Percival Puggina

05/11/2012
Até os índios kaiapó, às margens do rio Iriri, sabem que o mensalão aconteceu. Sabem que foi uma trama criminosa, montada para corromper partidos políticos e deputados e, com isso, alinhavar maioria parlamentar na Câmara dos Deputados. O próprio Lula perfilou-se entre os primeiros a admitir a natureza criminosa dos fatos. Lembro muito bem disso porque o reconhecimento se deu em cadeia nacional de rádio e televisão. Resultou inesquecível a cena, tendo como palco o ato de abertura da reunião ministerial do dia 12 de agosto de 2005. Nessa fala, o ex-presidente disse: a) que se sentia traído por práticas inaceitáveis; b) que nunca teve conhecimento dessas práticas; c) que por ser o primeiro mandatário da nação, era seu dever zelar pelo Estado de Direito; d) que o Brasil tinha instituições democráticas sólidas e que o Congresso e o Judiciário estavam cumprindo a sua parte; e) que a Polícia Federal estava investigando a fundo todas as denúncias; f) que determinou, desde o início, que ninguém fosse poupado, pertencesse ao PT ou não; f) que não tinha qualquer vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas e explicitou esse nós afirmando que o PT tinha que pedir desculpas e que o governo, onde errou, tinha que pedir desculpas; h) que o povo brasileiro não podia estar satisfeito com a situação que o país estava vivendo. Quem quiser voltar a assistir essa fala, procure no youtube por Lula pede desculpas pelo mensalão. Depois disso, seguiram-se investigações com o rigor anunciado, tanto na Polícia Federal quanto nos demais órgãos do Estado, notadamente Banco Central, Receita Federal, Controladoria Geral da União e Ministério Público Federal. O volumoso processo caiu em mãos do STF e ali foi escrutinado por uma legião de técnicos e, por fim, pelos próprios ministros, como bem pudemos assistir. Nós, eles, e os índios Kaiapó. Ao fim e ao cabo, o que se ficou sabendo era, em tudo, bem mais volumoso e grave do que o contido nas estudadas manifestações do deputado Roberto Jefferson. Aquelas instituições que Lula elogiava enquanto se declarava vítima de uma traição, foram fazendo, com rigor, o que lhes competia. Ele, Lula, foi o único poupado. Não há registro, em cinco séculos de história do país, de maior atentado contra as instituições nacionais. Para proporcionar ao governo maioria parlamentar, degradou-se o poder legislativo comprando deputado assim como muitos barões do açúcar e de cacau compravam votos. Para esse fim, o governo organizou seus jagunços de terno Armani e mocassim italiano. Fizeram grande mal à nação. Expuseram-na a um rumoroso vexame internacional. Proporcionaram péssimo exemplo ao povo. Sentada a poeira dos escândalos, perseveraram em práticas delitivas. Pergunto: não foi isso o que se viu no efeito dominó que derrubou boa parte do ministério de Dilma Rousseff em seus primeiros meses? E agora pretendem, em orquestrada série de manifestações, desacreditar o Supremo Tribunal Federal. Ou seja, continuam a agir contra as instituições! Parecem esquecidos de que sete dos dez membros do Supremo foram indicados por eles. Agem e falam como se aquela Corte, escolhida a dedo por Lula e Dilma, fosse composta por tipos sinistros, por carniceiros dispostos a eviscerar e esquartejar, membro a membro, o mais nobre partido da República para felicidade das elite. Ninguém é mais lulista neste país do que as elite. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

04/11/2012
E HOUVE QUEM ACREDITASSE! Percival Puggina Zero Hora deste domingo publica uma longa entrevista, de página inteira, do jornalista André Machado com a deputada federal Manuela DÁvila (PCdoB). Quando esta concorreu à prefeitura, contou com o apoio entusiasmado da senadora Ana Amélia Lemos (PP), que dissentiu da orientação do seu partido. Havia, de um lado, a amizade entre as duas e, de outro, uma reciprocidade da deputada caso a senadora viesse a disputar a eleição para o Piratini em 2014. Nada ficou escrito, mas tudo foi feito para que assim fosse compreendido aquele estranho arranjo. Eis que a entrevista em questão deixa tudo muito claro, sem margem para quaisquer outras interpretações. Por exemplo: ZH - Você apoiaria ou defenderia Ana Amélia no futuro? Manuela - Eu não existo individualmente na política, faço parte de um projeto. Precisamos de um campo unido e amplo. Dividido e estreito, damos a vitória àqueles que não representam o mesmo projeto que nós. ZH - Concorda com a posição da senadora de não seguir a decisão do partido dela sobre a eleição de Porto Alegre? Manuela - O partido dela é absolutamente diferente do meu. O resultado da eleição para prefeitura de Porto Alegre, serviu para mostrar o enorme erro estratégico daquela inusitada transferência para o campo político de uma afinidade pessoal. A deputada Manuela saiu da eleição menor do que entrou. Agora, essa entrevista põe uma pá de cal, se não na amizade, ao menos na confiança que a senadora Ana Amélia depositava na deputada comunista.

Percival Puggina

03/11/2012
Volto ao assunto porque, malgrado venha suscitando pouco interesse, ele é política e socialmente relevante em todos os seus aspectos. Quando o STF declarou constitucional o sistema de cotas raciais adotado pela UnB, ocorreu algo extraordinário. Ficou óbvio que os ministros queriam aprovar o sistema. A Constituição, não obstante, vedava a discriminação racial. Coube ao relator, Ricardo Lewandowski, esgueirar seu voto favorável às cotas por uma estreita ponte pingente (daquelas que balançam mas não caem). E sobre ela cruzou a insuperável barreira constitucional. Como? Elementar, meu caro Toffoli: as cotas raciais só devem viger enquanto necessárias, doutrinou ele. Ou seja, provisoriamente. Pronto! Passou o boi. Naquela ocasião, escrevi um artigo afirmando que, a partir de tão destrambelhada decisão, todo certame intelectual, toda prova de habilitação, todo exame de ordem, todo concurso para magistratura, que não previsse cotas raciais seria provisoriamente inconstitucional. Com efeito, se a necessidade de discriminar impunha-se sobre o cristalino óbice da Carta, então deveria prevalecer para tudo mais. Não deu outra. Está passando a boiada. Vários concursos já enveredaram por aí. Tenho recebido mensagens de pessoas queixosas com a discriminação sofrida em processos seletivos. Afinal, se haver cursado tal ou qual curso superior era pré-requisito do concurso, que diferença pode haver entre o diploma de um branco e o diploma de um negro? Ambos superaram as barreiras de entrada e saída da Universidade. Por que, então, continuar levando em conta a cor da pele? Considerá-los hipossuficientes, mesmo com diplomas sob o braço, insulta os negros! Isso, para mim, é racismo da pior espécie, ofensivo, aviltante. Por trás de tanta falta de juízo há política e ideologia. Há a completa submissão dos prejudicados, incapazes de levantar um dedo e balançá-lo para a esquerda e para a direita dizendo não. Há a multidão dos que creem que nada têm a ver com isso, embora paguem religiosamente todas as contas. E há a demagogia, que é, sempre, um sucesso de público, notadamente quando distribui agrados e favores. Por mais que os fatos se encarreguem de desacreditá-los, sempre surgem novos demagogos e novas formas de sedução para atrair eleitores. Aliás, não nos faltariam estadistas se a mentira e a demagogia não fossem mais sedutoras do que a verdade. Mas, pelo jeito, jamais precisaremos, nas funções de Estado, criar cotas para os menos capazes nem para os menos responsáveis. Reconheço que as diferenças reais entre ricos e pobres, sadios e enfermos, jovens e idosos, entre outros, exigem tratamento correspondente de parte do poder público. Mas não vejo sentido em discriminações raciais. Estabelecê-las é de uma gravidade extrema! No meu ponto de vista, os defensores das cotas raciais podem ser classificados em três grupos: a) o grupo dos demagogos que as concedem (PT e partidos de esquerda); b) o grupo dos interessados que delas se beneficiam direta ou potencialmente; c) o grupo dos racistas que não sabem o quanto são racistas. (*) Fui dar uma olhada no ministério de dona Dilma, que anuncia para dezembro a adoção da política de cotas para os concursos públicos federais. São 25 ministérios de fato, mais nove secretarias e seis órgãos com status de ministério, ligados, também, diretamente à Presidência da República. Total, para fins protocolares: 40 senhores ministros e ministras. Quantos negros? Lamento informar que apenas um. Aliás, uma. Não por acaso, a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Não sei por que, após essa constatação, me sobreveio a sensação de que alguém, em algum lugar, estava sendo hipócrita. Se o governo vê com tão bons olhos uma política de cotas raciais, por que não a adota no próprio governo? Uma ministra cotista entre 40 colegas? __________________ * O texto que enviei para a coluna de Zero Hora não inclui este parágrafo por exceder o limite de palavras possibilitado pela diagramação. ZERO HORA, 04 de novembro de 2012

Percival Puggina

21/10/2012
Tem sido dito que a política de cotas, raciais ou sociais, resgata uma dívida histórica. Dívida de quem? Dos brancos para com os negros e os índios, afirmará alguém com furor justiceiro. Pergunto: dos brancos assim, tipo todo mundo? Milhões de brasileiros descendem de europeus emigrantes de seus países de origem por injustiças que contra eles se praticavam. Nada tinham com a encrenca da escravidão aqui. Também são devedores? Muitos brancos portugueses foram enviados a contragosto para o desterro no Brasil, onde arribaram tão pelados quanto os índios. Seus descendentes também têm dívida a pagar? Segundo essa linha de raciocínio, sou conduzido a crer que eu teria uma dívida histórica a cobrar da Itália e que os descendentes dos desterrados portugueses teriam outra na velha terrinha, ora pois. Absurdo. Tudo que é dado tem um preço. Vejamos como se aplica essa constatação a uma política de cotas. Quando uma universidade pública as estabelece, ela está dando a determinado grupo social a possibilidade de acessar seus cursos mediante notas inferiores às dos candidatos que não pertencem a tal grupo. Trata-se de uma regalia custeada por concorrentes que não integram o grupo privilegiado. A fatura da vantagem concedida vai para aqueles que poderiam ter ingressado e não ingressaram. Isso é inquestionável. Quem concorda com a lei de cotas, embora motivado por nobres intenções, olha para um prato da balança da justiça e fecha os olhos para o outro. Vê o beneficiado e desconsidera o prejudicado. Por quê? Não sei. Jamais topei com um vestibulando do grupo fraudado que considere justa a adoção das cotas. O apoio a tais políticas, concedido por quem nada tem a perder com elas, é generosa barretada com o chapéu alheio. É dar presente com o cartão de crédito dos outros. Não é justo. Nem honesto. A tal dívida histórica não encontra devedores vivos de quem possa ser cobrada. É tolice e é anti-histórico. O que o Brasil tem é uma necessidade de resolver seus desajustes sociais. Admitir que essa tarefa existe implica assumi-la como dever moral da nação. Vale dizer, de todos os brasileiros, como membros de uma sociedade que estampa infames desníveis. A miséria, a ignorância, a falta de oportunidades não têm cor de pele. O absurdo da lei de cotas é jogar no colo do estudante branco da escola particular o ônus dessas correções. A responsabilidade maior e a maior potencialidade material para combater tais desníveis é da política, do Estado brasileiro, mediante instrumentos não expropriatórios. Aliás, no que concerne à educação, a política de cotas equivale a pretender resolver o problema de fundações de um prédio nivelando seu telhado. Para cada formando pela política de cotas, todo ano, em virtude das muitas deficiências dos ensinos Fundamental e Médio, a base do sistema afasta do tecido social centenas de crianças cuja educação está sob responsabilidade de quem? De quem pretende enxugar gelo, em nome da justiça, com a lei de cotas. Enchem páginas de jornal as matérias sobre o péssimo nível de ensino no país, o abandono dos cursos voltados para a educação e o quanto isso obsta nosso desenvolvimento. A melhoria do ensino básico tem custo. E é mais barato posar de justiceiro com os direitos alheios do que fechar as torneiras pelas quais se esvaem recursos que deveriam servir para acabar com a injustiça ali onde ela crava perversas raízes sobre o destino de milhões de crianças. Zero Hora, 21/10/2012

Percival Puggina

19/10/2012
Óscar Naranjo Trujillo chefiou durante cinco anos a polícia colombiana. Sob seu comando, durante as presidências de Uribe e de Calderón, foram obtidos grandes avanços na construção da segurança interna - Bogotá tornou-se uma cidade invejavelmente segura - e no enfraquecimento das Farc, às quais impôs derrotas e perdas a que não estavam habituadas. Suas estratégias para reverter o quadro de insegurança de seu país foram repetidas vezes citadas no Brasil como modelo a ser adotado aqui. Em maio deste ano, tendo conquistado sua quarta estrela como general e completado 35 anos de carreira, ele renunciou ao cargo, passou para a reserva e foi contratado como assessor de segurança pelo presidente do México, Peña Nieto. No dia 29 do mês passado ele concedeu uma longa entrevista ao jornal El País. Em certo ponto, indagado sobre quais as primeiras providências a serem adotadas para diminuir a violência, respondeu: ... la primera es que las políticas de seguridad deben ser de Estado y no de partido, para que se genere un consenso nacional. Oba!, exclamei, ao ler essa pequena frase, quase um detalhe no conjunto da matéria. Olha aí alguém, ainda que fora do Brasil, reconhecendo que o partido e o Estado são entes distintos. Vencida essa etapa, fica mais fácil perceber que o Estado, por ser permanente e de todos, não pode ter partido. Partido quem tem é o governo. Por isso, assume com prazo de validade definido. Há mais de 30 anos venho apontando o desrespeito a essa regra como um dos cânceres que enfermam nossas instituições. E poucas coisas têm ficado tão evidentes nas longas sessões de julgamento dos réus do mensalão (AP-470) quanto a relação entre essa fusão e as tramoias em que os acusados se envolveram. Como em nosso país, quem governa, eleito por um partido, também chefia o Estado, resulta inevitável que o aparelho estatal passe a ser visto como parte do estoque de bens da legenda governante e seus aliados. É por esse robusto liame, por exemplo, que as universidades federais (patrimônio de toda a nação, independentemente de raça, credo, sexo, etc.) passam a ser usadas como instrumento das estratégias, gostos e ideologia da sigla de quem arrebatou a faixa presidencial. É por aí, também, que o partido começa a estender olhares voluptuosos sobre os recursos das muitas tesourarias que controla. E atrás do olho vai a mão, grande e cobiçosa, buscar meios para seus projetos de poder. Essa é uma forma de privatização que a esquerda não vê nem que lhe seja pingada nos olhos como colírio: a privatização do Estado pelo partido. Embora os crimes de prevaricação não sejam atributo específico de legenda alguma, cravar fronteiras rígidas entre o partido e o Estado, barrando seu aparelhamento, não serve a quem tem pretensões totalizantes. É aí que, com mensalão ou sem mensalão, com condenação ou sem condenação, a nossa vaca vai sendo levada para onde você sabe. O assunto de que trato aqui não é um detalhe. Aquilo que Óscar Naranjo constatou como necessário ao México na questão da segurança não é diferente do que se requer para tudo na América Ibérica, submetida a uma coletiva irracionalidade institucional que não leva jeito para produzir democracias de qualidade razoável, conduzidas com respeito ao patrimônio público. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

12/10/2012
Aproximamo-nos dos últimos capítulos da novela Mensalão, uma das poucas grandes obras da dramaturgia brasileira, encenada para tevê, que não foi mostrada nas telas da Globo. A novela rodou seus capítulos no até então obscuro canal da TV Justiça. Como convém às mais sadias exibições públicas, tudo parece apontar para uma consagradora vitória do bem sobre o mal. As patifarias, as maquinações, os fingimentos, foram, aos poucos, sendo descobertos. A maligna trama, que conspirou contra nossa democracia e contra os valores republicanos, foi aflorando do script e compondo um tecido lógico de participações, motivações e ações. Foi uma novela diferente. Muito diferente. Observe que o elenco principal jamais foi visto em cena. Trata-se, portanto, de uma concepção inovadora, digna de Nelson Rodrigues! Uma novela conduzida de tal forma que os personagens reais, malgrado terem sido objeto de todos os capítulos, cada qual tendo seu próprio rol e rolo desfiado ante os olhos do público, em momento algum se fizeram visíveis. Mais notável ainda: à medida em que a urdidura era desvelada e caminhava para seu grand finale, foi ganhando forma, por trás do numeroso grupo de personagens, a figura central do drama - o ator sem atuar, o motivador silencioso de toda a obra. Mesmo inominado no roteiro, mesmo envolto num véu de silêncios infinitos, ainda assim ele explode no centro da trama como parte de um processo de elaboração mental do próprio telespectador. E todos nós, sem exceção, se de repente nos fosse pedido, hoje, para indicar o nome do cara por trás dos caras, não divergiríamos quanto ao seu nome, ao seu apelido e ao seu sobrenome. É ou não coisa para se aplaudir de pé, jogando flores ao palco? Acertam-se, agora, os lances finais. Afere-se, na balança de Têmis, o peso das culpas. Os personagens pagarão por seus erros. Carregarão sobre si o encargo adicional de saberem que alguém, maior do que todos eles, está em casa, tomando uma cervejinha e assistindo a novela pela tevê. Tenho certeza de que o leitor destas linhas, ao compreender o quanto foi prodigiosa a novela que assistiu nos últimos meses, deve estar se perguntando: Por que a colocas no nível de Nelson Rodrigues? Por que não Shakespeare?. Respondo: os personagens canalhas de Nelson Rodrigues foram insuperáveis. Não há nada assim em Shakespeare. A novela do Mensalão, leitores, enquanto exibe a aparência de produzir uma redentora vitória do bem sobre o mal, oculta uma segura vitória do mal sobre o bem. Em algum lugar do país, o cara por trás dos caras afirma que a novela não existiu e ri do drama vivido pelos que foram apanhados nas largas malhas com que nossas instituições capturam peixes! ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

07/10/2012
E O JUIZ FALOU. ANTES NÃO O FIZESSE! Rápido, muito rápido para mandar soltar os bandidos que roubaram e feriram uma senhora na Av. José Bonifácio em Porto Alegre, o juiz Mauro Caum Gonçalves esquivou-se quanto pode de falar sobre o assunto. Mas falou. Sua longa entrevista está estampada com destaque na edição de Zero Hora deste domingo. Melhor faria Sua Excelência se continuasse calado, porque quanto mais explicou pior ficou. Diz o juiz, por exemplo: Não é possível decretar prisão pelo clamor público. Mas é claro que não, doutor. Ninguém imagina um magistrado fazendo o papel de linchador. O senhor deveria ter mantido presos os dois por vários outros motivos, entre eles sua periculosidade comprovada em prontuário policial, o flagrante que o senhor mesmo homologou e a ausência de qualquer motivo para o disparo com que feriram aquela senhora. Perversidade pura, doutor, que o senhor soltou como quem solta os tigres da jaula do circo. Diz o juiz: Não havia pedido (de prisão) do Ministério Público. E daí, doutor? O que lhe parece valer mais? O pedido do MP ou o relevante interesse social envolvido na segurança dos cidadãos? Ante a pergunta de ZH sobre se ele teria decretado a prisão caso houvesse pedido do MP, ele responde: Não posso me manifestar em abstrato. Não me lembro mais do caso. Naquela noite foram 14 flagrantes e em nenhum deles houve manifestação do MP. Ele sequer lembra do caso... Toda cidade lembra do caso, mas o juiz do caso nem se lembra. Só lembra que, naquela noite, soltou quatorze tigres na rua. Se lhe apresentassem Hitler em pessoa, sem pedido do MP, ele soltava. Se lhe exibissem Fernandinho Beira Mar, Marcola, Hildebrando Paschoal, Lili Carabina, sem o jamegão do promotor, ele soltava. Antes tivesse ficado calado.

Percival Puggina

06/10/2012
Não sou fã da atual configuração do STF. Após certas deliberações ali tomadas, a Constituição deveria receber atendimento em Pronto Socorro para se refazer dos maus tratos. Coisa muito feia. Na origem dessa minha zanga está a tal história de tomar os princípios constitucionais em estado bruto e passá-los no esmeril, dando-lhes formato que sirva para articular o texto com o que vai na testa do julgador. Tal conduta é mais do que recorrente. Já vi ministro invocar o princípio da dignidade da pessoa humana até para opor-se à rinha de galos (concordo com a proibição, mas não com a aplicação desse princípio ao caso). Impossível negar, porém, que a Corte, neste momento, desfruta de amplo reconhecimento nacional. A atividade que vem desenvolvendo é aparatosa, demorada, mas consistente. Os fatos foram objeto de perícias. Há provas documentais, circunstanciais e testemunhais. Poucos põem em dúvida as ocorrências descritas. E todos os que dizem que os crimes não existiram são pagos para tanto, ou têm a perder, com o reconhecimento deles, algo material ou imaterial, de cunho político, ideológico ou filosófico. Seja como for, o julgamento do Mensalão põe na mesa dos debates o sistema de governo, o sistema eleitoral e a política como a praticamos no Brasil. Repetidas vezes essas pautas têm sido objeto de considerações dos ministros do STF e da mídia que cobre as sessões. Inúmeras vezes, também, do alto da minha insignificância, tenho escrito que esse modelo é ficha-suja, concentra poder político e financeiro em proporções incompatíveis com a democracia e, por isso mesmo, atua como feromônio para atrair e excitar patifes de toda ordem. São tantas e tamanhas as regalias disponíveis no almoxarifado do poder que só fica ao seu desabrigo quem quer. O Mensalão é a monetização de outras práticas para composição de maiorias parlamentares, que se instalaram no país desde que Collor foi apeado do poder. Hoje vamos às urnas. Do meu ponto de vista, a política brasileira alcançou um nível de degradação que só os eleitores podem retificar. O sistema e seus males jamais serão corrigidos por via judicial. Menos ainda com as mudanças dependendo de uma deliberação dos que dele se beneficiam. No entanto, o cidadão, o ser humano em sua dimensão política, pode, por ato da própria vontade, abandonar os velhos critérios de escolha e proporcionar aos partidos, em sua negligência, sucessivas lições de discernimento, escolhendo não apenas os bons, mas os melhores entre os bons. O que escrevi só será utópico se considerarmos que o Mensalão venceu. Com efeito, assim como, em meio à indignação popular, há o Mensalão corrompendo os andares de cima, há o Mensalinho fazendo o mesmo nos andares de baixo. Todo eleitor que escolhe candidato por interesse pessoal, corporativo, comercial, não republicano, está usando a democracia e as instituições para benefício próprio. Sua atitude pouco difere daquela que despreza nos mensaleiros. Ao votar hoje, tenha em conta de que as câmaras municipais são a estufa onde se produzem as futuras elites políticas do país. O eleitor que pretende votar no mais caricato, para protestar; no cara de determinada afiliação, sabe-se lá por quê; na celebridade tal ou qual, apenas porque já ouviu falar dele ou dela; e por aí afora, faça este favor à Nação: vote em branco ou nulo. Lembrem-se os demais, por fim, da frase de George J. Nathan - Os maus políticos são eleitos pelos bons cidadãos que não votam. Portanto, às urnas, cidadãos! Zero Hora, 07 de outubro de 2012

Percival Puggina

04/10/2012
Eis que aos poucos se foi impondo em mim essa sensação de que vivo num gueto. Sim, sim, eu caminho com liberdade, circulo, falo, opino. Correspondo-me com muitos. Vocês me leem. Jornalistas me perguntam o que penso. Eu respondo. E mesmo assim, ou quem sabe por isso, habito um gueto. Somos muitos nas mesmas condições. Estamos contidos num sítio existencial bizarro, cujas bordas são tão invisíveis quanto sensíveis, onde milhões de brasileiros, provavelmente a maioria de nós, vamos perdendo relevância, minguando em cidadania e sendo suprimidos, até mesmo, do direito de expressar nossas opiniões. A caçamba e a corda foram recolhidas. As instituições jazem no fundo do poço do descrédito. Do ministro do STF ao estudante da USP, do chanceler da República ao pagodeiro do Piauí, do ex-presidente ao menino birrento que trata a professora aos pontapés, perdeu-se a noção de limites. Mas não lhe passe pela cabeça, leitor, apontar causas para o que vê acontecer! Você acabará no gueto. Repita então, em concordância bovina, que são sinais dos tempos. Preferivelmente, assuma a responsabilidade por tudo. Diga que foi o seu mundo que gerou esse mundo. Ataque a corrupção, mas não faça mais do que falar mal dela (ela se lubrifica com a saliva dos críticos). Toneladas de palavras, hectolitros de saliva. Mas não lhe passe pela cabeça apontar as causas. Jamais aponte causas ou ofereça critérios! Concorde prontamente quando disserem que ela sempre existiu e é igual em toda parte. Jamais mencione os vocábulos verdades, princípios e valores. No Brasil que abre caminho no século 21, quem propuser algo relevante perderá importância. Observe os partidos políticos, por exemplo, e faça como eles. Aprenda a crescer com irrelevância. Quanto menos forem daquilo que deveriam ser, quanto menor seu conteúdo, mais importantes se tornam. Por isso estão fora do gueto. Os programas e ideários em torno dos quais se constituíram só cumprem fins higiênicos quando disponibilizados nos banheiros das sedes. Mas não ouse dizê-lo. E jamais sustente haver coisas que não se fazem porque o caminho dos princípios acaba no gueto. As coisas de que a nação precisa são tão óbvias quanto incômodas. Por isso, a coerência se converte em vício constrangedor. O sujeito coerente é um antissocial, objeto de intrigas e maledicência. O caso do senador Demóstenes foi uma tragédia moral. Mas observe como ainda hoje ressoam gargalhadas de puro deleite. Não parecem vindas das profundezas do inferno? Se não quiser vir para o gueto, livre-se de suas convicções. É óbvio que este país passa muito bem com pouco ou nenhum caráter, sem fé religiosa de qualquer espécie (à exceção da fé no grande demiurgo de Garanhuns), submissa à ditadura do politicamente correto, do pensamento fraco, da grosseria. É óbvio. Um país crescentemente macunaímico, cada vez mais canalha, precisa expurgar a virtude. Há que trancar a nação inteira no gueto, se isso for necessário para os arranjos do poder. Depois que as li, ainda adolescente, jamais esqueci as palavras com que Cyrano de Bergerac defendeu o amor próprio. É uma lição inesquecível. E uma condenação. ?O que queres que faça? Almoçar cada dia um sapo e não ter nojo? Trazer os joelhos encardidos? Exercitar a espinha em todos os sentidos? Gastar o próprio ventre a caminhar de bojo? Não, muito obrigado!?. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.