Percival Puggina

17/09/2014

 


 Numa parte do jornal, lê-se sobre delação premiada para esclarecimento dos escândalos da Petrobras. A "base" treme nas bases com as informações e com a divulgação de uma lista de beneficiários que não para de crescer e já leva 150 nomes com as respectivas cifras. Rola dinheiro grosso na caverna de Ali Babá.

 Enquanto, no Mensalão, os líderes dos partidos da base abraçaram a encrenca e não expuseram os colegas para os quais repassaram os valores recebidos através do esquema, no caso do Petrolão a relação de beneficiados vem cheia e os números são enormes. Mensalão é troco diante do Petrolão.

 É o que se lê numa parte do jornal. Noutra, a notícia é um chute na consciência cívica: um comício promovido em favor da candidata Dilma Rousseff culminou com carinhoso e efusivo abraço da base do governo e suas massas de manobra ao edifício-sede da Petrobras no Rio de Janeiro. Imagino que as ações da empresa, agora sob tão vigorosa proteção, se elevem a um novo patamar...

É de se ver as imagens. Todos os participantes da encenação acalentando responsavelmente a empresa que, segundo denúncias e muitas evidências (com dinheiro já sendo buscado de algumas contas no exterior), vinha sendo esfolada e canibalizada nos esquemas de sustentação financeira do poder que hegemoniza a República.

A política brasileira vive momentos em que a caradurice virou arte. Já não se trata da simples articulação entre insensibilidade moral e falta de constrangimento social. É uma obra de arte envolvendo estratégia, retórica, publicidade, senso de oportunidade e, claro, absoluto desprezo pelo discernimento alheio.

Por enquanto, vem funcionando. O prestígio do governo sobe junto com a onda de escândalos. Mas sempre há o risco de morte da estratégia por overdose de estratégia.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

14/09/2014

 

 Prezado Aécio,

 Sou um dos 100% Aécio, cujos nomes são destacados na página da tua campanha que divulga o apoio de intelectuais. Por isso, contemplando a hipótese de que venhas a ler, tomo a liberdade de escrever o que penso sobre esta esquina onde nos encontramos na história da República.

 Há uma parcela imensa da sociedade brasileira perfeitamente consciente de que o problema do Brasil não é Lula e não é Dilma. O problema do Brasil, sabemos nós, é o Partido dos Trabalhadores, com seus métodos, seu projeto totalitário de poder, sua turbada visão de história, suas más companhias internas e externas, sua ideologia malsã e seu reacionarismo econômico. O problema do Brasil é a oficialização dessa moral que parece abastecida em lojinha de conveniência, onde a cada momento é selecionado o princípio que convém, dispensados os demais nos reservatórios de lixo seletivo. É o governo de um partido que abraça a Petrobras com afagos de quem lhe bate a carteira.

 Seu principal adversário ao longo dos últimos 12 anos, Aécio, é um partido que faz mal ao Brasil. Na oposição, não deixa governar; no governo, não governa. Na oposição, a quilômetros de distância, brada contra odores nos atos do governo; no governo, não percebe a sujeira colada à sola do próprio sapato.

Fosse você, Aécio, eu diria à sua principal adversária que o governo petista acabou. E não acabou agora, mas há seis anos. Acabou na metade do segundo governo Lula, quando se esgotou o estoque de mágicas na cartola das facilidades e o Brasil começou a desacelerar, a parar e, já agora, a declinar. Eu diria que o PT já fez o pouco bem que podia e todo o mal que podíamos tolerar. O PT, enfim, já era. Foi rareando o que nele havia de bom e aflorando, dominante, tudo que nele havia de mau. O pouco que ainda resta de valor no partido não compensa tudo que nele não presta. Só não vê isso quem não quer.

Trata-se de um terrível problema moral. Ele não está no fato de que o PT transforma bandidos em heróis, mas no fato de que parcela imensa da população nacional já não mais distingue um tipo de outro. E o nome disso já não é pura e simples corrupção, mas é corrupção da alma brasileira, onde muitos entram em confusão mental, ou em conflitos de interesse, nas encruzilhadas do certo com o errado.

Pense sobre isso, Aécio. Você é a terceira geração de políticos do PSDB aos quais parcela importante do povo brasileiro confia a bandeira oposicionista. Você enfrenta um adversário fragilizado, combalido pelos motivos que expus. Mas precisa evitar, com ajustes de discurso, que os bons brasileiros migrem votos para quem nunca teve e ainda não tem palavras de reprovação aos malefícios em curso no país. Isso, simplesmente, não faz sentido.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.



 

Percival Puggina

14/09/2014

 


 Virou moda invocar a laicidade do Estado para desqualificar opiniões, religiões e igrejas. É o tipo de coisa que só acontece no Brasil, país em que presidentes da República se atrapalham com rudimentos de português e matemática. Fosse o pensamento prática frequente entre nossa elite, tais invocações à laicidade do Estado seriam rechaçadas pelo que de fato são: ensaios totalitários visando a calar a boca da maioria da população.

 A leitura dos preceitos que os constituintes de 1988 incluíram em nossa Carta Magna sobre o tema esclarece, acima de qualquer dúvida, que eles desejavam, nesse particular, limitar a ação do Estado e não das pessoas, suas religiões e igrejas, como agora, maliciosamente, lendo a carta pelo seu avesso, alguns pretendem fazer crer. Enfaticamente, a CF determina ser "inviolável a liberdade de consciência e de crença", que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença" e que o Estado não pode estabelecer ou impedir cultos.

Não são as opiniões de indivíduos ou, mesmo, de figuras públicas em que se perceba inspiração religiosa que violam a Constituição, mas as tentativas de os silenciar, de os privar do direito de expressão, aos brados de "Estado laico! Estado laico!". Não, senhores! Foi exatamente contra essa pretensão que os constituintes ergueram barreiras constitucionais. Disparatado é o incontido e crescente desejo que alguns sentem de inibir a opinião alheia, para que possam - veja só! - falar sozinhos sobre determinados temas. E são tantos os desarrazoados neste país que poucos percebem o tamanho da malandragem.

Leigos ou religiosos, ateus ou agnósticos, detentores de mandato ou jurisdição, podem e devem ouvir suas consciências ao emitirem seus votos ou decisões. Talvez estejamos habituados a líderes que escolhem princípios como gravatas (ou echarpes) e estranhemos quem os tenha, bons e sólidos. A laicidade impõe limites ao Estado, não aos cidadãos!

Eu tenho o direito de emitir conceitos, com base religiosa ou não, fundados na cultura gaúcha ou tupiniquim, na doutrina marxista ou liberal, sem que desajuizados pretendam me calar. Essa minha liberdade tem garantia constitucional. E há dispositivos específicos para assegurá-la no que se refira às convicções religiosas e suas consequências. A histeria a esse respeito escancara não só recusa ao contraditório, mas também vocação totalitária. Por quê? Porque como bem se sabe, o totalitarismo, para cujo porto estamos sendo levados pelo nariz, não pode conviver com sistemas de valores que não sejam ditados pelo Estado e que ante ele não rastejem. É a esse mostrengo que andam chamando "Estado laico". Ele não é isso.

ZERO HORA, 14 de setembro de 2014


 

Percival Puggina

12/09/2014

 

 Atribui-se ao jornalista Cândido Norberto a frase segundo a qual, em política, pode acontecer tudo, inclusive nada. Por exemplo: pode explodir um avião sobre o cenário eleitoral; pode acontecer algo enigmático, tipo vir à superfície mais um escândalo e o governo melhorar sua posição. E também pode acontecer nada, pelo simples motivo de que parcela imensa da população, em flagrante desânimo, joga a toalha no ringue. As pesquisas desta semana indicam que nação está agendando um encontro de boi com matadouro. E vai abanando o rabo na direção de um entre dois neocomunismos: o sem Pai Nosso de Dilma ou o com Pai Nosso de Marina.

É possível que o leitor destas linhas pense que estou paranóico. Não, meu caro. Pergunto-lhe: você leu o documento final do 20º Encontro do Foro de São Paulo (aquela organização que a grande mídia nacional diz que, se existe, não fede nem cheira?). Quem lê o referido documento não só fica sabendo que o bicho existe, mas que é poderoso e bate no peito mostrando poder. O texto exalta o fato de que, em 1990, no grupo de partidos alinhados sob essa grife, apenas o PC Cubano governava um Estado nacional. Hoje, estão sob manto do FSP, entre outros, Brasil, Uruguai, Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Venezuela, El Salvador e Nicarágua. Se observar bem, verá que a lista contém a nata dos comunismos e socialismos bolivariano, cocaleiro, maconheiro, bananeiro e por aí vai. E se escrutinar caso a caso vai encontrar dirigindo esses países, em seus vários escalões, aos cachos, ex-guerrilheiros comunistas que, em momento algum, extravasaram arrependimento ou deserção das antigas fileiras. Uma parceria e tanto, essa que o Brasil integra na condição de grande benemérito e tendo o PT como sócio fundador.

O Foro de São Paulo, como bem mostra Olavo de Carvalho, é a chave de leitura para o que acontece, não apenas na política nacional, mas nas nossas universidades, na nossa economia, nos negócios externos e na tal geopolítica "multipolar" que nada mais é do que um passo adiantado na direção de um projeto de hegemonia e totalitarismo sobre a região. E é para lá que vamos se, confirmando-se o dito com que abri este texto, já aconteceu tudo e nada mais há para acontecer.

Se olharmos pela janela, veremos que a economia brasileira está parando. A cartola de sortilégios do ministro Mantega está tão vazia quanto os cérebros que nos governam. O que houve? Nada que não possa ser explicado pela sujeição nacional a um governo com estratégias erradas. A Venezuela já não está com polícia nos supermercados? Não se contam cinco décadas de escassez e filas em Cuba? A outrora próspera Argentina, não se encontra em plena decadência?

As parcerias do FSP adotam exitosas técnicas de sedução eleitoral. Mas exercem o poder de modo desastroso. E Marina vem na mesma toada. Ela nasceu para a política como líder comunista. Revoltada com a vida e com o mundo, como costumam ser os líderes comunistas. Marina não entendia o motivo pelo qual abrir trilha na floresta e riscar casca de seringueira não transformava o cidadão acreano num próspero suíço. Saiu da floresta, estudou, ganhou mundo, quer presidir o Brasil. Mas se não esconjurar as ideias que tinha quando ministra, ela é um apagão eminente.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

11/09/2014

 


 O pessimista no Brasil é um sujeito bem sucedido. As pessoas olham para ele e proclamam, balançando a cabeça e sinal de assentimento: "Ele já tinha me avisado. Está acontecendo tudo direitinho". Pois é, modéstia à parte, nos últimos meses tenho me defrontado com esse tipo de sucesso. Há bom tempo proclamei que estávamos chegando ao máximo em matéria de corrupção.

Contestaram-me alguns otimistas inveterados dizendo que não, que não era assim, que o poder ainda era doce e restava muito mel no pote. Mas eu não me referia ao botim remanescente. Batíamos no fundo do poço por algo bem pior do que o aumento do número de assaltantes do erário e da capacidade de operação dos pés-de-cabra administrativos e contratuais. Também estes se ampliaram muito, é verdade. A serem corretas as informações prestadas pelo ex-diretor da Petrobrás em sua delação premiada, um pool de empresas abasteceu durante longos anos, um caixa do qual se serviam duas dúzias de eminentes figuras da República. Quem tem põe, quem não tem tira.

Tampouco nos levam ao fundo do poço as reiteradas afirmações de ignorância e desconhecimento das autoridades superiores. "Eu não tinha a menor ideia de que isto ocorria dentro da empresa", afirmou a presidente Dilma, referindo-se àquela caverna de Ali-Babá montada em função dos negócios com o petróleo brasileiro. A presidente diz que não tinha a menor ideia e eu, pessimista, não acredito. Ora se a presidente, com seu currículo admirável, conselheira da firma, ex-chefe da Casa Civil, ex-ministra de Minas e Energia, poderia estar desinformada sobre a infestação de ratazanas na empresa de onde sairão os royalties para melhorar a Educação do país.

O que nos leva ao fundo do poço é outra coisa, é saber que tão lúgubres notícias se refletiram positivamente nos índices de aprovação do governo e da presidente, candidata à reeleição. Se as pesquisas estão corretas, 38% dos 202,7 milhões de brasileiros, ou seja, algo como 77 milhões de conterrâneos nossos, gente que passa pela gente, que cumprimenta a gente, que vai à missa, que compra, que vende, que trabalha, frequenta escola, universidade, fica sabendo dessas coisas e não dá a mínima. Bate palmas, atira beijinhos e posa para selfies com Sua Excelência. Isso é que eu chamo corrupção em escala multitudinária.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.



 

Percival Puggina

08/09/2014

 

O Estadão do último domingo publica entrevista com D. Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB. A matéria leva o título "Igreja Católica não tem curral eleitoral" e destaca a frase "Igreja não é palanque", mostrando o secretário-geral interessado em despegar a Igreja do debate eleitoral em curso, tratando da política num sentido amplo. Suas falas apontam para um contraste entre a orientação católica e o modo partidarizado e personalizado que marca o procedimento usual em muitos templos evangélicos nesses períodos.

De longa data, as igrejas evangélicas mantêm transparente e militante atuação em favor de seus candidatos. Distribuem materiais de campanha e proclamam que votar neles é uma forma de "servir a Jesus". É certo que, em muitos casos, Jesus se sente desconfortável com tais vinculações, mas o fato é que eleitoralmente a tática funciona.

A CNBB age de outro modo, mas não com a isenção que fez crer o secretário-geral em sua entrevista. A entidade não indica nomes. Desaconselha o uso das igrejas como locais para propaganda de candidaturas. Mas presta serviço inestimável a um específico partido através de pastorais sociais e organismos vinculados, bem como nos seus documentos, cartilhas e análises de conjuntura. E eu tenho certeza de que não preciso escrever aqui as letrinhas para que todos, sem exceção, saibam a qual das 32 legendas existentes estou me referindo. Repito: é certo que, em muitos casos, Deus se sente desconfortável com tal vinculação, mas o fato é que eleitoralmente também tem funcionado.

Quem acessou dia 7 de setembro o site da CNBB deparou-se com uma convocação da 20ª edição do "Grito dos Excluídos", chamando para "ocupar as praças por liberdades e direitos". Não pense que esse grito vai contra o governo da União. Não, o grito sempre vai contra a economia de mercado, as privatizações, os meios de comunicação, o neoliberalismo, o agronegócio, o direito de propriedade, o "grande capital". Aliás, senhores bispos, ser contra o grande capital significa ser contra todo capital porque pequeno capital só é capital se quiser crescer, caso contrário é dinheiro na mão. E vira vendaval.

Quem acessar a última Análise de Conjuntura, lerá, por exemplo: "Nestes dez últimos anos, houve tentativas para corrigir as desigualdades, pelo aumento do salário mínimo acima da inflação e pelo programa Bolsa-Família, aumentando assim os chamados gastos sociais. (...) Essas políticas não tocaram nas estruturas sociais e culturais, mas as elites econômicas e financeiras as criticaram como sendo políticas “intervencionistas” do governo, por serem responsáveis do suposto descontrole do tripé que regula a economia: controle da inflação, do câmbio e fiscal, e por desrespeitar a doutrina liberal. (...) A sensação de um clima inflacionário espalhado pela mídia, baseando-se sobre os gastos ditos excessivos, sobretudo sociais, visa difundir um temor da volta da inflação, temor que é responsável por uma difusão da inflação." Arre, português ruim de IDEB!

A seguir, o documento parece escrito pelo ministro Guido Mantega: "Entretanto, a taxa de inflação de agosto pode ficar mais baixa ou próxima daquela de julho (0.01%), contrariamente às previsões dos analistas do mercado financeiro. A aproximação das eleições acirra a disputa econômico-financeira entre governo e especuladores. A imprensa não está contribuindo para o debate político-econômico, substituindo a informação pela ideologia da crise permanente. A mídia, porta-voz das elites financeiras, informa que o Brasil está indo à falência. As manchetes dos jornais (impresso e TV) não param de denunciar erros na política governamental que teriam provocado ondas de desconfiança." Duvida? Vá no site e leia.

Agora, imagine trinta anos disso, com Pastoral da Terra, CIMI, Pastoral da Juventude, Campanhas da Fraternidade e seus documentos, Teologia da Libertação, Comunidades Eclesiais de Base, apoio a ridículos "plebiscitos", como o do não pagamento da dívida externa, o da limitação da extensão das propriedades rurais e, agora, o da constituinte exclusiva para reforma política.

Às diferenças entre a política da CNBB e a dos templos evangélicos, acresça-se o fato de que, enquanto estes não param de crescer, a minha Igreja Católica não para de minguar.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

 

 

Percival Puggina

06/09/2014

 

 Se em sua paróquia houver uma urna para votação no tal "Plebiscito popular por uma constituinte exclusiva do sistema político", saia pelo outro corredor. Se alguém o convidar para dar seu voto por meio eletrônico, não entre no site e, se resolver dar uma espiada, escape antes de fornecer os dados que lhe são solicitados - nome, CPF, e-mail. É a eles e só a eles que convém conhecer seus dados e sua orientação política.

 O que você deve fazer, sim, é checar a lista das 459 instituições apoiadoras desse estrupício jurídico. Elas estão em ordem alfabética e começam com a A Marighella (cujo site informa ser uma "organização socialista, patriota, internacionalista e revolucionária, de orientação geral marxista-leninista, que busca o horizonte do comunismo via o caminho do socialismo popular brasileiro"). A escrutinada no longo rol de coletivos, facções, movimentos, associações, redes, institutos, e assemelhados, irá surpreendê-lo. Tenho certeza de que, como eu, você não sabia que a chamada "esquerda" abrigasse, em nosso país, tantas organizações.

 A constituinte pela reforma política, objeto desse plebiscito, se conjuga com o projeto divulgado em outubro do ano passado pelo Movimento Eleições Limpas (www.eleicoeslimpas.com.br). Ou seja, o plebiscito servirá para dizer que foi aprovada "pelo povo" a proposta de uma Constituinte que vai promover a reforma política desejada pelo PT. Lembro que em texto anterior examinei a semelhança e as mínimas diferenças entre o que pretende o Movimento Eleições Limpas e o que recomendou ao partido o 3º Congresso Nacional do PT. Fechou-se o círculo das conveniências.

 Reitero aqui a conclusão a que cheguei em julho passado: com esses apoiadores e tanta identidade de pontos de vista, eu não preciso saber mais para compreender a quem serve o projeto. E concluo: se ele convém a essa lista de apoiadores, não serve ao Brasil. Ademais, nunca houve no mundo uma constituinte - e ainda por cima exclusiva! - para mudar aspectos políticos de constituição em vigor. E o motivo é simples: alterações constitucionais parciais se fazem com emendas constitucionais. Constituintes são eventos magnos, que ocorrem em momentos de ruptura institucional. É um disparate promover algo desse vulto para pequenas mudanças normativas. Exceto se o objetivo for o que, neste caso, se pretende: promover um assembleísmo para fazer de conta que o povo está exigindo. Para tais grupos, ouvir o povo é ouvirem-se a si mesmos.

 Ao fim e ao cabo, esse é verdadeiro espírito do plebiscito. Algo semelhante aconteceu outras vezes, ao longo da história, na legitimação revolucionária de regimes totalitários.

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
  

Percival Puggina

04/09/2014

 


 Não é muito raro que cidadãos comuns, presenciando um assalto, reajam contra o assaltante agredindo-o fisicamente. Sabem que o meliante, levado à delegacia, tem grande possibilidade de sair livre, leve e solto pela mesma porta por onde entrou. E sai, muitas vezes, antes mesmo de que o policial preencha os documentos relativos à sua captura. Ainda recentemente, o secretário de segurança do Rio Grande do Sul relatou a uma emissora de rádio que certo PM, num único turno de trabalho, prendeu duas vezes o mesmo bandido. Então, as pessoas, vez por outra, tratam de fazer justiça com as próprias mãos.

 Sempre que isso ocorre, a imprensa nacional reage com justa indignação. Essa não é uma atitude civilizada! E não é mesmo. Impõe-se que a Justiça siga seu curso. Ainda que ela falhe, ainda que seja excessivamente branda, ainda que "a polícia prenda e a justiça solte", ainda que o bandido seja um indivíduo socialmente intolerável e irrecuperável, ainda que seus crimes se repitam indefinidamente, o "justiçamento" não pode ser tolerado. São severas as palavras da mídia, sempre que algo assim acontece. E têm que ser.

 Há poucos dias, na Arena do Grêmio, um grupo de torcedores dirigiu palavras injuriosas ao goleiro do Santos. Chamavam-no de "macaco" e imitavam sons e movimentos simiescos. Vulgaridade, grosseria, estupidez. Entre esses torcedores havia uma jovem cuja imagem foi flagrada por câmera enquanto pronunciava, com nitidez que não gera dúvidas à leitura labial, as três sílabas da palavra macaco. Nos dias que se seguiram, a imagem dela injuriando o goleiro ocupou parte do noticiário nacional, capas de jornais e ganhou manchetes, numa reiteração cotidiana. A moça mereceu painel fotográfico, perfil biográfico, entrevistas com familiares, identificação minuciosa.

Junto com diversos torcedores, identificados uns, outros não, ela cometeu delito criminalmente tipificado como injúria racial (onde a característica racial da injúria é agravante). Correrá um processo, no qual certamente será condenada a pena branda, porque o delito não comporta mais do que reclusão de um a três anos, o que, ante a primariedade da ré, provavelmente será substituída por pena alternativa.

A questão é a seguinte: a imprensa, que tão pronta e justamente reprova a agressão a bandidos nas ruas, não percebeu o linchamento moral imposto à jovem, com a superexposição a que a submeteu? Foi desmedido e absurdo esse comportamento. Não, não foi sábio, nem prudente, nem judicioso. Antes das devidas sanções judiciais, a moça foi imediatamente penalizada com a despedida de seu emprego. Sua casa foi apedrejada. Seus familiares injuriados. Recebe ameaça de morte e precisa buscar abrigo e segurança.

Perdeu-se a noção de limites, bem ali onde se abrigam tantos árbitros dos limites alheios.

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

01/09/2014

 


 O eleitor comum é um sujeito com o coração no lugar do cérebro e o cérebro dividido entre a geladeira e o contracheque. Foi assim que elegeu Lula duas vezes e colocou uma tartaruga no poste em 2010.

No entanto, tem razão Bob Marley: "You may not be her first, her last, or her only. She loved before, she may love again". Ocorre o mesmo com o amor de eleitor. E o coração do eleitor brasileiro pulsou fortemente quando a queda de um avião sem dono, sem caixa-preta e sem motivo para cair, entregou uma candidatura presidencial à acreana Marina Silva. A esguia senhora, que parece saída de uma foto de Sebastião Salgado, entrou em espiral ascendente. O coração do eleitor faz coisas assim. E depois? Ora, quanto ao depois, especulemos.

A coligação agora formada em torno de Marina Silva envolve os seguintes partidos: PSB, PPS, PRP, PHS, PPL e PSL. Os três últimos não têm um único deputado federal ou senador. São legendas e quase nada mais. Os três primeiros, têm, respectivamente, 24, 6, e 2 deputados, correspondendo a apenas 6% do plenário da Câmara dos Deputados. O PSB tem 4 senadores. Mesmo supondo que a condição privilegiada da candidata socialista no momento do pleito de 5 de outubro conceda um upgrade às suas nominatas de candidatos proporcionais, é muito improvável que tenha peso significativo no Congresso a base parlamentar natural de um eventual governo do PSB. Será mesmo do PSB ou será da Rede? Marina estaria como uma seringueira solitária em área de lavoura. Onde iria buscar os outros 250 deputados e os 50 senadores que lhe faltarão para compor maioria? Como aprovaria ela as medidas que serão necessárias na crise que já se instalou no país e que se agravará no ano que vem?

Marina fala numa tal Nova Política, que incluiria o fim do instituto da reeleição e o emprego de mobilização popular para exercer pressão sobre o Congresso Nacional onde ela, como se depreende do exposto acima, teria sólida minoria. Marina contaria, então, com o apoio do povo. Por quanto tempo, Bob Marley? Até o primeiro arrufo entre namorados?

Se ela tiver fé religiosa no elevado espírito público dos senhores congressistas, um eventual governo seu terá curto prazo de validade, como demonstra a experiência histórica. No entanto, ela já deve ter consciência disso, e a questão se resume em saber quem correria primeiro - se ela para o PMDB ou o PMDB para ela. Certo, porém, é que o PMDB e seus abnegados congressistas estariam no governo. E quem mais? Tudo indica que dona Marina não nutre qualquer simpatia pelo PSDB, o que levaria esse partido para mais um quadriênio de elegante retórica oposicionista. Tampouco parece razoável, no plano das suposições, que o PSB venha a formar governo com o PT no momento em que tiver na mão as ostras e o canivete para sucedê-lo como protagonista principal da cena política nacional. Quem resta, então, para servir de coadjutor a um projeto governista de dona Marina na legislatura de 2015 a 2019? Virtudes cívicas e força política não costumam piar juntas na atual ninhada de siglas partidárias do país.

Continuo convencido de que o movimento das peças no jogo do poder é para profissionais. Quando o eleitorado, como agora, começa a desenhar estratégias, votos mudam incontrolavelmente de lado. O PT acelerou o caminho para a recessão tentando fugir da recessão. E a crise em que lançou o país acelera esses movimentos espontâneos da opinião pública em busca de novos amores, "eternos enquanto duram".

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.