• Maria Lucia Victor Barbosa
  • 12 Abril 2020

Nessa Páscoa, lembranças fugidias me perpassam na mente como brisas trazidas do passado. Ressurgem em cores esmaecidas a grande mesa posta para o almoço familiar, a tolha branca impecavelmente engomada, o círio pascal ao centro, os pequenos ovos de chocolate disposto em delicados arranjos perto de cada prato. Tudo aquilo formava um espetáculo ao mesmo tempo alegre e grandioso para adultos e crianças, que comemoravam o simbolismo da vitória da vida sobre a morte contido na ressurreição de Cristo.

Não é possível relembrar exatamente o que diziam os convidados, mas o burburinho festivo, o ressoar dos risos, as lembranças que se perdem em tons pastéis como num quadro antigo, sem dúvida foram responsáveis pela construção de um dos redutos mais importantes de minha infância.

Agora surgem na memória, como eco das tradições mineiras em que fui confeccionada a época do colégio Sion de Campanha passada no internato. Naquele interlúdio de minha vida tudo estava em seus lugares disciplinadamente. O futuro era sonhado no recreio enquanto se falava sobre o que cada uma de nós queria ser mais tarde: médica, advogada, bailarina, mãe de família com uma penca de filhos. Ninguém abria mão de se casar com um príncipe encantado e havia a crença generalizada de que podíamos controlar nosso destino.

Na Páscoa, quando a maioria das alunas passava o feriado em casa, eu que era de Belo Horizonte ficava quase só entre as imensidões daqueles corredores e salas vazias. Nem por isso era menos feliz do que as colegas que haviam partido. Ficava com minha grande caixa de ovos de chocolate que sempre chegava pontualmente, com as leituras piedosas que as freiras me indicavam e, especialmente, com minhas reflexões. Foi naqueles confins mineiros que uma semente de compreensão acabou por germinar num pensamento que me acompanhou pela vida afora: sou uma passageira da eternidade em busca de Luz.

Essas enevoadas recordações que emergem de meu remoto ontem misturam-se também às cores dos doces típicos da quaresma: doce de abóbora, doce de batata roxa, doce de cidra. Ecoam ao longe cânticos de procissões e retorna o espanto infantil diante da imagem de Jesus crucificado. Ao mesmo tempo, como era deliciosa a alegria da descoberta dos ovos de páscoa espalhados pelo jardim.

Comparando aqueles tempos com os de hoje posso concluir que sob os pores-do-sol de minha Belo Horizonte os contornos do viver eram mais bem definidos em tradições que hoje se perdem em feriados eminentemente comerciais. Mesmo assim, Pessach ou passagem (para os judeus) ressurreição ou Páscoa (para os cristãos), são comemorações que sempre deixarão subjacentes no coração do humano o desejo de superação do finito, a vontade de renascer de algum modo, a esperança de renovação. Feliz Páscoa para todos.

* Maria Lucia Victor Barbosa é escritora.
 

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  • Fernando Fabbrini
  • 09 Abril 2020


Assim como vocês, meros cidadãos e contribuintes, não tenho competência para avaliar os impactos macroeconômicos da pandemia e a influência do evento nas bolsas de valores da Ásia. Muito menos teorizar sobre as variáveis do mercado de commodities a médio prazo. Para compensar, mantenho olhos e coração abertos para pequenos fatos que me tocam na condição de vizinho, freguês ou amigo. É sobre um desses que escrevo hoje.

Trata-se do restaurante comida-a-quilo onde almoço às vezes; local situado bem perto de casa, já que sou adepto do home office há anos. Negócio tipicamente familiar, foi aberto pelo pai – que acorda às 4 para compras na Ceasa – e pela filha recém-casada, cuja simpatia e gentileza no caixa são decisivas para o sucesso do modesto empreendimento. Há também o genro, rapagão que pega pesado nos caixotes de legumes, botijões de gás ou pilotando o velho Fiorino de pintura desbotada.

A comida é de primeira qualidade; simples e honesta. Nada extraordinário, apenas um cardápio previsível, mas delicioso. Arroz e feijão bem temperados, frituras sequinhas, saladas arrumadas com carinho nas bandejas; sempre um toque de capricho nas panelas e nas mesas. Na virada do ano fecharam por uma semana e fizeram reforma na pequena loja. Piso trocado; paredes pintadas; compraram talheres melhores e até uma nova logomarca surgiu na fachada. Estavam animados e esperançosos.

As portas agora ficam abertas pela metade. Como os demais restaurantes, improvisaram algumas mesas junto à calçada e fornecem marmitas - poucas, nem há filas. Ontem fui lá; busquei uma para o almoço. O pai – fiador do negócio e signatário dos cheques pré-datados - anda tomando comprimidos para dormir. A moça de sorriso encantador agora exibe comoventes olhos fundos que não combinam com sua jovialidade. Emocionada, contou-me que adiaram o projeto do bebê do casal, sonho planejado para o segundo semestre. As vendas minguadas mal pagam o aluguel. Dispensaram uma cozinheira e dois ajudantes.

- É nossa cota de sacrifício – disse-me a moça, tentando sorrir. Sensibilizado, trouxe a quentinha e deixei lá uma frase de consolo qualquer.

Rotinas dramaticamente alteradas, salários reduzidos, crianças em aulas virtuais, overdose de TV, passeios suspensos até segunda ordem... Improvisando a vida, todo mundo vai dando conta de sua própria cota. Todo mundo, mesmo?

Que nada: existe uma categoria que flutua impassível em remansos de paz, bem longe das ondas tenebrosas do corona. São espécimes que povoam gabinetes oficiais – câmaras municipais, assembleias legislativas, tribunais, congresso nacional. Trabalhando ou não, ociosos nos escritórios ou de bermudas em casa, permanecem serenos e seguros já que recebem religiosamente fortunas pagas com nossos impostos.

O país, o universo em crise? Relaxe: a cada fim de mês, é só conferirem o saldo, livre de qualquer praga ou risco. Não almoçam no comida-a-quilo da esquina; basta solicitarem o delivery sofisticado dos melhores restaurantes da cidade. Um vinhozinho contra o estresse cai bem no jantar; estamos pagando por ele também.

E não é só: além dos salários, benefícios garantidos, lagostas e vinhos, devemos também bancar as campanhas dos habituais moradores do paraíso. A verba vem do fundo eleitoral, a vergonha suprema no desperdício do dinheiro público. Esses milhões fazem falta nas escolas, no saneamento básico, na saúde e em outras mazelas históricas desprezadas na agenda da nação. Em tempos normais, passava batido. Porém, com a pandemia, não podem existir desculpas que justifiquem essa aberração e outros gastos inúteis, como publicidade oficial.

Afinal, onde está a tal cota de sacrifício dos eternos imunes dos vírus de tempos difíceis? Mesmo com uma quentinha boa assim, a gente até perde o apetite na hora do almoço.

*Enviado pelo autor. Publicado originalmente em O Tempo (BH)

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  • Alex Pipkin, PhD
  • 08 Abril 2020

 

Reiteradamente tenho dito que não esperava que Bolsonaro se transformasse num Churchill!

Votei no antipetismo e na possível agenda positiva liberal.
Como estudo gestão, o capitão ministra exímias aulas de como um líder não deve liderar!

Anteontem, por exemplo, ele expôs e atacou em público um de seus melhores gerentes técnicos. Não poderia lucrar nada com isso; só poderia perder como de fato imagino que tenha ocorrido.

Contudo, ele foi eleito democraticamente por gente que quer mesmo ver esse tipo de postura...

Apesar de errar sistematicamente na forma, e por vezes no conteúdo, a exemplo de hoje, acredito que o mérito de suas retóricas muitas vezes é provocativo e acertado.

Senão, vejamos:

Apesar dos 210 milhões de médicos infectologistas brasileiros, a comunidade realmente científica não possui certezas definitivas de como a doença deve ser tratada e evitada; isso é a realidade!

Sendo assim, tudo que se diz não é exato e "a verdade"!

A própria "ciência" da OMS tem cabalmente comprovado a "novidade" do vírus, com seu vai-e-vem de recomendações.

Gostemos ou não, o que Bolsonaro tem externado quanto ao isolamento horizontal e sobre sua preocupação com o desemprego e a economia individual e do país, cientificamente não pode ser contestado!

Não há estudos científicos definitivos sobre a questão, e muito menos sobre a realidade específica brasileira.

Por exemplo, o vírus de fato se comporta similarmente em climas frios do norte como na temperatura quente do sul? Já li e ouvi médicos - todos médicos - opinarem controversamente!

Bolsonaro, então, pode tanto estar certo quanto errado!

As próprias autoridades de saúde pública no mundo, primeiro afirmaram que o vírus não se propagava de pessoa para pessoa, que a cloroquina não funcionava para o Covid-19, agora funciona!?

Bem, para não me alongar, parte dessa mídia marrom e vermelha - putrefata -, com suas certezas absolutas só deseja uma coisa: derrubada imediata do presidente eleito pelo crivo democrático popular; simples assim!

O pior cego é aquele que enxerga e não quer ver!

Infelizmente temo que o vírus político gere mais efeitos nocivos do que o coronavírus, invisível.

Tal vírus político, e os verdadeiros inimigos da saúde física e econômica dos brasileiros aparentam-me transparentes!

Portanto, cuidado em acreditar em arrebatadoras paixões... é preciso abrir os olhos.
 

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  • Larry Sestrem
  • 06 Abril 2020

Todos, em geral, querem fazer o bem, e cada um quer fazer mais o bem que todos os outros - governos, mídia, entidades, organizações, médicos, hospitais, o pessoal da direita, da esquerda. Em suma: todo mundo que pode decidir alguma coisa, do presidente da República ao síndico do prédio, acha que é sua obrigação agir com o máximo de prudência, cautela e responsabilidade. Disserta o jornalista JR Guzzo em sua coluna do dia 25/03/20 na Gazeta do Povo, sobre as decisões precipitadas. 

É fácil defender a quarentena em uma casa confortável, com TV a cabo; internet banda larga; Macbook opressor; a dispensa cheia e aquela Equinox na garagem pra ir no mercado caso falte algo. E com tudo isso, sabendo que se não trabalhar vai haver salário.

É difícil defender quarentena quando o armário já está vazio e que se não trabalhar não tem salário, trabalha de manhã pra comer de noite e o filho tá pedindo iogurte. A princípio todos estão fazendo algo, com resultados positivos ou negativos.

Os médicos veem o lado da saúde: quarentena.

Os economistas veem como manter os insumos para os médicos: economia.

Os líderes veem a moral e o bem estar emocional: calma, é só uma gripe ( para 80, 90% que pegar).

A mídia vê o interesse de quem assiste, acessa, curte, compartilha e gera $$, resultado?: histeria, distorções, pânico.

Cabe a nós o bom senso, a honestidade e a prudência ao opinar, curtir e ou compartilhar opiniões e/ou notícias. Não tenho políticos de estimação, tão pouco jornalistas de paixão.

Opiniões rasas no conforto é fácil. Entender que nenhuma ação tomada vai ser simples, é difícil. Temos que pensar que toda decisão tem pontos positivos e negativos.

Não adianta falar que tem que seguir a quarentena a todo custo, e não falar sobre os danos pós quarentena. Em poucos dias os serviços essenciais não terão condições de continuar a funcionar sem os não essenciais. O ministro Mandetta lembrou que é preciso transportar cloro para tratar os sistemas de água corrente. Se impedirem as Cias, pelas restrições em cadeia que crescem a cada 24 horas, você estará salvando o Brasil do vírus e destruindo um dos princípios mais elementares da saúde pública. Lembrando que os caminhoneiros com materiais de hospitais precisam de restaurantes, oficinas, borracharias.

O deputado federal de SP Luiz P. O. Bragança comenta em sua rede social que: "Bônus sem ônus? Estados querem autonomia para poder fechar estradas e conter o vírus. Justo. Eles também são responsáveis pela saúde. Mas eles sabem que desemprego e falência de empresas serão cobrados da União e não deles. Injusto. Quem quer o bônus deve ficar com o ônus."

"O objetivo tem que ser encontrar uma saída fundamentada, planejada, para diminuirmos o tempo de confinamento para que o país possa voltar ao trabalho com o menor dano possível. O resto é palanque." Afirma o deputado federal do PR Paulo Martins.

O que pode ajudar a resolver, isso sim, é pensar com seriedade numa lógica para enfrentar a doença e não arrastar o país ao abismo.

*Publicado originalmente no blog do autor https://www.ohc.blog.br/ (O Homem Comum).
  

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  • Leo Iolovitch
  • 03 Abril 2020

 

Resolveu levar o neto ao circo, para que conhecesse a alegria pura e inocente, como aquela que tinha vivido na sua infância. A expectativa de ambos era enorme.

Chegando ao local quis comprar pipoca, mas foi informado que não era mais comercializada, pois a ANVISA não permitia a venda de alimentos com gordura trans. Também não encontrou algodão doce, pois a SMIC não liberara a carrocinha de venda da guloseima.

As frustrações estavam apenas começando.

Foi até a bilheteria e soube que não haveria espetáculo, o vendedor de ingressos começou a enumerar os motivos:
A bandinha fora proibida de tocar, pois deveria recolher uma taxa para o ECAD. O elefante fora afastado por ordem do IBAMA. O domador do leão havia ingressado com uma reclamatória trabalhista, alegando periculosidade. O picadeiro não podia ser montado, pois faltava areia, proibida pela FEPAM, e a serragem não era certificada, podendo configurar risco ambiental. O trapézio havia sido interditado pelo MPT, pois poderia oferecer risco aos acrobatas. A mulher barbada e o palhaço anão estavam processando o dono do circo por bullying, alegando dano moral. O mágico não poderia se apresentar, pois o PROCON entendia que o ilusionismo era uma forma de enganar o consumidor. O encarregado da limpeza forçou sua demissão para ficar no seguro desemprego. O engolidor de fogo não obteve PPCI do Corpo de Bombeiros para apresentar seu número. As duas ginastas oficializaram sua união e abandonaram o circo. As motocicletas do Globo da Morte foram apreendidas pela EPTC, pois estavam com a surdina incompleta. O equilibrista foi vetado pela DRT, pois não usava paraquedas. O fornecimento de energia foi cortado, pois o circo deveria instalar uma subestação, às suas expensas, para recebê-la. O homem bala não poderia ser arremessado pelo canhão, pois a arma não estava registrada na Polícia Federal. O apresentador era estrangeiro e não podia trabalhar, pois não era cubano. Os macacos estavam proibidos de atuar, por força de uma Ação Coletiva de uma ONG Darwinista. Foi ajuizada uma ACP pedindo a interdição do circo. Houve uma autuação fiscal cobrando ISS, o contador ficou com stress e entrou em licença saúde.
O dono do circo, que era o verdadeiro malabarista, pois tinha de pagar todos os impostos com uma receita insuficiente, tinha entrado em depressão.
Sentado num tamborete, viram um homem triste, com o rosto pintado e vestido de palhaço.

Então o menino perguntou:
“Vô, mas o palhaço não é alegre?”

E ele respondeu:
“Pois é, levaram embora a alegria dele. Acho que vais ter que voltar a brincar com teus videogames ou assistir desenhos na TV”.
 

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  • Prof. Ubiratan Jorge Iorio
  • 03 Abril 2020

 

(Abril de 2020)
  A peste que veio do leste – mais especificamente, da China – está submetendo o planeta a uma experiência inusitada e bastante perigosa. Alguns dizem que a coisa nasceu quando um idiota, sem qualquer noção de higiene, comeu uma inacreditável e repugnante sopa de morcego-comedor-de-cobra, iguaria que alguns tentam nos empurrar como fruto de “hábitos culturais”, mas que ninguém me convence de que não tenha sido imposta aos chineses pela necessidade de sobreviver à fome, comum a todos os povos que experimentam o comunismo. Outros especulam que teria surgido em laboratório e, dentre esses, há quem sustente que seria uma arma biológica do PC chinês para conquistar o mundo.

Nunca me arrisco a dar palpites sobre coisas que desconheço e, nesse caso, esse hábito, herdado de meu pai, é ainda mais indicado, por tratar-se de um tema novo, complicado e cheio de dúvidas e mistérios. Ademais, se os entendidos ainda não o entenderam, é impossível que não entendidos possam entendê-los. Como não entendo bulhufas de vírus, porque moro na “praia” da economia, onde mergulham, tomam sol, caminham e surfam a oferta e a demanda, a poupança e o consumo, a produção e o investimento, só o que posso me atrever a afirmar, sem medo de erro ou exagero, é que o Covid 19 é um inimigo que tira vidas, impõe custos sociais tremendos e ameaça destroçar as atividades econômicas em todo o planeta.

Para termos uma esquálida - e, mesmo assim, enigmática - ideia da devastação que pode se abater sobre o mundo, do início deste ano até o final de março, a peste do leste já se estendeu a mais de 150 países e a cinco continentes, infectou mais de 450 mil pessoas e interrompeu perto de 24 mil vidas.

Não bastasse isso, ameaça destroçar a economia mundial com violência sem precedentes. Não faltam estimativas quanto ao montante dos estragos, como essas sobre a queda do GDP americano:
- Bank of America - 12%
- Goldman Sachs - 24%
- JP Morgan - 14% e
- Morgan Stanley - 30%.

Para o PIB do Brasil, de 35 instituições que apresentaram projeções, apenas 5 apostam em um número positivo (entre 0,3 e 0,7), três cravam zero e as demais 27 oscilam entre – 0,3% e – 3%. Ou seja, se é possível confiar em alguma coisa, é na incerteza, no risco e no pessimismo.

É costume exigir dos governos as soluções para as grandes crises, porque os indivíduos, paradoxalmente, embora não gostem de políticos, acreditam que os governos têm sempre boas intenções e que podem fazer mágicas na economia para conduzir todos ao Éden.

Esses truques consistem em inflar a demanda pela imposição de uma verdadeira olimpíada de estímulos, a saber, qual banco central é mais rápido em martelar artificialmente a taxa de juros para baixo, que governo arremessa mais longe os seus gastos, quem é melhor em despejar moeda sem lastro do alto, etc.

Isso já vem acontecendo desde o início de março. Nos Estados Unidos, o Fed reduziu a faixa das taxas de juros de entre 1% e 1,25% para entre zero e 0,25%, o maior corte desde 2008; injetou US$ 1,5 trilhão em liquidez no sistema bancário; comprou US$ 1,2 trilhão em títulos; baixou a taxa de redesconto de 1,5% para 0,25% e reduziu os requisitos de reserva para zero, ou seja, acabou com todo e qualquer resto de lastro. Do lado fiscal, o governo também tomou medidas muito fortes, como uma lei para aumentar os gastos em US$ 8,3 bilhões; a decretação de estado de emergência para liberar a distribuição de até US$ 50 bilhões em ajuda a estados, cidades e territórios; ajuda ao exterior; a proposta de um novo pacote de estímulo de cerca de US$ 1 trilhão.

O Banco Central Europeu (BCE), que desde 2019 já reduzira a taxa de juros abaixo de zero para prevenir uma recessão esperada, também anunciou medidas de estímulo, como aumentar em US$ 128 bilhões as compras de títulos em 2020 e afrouxar as exigências de capital dos bancos. Medidas semelhantes vêm sendo adotadas na Austrália, na China, em Hong Kong, na Coreia do Sul, Reino Unido, França, Itália e Japão.

E até a equipe econômica do governo brasileiro, a mais liberal de nossa história, seguiu, embora certamente com alguma contrariedade, a toada: liberação de compulsório para bancos proverem liquidez às empresas (R$ 200 bilhões), empréstimos do BNDES e Caixa (R$ 150 bilhões); liberação de recursos ao Ministério da Saúde; postergação de impostos; antecipação de abonos salariais e benefícios para aposentados (R$ 150 bilhões). Em poucos dias, R$ 500 bilhões despejados na economia!

Além disso: auxílio a informais (R $50 bilhões) e empréstimos em folha de pagamento (R$ 50 bilhões); transferências mensais de R$ 600 para 38 milhões de pessoas; complementação de parcelas de salários que as pequenas empresas não puderem pagar;
empréstimos na folha salarial. Como disse o ministro Paulo Guedes no final de março, “o pacote atual é de mais ou menos R$ 750 bilhões, e ele pode aumentar se for necessário”. E prosseguiu: “Vamos gastar de 4,8 a 5,0% do PIB esse ano”.

Nessa combinação de keynesianismo econômico com o autoritarismo provocado pelas providências de confinamento que vêm sendo adotadas pelos governos em escala mundial, duas perguntas são relevantes: (a) essas medidas estão corretas? e (b) supondo que sejam, serão suficientes?

O comunavírus

Admitindo – para evitar que o artigo fique quilométrico - que as respostas a ambas sejam positivas, vamos formular então a seguinte:

Quais os perigos desse aumento sem precedentes da coerção do Estado nas nossas vidas?

O momento exige a maior serenidade possível, porque, embora saibamos que o vírus chinês não gosta de brincadeiras, não podemos perder a cabeça e o controle da situação, sob a pena de transformarmos as vidas de todos em um suceder de atos servis, em uma lista de afazeres ditada diariamente pelo governo.

Qualquer cidadão que preze a liberdade não pode deixar de manifestar perplexidade diante da quantidade de ações de natureza autoritária e populista que espocam diariamente nas mídias de informação, por parte de prefeitos, governadores, políticos e membros do Judiciário, sempre com o apoio quase irrestrito da imprensa tradicional. É uma saraivada de comandos e ordens do Estado aos cidadãos que nunca se imaginava acontecer em nosso país e é notório que muitos estão procurando tirar proveito político da pandemia para minar o governo e afastar o presidente, seja por razões ideológicas ou simplesmente para afastá-lo da eleição de 2022 e apresentarem-se como candidatos. E o jogo dessa gente é sujo, muito sujo, mesmo levando-se em conta que a atividade política, desde os tempos mais remotos, não pode ser caracterizada propriamente como atos de santidade, porque visa ao poder que – se espremermos bem o limão -, é a dimensão política do axioma da ação humana.

Com efeito, temos assistido perplexos a um desfile de arbitrariedades e propostas de mais arbitrariedades repletas de boas intenções (tenho dúvidas) e, principalmente, de populismo barato e ideologia camuflada. Vou citar algumas, dentre inúmeras outras de teor semelhante:

- quarentena horizontal – fechamento de comércio - detenção de pessoas que se recusam a obedecer a governadores e prefeitos - ameaças de todos os tipos a quem discordar - invasão de estabelecimentos comerciais por policiais - confisco de mercadorias “para servir ao bem comum” – prefeitos bloqueando acessos a suas cidades e governadores a seus estados - controles e congelamentos de preços e aluguéis - propostas de imposição do IGF (imposto sobre grandes fortunas) - bloqueio de estradas - proposta de taxação de 10% do lucro de empresas com capital igual ou maior a R$ 1 bilhão – proposta de estatização de todos os hospitais privados do país – respaldo do STF a medidas desse tipo – imprensa tradicional incutindo pavor e pânico 24 horas por dia e apoiando as medidas autoritárias – permanentes bombardeios ao Executivo desferidos pela imprensa e pelos outros poderes, com objetivos pouco disfarçados de desestabilizá-lo – rebelião de alguns governadores e prefeitos.

No exterior, não tem sido diferente. Dois casos chegam a chamar a atenção por sua bizarrice: o primeiro no Panamá, onde o governo impôs um “rodízio de gênero”, em que os homens só podem sair de casa nas segundas, quartas e sextas, as mulheres somente nas terças, quintas e sábados e, nos domingos, nem homens e nem mulheres podem deixar suas casas. E o segundo na Colômbia, onde a agência de saúde do governo aconselhou a masturbação como forma de minorar os efeitos da quarentena...

As raposas autoritárias, como vemos, estão saindo rapidamente de seus esconderijos e avançando sobre nossas galinhas. O direito de propriedade, uma instituição fundamental da economia de mercado, está sendo ameaçado e desrespeitado; o direito à liberdade, seja a econômica, seja a de ir e vir e até mesmo a de se expressar, também está sendo agredido; E o direito mais importante de todos – que é o direito à vida – está visivelmente servindo de pretexto para a imposição de agendas autoritárias muito perigosas. Podemos dizer que a impressão é que estamos na porta de entrada do totalitarismo mais descarado.

Costuma-se defender essa onda autoritária argumentando que vai se limitar à emergência da situação e que, uma vez passada, tudo retornará ao que era antes.

Não podemos ter certeza de que vai ser assim! A história da civilização já é suficientemente longa para mostrar que o poder costuma tirar proveito de todas as crises, porque é durante elas que o seu avanço não encontra grandes obstáculos, e tem mostrado também que, uma vez aumentado, nunca retorna ao ponto inicial. Em outras palavras, o poder discricionário do Estado morre de amores pela continuidade e odeia a brevidade. Entretanto, quando se trata de desonerar e reduzir alíquotas de impostos, o que vem sendo obrigado a fazer pela pandemia, ele adora ter um romance efêmero com a brevidade...

Existe – e não podemos ser tolos a ponto de negar – o perigo de um estado de exceção aguçado por razões de saúde passar para um estado de exceção motivado por saques, protestos e levantes sociais. Isso impediria, ou na melhor hipótese, atrasaria a restauração completa das liberdades que os governos nos estão suprimindo. A pior das pandemias é a dos estados totalitários.

Nem vou mencionar os projetos criminosos da eternamente rupestre esquerda de implantação do socialismo, que está estimulando o facho totalitário dos malucos de sempre. Por isso, finalizo com uma advertência: quem trabalha, produz e não abre mão de ser livre tem que se manifestar desde já, para que fique bem claro que ninguém que tenha a cabeça no lugar admite qualquer tipo de totalitarismo no Brasil.
 

*Publicado originalmente no blog do prof. Iorio

 https://www.ubirataniorio.org/index.php/artigo-do-mes/394-abr-2020-coronavirus-e-comunavirus

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