• Percival Puggina
  • 18/05/2012
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POR ENQUANTO VAMOS ASSIM

Quem já passou pela porta que dá acesso às salas de embarque doméstico do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, sabe do que estou falando. Além daquela porta tudo se torna impreciso. Esfumam-se os compromissos, dissolvem-se as agendas, o futuro se faz incerto e a paciência é testada além das fronteiras da civilidade. Inevitavelmente me vêm à mente, ao ingressar naquele círculo de horrores, a sentença que Dante Alighieri esculpiu nos umbrais do Inferno: Abandonai toda esperança, vós que entrais. Recentemente tocou-me estar ali. Meu voo deveria sair às 8 horas, mas somente consegui embarcar lá pelas 2 da tarde, após várias mudanças de sala de espera. Aliás, naquele aeroporto, coincidirem número de voo e portão de embarque é uma proeza irrealizável. De tempos em tempos a gente troca de sala de espera e com isso vai-se sabendo um pouco da vida de muito mais gente. Pois bem, enquanto uma funcionária de empresa aérea corria de sala em sala chamando, na base do grito, os passageiros de determinado voo (trata-se de um interessante sistema de aviso sonoro que elimina a fria impessoalidade metálica dos autofalantes) comentei alguma coisa com um vizinho de banco a respeito do caos reinante. Respondeu-me ele com uma fé inabalável buscada na sacristia de suas confianças cívicas: Até a Copa de 2014 tudo estará solucionado. Horas mais tarde, já embarcado, as palavras ainda ressoavam em minha mente. Até a Copa. Quando a Copa começar. Em 2014. Por enquanto vamos assim, mas em 2014... Percebi que esse mesmo ano integra o horizonte de todas as promessas eleitorais de 2010. Aqui no Rio Grande do Sul, os principais temas suscitados na campanha sucessória do ano passado, temas candentes do discurso oposicionista que levou ao poder o candidato Tarso Genro, foram imediatamente catapultados para aquele ano, o ano da Copa, o término mandato, o ano da graça de 2014. No plano federal, chega a ser surpreendente que as mesmas pessoas que acreditaram no discurso de que tudo já estava resolvido em 2010, agora firmem convicção de que tudo estará resolvido em 2014. Contaram-me sobre uma senhora que levou o filho pequeno para cirurgia de fimose num hospital credenciado junto ao SUS. Demorou tanto a marcação do procedimento que quando chamado, o paciente, já idoso, relatou um problema de próstata. Exagero, exagero. Mas tudo estará solucionado em breve. Dos gargalos do SUS à supremacia numérica, bélica e organizacional da bandidagem em relação às forças policiais. E a própria corrupção. Dizem que ela vai acabar graças ao fim dos sigilos e aos utilíssimos portais da transparência. Já pensaram? Um corrupto flagrado num portal desses? Que desprestígio para a categoria! É caso para expulsão do sindicato. Mas por enquanto vamos assim, sabendo que tudo estará resolvido até 2014, ano da Copa. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.