Percival Puggina

14/07/2012
Formas gerundiais devem ser usadas com cautela. Não são caldo de galinha do bom estilo. Por isso, chama a atenção a invasão dos gerúndios na comunicação nacional. Você liga para um 0800 da vida com o intuito cívico de reclamar sobre algo. Quer providência e solução. Não obstante, inevitavelmente, a resposta vem assim: Vamos estar encaminhando sua solicitação... Vamos estar entrando em contato. Vamos estar agendando. E por aí vão indo os encaminhamentos. Poderíamos dizer que é apenas um dos muitos erros acolhidos no nosso modo de falar. No entanto, se prestarmos atenção aos motivos dessa construção verbal, perceberemos que a linguagem frauda a mensagem. O gerúndio, empregado assim, dissimula uma negação do que expressa. Cria uma ilusão, ao sugerir que a ação ocorrerá no tempo presente, de modo continuado - encaminhando, entrando em contato, agendando. Mas faz o inverso disso ao remeter tudo para as imprecisões do futuro e da impessoalidade, através do vamos estar. Quem diz vamos estar, não está. Omite a informação sobre quando estará. E não atribui a alguém o dever de estar. Para que a frase merecesse credibilidade seria necessário usar o verbo no tempo futuro, estabelecer quando a ação seria cumprida e indicar seu sujeito: encaminharei neste momento, entrarei em contato hoje, o diretor agendará imediatamente, e assim por diante. Imagine, leitor, o que aconteceria se na empresa do tal 0800, um gerente, interpelado por seu chefe sobre determinado problema, respondesse com um vamos estar verificando e estaremos encaminhando... Mas isto aqui não é lição de Língua Portuguesa. Nem eu a saberia ministrar. Pretendo mostrar que essa formulação marota, à qual nossos ouvidos vão estar se habituando cada vez mais, ganha crescente espaço no discurso político. Aliás, é a cara da nossa política perante as carências nacionais. Reflete a falta de projetos, a fatuidade dos programas de governo e os solavancos administrativos causados pelas manchetes. As decisões de governo, no Brasil, estão sendo tomadas ao sabor das emoções. Indagado sobre problemas específicos de sua atividade, o gestor público nunca mostra surpresa e raramente fornece resposta com começo meio e fim. A nova técnica consiste em dizer que temos estado estudando e estaremos acompanhando, planejando, promovendo ou coisas que o valham. Assim, há mais de uma década, temos estado tentando sair do RS para o norte do país por uma rodovia digna, e há mais de trinta anos temos estado programando soluções para o problema da BR-116 entre Porto Alegre e Novo Hamburgo, por exemplo. Eminentes pedagogos têm estado estudando a queda dos nossos indicadores educacionais, mas são sucessivas gerações de alunos que vêm sendo, mesmo, prejudicadas. Avizinha-se um pleito municipal. Fique atento ao que dirão os candidatos. Firmou-se entre nós um hábito segundo o qual o que é prometido para os primeiros dias seguintes à posse, o pacote de bondades do discurso eleitoral, fica postergado para o último mês de dezembro do quadriênio em disputa. E o que acaba posto em prática é um pacote de maldades cautelosamente omitido durante a campanha. Os candidatos deveriam detalhar e comprometer-se com seus programas de governo. Os eleitores deveriam esmiuçá-los, ponderá-los, confrontá-los. E cobrá-los. No Brasil, ganha-se a eleição com um programa e governa-se com outro. A partir da posse, as bondades vão para o gerúndio. E o presente do indicativo serve para outras coisas. Zero Hora, 15 de julho de 2012.

Percival Puggina

13/07/2012
Existem jornais detestáveis. Nenhum, porém, se compara com qualquer dos diários cubanos - o Gramna e o Juventud Rebelde. Ambos são órgãos oficiais. O primeiro é do partido e o segundo da juventude do partido. Jamais alguém leu no respectivo noticiário local uma linha sequer que não corresponda à opinião do governo sobre si mesmo. E todas as matérias internacionais são retorcidas para caber na interpretação política e ideológica do regime. Por isso, merecem aplausos os raros jornalistas independentes e comunicadores comunitários que, a duras penas e com grave risco pessoal, enviam ao exterior informações sobre a difícil situação imposta pela reumática gerontocracia que domina o país. O trabalho que realizam cumpre dupla missão cívica. Na primeira, revela o que, de outro modo, não se ficaria sabendo sobre o que acontece por lá. Na segunda, desnuda a criminosa cumplicidade da rede internacional de solidariedade a Cuba com a tirania que há mais de meio século vem sendo exercida sobre o bom e sofrido povo cubano. Os quase três milhões de turistas que vão a Cuba todos os anos pouco veem da realidade local. Passeiam por Habana Vieja, almoçam no Floridita, jantam na Bodeguita del Medio, tomam seus daiquiris e mojitos na varanda do Hotel Nacional e mandam-se para as areias indescritivelmente brancas de Varadero e Cayo Largo. Esse turismo é nada revelador, mas muito sedutor. Aliás, certamente o errado sou eu que em várias idas a ilha nos últimos 12 anos limitei-me a estudar sua realidade social e política. Com tal interesse, já parei em casa de família, nunca fiquei em hotéis de luxo, jamais fui àquelas praias e sequer entrei nos dois badalados e mundialmente conhecidos restaurantes que mencionei acima. Continuo convencido de que Cuba é um inesgotável museu da ideologia. Havana é o Louvre do comunismo. Quando lá andei em outubro do ano passado, percebi que a realidade social declinara ainda mais. Tudo precário e tudo escasso. O povo mais desesperançado. Contaram-me que tomavam banho e lavavam as coisas apenas com água por falta de sabão, sabonete e detergentes. Estavam com graves dificuldades para a higiene pessoal. Quando voltei ao Brasil, pesquisei na rede e fiquei sabendo que, no início de 2011, os sabonetes haviam saído da libreta (aquela caderneta de racionamento que já vai para mais de meio século) e ido para a libre ou seja, deviam ser adquiridos aos preços de mercado. Meio dólar a peça, num país onde o salário mensal é de 14 dólares. Num artigo que me chegou dias mais tarde, o autor chamava de liliputiano esse sabonete, tão diminutas eram suas dimensões. São informações que infelizmente não repercutem tanto quanto deveriam na imprensa mundial. Uma jornalista me conta sobre certa paciente com problema dentário que não conseguia ser atendida no seu centro clínico porque o local estava em falta de detergente para lavar os instrumentos. Há poucos dias, leio que em Sancti Spíritus (cidade com cerca de 300 mil habitantes, na região central da ilha) um grupo de mulheres disputou sabonetes a tapas e bofetadas num armazém local. A baiana só parou de rodar com a chegada de várias viaturas policiais. Alguns circunstantes que não participaram do fuzuê comentaram que a permanente escassez e as longas filas que precisam ser enfrentadas para tudo estão levando as donas de casa a esse tipo de descontrole. Briga de rua pelo direito de comprar sabão? Sabão? Mas o sabão é um dos produtos industriais mais antigos e simples da civilização! É usado desde 2500 anos a.C.. A indústria de sebos e sabões está para a indústria de bens de consumo assim como a roda e a manivela estão para a indústria de bens de capital. Uma economia onde se disputa no braço o direito de comprar sabão está a quilômetros da antessala do atraso. E não me venham dizer que é por culpa dos ianques que em Cuba não conseguem misturar sebo com soda cáustica. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

10/07/2012
SOBRE A DIVULGAÇÃO DOS VENCIMENTOS DOS SERVIDORES (Eis o que penso sobre isso, embora argumentos consistentes possam me fazer mudar de ideia.) Quando leio sobre certos salários que excedem o limite máximo das remunerações no setor público, o sangue me ferve nas veias. Há remunerações que furam o teto inúmeras vezes e vão para a casa das centenas de milhares de reais. Mas minha indignação se dirige aos dois lados da relação funcional! O lado que, sem pudor recebe e o lado que despudoradamente paga. Em tais casos, gostaria de ver divulgados todos os nomes da cadeia remuneratória: o nome dos beneficiários e os nomes da cadeia autorizadora e pagadora. Por que tornar conhecidos os recebedores e manter ocultos os daqueles que autorizam o depósito? É provável que, no cruzamento dessas informações, fiquemos sabendo que quem autoriza também recebe. Isso de uma parte. Quanto aos demais vencimentos, contidos no teto, dentro dos respectivos planos de carreira e biografias funcionais, creio que a divulgação dos valores com as matrículas funcionais seria informação suficiente para atender o critério da transparência e o efetivo interesse público, respeitando o direito à privacidade das pessoas. Mais, quando todos os vencimentos forem conhecidos, perceberemos que mais de 90% dos funcionários terão ficado expostos a uma situação vexatória pela divulgação da própria miserabilidade. Por que submetê-los a isso?

Percival Puggina

07/07/2012
(www.midiasemodos.com) MÍDIAS E MODOS: É verdade que Porto Alegre sempre foi uma cidade inclinada às ideologias esquerdistas? PERCIVAL PUGGINA: Não diria isso. Desde que se aceleraram os processos de urbanização e massificação da sociedade metropolitana, o eleitorado porto-alegrense tem evidenciado ser muito sensível ao discurso das correntes políticas populistas. O ?trabalhismo? ? seja isso lá o que for como doutrina política ? tornou-se muito forte em Porto Alegre, primeiro com o getulismo e, depois, com o brizolismo. O PT acabou assumindo e dominando esse discurso, puxando-o para a esquerda e misturando tudo: o bigode de Olívio Dutra, o regionalismo, o nacionalismo, o voluntarismo, o marxismo e por aí vai. Nesta eleição, contudo, segundo o estágio atual dos inquéritos de opinião, o PT, depois de muitos anos, estará concorrendo apenas para marcar presença no pleito municipal da capital gaúcha. E o nome que surge em seu lugar para enfrentar a candidatura do atual prefeito é o de uma deputada federal do PCdoB ? uma mistura de musa e celebridade entre os jovens. Ela é, sob o ponto de vista eleitoral, várias vezes maior do que seu partido, um nanico nos pleitos sul-rio-grandenses, contando apenas com um deputado estadual e sem representação na Câmara de Vereadores da Capital. Diante desses dados eu não diria que haja uma inclinação definida e definitiva pela esquerda, como conjunto de conceitos políticos com ampla valorização, no meio do eleitorado. Uma parte significativa dele, isto sim, parece disposta a entregar o comando da cidade para uma moça cuja experiência administrativa não enche a primeira linha de uma folha de papel e a um partido nanico, sem quadros. M.M.: Como o senhor descreve o pensamento político majoritário atual na cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul? Quais são os principais temas debatidos por sua classe falante? P.P.: Parcela majoritária do eleitorado de Porto Alegre continua muito bairrista e susceptível aos velhos discursos populistas e ufanistas. A classe falante, bem, essa é uma outra história. A cultura dominante na ?intelectualidade? local é uma cultura esquerdista e dominada pelo ?politicamente correto?. Quando o PT esteve em alta, esse segmento prestou inestimável serviço para o partido e para sua permanência no comando político do município durante 16 anos consecutivos. No entanto, desde 2004 o PT não vence eleição majoritária na Capital e vai para o próximo pleito com ainda menores possibilidades de vitória. M.M.: Quando e como que a esquerda conseguiu conquistar os meios culturais da capital do Rio Grande do Sul? P.P.: A esquerda com possibilidades de vitória dentro do jogo democrático chegou com o PT, mediante um discurso que em nada difere do que hoje faz o Psol. Como não tinha passado, se exibia limpo como uma vestal e exercia uma oposição agressiva, sem o menor respeito pela honra alheia. Eram os novos cátaros, os puros. E, ao mesmo tempo, os novos inquisidores, queimando os adversários na fogueira da difamação. Porto Alegre, com raríssimas exceções, sempre foi administrada por gente de bem, de partidos diversos e por algumas das mais destacadas figuras de nossa história política. No entanto, o PT conseguiu convencer o eleitorado de que a virtude tinha partido e tinha marca ? a estrela. Com boa cobertura da ?intelectualidade?, do meio acadêmico, dos setores mais ativos do clero católico, do meio sindical, do movimento estudantil, dos comunicadores, construiu um caminho para chegar ao governo estadual em meio a um longo período de enorme stress político. Cumpriu um governo desastroso com Olívio Dutra, perdeu as duas eleições seguintes e retornou em 2010 com Tarso Genro. M.M.: Porto Alegre, além de sede dos três poderes gaúchos, concentra a grande imprensa e também as mais influentes universidades do Estado. É possível dizer que é o ambiente perfeito para espalhar esta ideologia pela região Sul do Brasil? P.P.: Foi assim, com efeito. Não diria, hoje, a mesma coisa. Começo a perceber sinais de um esgotamento. Se dependesse apenas da força das ideias e das lideranças locais, o PT estaria perdendo tamanho no Rio Grande do Sul. Hoje, o petismo vive, eleitoralmente, do lulismo. M.M.: Em comparação com o restante do País, qual é o perfil político dos órgãos de mídia e das universidades de Porto Alegre? P.P.: Pelo que me informam leitores de todo o país, a situação é mais ou menos a mesma, sempre. A corrente filosófica a que qualquer aluno de qualquer cidade brasileira está exposto por mais tempo é o marxismo. É análise marxista para qualquer coisa, em todo lugar. E raramente não está nos púlpitos, nos microfones ou nas telinhas. Chega a ser surpreendente que a maioria do eleitorado ainda não se declare de esquerda. M.M.: A hegemonia política do Partido dos Trabalhadores (PT) em mais de 15 anos na prefeitura da cidade, seguido de outros partidos de esquerda, reflete o pensamento político dos eleitores? P.P.: Se você esquecer as opções eleitorais e se concentrar nas opções concretas das pessoas a respeito de temas que permitam compreender sua inclinação ideológica, verá que a maioria do eleitorado é conservadora em temas como: importância da ordem pública, rigor da legislação penal, aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte, posse de armas, rejeição à violência dos movimentos sociais, economia de mercado, respeito à propriedade privada, e assim por diante. No entanto, pesa favoravelmente ao Partido dos Trabalhadores a disciplina interna e a integral dedicação ao trabalho político, ao proselitismo e à ?causa?. M.M.: Em termos gerais, no Brasil, é possível enxergar uma discrepância entre o pensamento da intelectualidade (acadêmicos, políticos, jornalistas) e o gosto ou vontade popular. Isso ocorre também em Porto Alegre ou a maioria dos eleitores está realmente alinhada à agenda do PT e até a de outros partidos de esquerda? P.P.: Como foi referido acima, há um descompasso entre o que majoritariamente pensa a ?intelectualidade? local e os valores que têm apreço social majoritário. Mas não há, aqui, uma relação de causa e efeito. Creio que a relação está mais bem posta se estabelecida entre alguns resultados eleitorais e o trabalho político-partidário do PT, em comparação com os demais. Não podemos esquecer que o PT foi o primeiro e é o maior partido do país nascido em parcelas da sociedade e fora do Congresso Nacional. M.M.: Voltando nos tempos do Império, ao ler ?General Osório?, Francisco Doratioto escreve alguns parágrafos sobre a ?guerra? que havia nos jornais de Porto Alegre entre os pensadores liberais, conservadores e revolucionários republicanos. Há alguma relação do comportamento da imprensa daquela época com o dos jornais dos dias de hoje ou acabou a divergência política nas páginas dos diários gaúchos? P.P.: Acabou. Finito. Kaputt. M.M.: O Fórum Social Mundial (FSM) se reuniu pela primeira, segunda, terceira e quinta vez em Porto Alegre e atualmente sempre realiza um dos painéis principais na capital gaúcha, independentemente da cidade sede oficial. Neste ano de 2012, o Rio Grande do Sul sediará os debates ambientais do FSM. Por que Porto Alegre foi escolhida para estes eventos internacionais da esquerda? P.P.: Ao tempo do 1º Fórum Social Mundial, o PT administrava Porto Alegre e governava o Estado. O Rio Grande do Sul era o relicário das esquerdas mundiais abaladas pelo fim do União Soviética. O PT gaúcho era a sua laranja de amostra. Por outro lado, governo estadual e prefeitura municipal bancaram os eventos com recursos públicos. M.M.: Também em outubro deste ano está marcado em São Leopoldo, cidade da metrópole de Porto Alegre, o ?Congresso Continental de Teologia: Aos 50 anos do Vaticano II e 40 anos da Teologia Latino-americana e Caribenha?. Um dos conferencistas do evento é o teólogo da libertação Leonardo Boff. Ao sediar estes eventos, é possível dizer que Porto Alegre afirma o compromisso com o pensamento de esquerda? P.P.: O comunismo é uma hidra de Lerna. Hoje, sua cabeça mais dura e resistente se chama Teologia da Libertação. Convergem à TL a visão marxista e uma formulação herege sobre a teleologia cristã. Ainda serão necessárias algumas gerações para que esse mal seja extirpado dos seminários, das comunidades paroquiais e de um grande número de dioceses latino-americanas e caribenhas. Todos sabem que a Unisinos é dirigida por jesuítas e que entre os jesuítas a TL ainda tem muita penetração. Não diria que o evento terá capacidade de mobilizar fora do circuito já articulado por ela. A TL não é um desvio teológico em fase de expansão, mas em fase de teimosia. É difícil reconhecer-se que se errou quanto a matéria do erro é de extrema gravidade. M.M.: Para concluir a entrevista, e aproveitando que o senhor esteve recentemente em viagem à França, que passa por período eleitoral, gostaria de saber qual é a principal diferença entre os franceses e brasileiros no que diz respeito ao esquerdismo e ao conservadorismo? P.P.: A nitidez das posições, tanto entre o eleitorado quanto no tratamento recebido da mídia francesa. Todo o processo político e eleitoral se trava entre droite e gauche, sem que tanto uma quanto outra etiqueta seja atribuída ou recebida como ofensa grave. Impensável, também, uma fusão fisiológica entre uma e outra para compor maioria no parlamento francês. As composições majoritárias são as que saem das urnas e não as que se formam em turvo e oneroso balcão de negociações como o que se estabelece no Brasil.

Percival Puggina

07/07/2012
Pois eis que um leitor, desses que vai mensagem, vem mensagem, lá pelas tantas se declarou defensor do comunismo cristão e da felicidade nele contida, apoiado na regra dos primeiros apóstolos. Ou seja, respaldado em quanto está dito no texto abaixo. A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. Com grandes sinais de poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. E os fiéis eram estimados por todos. Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um. (Atos dos Apóstolos 4, 32-35) Eu queria ter um real por vez que essa citação me foi feita por seguidores da tal teologia da libertação. De início, coisa de 40 anos já passados, essa interpretação era dita leitura do Evangelho com chave marxista. Aos poucos, foi ganhando status de reflexão teológica. E acabou em inevitáveis apostasias e heresias. Mas isso é outra história. O que importa é entendermos a que se refere o texto em questão. Perceber que estamos diante do relato de uma experiência não exige grande capacidade de análise. Basta saber ler. Trata-se, ademais, de uma experiência singular, que não se reproduziu em qualquer outra das comunidades de fiéis daquele período inicial do cristianismo. O episódio, uma vez mencionado, não retorna à pauta, permitindo presumir que terminou com o fim do estoque. Os estudiosos mais interessados na verdade do que na utilização das Escrituras para fins ideológicos e políticos entendem que aquele grupo inicial de cristãos estava convencido de que a volta de Jesus para o Juízo e para o fim dos tempos era coisa imediata. Provisões para o futuro não teriam, pois, serventia alguma. O apóstolo Paulo nos socorre na compreensão daqueles primeiros momentos quando menciona que as comunidades da Macedônia e da Acaia houveram por bem fazer uma coleta para os irmãos de Jerusalém que se acham em pobreza (Rom 15,26). Referências a essas dificuldades se repetem aos Coríntios (2 Cor 9,7). Também a sentença do apóstolo - Quem não trabalha que não coma (2 Tes 3,10) - se relaciona com o fato e mostra que aquele comunismo favorecia ao ócio. Ou seja, as coisas já não iam muito bem por lá. Passara a haver necessidades e necessitados, ociosos e oportunistas. Foi o que expus ao meu leitor fã do comunismo cristão primitivo sobre a perspectiva histórica. Na perspectiva doutrinária, acrescentei ser preciso muita imaginação para supor que, ante as circunstâncias daquele momento, a pequena comunidade dos cristãos de Jerusalém estivesse empenhada em propor à humanidade e aos milênios seguintes uma ordem econômica e social. Deduzi-lo do relato acima é pura sandice ideológica, com severos riscos de incorrer em farisaísmo se não for aplicado à vida concreta de quem o propõe aos demais. Em outras palavras, como aconselhei ao leitor: muito mais útil a ele aplicar pessoalmente o modelo de repartição que sugeria do que pôr-se a oferecê-lo aos povos e nações. Bastava-lhe reunir outros que pensassem assim, juntarem os respectivos trecos e partilharem tudo. Dado que discursos propondo comunismo ao mundo não faltam em parte alguma, não lhe seria difícil reunir parceiros para viverem segundo sua regra. Que ele e os que pensam como ele começassem dando o exemplo e partilhando o que lhes pertencia. Continuo esperando resposta. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

07/07/2012
ESCLARECIMENTO PESSOAL No domingo passado, a jornalista Rosane Oliveira publicou em sua página, no jornal Zero Hora, uma informação segundo a qual a executiva estadual do PP teria votado unanimemente em favor de uma coligação com o PCdoB na disputa pela prefeitura de Ijuí. Acrescentou a jornalista que essa decisão, contraditória com a anteriormente adotada em Porto Alegre, teria contado com o meu voto. Pessoa de ma fé induzira-a ao erro. Não houve a deliberação a que ela se referiu. Informada por mim e pelo presidente Celso Bernardi, Rosane publicou pequena nota corrigindo a informação, ao pé de sua página, na edição da última terça-feira. Como ainda recebo esporádicas mensagens a respeito do assunto, exponho aqui, aos meus amigos, este esclarecimento. E acrescento: foi coisa de gente torpe.

Percival Puggina

04/07/2012
A DEFESA PELA IRRAZÃO Todos os argumentos contra a decisão das instituições paraguaias que afastaram o presidente Lugo contam com um e apenas um argumento: foi tudo muito depressa. O chanceler brasileiro chegou correndo, suado, esbaforido, tropeçando nos degraus. E chegou tarde. Tudo estava consumado. Logo, foi golpe conclui a diplomacia petista, como quem espera encontrar uma mulher serrada ao meio na caixa apresentada sobre o palco. Estamos habituados a parlamentos silenciosos, que não se fazem respeitar. Convivemos, tolerantes, com bancadas e maiorias compradas, irrelevantes, que cedem em troca de favores os mandatos que lhe delegamos. Estamos habituados a reverenciar como sagrados mandatos presidenciais que sequer os próprios titulares respeitam. Cremos que nossas instituições - tenebrosas, sofríveis como são - devem operar como modelo para avaliar os procedimentos em outras democracias. Refiro-me, no parágrafo anterior, aos cidadãos brasileiros democratas e bem intencionados. Não é caso dos agentes petistas que comandam o Itamarati. Democracia, para estes, é todo regime que toca em consonância com os interesses da esquerda e do Foro de São Paulo. Sem qualquer constrangimento, suspendem o Paraguai e chamam correndo o Hugo Chávez para o Mercosul, ouvidos os oráculos de Havana. Portanto, escrevo aos cidadãos, brasileiros, bem intencionados. Aos democratas convencidos de que o Paraguai fez as coisas muito depressa. Note-se que a demissão constitucional - isto ninguém nega - do presidente Lugo, foi ato político adotado com a urgência que o caso recomendava, em nome da paz interna do país. Se dessem 20 dias ao presidente, o Paraguai estaria, hoje, em pé de guerra, fronteiras fechadas, convivendo com trincheiras nas ruas, o Palácio de Lopez cercado, o MST e o ELN passeariam nas ruas de Assución, armados até os dentes. A decisão, legítima e constitucional - ninguém nega -, foi também politicamente correta sob o ponto de vista da sumariedade do rito. Cobrar prazos maiores é, precisamente, querer dar tempo ao mal e suas consequências. Só não dizem isso porque ficaria chato.

Percival Puggina

30/06/2012
Quando sequestraram o embaixador Elbrick, em 1969, os autores do atentado exigiram a divulgação, em toda a grande mídia, de um longo manifesto. Imaginem o constrangimento imposto aos detentores do poder: locutor oficial proclamando à nação um libelo contra o regime deles. O texto foi exibido. O país parou para ouvir, ver e ler. Redigira-o o jornalista Franklin Martins, um dos sequestradores. Oportunidade dourada para os insurretos afirmarem seus compromissos com a democracia e cobrá-los do governo, não é mesmo? Qual o quê! O texto (íntegra em Charles Burke Elbrick na Wikipedia) foi uma catilinária comunista que falava do que os revoltosos entendiam: ideologia, violência, justiçamentos, sequestros, assaltos. Disse alguém, com razão, que os confrontos históricos se travam no tempo dos fatos e retornam no tempo das versões. Durante os governos militares, a esquerda que pegou em armas foi derrotada. Mas se deu muito bem nas versões. Indague às pessoas com menos de 40 anos, que não viveram no tempo dos fatos, sobre a imagem que têm do Brasil naquele período. Poucas terão ouvido algo que não fosse para representar um quadro de horrores patrocinados pelos governos militares. Peça-lhes opinião, também, sobre os que partiram para a luta armada e perceberá que são vistos como jovens idealistas, mártires de uma resistência democrática. Repita as perguntas aos que viveram o tempo dos fatos. Perceberá que apesar das muitas e graves restrições que se faz e se deve fazer ao regime de então, aquela versão quase unânime entre os mais jovens estará longe de ser majoritária neste grupo. Relatarão que o Brasil não foi, naqueles anos, o que hoje se ensina. Com maior surpresa ainda, perceberá que os terroristas e suas organizações praticamente não têm simpatizantes entre os que testemunharam os acontecimentos por eles protagonizados. Aliás, fracassaram por absoluta falta de apoio popular. Escassos serão os que lhes atribuem qualquer mérito na necessária redemocratização. Com razão dirão que a retardaram. Não os reconhecem como democratas. Valerá a pena ir além. Pergunte aos que viveram apenas no tempo das versões o que sabem sobre Ulysses, Covas, Teotônio, Montoro, Brossard, para citar alguns dos muitos que, no embate político foram forçando a porta da abertura. E a abertura da porta. Nada saberão porque não lhes foram mencionados! O que importa, à versão, é desprezar o processo político útil para exaltar o revolucionário inútil. Capisce? Menor ainda será o conhecimento sobre o papel das lideranças empresariais, sindicais e religiosas que se empenharam pela normalidade institucional. A contribuição dos militantes da luta armada para a democracia foi a mesma que as cheias do Nilo prestam à venda de ingressos para os shows da Broadway. Não li um único livro escrito por intelectuais de esquerda participantes daquelas organizações que se atrevesse a estabelecê-la. Antes, negam-na com firmeza. Convém aos que, após a abertura e a anistia, ingressaram no jogo político, posar de estátua da liberdade diante do porto de Nova Iorque. Volta e meia algum ministro, olho na versão, reverencia os que lutaram pela democracia apontando para as pessoas erradas. E o título? E o título? perguntará o leitor, vendo que o artigo termina. Ora, o filme Um dia, um gato ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 1963. Conta sobre um gato com óculos mágicos. Quando olhava para as pessoas, elas adquiriam uma cor relacionada com seus defeitos e virtudes. Era um pânico na cidade. Os mentirosos, por exemplo, ficavam roxos. Zero Hora, 01/07/2012

Percival Puggina

30/06/2012
É nisso que dá confiar coisas sérias ao comando de moleques. O que aconteceu nessa vergonhosa reunião de Mendoza vai entrar para a história da diplomacia brasileira como coroamento de um período em que o Itamarati esteve a serviço das idiossincrasias ideológicas de um partido. Quanto descaramento! Numa mesma conferência do Mercosul, suspendeu-se o país-membro Paraguai (cujo senado vetava o ingresso da Venezuela no bloco) e admitiu-se como país-membro a Venezuela. Sai aquele como punição por haver afastado o camarada Lugo e acolhe-se este baluarte da democracia continental que é o camarada Chávez. Doravante, teremos o Mercosul acaudilhado, patrulhado por um Simón Bolívar de ópera bufa, inimigo figadal do livre comércio. Todos sabemos: não é a Venezuela nem são os venezuelanos que entram. Quem entra é Hugo Chávez. Se existe área de ação do governo onde o PT faz o que bem entende é nas nossas relações internacionais. Não há gesto, declaração, evento, pacto que não reflita a nostalgia dos tempos de política estudantil daqueles que hoje comandam o país. Quando as coisas não vão tão mal, as estratégias parecem secundaristas; quando é para nos rachar a cara de vergonha, o estilo piora e lembra conchavos e bastidores de congresso da UNE. O Itamarati vem sendo dirigido como braço da Secretaria de Relações Internacionais do PT, a serviço de seus alinhamentos automáticos. Colocamo-nos - é a nação que vai junto - ao lado de qualquer Estado ou organização política que puxe para a canhota e chute o balde de tudo que esteja do outro lado. Quando essas coisas começaram, já vai para dez anos, pareciam arroubos de aprendizes entusiasmados. Hoje, tais comportamentos institucionalizaram-se. Nossas relações internacionais deixaram de ser questões de Estado para se tornarem assuntos do governo (o que já seria grave) conduzidas pelos gostos e desgostos da sigla dirigente. Política internacional não é assunto para partido. O que afirmo nada tem a ver com meus sentimentos em relação ao petismo. Não se trata, aqui, de simpatia ou antipatia. É a política externa brasileira que não pode ficar sujeita às antipatias e simpatias da legenda governante, ora essa! Mesmo no contexto da maçaroca institucional que fazemos ao fundir Estado e governo, entregando-os a uma mesma pessoa, o aparelhamento partidário e a instrumentalização ideológica do Itamarati nunca fizeram parte da nossa tradição. Agora, constrangidos, vemos nosso país prestar-se para a patacoada de Mendoza, onde voltamos a intervir em questão interna de uma nação do bloco; onde proclamamos que a camaradagem com Lugo é mais sólida do que nossa amizade e parceria com o povo paraguaio; e onde evidenciamos que a suspensão do Paraguai foi uma tramoia a serviço não do Mercosul, mas do PT, da Unasul, do Foro de São Paulo e dos delírios chavistas. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.