qual até o nomadismo parecia fenômeno reprovável, precursor do famigerado neoliberalismo. No entanto, se não voltamos às cavernas, se o agronegócio não acabou e não tocamos tambor para chover, os “negócios” foram tantos e tão grandes que o país entrou em recessão, a economia foi para o saco, as contas nos paraísos fiscais engordaram e os desempregados se contam em oito dígitos. Tal história, como se sabe, acabou nos confessionários de Curitiba.
Dois grupos disputam espaço político no Brasil. De uma banda, o novo governo, de perfil liberal e conservador, inova e alimenta a esperança de que, modernizando-nos, podemos escapar do caos. De outra, a oposição, que recicla velhos chavões, bate palmas para Maduro, se aferra ao paleolítico e alimenta o caos com esperança de voltar.
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
30/04/2019
Conheço muita gente que tem carteira de identidade, carteira do trabalho, título eleitoral, passaporte, mas não sabe quem é. Embora os documentos informem que o sujeito é cidadão brasileiro, ele não tem a menor ideia do que isso significa. Aliás, parcela de nossa população dá sinais de se ver como um mamão, que aparece do nada, grudado a um pé de planta, o mamoeiro Brasil, no qual se nutre até, um dia, cair do pé. Raros são os que se percebem dentro de uma linha histórica. E esta linha, como regra quase geral, se e quando apresentada, o é de modo a merecer nenhuma estima. Até bem recentemente, ser brasileiro não era algo que infundisse sentimentos positivos.
Apesar de nos meus tempos de colégio haver estudado história como se come bergamota, um gomo depois de outro – História do Brasil, História Geral, História do Rio Grande – sempre me interessei pela bergamota inteira. Os pontos de contato habitualmente mencionados eram sempre três e apenas três: Tomada de Constantinopla originando as Grandes Navegações, União Ibérica produzindo as encrencas no Prata, Guerras Napoleônicas determinando a vinda da Família Real. Estes eventos, porém, são apresentados como meras relações de causa e efeito e nada dizem sobre o que realmente importa. Quando empreendemos a busca de nossas raízes, vamos realmente longe, cavamos realmente fundo, voamos realmente alto e não há como não valorizarmos nosso passado e herança cultural e civilizacional: idioma, fé e integração ao Ocidente.
O idioma que falamos é importantíssimo patrimônio cultural, fator de unidade e de identidade. Muita coisa aconteceu na História para que o latim vulgar chegasse à Lusitânia romana e se tornasse o idioma que aprendemos da voz dos nossos pais. Com efeito, foram as Guerras Púnicas e a derrota final de Cartago em 146 a C. que consolidaram o domínio romano no Mediterrâneo, a conquista da Ibéria e, nela, o surgimento da pequena província romana chamada Lusitânia. Sem a presença dos romanos, talvez o povo da região falasse o idioma púnico dos cartagineses, ou o germânico dos Suevos, ou o gótico dos visigodos que incorporaram a região da Galícia e Portugal em 585 d.C.. Essa história é nossa história.
A religião, por sua vez, é parte integrante da cultura de todos os povos, sem exceção. Não há povo sem religião. Entremeado com a história, o cristianismo está na essência de nossa cultura. A Península Ibérica, onde estão cravadas as raízes da nacionalidade brasileira só se tornou católica em virtude de episódios decisivos ocorridos no final do 6º século. Fatos e feitos marcantes, conduzidos pelo Senhor da História, aconteceram para que a cruz assinalasse o velame das caravelas portuguesas que chegaram ao Brasil nove séculos depois. Foi o martírio de São Hermenegildo por determinação do próprio pai, o rei visigodo Leovigildo, que converteu seu irmão e futuro rei Recaredo, levando-o a convocar o III Concílio de Toledo (589) e dando início à longa história da Espanha católica e visigótica. Também essa história é indissociavelmente nossa.
Naquela extremidade do continente europeu nasceria Portugal quando Afonso VI de Leão e Castela presenteou seu genro, o conde Henrique de Borgonha, com o condado onde seu filho, Afonso Henriques, viria a se proclamar rei. Expulsou os mouros, defendeu suas fronteiras dos vizinhos e obteve reconhecimento pontifício da independência em 1179. Nos três séculos seguintes, o pequeno Portugal disputaria com a Espanha o primado entre as nações daquele tempo, andaria por “mares nunca dantes navegados” e ampliaria o mapa mundi levando “a fé e o império”. O Brasil foi parte dessa epopeia narrada por Camões.
Como entender que herdeiros de uma história tão rica e tão nossa possam conviver com esse complexo de cachorro vira-latas, no dizer de Nelson Rodrigues? Donde esse sentimento que, a muitos, faz rastejar culpas e remorsos, rumo a um estuário de vilanias e maldições?
Há em nossa história, como na de qualquer povo, cantos escuros, páginas tristes, fatos reprováveis. Modernamente, muitas nações estão expostas ao mesmo revisionismo, às mesmas árduas penitências e remordimentos que servem às novas versões da luta de classe marxista. De todas essas nações, porém, nos chegam, também e principalmente, lições de orgulho nacional, de culto a seus grandes vultos e feitos, de cidades adornadas com monumentos a eles erguidos como reverência de sucessivas gerações.
Nós, brasileiros, somos herdeiros da mais elevada civilização que a humanidade produziu. No entanto... Onde estão nossos monumentos a Bonifácio, Mauá, Caxias, Nabuco, Patrocínio, Pedro II, Isabel, Rio Branco, Rui? Quantos brasileiros conseguiriam escrever cinco linhas sobre qualquer deles? O que estou a narrar começou com a mal conduzida propaganda republicana anterior e posterior à Proclamação, no intuito de romper nossas raízes europeias.
Nada, porém, agravou tanto essa dificuldade nacional quanto a história ensinada em sala de aula como pauta política que vem fazendo dos conflitos sociais o próprio oxigênio sem o qual não consegue respirar.
Se não vemos dignidade em nossa história, dificilmente a veremos em nós e muito mais dificilmente a veremos nos demais. Se não temos raízes, se elas são rompidas, tombamos ao menor impacto. Parte importante da mudança política ocorrida no ano passado é o reencontro do povo brasileiro com o amor ao Brasil. Verde e amarelo, ele representa a derrota das amargas bandeiras vermelhas.
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
27/04/2019
O fato é que me antecipei, em vários dias, ao diagnóstico pronunciado pelo ministro Luís Roberto Barroso sobre as causas do desprestígio do STF junto à opinião pública. Em artigo do dia 19 deste mês, com o título “As redes sociais e o poder do indivíduo”, escrevi:
“Não é a crítica que gera o descrédito, mas o descrédito que a motiva.”
Em outras palavras, na minha crítica, ministros efetivamente preocupados com preservar a imagem do Poder deveriam estar mais atentos a si mesmos do que às reações da sociedade.
Uma semana mais tarde, coube ao ministro Barroso, falando em evento na Universidade de Columbia, fazer a autocrítica e dizer que o “descrédito da sociedade” é fruto de decisões da própria Corte. Não bastasse isso, conforme matéria do Estadão (25/04), Barroso proferiu uma série de vigorosas afirmações, segundo as quais:
• na percepção da sociedade, os ministros, por vezes, protegem uma “elite corrupta”;
• há um problema se a Corte, de modo repetido e prolongado toma decisões com as quais a sociedade não concorda e não entende (referia-se, presumo, ao tal papel contramajoritário que o STF vem atribuindo a si mesmo);
• uma grande parte da sociedade e da imprensa percebem a Suprema Corte como um obstáculo à luta contra corrupção no Brasil;
• a sociedade tem a percepção de que “alguns ministros demonstram mais raiva dos promotores e juízes que estão fazendo um bom trabalho do que dos criminosos que saquearam o país”;
• somente no Rio de Janeiro, “mais de 40 pessoas presas por acusações de corrupção foram soltas por habeas corpus concedidos na 2ª Turma”.
E arrematou: “Tudo o que a Corte (STF) poderia remover da Justiça Criminal de Curitiba, cuja persecução de corrupção estava indo bem, foi feito (sic)”.
São palavras de um membro do “pretório excelso”. Não é opinião de um simples cidadão que, acompanhando a vida do tribunal, se escandaliza com as mensagens que alguns de seus membros, de modo reiterado, passam à sociedade. Note-se que tais recados, captados pelo ministro Barroso, são transmitidos numa época em que as luzes da ribalta se acendem sobre aquele plenário, seja pelo exagerado protagonismo de alguns, seja por ações que partidos minoritários levam à Corte atraídos pela tal vocação “contramajoritária”.
A propósito destes últimos acenderei minha lanterna sobre o que vejo acontecer. De uns anos para cá, partidos minúsculos, sem voto nas urnas e, por consequência, nos plenários, sobem no banquinho de seu pequeno significado para se autoproclamarem os únicos representantes das aspirações populares. Há um ditado segundo o qual “quanto menor a tribo, mais emplumado o cacique”. Assim, impressionados consigo mesmos, derrotados nas deliberações de plenário, a toda hora esses pequenos partidos correm e recorrem ao STF em busca da simpatia de seis ministros para sua causa. Claro! É mais fácil conseguir meia dúzia de votos entre 11 do que maioria entre 513. Apelar ao STF virou uma gambiarra para partidos nanicos, que passam a contar com isso até mesmo para suas manobras de obstrução.
P.S. – Especialmente minoritários, mais do que isso elitistas e refinados, são os serviços de fornecimento de refeições institucionais licitados pelo STF e divulgados pelo Estadão no dia 26 de abril. Lagostas e vinhos premiados integram um cardápio digno dos deuses do Olimpo, que vai ao pregão eletrônico pelo custo módico de R$ 1,1 milhão.
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
22/04/2019A notícia me pareceu demasiado bisonha. Embora divulgada num site sério como a Gazeta do Povo, fui atrás da mesma em jornais espanhóis. Quem sabe o autor da matéria entendeu algo errado? Mas não, ele descrevera com a habitual precisão os acontecimentos que forneciam irrecusável testemunho do caráter doentiamente malévolo da ideologia de gênero.
Na edição em idioma catalão do dia 11 de abril, o jornal El Nacional noticiou que:
“... Os membros do comitê de gênero da Escola Pública Tàber de Barcelona e os membros da Associação Espai i Lleure (Espaço e Lazer), decidiram dar uma olhada na biblioteca infantil da escola para analisar o grau de machismo das histórias que os mais jovens leem. Isso levou à retirada de 30% dos livros por promoverem valores sexistas e discriminatórios, num total de 200 títulos. De acordo com o The Confidential, eles não teriam concluído com a retirada, que chegaria a 60% dos livros, para não deixar as prateleiras vazias. Apenas 10% das histórias foram escritas desde uma perspectiva de gênero.”
Comitê de gênero é dose, mas vamos em frente. Um dos autores da iniciativa, responsável pelo tal comitê na escola, falando à Betevé (uma TV de Barcelona), afirmou: “Estamos muito longe de bibliotecas iguais, onde personagens masculinos e femininos aparecem meio a meio, onde fazem o mesmo tipo de atividade.” A diretora do Espai i LLeure, Anna Tutzó, também na Betevé, observou que “histórias como o Chapeuzinho Vermelho, ou a Bela Adormecida, promovem valores de gênero que são prejudiciais às crianças que ainda não formaram a capacidade crítica.
Haverá quem não veja nisso um trabalho ideológico, coisa de degenerados, de engenharia social? Haverá quem não perceba a utilização do sistema de ensino para introduzir ideologia nefasta nas escolas, criando comitês, concedendo-lhes autoridade para promover essa Bücherverbrennung (queima de livros pelos nazistas em 1933)?
Felizmente, a sociedade brasileira foi alertada em tempo, mobilizou-se, e desfez a arapuca que estava preparada na proposta do Plano Nacional de Educação, a partir do qual se estenderia aos 26 Estados, ao Distrito Federal e aos 5570 municípios do país.
Contra tais militâncias não existem, porém, vitórias definitivas. Elas consideram cada derrota, legislativa ou eleitoral, como etapa de uma luta ao cabo da qual alcançarão seus objetivos. Por isso, jamais desistem ou esmorecem em suas iniciativas.
É exatamente por isso que defendem com unhas e dentes seus dois baluartes: a autonomia escolar e a liberdade de cátedra, que funcionam como porta e ferrolho para fazerem o que bem entendem com as crianças e jovens que a sociedade lhes confia. Foi assim que, na evoluída Barcelona, Savonarolas de araque retiraram das prateleiras das bibliotecas, mais de 200 obras, entre elas os clássicos Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida e Cinderela. Afinal, são livros sedutores, perigosos à formação infantil e não se enquadram nos estereótipos supostamente não estereotipados da ideologia de gênero. A maldade perde o constrangimento.
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
19/04/2019
As redes sociais são um grande arrastão lançado ao mar da informação. Vem peixe bom, arraia miúda e, junto, o inevitável lixo marinho. As pessoas sabem disso e, com o tempo, aprendem a necessária catação. Obviamente, há quem produza lixo e há quem prefira lixo. É inevitável reconhecer, porém, que a Internet, as redes e os smartphones promoveram verdadeira revolução democrática na informação e na análise dos fatos.
Os grandes meios de comunicação, por seu turno, perderam o monopólio da interpretação dos acontecimentos e perceberam estar substancialmente reduzida sua influência na formação da opinião pública nacional. A pluralidade de opiniões passou a desnudar manipulações. A vitória de Bolsonaro foi a mais evidente prova disso. O presidente venceu uma eleição em que a totalidade da mídia brasileira o anunciava como alguém que perderia para todos os seus adversários, cuidando de apresentá-lo como um ogro, sob cujo comando o Brasil mergulharia numa era de trevas. Essa imagem, aliás, foi vendida no exterior por um consórcio formado entre as correntes políticas derrotadas e o jornalismo capturado para seu serviço. Com efeito, fora de nossas fronteiras, as redes sociais brasileiras não exercem influência, mas os veículos tradicionais e as agências preservam a sua. Graças a essa particularidade, partidos opositores e jornalistas apresentam a má imagem do atual governo brasileiro no exterior como nociva aos interesses nacionais. Mas esquecem de dizer o quanto isso é produto de seu trabalho.
Consolidou-se em mim a convicção de que as redes sociais, malgrado vícios e defeitos, concederam ao indivíduo um poder político de que ele nunca anteriormente dispôs em qualquer período da história. A soberania popular, que antes era exercida apenas pelo voto quadrienal, ganhou continuidade. O cidadão pode dizer o que pensa e o que pensa pode chegar a muitos. Pode fazer soar a campainha do celular no bolso do deputado, acessar suas páginas nas redes, opinar em seus vídeos, falar ao presidente. Qualquer indivíduo pode propagar suas ideias em seus próprios espaços, páginas, perfis, canais. Pode criticar seu vereador e seu senador; seu prefeito e seu governador. Pode criticar até o Papa. E ninguém dirá que isso é agir para descrédito das instituições. Aliás, esse desabono é endógeno, gerado dentro dos poderes. Não é a crítica que causa o descrédito, mas o descrédito que a motiva. É normal verberar os poderes. Exceto se isso atingir o Supremo Tribunal Federal e seus membros. Aí, sei lá por que, o bicho pega. Ficarei muito agradecido se alguém puder me explicar o motivo, mormente quando tão intangível poder exerce crescente e decisivo protagonismo.
Enquanto aguardo as opiniões dos leitores, desejo a todos uma muito feliz Páscoa do Senhor!
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
17/04/2019
Anteontem, enquanto observava, aflito, parte da minha herança arder flamejante no coração de Paris, eu pensava sobre essa dimensão de nossa natureza, perdida pelo esquecimento e consumida nas chamas da perversidade. Nas conhecidas palavras de Émile Henriot: “Cultura é o que resta quando esquecemos tudo”. E nós, estamos esquecendo esta condição de herdeiros de uma cultura, de usufrutuários das imateriais riquezas da civilização ocidental.
O cotidiano me adverte ainda mais. Estamos sendo ensinados a desprezar toda essa herança, a começar por nossas raízes; a ultrajar os pais da Pátria; a viver sem fé, sem origem e sem sentido; a lastimar o passado, num presente lastimável, rumo a um lastimável futuro. Não estou fazendo frases, leitor amigo, estou amargamente curioso. Quero saber dos algozes da mais elevada, rica e culturalmente produtiva civilização que a humanidade conheceu: qual vosso ponto de chegada? Aonde vamos com negação do belo e com a aclamação do horrendo e do perverso em todas as formas de arte? Se abandonamos tudo que eleva o espírito, a força de gravidade o derruba para o nível das mais rasteiras paixões! Por isso deveríamos aprender a reconhecer e amar o bem, o belo, o bom e o justo. Mas quem cuida disso?
O passar dos anos desenvolveu em mim, com intensidade crescente, a consciência de ser um ocidental. Quem me dera, também, a ciência! Esse sentimento se aprofundou à medida que, em sucessivas viagens e como principal interesse de todas, minha mulher e eu visitamos centenas de igrejas românicas, góticas e barrocas em toda a Europa. São obras empreendidas por gerações de artesãos, artistas e operários que morriam sem as ver prontas, seguidos de outros, e de outros, ao longo de séculos. Não há como não perceber materializado aí o sentido do sagrado e o sagrado sentido da herança cultural. Tal riqueza diz presente, também, nos museus, nas artes visuais, na literatura, na música, na dança, no teatro e na difícil, mas positiva, evolução das instituições políticas.
Essa cultura chegou até nós nas caravelas de Cabral. Sim, veio a bordo coisa boa e coisa ruim. Veio salvação e perdição. O que dói na alma, cinco séculos passados, é ver tanta gente escrutinando a coisa ruim e a perdição. O que dói em mim é saber, como sei, por que tantos jovens me contam, do mesquinho trabalho a que se dedicam os incendiários de catedrais interiores. Em vez de as construir, fazem-nas arder no cultivo de maus sentimentos, no desrespeito ao nosso belo idioma, na animosidade em relação ao amável Portugal e aos pais da nossa pátria, na negação da fé sem a qual não haveria essa cultura e essa civilização.
Assim, com redobrada tristeza, as chamas que queimavam minha herança em Notre-Dame me faziam lembrar das catedrais interiores que queimaram, ou que não foram nem serão construídas por falta de artesãos.
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.