Percival Puggina
15/02/2022
Percival Puggina
Uma fábula de verão, porque haverá outubro e haverá primavera.
Há exatos 10 anos, escrevi um artigo cujo título era, “No gueto, pensando”. A partir de 2015, porém, senti estar sendo alforriado. Conservadores e liberais haviam criado os próprios espaços, os que éramos poucos nos tornamos muitos, muitos. De repente, fomos 47 milhões e vencemos a eleição de 2018.
Naquele exato momento, vivemos o êxtase, mas realizamos o intolerável. Mobilizou-se o mundo das sombras. Acordamos as potestades do Averno. Foi tudo muito rápido. Agora, nos vemos de novo no gueto, contidos num sítio existencial bizarro, cujos muros são tão invisíveis quanto sensíveis, dentro dos quais vamos minguando em cidadania e sendo suprimidos, até mesmo, do direito de expressar opiniões. Estamos sitiados pelo Congresso, pelas altas Cortes, pela mídia que se abastardou, pelas “diretrizes da comunidade” nas plataformas das redes sociais.
A caçamba e a corda foram recolhidas. As instituições jazem no fundo do poço do descrédito. Do ministro do STF ao camarada jornalista, do ex-presidente descondenado ao aluno que agride a professora, a noção de limites foi perdida. Mas não te passe pela cabeça, leitor, apontar causas para o que vês acontecer! Acabarás no gueto. O mundo das sombras veio às claras e te cobra total submissão.
Diariamente nos é ensinado que para não se dar mal, conservadores e liberais precisam reconhecer-se responsáveis por todos os males. Dizer que foi nosso mundo que gerou a crise. Podemos criticar a corrupção, mas esse é o limite. Apontar suas causas e causadores é perigoso! Os que comandam fora do gueto esperam que concordes quando dizem que as instituições funcionam bem, que corrupção sempre existiu e é igual em toda parte; esperam que aceites que ser corrupto é mal muito menor do que ser conservador, ou liberal. Eles não toleram os vocábulos "verdades", "princípios" e "valores". Aprende: no Brasil deles, é mais seguro entrar para o mundo do crime do que ser coerente e emitir opinião. O caminho dos princípios acaba no gueto.
Quem propuser algo de fato relevante perderá importância. Observa os partidos políticos, por exemplo, e se não quiseres ir para o gueto, faze como eles. Aprende a ser irrelevante. Quanto menos cada cidadão for, daquilo que deveria ser, quanto menor o conteúdo, mais importante será. Pode acabar numa tribuna. Ou de toga. Por isso, os partidos e os poderes de Estado estão fora do gueto. Mas o presidente está dentro, claro.
A coerência torna-se vício constrangedor. Sê incoerente e o STF te sorrirá. O mundo que o gerou, vê o sujeito coerente como antissocial, objeto de ameaças e maledicência. Se não quiser vir para o gueto, livre-se ele de suas convicções. É óbvio que para o mundo das trevas este país passa muito bem com pouco ou nenhum caráter, sem fé religiosa de qualquer espécie (à exceção da fé no grande demiurgo de Garanhuns). Sê fiel na igrejinha do politicamente correto, do pensamento fraco, onde a mentira deslavada se chama narrativa. É óbvio. Para um país ser como querem é preciso expurgar a virtude. Há que trancar a nação inteira no gueto, se necessário, para os arranjos do poder.
Contudo, não! Essa fábula abjeta que descrevi não é o Brasil e a nação não será protagonista desse desastre multidimensional. O gueto é muito maior do que seus criadores. O pai da mentira não reinará entre nós.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
13/02/2022
Percival Puggina
Na última sexta-feira (11/02) eu estava no estúdio da Rádio Guaíba, em Porto Alegre, participando do programa Bom Dia Brasil, quando Damares Alves foi entrevistada pelo jornalista Júlio Ribeiro. A ministra falava de Brasília, mas o programa é transmitido também, por imagem, através de redes sociais.
Nunca havia conversado com ela, mas acompanho a atividade de Damares Alves há muitos anos. Hoje ela é titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, onde desempenha excelente trabalho. Afirma, fora de toda dúvida, que os maiores problemas da pasta estão relacionados à violência contra a mulher e a abusos contra a infância, incluindo gravidez precoce, “que não é uma pauta moral, mas de saúde pública” e que “quando desce para 14 anos é crime”.
O mundo cinzento, enfermo, sofrido e compartimentado em que se concentram as ações do seu ministério fornece inesgotável conteúdo para filmes de terror. Nele, miséria material se funde com miséria moral, com depravação, violência, dependência, abandono, conivência, droga. Por vezes, essas portarias do inferno aparecem na grande mídia, mas nunca, nunca suscitam conteúdos que estabeleçam as necessárias relações de causa e efeito. A lista é imensa, a começar pelo pacote de males que decorrem dos maus tratos das contas públicas. Sublinhem-se, aí, a corrupção e os privilégios que conferem à improdutiva economia de Brasília o maior PIB per capita do país. Há um Brasil rico perto do poder e um pobre longe dele.
Seria exaustivo escrutinar aqui o pacote inteiro: educação de má qualidade e reduzido valor do trabalho humano; propaganda aberta do uso de drogas nos meios culturais (a moda, agora, é exibir pais drogando-se “recreativamente” junto com os filhos); glamourização do mundo do crime; depreciação do valor da instituição familiar, confinamento da religiosidade, violência e abuso contra mulheres e crianças; famílias monoparentais; erotização precoce, gravidez precoce e prostituição infantil. Somem-se a isso leis penais brandas elaboradas por parlamentos coniventes e leniente ativismo judicial.
Por mais que os reitores da opinião pública nos grandes meios de comunicação, nos ambientes culturais e intelectuais rejeitem o simples uso da palavra “moral”, em notável evidência de que a perderam, é impossível negar a desordem moral subjacente a tais questões.
Assim, enquanto ouvia a ministra falar, veio-me com clareza a ideia da importância histórica de Damares Alves (indignem-se os esquerdistas!) para a conscientização dos conservadores no Brasil, para a erupção política de Jair Bolsonaro e para o resultado eleitoral de 2018. Anos antes daquele pleito, ela agiu muito e de modo eficientíssimo para que milhões de brasileiros percebessem as causas do despenhadeiro para onde, arrebanhada, a nação era conduzida.
Quem quiser saber o valor de seu trabalho basta observar a cortina de silêncio com que a mídia militante a envolveu. Mesmo assim, cancelada pelos grandes veículos, seis estados da Federação a querem como sua senadora.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
11/02/2022
Percival Puggina
No princípio era a Palavra, e Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus. (João 1:1)
Poucas coisas me incomodam tanto quanto ouvir que “palavras não adiantam nada, não resolvem o problema brasileiro”.
Acabei de ler algo assim. Olho para os livros que me envolvem cá onde trabalho. Milhões de palavras produzidas por pessoas que passaram suas vidas dedicadas a escrevê-las! Entre eles, alguns livros volumosos, encadernados, com obras primas da retórica universal. Palavras que impulsionaram ações que barraram o desastroso caudal por onde a civilização era arrastada. Obras que integram os anais do tempo em que foram escritas.
Diferentemente do que afirmam aqueles que recusam às palavras o devido valor, foi o silêncio que nos trouxe até aqui.
Foi o silêncio omisso dos que ficaram em casa, dos que permaneceram no sofá de sua cômoda omissão.
Foi o silêncio dos que poderiam ter falado, contestado, protestado, mas sequer tinham algo a dizer porque deixaram sua cidadania no canto mais inacessível da mais empoeirada prateleira.
Foi o silêncio dos que, nos parlamentos e nas cortes só falam quando as palavras fogem da verdade e tilintam como moedas.
Foi o silêncio daqueles cujas convicções se intimidam diante de pesquisas de opinião e aceitam o cabresto do consórcio das empresas de comunicação, organizado exatamente para isso.
Foi o silêncio, também, daqueles cuja ignorância é filha da miséria e simplesmente não entendem porque lhes foi tomado o direito de entender.
Pergunto: será destes últimos, destes desditosos irmãos nossos, que vamos cobrar quaisquer desastres que suas decisões de voto causem à vida nacional? Como ousaremos fazê-lo?
São os conectados, os modernos argonautas da Internet, que abandonam a missão no meio do caminho e nada levam adiante se isso exigir empenho ou contiver a simples ideia de renúncia ou sacrifício.
Querem que outros “resolvam”, que outros repreendam seus congressistas, que outros se exponham aos riscos de suscitar a incontida ira dos tiranos. Enquanto perseveram na mais amorfa das simpatias, esperam que outros, que todos os outros, conscientizem seus familiares, vizinhos e amigos. Quando não, querem terceirizar aos demais as ações, os trabalhos e os riscos perante o presente e o futuro.
Martin Luther King, num de seus discursos, sentenciou: “No final, não nos lembraremos das palavras dos nossos inimigos, mas do silêncio dos nossos amigos.”
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
09/02/2022
Percival Puggina
A manifestação de um “influenciador” digital dizendo-se favorável à criação de um partido nazista causou surpresa e justa indignação. Quando algo assim acontece, retoma-se, simetricamente, o tema da legitimidade ou não da existência de partidos comunistas no Brasil e a circulação de seus símbolos.
A simetria se aplica ao caso. As duas doutrinas e os regimes delas derivados são genocidas. Causaram terríveis sofrimentos à humanidade quando alcançaram o poder. São contra e atuam contra direitos fundamentais da pessoa humana. Na semana passada, em Curitiba, liderados por um vereador do PT, portando bandeiras de um partido comunista, baderneiros invadiram a igreja do Rosário durante a celebração da missa.
Dá-lhes poder e logo verás os resultados.
Países que viveram sob o comunismo proibiram a exibição de seus símbolos. Entre eles, nomeadamente, Hungria, Letônia, Polônia, Lituânia, Ucrânia, Geórgia, e Moldávia. Na Polônia, até camisetas de Che Guevara são proibidas.
Em agosto de 2020 circulou na Internet que “Os Estados Unidos proíbem filiados de partido comunista ou de qualquer outro partido totalitário de obterem residência no país”. O fato causou reboliço e alguém pediu à Lupa (agência verificadora, ou de fact checking) que averiguasse a autenticidade da informação. A Lupa retornou pela tangente. “Verdadeiro, mas...”, carimbou na matéria. Em resumo, a informação é verdadeira, mas não recente, como dava a entender a notícia.
Ou seja, não era bem assim, era pior. Acontecera que, poucos dias antes, o Serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos emitira uma nota relembrando o teor da Lei de Imigração e Nacionalidade, vigente desde 1952. Quem redigira a informação tomara o lembrete como se fosse norma nova.
Em relação à sua segurança interna, os Estados Unidos não são bobos há muito mais tempo. Por isso, os comunistas lá nativos percorrem o caminho da tomada, por dentro, dos espaços culturais, como tão bem observou – com razão – o Olavo de Carvalho. Daí para o poder político há um caminho curto e indolor. É o que acontece, de modo sistemático, em todo o Ocidente. Mas este é outro assunto.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
06/02/2022
Percival Puggina
A aparente contradição entre a fé e a razão suscita um debate que – mais do que recorrente – tem sido permanente nos últimos três séculos da história. Durante todo esse período, assim como houve quem lesse a Bíblia como um livro científico, houve quem lesse os livros da ciência como obra revelada e nesse teimoso engano abriram-se trincheiras que ainda hoje persistem em mentalidades mais renitentes. Contudo, a verdadeira fé, por ser ato humano, não prescinde da verdadeira razão.
Que a Bíblia não é um livro científico parece mais do que evidente. E que a razão e a observação – a testa e o tato – não são as vertentes definitivas do que é verdade ou verdadeiro, deveria ser igualmente óbvio. Conforme Karl Popper (um agnóstico que não pode ser apresentado como defensor da religiosidade), nossos sentidos costumam nos iludir, as verdades científicas são sempre hipóteses provisórias e acreditar que a razão produz a verdade é outra espécie de fideísmo (qualquer bom filósofo sabe o quanto a razão conduz a paradoxos).
A dimensão religiosa é natural à pessoa humana, assim como o são, entre outras, as dimensões artística, moral, econômica e política. Qualquer uma delas pode ser desenvolvida ou não e o fato de perder impulso no transcurso da existência de algumas pessoas não significa que tenha deixado de existir. Por isso, o fenômeno religioso é presente em todos os povos e épocas. Há dezoito séculos, Plutarco já sustentava: “Podereis encontrar uma cidade sem muralhas, sem edifícios, sem ginásios, sem leis, sem moeda, sem cultura das letras. Mas um povo sem Deus, oração, juramentos, ritos, tal nunca se viu”. Todo conhecimento antropológico posterior veio corroborar essa observação, assim como veio comprovar a preeminente posição da religiosidade em todas as culturas.
Joachim Wash, em seu Estudo comparativo das religiões, ensina que a experiência religiosa é uma resposta do homem à realidade última das coisas, a qual se expressa num Ser superior, transcendente e, todavia, susceptível de relacionar-se com ele; que orientar-se para esse Ser exige do homem uma resposta total e que dele aproximar-se constitui uma experiência inigualável, criativa e transformadora.
A naturalidade da dimensão religiosa jamais oblitera e ressurge, inclusive, nas explicações redutivas, de cunho científico, que a pretendem suprimir. Em todas há uma fé (ainda que na matéria, na natureza, no próprio homem, nas leis econômicas, no valor da sensualidade, na política, etc.) e, consequentemente, em todas há uma doutrina inquestionável e alguma forma de culto. Por isso, Max Scheler, não sem alguma ironia, afirma ser impossível se convencer alguém de que Deus existe pela mera razão. Mais fácil, constata ele, é mostrar que essa pessoa colocou algo no lugar de Deus: a si mesmo, a riqueza, o poder, o prazer, a beleza, a ciência, a arte, etc.. De fato, é curta a distância, mas há um abismo qualitativo entre o amor a Deus e a idolatria.
Dada a naturalidade do fenômeno religioso e da dimensão religiosa do ser humano, recusá-las é negar realidade ao próprio ser. E isso é uma forma de alienação. Como a vida se encarrega de evidenciar, se adotamos a Razão por fonte única da verdade, deixamos o homem sem possibilidade de resposta para as maiores questões de sua existência – tais como o sofrimento, o amor, a esperança, a morte e a própria finalidade da vida – que não se resolvem no plano da razão ou no dos sentidos. Ignorá-las, como tantos ensaiam fazer, é pura e simples alienação.
Plutarco: De natura deorum, citado em Religião e Cristianismo (ITCR PUCRS)
Karl Popper: conforme citado por Vitorio Messori em Pensare la Storia.
Max Scheler: resumido da citação feita à obra Vom ewigen im Menschen, em Religião e Cristianismo (idem).
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
03/02/2022
Percival Puggina
A ideia de que a polarização faz mal à política e ao país nasceu no mesmo dia em que a esquerda perdeu as eleições nacionais de 2018; foi parida em berço petista e se tornou peça retórica para transmitir a impressão de que a vitória dos conservadores deteriorou a política, transformando-a numa guerra.
Não chega a ser surpreendente que o estratagema tenha integrado o discurso do ministro Fux ao abrir os trabalhos do ano judiciário. Em sua fala, o ministro afirmou que “a democracia não comporta disputas baseadas no ‘nós contra eles’” e que “todos os concidadãos brasileiros devem buscar o bem-estar da nação, imbuídos de espírito cívico e de valores republicanos” (palmas do auditório).
Contudo, se dermos uma olhada para traz, o “nós contra eles” saiu da boca de Lula e instigou as sucessivas vitórias do PT. Alias, para a esquerda, desde todo sempre, a política foi assim. Mesmo em regimes totalitários, de partido único, há uma política e ela se faz contra “eles”, os que vão para as covas rasas, ou para os gulags, ou para os cárceres.
Nas democracias, principalmente naquelas em que a sistema de governo é presidencialista, toda eleição majoritária é disputada entre um conjunto “nós” e um ou mais conjuntos de “eles”. Dada a magnitude das divergências ideológicas, torna-se difícil imaginar-se, hoje, uma eleição não polarizada.
O próprio STF, quando se forem renovando os ocupantes das cadeiras, também se irá polarizar e essa polaridade se fará notória, motivando grande júbilo nacional. A ampla maioria esquerdista ali formada já deixou bem clara sua animosidade em relação à maioria conservadora da sociedade brasileira.
Colegas do presidente do Supremo, em excessivas, abusivas e perturbadoras manifestações, não escondem o antagonismo ao presidente da República e, por via de consequência, a seus apoiadores. Quantas vezes “milícias” e seus derivados são palavras pronunciadas por membros da Corte? Não surpreende, por isso, que tais cidadãos sejam “eles” para muitos ministros e que esses ministros sejam “eles” para os mesmos cidadãos que se veem injustamente atingidos.
Por fim, é bom lembrar que no caso brasileiro saímos de uma hegemonia política – de um monopólio esquerdista, poderíamos dizer – para uma polarização que, vista a situação anterior, se revela muito, muito saudável.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
02/02/2022
Percival Puggina
A muitos pareceu natural o comparecimento da ministra Cármen Lúcia ao encontro de feministas na casa de Marta Suplicy. O evento, como se sabe, tinha a finalidade de propor pautas feministas aos candidatos à presidência da República. Presentes, entre outras, a senadora Simone Tebet (pré-candidata do PMDB), a deputada Gleisi Hoffmann (presidente do PT), Patricia Vanzolini (presidente da OAB-SP), Anielle Franco (diretora do Instituto Marielle Franco), Carmen Silva (líder do Movimento dos Sem-Teto do Centro), Preta Ferreira (artista e ativista). Não, a ministra Damares Alves não foi convidada.
A mim, isso não parece natural. O acúmulo de funções, associado à crescente exposição pública e protagonismo multiforme, age contra a imagem da Suprema Corte.
O STF é o topo do Poder Judiciário nacional. Seus membros cumprem funções de corte constitucional. São tribunal penal para julgamento de crimes cometidos por quem tenha foro privilegiado. Imoderados, assumem-se como suposto “poder moderador” da República. Heranças do petismo!
Tem mais. Diante da dificuldade de se formar maioria para qualquer coisa num Congresso com 24 partidos, os ministros viraram “parlamento paralelo”, ou “legislativo recursal”, onde deputados e senadores buscam entre os 11 as maiorias que não conseguiram de seus plenários. Individualmente, opinam sobre tudo e se veem, de modo crescente, como pedagogos sociais, pregando em eventos suas visões de mundo, de história, de pessoa humana, de sociedade, etc..
É excessivo, não tem como dar certo! O Congresso deveria reduzir-lhes as atribuições. Por exemplo, retificar a Constituição, determinando que os processos de quem tenha “foro especial por prerrogativa de função” sejam julgados nos andares inferiores do Judiciário, limpando-se, assim, as prateleiras onde hoje aguardam prescrição. Por exemplo, também, determinar que o Superior Tribunal de Justiça, com seus 33 ministros, sua Corte Especial, seções e turmas especializadas, seja o “juízo final” de todos os processos. Bye, bye quarta instância!
Ministros do STF deveriam encerrar suas atuais carreiras como pedagogos sociais voluntários, como ativistas, e se espelharem nos colegas da Suprema Corte dos EUA (uma dentre tantas outras com conduta e exposição pública contida e discretas no agir). É nos autos dos processos que a sociedade deve “ouvir” seus ministros.
O Congresso Nacional, por seu turno, precisa pensar menos em reeleição e mais no interesse nacional, pondo fim a essa balbúrdia que se formou nas instituições do país. Balbúrdia que o ministro Barroso saudou como o longo período de estabilidade que sobreveio à proclamação da Constituição de 1988. Dá-me forças, Senhor!
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
31/01/2022
Percival Puggina
O presidente cumpriu o que dissera: não atende mais determinações do ministro Alexandre de Moraes. Ao considerar extemporâneo o pedido da AGU para que o presidente, em vez de comparecer à delegacia como estabelecera o ministro, se manifestasse por escrito, Alexandre dobrou a aposta. Bolsonaro, por sua vez, dobrou também, silenciando.
Que outras fichas tem o ministro para pôr sobre a mesa? Os colegas do Pleno. Irão cobrir a aposta dele e ordenar o comparecimento do presidente a uma delegacia?
Há alguns meses, isso não surpreenderia. Hoje, não sei não. Esse é um jogo que roda sob os olhos da sociedade e esta já percebeu o empenho com que o ministro e a maior parte de seus colegas dão curso à tarefa de destruir a harmonia entre os poderes e desestabilizar o governo.
“Tanto vai o cântaro à fonte que um dia lá se quebra”, diz um bem aplicável provérbio. A fúria persecutória contra o presidente da República e seus apoiadores se tornou tão evidente que ele, tudo indica, resolveu dar um basta. De fato, quando se pensa em todas as violações do sistema acusatório que vigem em inquéritos abertos dentro do STF e se percebe o quanto esses inquéritos são pernetas, puxando sempre para o mesmo lado, não há como a sociedade não se escandalizar.
Enquanto os dias passam, olho para o Senado e percebo que o Senado não olha para mim. Nem para você, leitor. O Senado olha para os senadores e estes só atentam para si mesmos. Com a mais generosa boa vontade, as exceções a esse quadro egocêntrico não chegam a vinte.
Eis uma das grandes missões da ação política em favor do Brasil ao longo deste ano eleitoral. Vinte e sete senadores serão escolhidos pelos eleitores no primeiro domingo de outubro. Cada estado deve passar um pente fino na atuação dos que se apresentarem buscando renovar os mandatos. É preciso conhecer e tornar conhecidas, entre outras, as respectivas posições em relação à CPI da Lava Toga, à CPI da Covid, à prisão após condenação em segunda instância, à governabilidade do país, ao pacote anticrime.
A rigor, toda a insegurança jurídica causada por excessos monocráticos e colegiados do STF, apontados por Marco Aurélio Mello quando ministro, podem ser atribuídos ao desequilíbrio causado pelas décadas em que coube à esquerda política (mais precisamente a José Dirceu) apontar ao Senado os ocupantes dessas cadeiras. Agora, é o que temos, um poder de estado fazendo política sem voto.
Deveria ser tarefa de gincana encontrar um esquerdista, investido de autoridade, que se mantenha dentro de seu quadrado.
Para o Senado, diferentemente do Supremo, a vida segue outro curso. Nossa Câmara Alta é um poder cujos membros se submetem à manifestação periódica de seus eleitores. Então, em outubro, sela-se o destino de 27 senadores. Salvem-se os raros bons e renovação já! Os restantes 54 entram na contagem regressiva para 2026. Também a estes deve ir o recado dos cidadãos de seus Estados. É a hora da cobrança, da revisão de vida, do respeito ao eleitor, da transparência das condutas. Hora de compreender que dirigir é servir.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
29/01/2022Percival Puggina
Assim como há escritórios de advocacia que só atuam perante o Supremo Tribunal Federal, existe em Brasília um partido político que, como tal, faz política perante o STF. É a Rede, ou, com nome e sobrenome, a Rede de Sustentabilidade.
Foi a partir de mais uma ação impetrada pela Rede que veio a determinação para que os MPs estaduais, através de seus membros, atuem no sentido de fiscalizar a vacinação infantil contra Covid-19 e impor sanções aos pais que não vacinarem suas crianças com mais de cinco anos.
Parece-me que essas autoridades não entenderam a natureza do problema. Para elas, pais que se recusem a vacinar seus filhos, ou são ignorantes e precisam da ação do Estado, ou são relapsos e precisam de sanção, ou estão em desprezível atitude político-ideológica e não merecem respeito algum.
O ECA é uma lei de 1990. Tanto o Estatuto quanto o leitor destas linhas quando falam em vacinação infantil têm em mente doenças graves, entre as quais algumas típicas dessa faixa etária, como coqueluche, rubéola, poliomielite, etc. São as vacinas benditas, eficazes, realmente imunizantes, largamente testadas. De fato protegem a saúde das crianças imunizando-as. Não as expõem ao risco de efeitos colaterais desconhecidos e surpreendentes. Não são de uso emergencial e experimental (conclusão estimada para o ano de 2026), com bulas em frequente alteração. No caso da vacina contra a Covid-19, temos uma doença que não é tipicamente infantil. O número de casos é proporcionalmente muito inferior ao da população adulta. Tudo isso gera insegurança.
É um equívoco gravíssimo aplicar a esses pais competência constitucional do MP utilizada para atos gravíssimos, como abuso sexual e violência doméstica. Estamos tratando, aqui, de vacina experimental e emergencial!
Ouvi de vários pais as palavras insegurança e incerteza, em misto com o temor da doença. São esses sentimentos reais e contraditórios que suscitam neles sinceras dúvidas. São pais responsáveis, zelosos e preocupados sobre como proceder para o melhor bem de seus pequenos. Esses genitores em nada se assemelham aos fantasmas que povoam a mente de algumas autoridades no Brasil real. Autoridades, aliás, tão possuídas por seu próprio poder que deixaram de lado sentimentos como empatia e compaixão. Trocaram a espada da Justiça pela chibata dos verdugos? É isso?
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.