• Gilberto Simões Pires
  • 23 Março 2018



SALVO-CONDUTO
Com o salvo-conduto concedido -sob medida- pela maioria dos ministros do STF, o condenado Lula, que já é tido como o maior bandido do Brasil, obteve a privilegiada proteção que confere o direito de poder circular livremente sem correr o risco de ser preso ou impedido. Que tal?

RETRIBUIÇÃO
Aqui entre nós: a decisão tomada, ontem, pela maioria dos ministros do STF, não pode ser vista como algo surpreendente. Até porque este péssimo e nojento sistema de escolha, indicação e/ou aprovação de quem quer que seja para ocupar um cargo público, propõe o entendimento geral de que a retribuição pelo gesto é uma questão de tempo e oportunidade.


INDULTO
Pois, na condição de cidadão -indignado e revoltado-, fiquei com sensação de que o salvo-conduto tirado do forno pelos cozinheiros do STF exalava um forte cheiro de INDULTO, ou ATO DE CLEMÊNCIA ao já condenado Lula.

CHEIRO DA IMPUNIDADE

Sei, perfeitamente, que o SALVO-CONDUTO tem prazo de duração até o dia 4 de abril (?), data que o STF marcou para julgar a liminar que impede a prisão do larápio. Ainda assim não posso negar o que o meu olfato acusou, ou seja o forte e muito conhecido CHEIRO DA IMPUNIDADE. A ver...

ESTADO TERMINAL
O fato é que os brasileiros decentes, que ainda cultivavam a ESPERANÇA DE UMA BRASIL MELHOR, foram dormir (se é que conseguiram) com a sensação de que a mesma está em ESTADO TERMINAL, sem direito sequer à extrema-unção.

 

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  • Ricardo Bordin
  • 23 Março 2018

 

Estava bom demais para ser verdade. Lula, para surpresa geral da nação habituada a ver poderosos se safarem de suas picaretagens, vinha sendo tratado pelo Judiciário como um réu ordinário?—?no bom e no mau sentido?—?no caso do Triplex recebido como propina do Petrolão. Primeira instância, com Moro e Deltan como protagonistas: condenado. Segundo grau, com direito a goleada de 3x0: confirmada a condenação e elevada a pena. Habeas Corpus preventivo impetrado no Superior Tribunal de Justiça: 5x0 fora o olé.

Mas todos suspeitavam que o salvo-conduto do Brahma poderia vir do Supremo Tribunal Federal?—?aquele dos guardiões dos interesses de quem os nomeou para o cargo?—?especialmente depois que Gilmar Mendes “mudou de opinião” um ano e meio depois quanto à execução de sentença penal condenatória confirmada por órgão colegiado.
Foram semanas de hashtags “não se dobre às pressões, Carmen Lúcia”, mas era óbvio que o HC para manter Lula livre até o esgotamento total de recursos cabíveis (mais uns cinco anos solto, no mínimo) iria acabar furando a fila na cara duríssima—?até porque o Ministro Fachin resolveu levá-lo a plenário após denegá-lo, ao melhor estilo “se é pra livrar a cara do padinho, que todos assinem embaixo juntos e vamos dividir a raiva do povo”.

Para quem perdeu o que aconteceu hoje em Brasília, o julgamento do bendito HC já começou atrasado; após a sustentação oral do procurador do réu e da Procuradora-geral, um intervalo de dez minutos virou cinquenta. Na sequência, as supostas onze maiores autoridades em Direito no país discutiram por horas a fio se um instrumento jurídico que existe praticamente sem alterações desde 1215 deveria ser acolhido ou não.

Resumo do teatro: quando o próximo passo era examinar o mérito da ação, eis que Marco Aurélio Melo revela que não pode ficar para fazer seu trabalho, remunerado a base de dezenas de milhares de reais do dinheiro dos pagadores de impostos, porque precisa pegar um avião para no dia seguinte tomar posse em um conselho sei lá do quê.

A partir dali, mais seis ministros, incluindo a presidentA, resolvem que talvez seja melhor iniciar o fim de semana logo de uma vez mesmo.

Só que há um problema: sessão suspensa significava Lula preso segunda-feira. Seu advogado, aproveitando uma brecha entre os incontáveis elogios que recebia dos membros da suprema corte, solicita então que seja expedida liminar impedindo o TRF4 de decretar ordem de prisão para Lula após a apreciação dos embargos em 26/03.

Bingo: Luiz Inácio está protegido até 04/04, para quando foi marcada a continuação da novela. Você entendeu bem, sim: como esse era um julgamento com efeitos inter partes?—?isso é, só valem para o requerente?—?, inúmeros criminosos seguirão sendo enjaulados após terem suas sentenças corroboradas pelos tribunais de justiça estaduais, mas Lula não: ele é mais bonito, é diferentão. Merece continuar impune por tempo indeterminado?—?afinal, quem garante que outros compromissos inadiáveis (ou cartas na manga) não surgirão em abril? Agora o jogo virou, e o tempo passou a ser amigo do Amigo da Odebrecht.

Lewandowski asseverou que “o paciente não poderia arcar com o ônus de nosso atraso em julgar”. Acabou a vergonha: em rede nacional, aquele que permitiu o fatiamento da votação do impeachment de Dilma, preservando seus direitos políticos e assegurando seu retorno à cena política ainda este ano, diz que o interessado não poderia ser prejudicado pela enrolação propositadamente encenada por ele e seus parceiros de toga!

Só para evitar maiores frustrações futuras, atentem para o discurso de Rosa Weber, a ministra que deve ter o voto de minerva na votação deste HC, no enrosco em comento: ela votou pelo adiamento do processo e pela concessão da cautelar nos exatos termos propostos pelo defensor do réu?—?que tem o hábito de citar frases em francês para encantar terceiro-mundistas cafonas. Quando desconfiou por um momento, logo após a manifestação contrária de Alexandre de Moraes, que o caldo poderia entornar, disparou: “se eu soubesse, ficaria até às duas da manhã votando”. Ora, é o óbvio ululante que o placar de 6x5 ou pior irá se repetir em favor de Lula no mês que vem ou quando esta ladainha seguir adiante.

E ainda somos obrigados a ouvir Gilmar Mendes falar que “ninguém pode desconfiar que eu queira ajudar o PT”, sendo que até os vegetais sabem que seu intento é gerar precedentes que possam eventualmente aliviar a barra de seus compadres tucanos e pemedebistas. Pisa mas não esculacha, meu!

Esqueçam. Foi bom enquanto durou. Mas este foi mesmo apenas um ensaio no esforço de deixarmos de ser um republiqueta de (cidadãos) bananas. Falta muito. Game over. We lose!

 

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  • Olavo de Carvalho
  • 22 Março 2018

 

Se há algo que a História confirma sem um único exemplo em contrário, é isto: Toda e qualquer verdade ou idéia valiosa que algum dia chegou ao conhecimento dos seres humanos foi descoberta de um ou alguns indivíduos isolados; ao disseminar-se entre as massas, perde o impulso originário e se cristaliza em fórmulas ocas, infindavelmente repetíveis, que se podem preencher com os sentidos mais diversos e usar para os mais diversos fins. Tudo começa na inspiração e termina em macaqueação.

Sempre foi assim e sempre será.

O que distingue o pensamento dito "moderno", do século XVIII em diante, e o diferencia radicalmente de todos os anteriores, é sua capacidade de gerar teorias que vêm prontinhas para ser massificadas, e que extraem daí, precisamente daí, todo o prestígio "intelectual" que possam vir a desfrutar. É como se saltassem por cima da etapa de inspiração solitária e já se enunciassem, desde o berço, como apelo às massas. Isso começou a acontecer desde o momento em que os homens de idéias perderam a fé no conhecimento da verdade e passaram a buscar, em vez dela, o afinamento com o "espírito da época". Quantos filósofos e escritores, hoje em dia, não são abertamente louvados, não porque tenham descoberto alguma verdade, algum valor essencial, mas apenas e sobretudo porque expressaram, com seus erros e mentiras, as aspirações mais loucas e abjetas do "seu tempo"? Se não fosse por isso, tipos como Maquiavel, Diderot, Marx, Freud ou até mesmo Darwin não teriam hoje em dia um só admirador devoto. Seriam lidos, se tanto, como documentos históricos de um passado desprezível.

O traço distintivo das teorias a que me refiro é a ambigüidade congênita. Nada afirmam de muito claro, desdizem-se a cada linha, esquivam-se com destreza luciferina à confrontação com os fatos e, quando acuadas contra a parede por alguma objeção demolidora, mudam de significado com a maior facilidade, cantando vitória quando conseguem mostrar que o adversário nada provou contra o que elas não tinham dito.

É claro que a aptidão de uma teoria para essa transmutação proteiforme não aparece toda de uma vez. A continuação dos debates e o zelo dos discípulos em preservar a imagem do mestre é que trazem à mostra o potencial de desconversa escorregadia contido na exposição da idéia originária.

O darwinismo, por exemplo, começou como uma "teoria do design inteligente", tentando mostrar a lógica de uma intencionalidade divina por trás da variedade das formas naturais. Hoje aparece como a antítese mais extrema de todo "design inteligente", sem que ninguém nos explique como é possível que duas teorias simetricamente opostas continuem sendo uma só e a mesma.

A psicanálise, então, tem tantas versões que o que quer que você diga contra uma delas pode ser sempre reciclado como argumento em favor de alguma outra – e os ganhos de todas revertem sempre, é claro, em favor do dr. Freud. A facilidade mesma com que uma teoria se converte em suas contrárias é louvada como prova do mais alto mérito intelectual: o que importa não é a "veracidade", mas a "fecundidade".

Mas a teoria mais capaz de explorar em proveito próprio tudo o que a desminta é, com toda a certeza, o marxismo. Tudo o que ele diz já vem, na fonte, em duas versões: uma que diz sim, a outra que diz não. Qualquer das duas que saia vencedora aumentará formidavelmente o crédito da teoria marxista.

Como Marx se esquiva de esclarecer qual o coeficiente de influência que as causas econômicas têm na produção das mutações históricas em comparação com outras causas, você pode optar por um determinismo econômico integral ou pela completa inocuidade das causas econômicas e continuar se declarando, nos dois casos, um puro marxista. Ernesto Laclau chega a declarar que a mera propaganda cria a classe oprimida incumbida de legitimá-la ex post facto, e ninguém deixa de considerá-lo, por isso, um luminar do pensamento marxista.

A própria idéia marxista da práxis – a mistura inextricável de teoria e prática – parece criada sob medida para tirar proveito das situações mais opostas: o que desmente o marxismo em teoria pode favorecer o movimento comunista na prática (é o caso das idéias de Laclau); as derrotas do comunismo na política prática podem sempre ser alegadas como efeitos de "desvios" e, portanto, como confirmações da teoria marxista (Trótski falando de Stálin).

A duplicidade de línguas no marxismo aparece não só nas grandes linhas da teoria e da estratégia, mas nas atitudes dos intelectuais marxistas ante qualquer acontecimento da vida cultural ou política. Tudo aí tem duas caras, cada uma exibida ou encoberta, em rodízio, conforme as conveniências do momento. Em 1967, quando a União dos Escritores da URSS proclamava Soljenítsin um tipo execrável e perigosíssimo, o filósofo comunista Georg Lukács jurava que o autor de Um Dia na Vida de Ivan Denissovitch tinha uma visão ortodoxamente marxista das coisas. O movimento comunista ficava assim preparado para as duas eventualidades: se o romancista viesse a ser ignorado no Ocidente, já estava garantido o seu lugar na lata de lixo da História; se fizesse sucesso, seria um sucesso do marxismo. Alguns exemplos próximos de nós ilustram o jogo com ainda mais clareza. Lula e o comandante das Farc, Raul Reyes, podem presidir juntos as assembléias do Foro de São Paulo e em seguida alegar que nunca fizeram nada em parceria. As Farc podem publicar em sociedade com o PT a mais importante revista de discussão marxista do continente (America Libre) e ao mesmo tempo ser proclamadas, na mídia, umas malditas traidoras que abandonaram o marxismo para entregar-se à pura cobiça de dinheiro. Se as Farc vencem, o Foro de São Paulo vence junto com elas. Se perdem, ele sai limpo.

A língua dupla caracteriza as serpentes, no mundo natural, o diabo, no reino do espírito, e as idéias queridas da modernidade, no mundo humano e histórico.

*Publicado originalmente no Diário do Comércio, 28 de novembro de 2010
 

 

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  • Mateus Bandeira
  • 22 Março 2018


As pessoas têm medo de contrariar a narrativa política dominante e de dizer o que pensam, diz consultor de empresas.

O politicamente correto pode até ter nascido com boas intenções, porém se tornou a ponta de lança do pensamento único. Seus defensores transformaram-se em patrulheiros do pensamento alheio.
Eles começam querendo proibir que digamos as coisas pelos nomes que têm. Ora, pessoas e coisas não vão deixar de ser o que são se as chamarmos de modo diferente. Um exemplo: favelas são sinônimos de diversos problemas, como violência e falta de infraestrutura. Denominá-las "comunidades" não altera em nada a realidade.

Porém, muito mais grave é a imposição. À medida que aceitamos ser patrulhados, abdicamos de pensar – o dom mais precioso do ser humano. A lista de proibições só aumenta. Artistas tidos por vanguardistas fazem intervenções em praça pública com o objetivo de chocar e debochar de costumes sociais, culturais e religiosos. São livres para se manifestar, mas quem deles discorda é intimidado e tachado de reacionário.

Baseado na mentira, o politicamente correto vem ganhando tamanha dimensão, que as pessoas têm medo de contrariar a narrativa política dominante e de dizer o que pensam. No lugar de espaços da diversidade e do debate, as universidades transformam-se em palcos do discurso único. Todos devem pensar da mesma maneira, sob pena de linchamento moral. Assim brota a intolerância.

"A mentira com a intenção de passar a imagem de que você só tem opiniões politicamente corretas é fake ethics", escreveu o filósofo Luiz Felipe Pondé. As pessoas deixam de ser o que são para integrarem um personagem único. Como num script macabro, cada um diz apenas o que outro quer ouvir e ouve de volta as mesmas patranhas. Elimina-se, assim, uma das melhores formas de progresso intelectual: o debate – e, com ele, o livre pensar.

Para se enquadrarem nesse novo mainstream, repetem o que o politicamente correto determina. Com isso, ganham votos, popularidade, dinheiro e até amigos. Mas perdem a alma. Se quisermos recuperar o direito à liberdade de expressão, teremos de marchar contra a corrente. A turma dos patrulheiros tem o direito sagrado de dizer o que pensa; e todos os outros, de discordar deles.

*Publicado originalmente em Zero Hora.
 

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  • Alexandre Garcia
  • 19 Março 2018


Recebi de dois amigos um vídeo que dizem se passa em uma escola de Mato Grosso. Não sei se foi lá nem sei quando, mas o certo é que está bem audível a reprimenda que dois homens fazem a 17 alunos, adolescentes, postos de joelhos e cabisbaixos, enquanto ouvem a ameaça: “Hoje em dia a polícia não resolve mais nada, quem resolve é o Comando”. E outro completa: “Nóis é do CMT e tá dando um alerta; se tiver que vir pela segunda vez, vai ser no pau. Se pegar vocês fumando bagulho, vamos quebrar vocês no pau.” E avisam que se o guardinha avisar que estão fumando de novo, vai “ser daquele jeitão”. Inclusive se forem pegos com maconha na rua. E alertam que na escola há alunos com necessidades especiais e filhos de presos, que precisam ser respeidos.

Imagine se um professor pusesse de joelhos alunos fumadores de maconha na escola. O professor seria destituído, talvez preso, e apanharia dos alunos. O politicamente correto enfraqueceu a disciplina e com ela o professor. A droga invade escolas e, no caso, foi preciso pedir a proteção de traficantes, que impõem a disciplina do modo que alunos entendem. E eles avisam que estão com o guardinha e com a diretora. E eu vos digo: as diretoras que tentaram impor disciplina em suas escolas foram denunciadas por pais, foram expostas na mídia e acabaram desiludidas com a missão que escolheram por vocação. No caso do vídeo, o pessoal do tal Comando está à frente do politicamente correto no trato com droga - incrível!

Em Brasília, o legislativo local acaba de derrubar veto do governador contra a lei que cria a disciplina de moral e cívica nas escolas do Distrito Federal. O governador, certamente, ainda tem a síndrome do governo militar. Só que a matéria não é dos militares. Quando frequentei a escola pública, o grupo escolar, no primário, entre 1947 e 1951, tínhamos, em Estudos Sociais, o ensino da cidadania, da estrutura do estado brasileiro, das funções dos três poderes, os direitos e deveres do cidadão; aos sábados, tínhamos hora cívica, em que hasteávamos a bandeira cantando o Hino Nacional e depois líamos textos e poesias referentes aos vultos e episódios da História do Brasil comemorados na semana que findava. Ao final, arriávamos a bandeira cantando o Hino à Bandeira. E aprendíamos a interpretar textos, a fazer frases, a escrever trechos ditados, com a consciência de que a Língua Portuguesa é um dos patrimônios da nacionalidade.

Mais do que isso, antes de entrarmos no ensino fundamental e durante nossa infância, recebíamos em casa a educação de não mentir, de respeitar as leis e os outros, de respeitar o patrimônio público, de nos comportarmos em público com a educação recebida em casa. Eram tempos em que não havia droga “recreativa” - sabíamos que toda droga faz mal -, as brincadeiras não eram chamadas de “bullying”, meninos e meninas eram meninos e meninas; os namoricos precoces não eram “assédio” e os professores não tinham medo de ser processados quando caíamos de árvores ou de telhados. E nós tínhamos medo e respeito dos professores. Chegamos até aqui - com as exceções normais - ordeiros, disciplinados, felizes, vividos e, creio, bons cidadãos.

*Publicado originalmente em http://www.sonoticias.com.br/coluna/hoje-e-ontem-na-escola
 

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  • Denis Lerrer Rosenfield
  • 19 Março 2018

 


Há um profundo mal-estar na sociedade brasileira As pessoas estão tomadas pelo desânimo e pela insegurança, portadoras de grande descrença nos políticos e nos partidos. Se a moralidade pública se tornou uma bandeira política, é porque não faltaram razões que corroboram tal percepção. É bem verdade que a economia voltou a crescer, criando novas condições sociais, graças às reformas realizadas pelo atual governo. Porém tais efeitos ainda não se fizeram sentir ou não são percebidos como tal.

Não deveria, portanto, causar estranheza o fortalecimento da candidatura do deputado Jair Bolsonaro, na medida em que ele consegue dar vazão ao sentimento de uma sociedade cansada de desmandos. Pretender desqualificá-lo como sendo de extrema direita nada mais é que uma reação de tipo ideológico, pois não leva em consideração que suas posições estão enraizadas na sociedade. Ele não é uma "bolha" que logo estourará, mas um fenômeno que expressa questões e posições de uma sociedade que está de saco cheio de tudo o que está aí.

A descrença da sociedade nos políticos e nos partidos em geral tem sérias razões. Não há praticamente nenhum grande partido que escape. O PT foi o grande mestre, com o mensalão e o petrolão. Nos governos petistas o País foi levado à ruína econômica e à falta completa de ética. Ex-membros do novo governo estão envolvidos na Lava Jato, como um ex-ministro com mais de R$ 50 milhões escondidos num apartamento. As imagens foram impactantes. O ex-presidente do PSDB também aparece envolvido com a JBS. A lista seria interminável. Fica, porém, a percepção de que todos os partidos estão podres, embora, evidentemente, haja pessoas sérias e honestas em todos eles. O que conta, todavia, é a percepção popular. Nesse sentido, a posição de um outsider tende a ser muito bem recebida.

As denominações de esquerda e de direita, em tal contexto, passam a não ter maior significação, porquanto a questão reside em como dar respostas aos problemas que são postos pela sociedade. Expressão desse deslocamento se encontra em recente entrevista do ex-presidente Fernando Henrique, ao declarar que tem "medo da direita", em alusão indireta ao deputado Bolsonaro. Curioso. Não teria ele "medo da esquerda" petista lulista, que destruiu o País? Ou de Hugo Chávez e sucessores, que conduziram a Venezuela ao abismo?

A sociedade não tolera mais as invasões do MST e de seus assemelhados urbanos, como o MTST. Quer tranquilidade em sua vida e em seu trabalho. Note-se que o MST foi estimulado e acariciado tanto pelos tucanos quanto pelos petistas, com exceção da ex-presidente Dilma, que dele se demarcou, e do atual presidente, que tampouco compactua com a desordem. Acontece que o desrespeito à propriedade privada é condenado pela imensa maioria da população, que não mais embarca nos cantos românticos de uma esquerda irresponsável. Consequentemente, quando um outsider como o deputado Bolsonaro toma para si essa bandeira, ele não apenas se contrapõe a importantes partidos, como expressa o que é sentido e condenado pela sociedade.

Pegue-se, por exemplo, um projeto de lei hoje tramitando que permite aos proprietários rurais a autodefesa mediante autorização para registro e posse de armas. Alguns afoitos ou mal-intencionados já criticam tal lei como se ela viesse estabelecer o "faroeste no campo". Como assim? Ele já não existe na forma de invasões violentas do MST, com uso de armas, sequestros, incêndios, destruição de propriedades, e assim por diante? E a prática do abigeato? E os simples roubos e assassinatos? Condenam-se os que procuram defender-se, e não os que usam da violência em suas invasões. Então, se um candidato dá voz aos que não conseguem fazer-se ouvir, qual seria o problema? Ser de direita? Santa paciência!

As pessoas não conseguem mais caminhar livremente nas cidades brasileiras. A insegurança impera, a violência está sempre à espreita. O automóvel é hoje utilizado para qualquer deslocamento, expressando um medo disseminado. Os mais ricos andam em carros blindados. O direito básico de livre circulação é simplesmente anulado pela insegurança física das pessoas e dos seus bens. Pais e mães ficam angustiados à espera de um filho ou filha que foi a uma festa noturna. Mães são assassinadas quando buscam filhos na escola. A situação é absolutamente intolerável e nenhum governo se ocupou seriamente da segurança pública. Tucanos e petistas nada fizeram e a nossa realidade, hoje, é produto de uma longa história de descaso pela coisa pública. Não deveria surpreender que um candidato que vocalize tal problema básico do Estado cresça na opinião pública. Se o deputado Bolsonaro cresce nas pesquisas, é por que os partidos tradicionais lhe abriram espaço ao não enfrentarem as questões por ele suscitadas.

Chegamos a uma situação assaz esquisita, em que bandidos circulam livremente com armas de restrito uso militar pelas favelas brasileiras, sem que nada seja efetivamente feito. Até posam para fotos, dada a total impunidade. Se um militar os enfrenta, da polícia, do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, logo se instaura um processo contra ele – agora, felizmente, sob os auspícios da Justiça Militar. Se for menor de idade, pior ainda, pois um "civil" indefeso é que teria sido morto. Os valores estão totalmente invertidos. Os ditos "direitos humanos" não deveriam ser utilizados para a proteção de criminosos, maiores ou menores. Menores matam livremente e depois de uma breve reclusão saem com ficha limpa. É um estímulo ao crime. Assim, se um candidato defende a redução da maioridade penal e a revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente é imediatamente estigmatizado como conservador e retrógrado. A perversão é completa.

* Professor de Filosofia na UFRGS
**Publicado originalmente no Estadão

 

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