NO VELÓRIO DA OPOSIÇÃO
Ensopei o lenço. Engasgo-me em soluços. A oposição brasileira morreu, coitada. Falência múltipla de órgãos. Foi encontrada num terreno baldio, tendo um cusco sarnento como solitária e silenciosa testemunha. A notícia ainda não alcançou as redações e, por isso, somos poucos os que estamos inteirados dessa perda, que não chega a ser grande, porque a falecida já definhara, mas é triste. Gente fina, a oposição. Eu gostava dela. Mas que se há de fazer? Agora é ver se encontramos, para os ofícios de praxe, um padre ou bispo que não vá xingar a defunta de neoliberal.
Era previsível. Resistir à concentração de poderes que gravitou em torno do carisma de Lula era coisa para pouca gente. A história fornece exemplos assim, nos quais o governo alcançou tal popularidade que se permitiu todas as demasias. E a massa foi tão conivente que a oposição sucumbiu. O fato de que, com esse passamento, tenha sumido também a democracia foi um detalhe cuja relevância depende do ponto de vista perante a história. Muitos italianos, alemães e venezuelanos ficaram felizes quando isso aconteceu. Depois foi o que se viu. Lula, por exemplo, julga ter convivido com uma oposição feroz, implacável, inimiga da pátria como nunca antes neste país. Não tem espelho em casa, o Lula. Vai mandar uma caçamba com terra para ajudar no sepultamento.
Estão com o governo - conte aí nos dedos, leitor - os banqueiros e os bancários. Pode? Os empreiteiros e os operários. Os professores e os alunos. A esquerda e a direita vendida. A turma do Bolsa Família e a turma da bolsa Louis Vuitton. Os mais ferrenhos inimigos da Igreja e a CNBB. O materialismo histórico e o marxismo santarrão. Estão com o governo, até mesmo, os sempre inconciliáveis integrantes da cozinha dos meios de comunicação (ali onde opera o esquerdismo das sutilezas, inculto mas militante e vigilante) e os donos de influentes empresas do setor. Estão com o governo os petistas mais austeros. Falo daqueles de cenho cerrado, que sequer se permitem rir porque o riso é expressão de alienação burguesa, que quando falam em ética fazem tremer os lustres, lançam chispas pelos olhos e ganham aquele tom arroxeado, prenúncio de vulcânicas erupções de moralidade. Paradoxo: se olharem ao redor, esses moralistas de microfone reconhecerão, como parceiros, todos os políticos cuja ficha, digamos assim, não sai limpa nem de um tanque com creolina. Estão com o governo os grandes e os pequenos interesses. Está com o governo a massa de prefeitos e de governadores, ávida pelas migalhas que caem da mesa do poder.
Bom, eu cansei de avisar. É de uma imprudência inconcebível colocar nas mesmas mãos a chefia do Estado, do governo e da administração. É uma temeridade conferir a essa mesma pessoa a iniciativa exclusiva em relação às leis mais importantes, o direito de emitir medidas provisórias, a indicação de ministros aos tribunais superiores. É loucura proporcionar-lhe 65% por cento do bolo tributário, a liberação de emendas parlamentares (mecanismo usado para gratificar o adesismo congressual), a autorização para operar emissoras de rádio e tevê e, a par disso, as maiores verbas publicitárias do país. Não existe um único mal intencionado que admita viver longe desse poder e grana! Juntos nos governam, sem oposição. E 43 milhões de eleitores, à luz de velas, sem rumo cívico, pranteiam a falecida.
Zero Hora, 21/11/2010