Percival Puggina

14/08/2014

"A Teologia da Libertação é mais importante que o marxismo para a revolução latino-americana" Fidel Castro, citado por Frei Betto em "O Paraíso perdido", pag. 166.

Paraíso perdido é o título de uma obra poética de John Milton sobre a tentação e queda de Adão e Eva. E é, também, o título de um livro de memórias gastronômicas e de militância comunista em que Frei Betto descreve suas andanças pela América Latina e Leste Europeu nos anos 80.

São mais de 400 páginas relatando dezenas, talvez mais de uma centena de viagens e itinerários em contato com lideranças católicas e governos comunistas, cumprindo dois objetivos: aproximar os católicos do comunismo e apresentar a Teologia da Libertação (TL) às lideranças comunistas. Muitas dessas viagens tiveram Cuba como destino e Fidel como figura central. Ao longo dessa jornada em que o frei vendia mercadoria avariada para os dois lados, ele e Fidel se tornaram amigos.

O relato se encerra pouco após a queda do Muro de Berlim, com o desfazimento da União Soviética. As longas páginas finais em que discorre sobre a perda do "paraíso", podem ser resumidas nestas palavras do autor: "Mudar a sociedade é modificar também os valores que regem a vida social. Essa revolução cultural certamente é mais difícil que a primeira, a social. Talvez por isso o socialismo tenha desabado como um castelo de cartas no Leste Europeu. Saciou a fome de pão, mas não a de beleza. Erradicou-se a miséria, mas não se logrou que as pessoas cultivassem sentimentos altruístas, valores éticos, atitudes de compaixão e solidariedade”.

Ora, economias comunistas são estéreis. Não saciam a fome de pão. E a fome de beleza, a cultura de valores, compaixão e solidariedade, jamais foi gerada sob o materialismo de tal regime. Sem qualquer exceção, onde ele se instalou, avançou com ferocidade contra tudo que os poderia produzir. Família, liberdades, religiões e seus valores foram sempre espezinhados sob o tacão do Estado totalitário. Quem quiser detalhes, informe-se sobre o que aconteceu com padres, bispos, cardeais, instituições religiosas na Hungria do cardeal Jószef Mindzensty, na Tchecoeslováquia do cardeal Josef Beran, na Polônia do cardeal Wyszynski, na Ucrânia do arcebispo Josyf Slipyj, na Iugoslávia, do arcebispo Stepinac. O comunismo foi, sempre, uma usina de mártires.

Aliás, Nero, Décio, Diocleciano e Galério foram mais moderados e indulgentes com os cristãos do que os governantes comunistas. "Qual o produto de tantos anos de trabalho do frei?" indagará o leitor. Pois é. Ele foi razoavelmente bem sucedido em levar a desgraça do comunismo aos cristãos. E fracassou totalmente em levar o "cristianismo" da TL às elites do comunismo. Apesar disso, a Teologia da Libertação volta a ganhar vida e adeptos no ambiente católico.

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

 


 

Percival Puggina

11/08/2014

 Quando nossos filhos eram pequenos, alugamos certa feita uma casa de veraneio cujo sótão servia de moradia a algum animal que emitia guinchos finos e esganiçados semelhantes ao riso humano. Na primeira vez em que foi ouvido, as crianças, assustadas, perguntaram o que era e eu respondi em tom casual sem dar muita importância: “É o Risadinha. Não é possível vê-lo, mas ele mora aí em cima”. E o Risadinha acabou incorporado para sempre ao folclore familiar, sendo evocado cada vez que se escuta algum rangido ou uma porta bate inesperadamente.

Você acredita nessas coisas? Boitatá, lobisomem, risadinha? Todas são muito facilmente acolhidas pelo imaginário infantil e perdem o sentido, é claro, perante a razão dos adultos. Mas há outras assombrações mais sérias. São concebidas com objetivos políticos e, submetidas a um tratamento gramscista, produzem extraordinário efeito sobre muitas mentes maduras. A técnica empregada envolve conhecimentos de psicologia de massas, mas é de concepção simples, consistindo em criar uma palavra, atribuir a ela o pior dos sentidos, mencioná-la milhões de vezes e associá-la aos adversários. Gradualmente, o novo fantasma entra para o vocabulário comum e se converte, não apenas em algo real, mas numa entidade horripilante, da qual é necessário fugir em disparada ante a menor manifestação de sua existência. Pronto, está criado o Risadinha para gente grande.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o vocábulo – desculpem ter que usá-lo – “neoliberalismo”. É possível que o leitor destas linhas, à simples menção da palavra, já tenha sentido o sangue gelar nas veias. Afinal, neoliberal é agente do demo, solto pelo mundo para perder as almas, certo?

Todos estarão lembrados das obras mais macabras atribuídas ao tal... – tá bom, você sabe do que estou falando. Entre seus piores quebrantos se incluíam: Plano Real, privatizações, responsabilidade fiscal, superávit primário, economia de mercado, pagamento da dívida externa, agronegócio, exportações, e inserção no mercado globalizado. Ante a menor referência a qualquer desses tópicos, os caça-fantasmas punham-se a campo, como anjos do Senhor, bradando enxota-diabos e denunciando cheiro de enxofre. Trata-se, porém, como se viu, de uma pantomima.

Da mesma forma como o discurso contra as medidas "neoliberais" acabou levando o PT ao governo, aquelas mesmas medidas sustentaram o discurso fanfarrão de Lula durante oito anos. A lua de mel com a fartura, em praia calma, vento suave e céu azul não pode durar sempre. As prodigalidades se juntaram às tormentas internacionais. E o país passou a andar para trás. E se alguém, com um pingo de lucidez, diz ser isso o que está acontecendo, lá vem o governo com seu Risadinha de gente grande a esconjurar, desta feita, "o mercado".

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

08/08/2014

Mudanças sociais importantes se fazem por reforma ou por revolução? Tem-se aí pano para muita manga e a sobra ainda dá um colete razoável. No final do século 19 estabeleceu-se um debate acerca dos caminhos para alcançar a nova ordem social, política e econômica almejada pelos comunistas. Alguns autores passaram a defender que os avanços nessa direção se fizessem através da luta sindical e das cooperativas. Eram os reformistas. Rosa de Luxemburgo postou-se contra eles. Em 1900 publicou "Reforma ou Revolução?", condenando o reformismo e afirmando, entre outras coisas, que os sindicatos ocupam-se com lutar por melhores salários, sendo, portanto, órgãos de defesa do proletariado, mas não de ataque ao capitalismo. Enfim, segundo Rosa, reformar serviria à conveniência do capital e só a revolução seria libertadora.

Essa tese se impôs com tamanha força entre marxistas de diferentes matizes que, passado um século, raros são os adversários das economias livres, de mercado, de empresa, que se assumem como reformistas. A opção revolucionária esteve no foco, por exemplo, de nossos conhecidos Fóruns Sociais Mundiais e de quantos a ele acorriam de toda parte. Em tais eventos renovavam-se, sobre muros e cartazes, os conhecidos dizeres - "Um outro mundo é possível". Duvido que qualquer participante de tão prestigiadas congregações se assumisse reformista. O FSM, em si, era revolucionário. Discutia-se o modo de fazer a revolução. Jamais, substituí-la por reformas. O objetivo, sempre o mesmo: construir o possível "outro mundo".

Ora, edificar onde já existe algo cuja estrutura se considere inaceitável implica demolição. Em palavras da Sociologia: revolução. O processo de desconstrução, demolição ou implosão da ordem social envolve a derrubada de seus pilares. Entre eles, a instituição familiar, a disciplina, o respeito à lei, a religiosidade, e o direito de propriedade. A eliminação deste último pode ser alcançada acabando com ele ao modo cubano de 1959, que tanto encanta nossos governantes de hoje, ou enfraquecendo esse direito, adelgaçando e debilitando esse pilar, até seu ponto de ruptura. Eis o que sempre esteve e está por trás das ações do MST, da Via Campesina, desse novo braço da luta revolucionária denominado MTST e dos muitos aparelhos assemelhados que, no Brasil, encontraram abrigo junto à CNBB, onde muitos confundem cristianismo com revolução social (se assim fosse, Jesus Cristo jamais teria subido à Cruz; teria feito uma revolução e seria merecedor de simples notas de rodapé nos livros sobre a história dos povos à leste do Mediterrâneo).

Está posto aí o motivo pelo qual, em recente invasão de propriedade urbana por militantes do MTST, apesar da ordem judicial de desocupação dada pelo magistrado do feito, a providência não foi autorizada pelo governador Tarso Genro que a retarda quanto pode. O governador chegou a dizer que iria obter uma sustação da ação por noventa dias, ao que o juiz do caso, pacientemente, ensinou: o Estado nada tem a dizer numa ação da qual não é parte. É a mesma intenção revolucionária que explica a ilimitada tolerância dos poderes de Estado com as tropelias do MST e esse jogo de palavras fuleiro, que chama invasão de ocupação. E é também por ela que convivemos com tão excessiva tributação, espécie de desapropriação sem nome nem direito de defesa.

Que ao menos não possam presumir ignorância nossa sobre para onde, aos poucos, nos conduzem.
 

Percival Puggina

05/08/2014

 

 A cartilha manda repetir sempre as mesmas coisas, ainda que não resistam a uma acareação com os fatos, porque a repetição se impõe à razão e acaba sendo mais convincente do que eles. Não importa que o realejo cause lesão por esforço repetitivo. O resultado compensa.

 Assim, ao longo dos anos, nossos ouvidos enrouqueceram de escutar que o país vivia sob um sistema econômico iníquo, que gerava aberrantes desníveis de renda e concentração de riqueza. Tão repetida cantoria acabou por convencer cautos e incautos de que somente uma guinada para a esquerda poderia nos conduzir ao éden da igualdade, da justiça e da prosperidade geral. Gradualmente, então, foi se abrindo a porta para o socialismo, apesar de os fatos, pela janela, berrarem que isso é uma loucura e que tal sistema não consegue apresentar um único caso de prosperidade e democracia. Têm razão os fatos: o anunciado socialismo, sempre, excetuadas suas elites, igualou a todos na pobreza, e só ao Estado concedeu liberdades. Mas isso quase ninguém diz e é nesse caminho que estamos sendo lenta e docilmente conduzidos.

O mais insólito nesse percurso é o próprio governo e seu partido, que se declaram socialistas, após 12 anos de gestão, terem que negar os fatos que os olhos mostram e insistirem em que a pobreza diminuiu. Agravou-se, assim, a situação de todos os que são pobres de fato. Eles deixaram de existir nas contas do governo.

O efeito da repetição é tão eficiente que o sujeito que escreve o que acabei de escrever passa a ser visto como um brutamontes destituído de sentimentos humanos. De nada vale dizer que não há concentração de renda maior do que aquela promovida por um aparelho estatal que fica com quase a metade de tudo que a nação produz. De nada vale denunciar esse Robin Hood burocrata que toma de quem tem (e de quem não tem) para dar ao insaciável governo. De nada vale informar que essa brutal, perversa e inútil concentração de renda nas mãos do Estado é típica do socialismo, avessa ao empreendedorismo e à economia de mercado. Com o tempo, só fará aumentar a pobreza do país.

Escrevo de teimoso, portanto: a persistência da pobreza que o governo se recusa a reconhecer têm como causa esse crescente avanço do Estado sobre a economia nacional. Não bastasse a robusta mordida de leão, o governo, no curto prazo, ainda toma dívidas em nome das gerações futuras. Mais ganancioso e perverso, só traficante.
 

Percival Puggina

03/08/2014

 

 Qualquer analista independente, olhando os números da economia e das finanças públicas do Brasil percebe que, enquanto estão caindo os indicadores que deveriam subir, estão subindo os que deveriam cair. Sobram gráficos desse tipo nas telas de qualquer perito. Quando situações assim ocorrem é impossível querer revogar a regra de gestão segundo a qual são cumulativas as consequências dos erros não admitidos e não corrigidos.

 Foi o que o analista do Banco Santander percebeu e expôs no relatório encaminhado aos clientes preferenciais da instituição, ou seja, àqueles com maior interesse em aplicações financeiras. Deu chabú. O presidente do partido do governo bradou que se tratava de "terrorismo eleitoral". A presidente Dilma proclamou ser "inadmissível o mercado interferir na política". Como é que é? A presidente parece imaginar que o mercado seja uma pessoa com maus sentimentos. No entanto, o leitor destas linhas sabe que entre as várias dimensões da pessoa humana se incluem a dimensão política e a econômica. Portanto, falar mercado e falar eleitorado é falar dos mesmos. O mercado não é formado por um conjunto de seres abstratos, mas por pessoas que trabalham, compram, consomem e votam.

 Estranho, muito estranho, foi perceber que a bronca do governo surtiu efeito. A direção do banco desculpou-se, afirmou ter havido um erro, que aquela era a opinião de um funcionário e explicitou sua convicção no sentido oposto: a economia brasileira seguirá bem sucedida trajetória de desenvolvimento. Falar mal dizendo a verdade não pode. Falar bem ocultando a verdade pode.

Se tudo isso lhe parece muito, aguarde que tem mais. No dia 27, à mesma entrevista coletiva em que o banco reagiu e virou pelo avesso o relatório do seu analista (isso sim é que foi impróprio), o presidente da Telefónica se manifestou confiante em que "o Brasil vai ter um crescimento espetacular" e que "os governantes deste país fizeram um trabalho espetacular" e que "os brasileiros têm que estar orgulhosos". Espetacular, mesmo, é que ninguém, no governo ou na mídia, considerou inadequada tal declaração, emitida por cidadão estrangeiro, presidente de uma empresa multinacional operando no Brasil. Arre! Na terça-feira, foi a vez do FMI, em análise do setor externo das 28 maiores economias do mundo, afirmar que a brasileira apresenta sinais de moderada fragilidade, sendo uma das economias emergentes mais vulneráveis a mudanças no cenário mundial. Guido Mantega não acusou o FMI de fazer política, mas desqualificou o relatório. Sendo assim, os erros persistirão e as consequências, permanecerão cumulativas.

ZERO HORA, 3 de agosto de 2014
 

Percival Puggina

01/08/2014

 

 Todos sabemos. Lula tem um problema com as elites. É só ficar solto no palanque, sem texto para ler, e lá vem ele com seu xingamento às elites, para adequar o conteúdo do discurso ao modo vulgar de discursar.

Tudo muito postiço, como nos políticos que usam os pronomes e as concordâncias segundo o auditório. Mas o Lula que quer se descolar das elites é membro aplaudido do seleto grupo! Convive com a elite política e ocupou o topo de sua cadeia alimentar. Tem atuado de modo intenso e rentável como representante da elite das construtoras nacionais. Costuma posar para fotografias e fazer agrados a atletas de elite. Seu partido nasceu no ventre da elite acadêmica do país. Nela e por ela foi concebido e propagado nas salas de aula onde se forma nossa elite intelectual. Mais do que nenhum outro homem público em nossa história foi beneficiado pela ação orquestrada da elite cultural e artística que, quase em uníssono, atuou e continua atuando em seu favor. Como presidente, usou sua prerrogativa para indicar membros aos mais altos cargos das carreiras jurídicas do país, cuja elite, em boa parte, lhe deve favores. Também como presidente, seja de direito, seja de fato, abriu as torneiras dos bancos oficiais para despejar dinheiro bom e barato nas contas bancárias de nossas maiores corporações empresariais. Descobriu, há muito tempo, que bons vinhos, uísques, charutos e lagosta ao Thermidor são mais prazerosos do que vinho de garrafão, cachaça, mata-rato e buchada de bode.

Julgo suficientemente comprovado, com os incontestáveis registros acima, que Lula é peça - e peça importante - da elite nacional. Mas quando ele fala da elite, mesmo como enfeite de discurso, a quem tem ele em mente, como protótipo de seu desprezo? Em quem ele está pensando quando o dedo que deveria apontar para si mesmo se volta para algum canto obscuro e inespecífico na cena brasileira? Não é àquela elite que está muito próxima dele e bem mereceria a desaprovação. As repulsas de Lula recaem sobre uma pequena parcela da elite que não se verga às seduções da corte e não aplaude qualquer tolice pronunciada por quem tenha a caneta turbinada pelo poder.

Essa elite é o obstáculo ainda remanescente aos anseios por hegemonia absoluta sobre a vida brasileira. É aquela parcela da sociedade, de qualquer condição social, mas de elevado valor moral, que não se deixa comprar com favores. Bem menos numerosa do que conviria, ela percebe o grau de rebaixamento e depreciação a que chegou a política nacional e atribui as devidas responsabilidades ao principal comandante dessa política nos últimos 16 anos.

* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
 

 

 

Percival Puggina

29/07/2014

 

 Buscando informações sobre o projeto de reforma política que vem sendo objeto de coleta de assinaturas, descobri uma nova dimensão da hegemonia que se estabeleceu sobre a nação. Qual o partido ou tendência ideológica que lhe vem à mente quando eu menciono MST, CUT, Via Campesina, CONTAG, UNE? Pois bem, fazendo a tal busca, obriguei-me a ler as 23 páginas do projeto de lei que "dispõe sobre o financiamento das campanhas eleitorais e o sistema de eleições proporcionais". Tratei, igualmente, de saber de onde ele veio. Esse projeto, foi divulgado em outubro do ano passado pelo movimento Eleições Limpas (www.eleicoeslimpas.com.br) e hoje é acionado por uma certa Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas (procure no Google por esse nome e clique em "Quem somos").

Vê-se, ali, que a coalizão é formada por 99 entidades - sim, você leu certo, 99! - contadas uma a uma. Entre as já mencionadas, ainda encontrei outros velhos conhecidos: FENAJ, UBES (estudantes secundaristas), CNTE ("trabalhadores" em educação), CONIC (aquele Conselho Nacional de Igrejas Cristãs que apoiou oficialmente o PNDH-3), o MMC (Movimento das Mulheres Camponesas, aquelas que invadiram os laboratórios da Aracruz em 2006), um certo Fórum Paulista de Participação Popular (cujo site é encimado por peça publicitária de um candidato do PT a deputado federal), a Via Campesina, a UBM (entidade de mulheres pró-aborto), RFS (Rede Feminista de Saúde, pró-aborto), a REBRIP (rede de ONGs e movimentos sociais com propostas "alternativas"), a Liga Brasileira de Lésbicas, o Movimento Evangélico Progressista, a Articulação Mulheres Brasileiras (pró-aborto e contra os direitos dos nascituros). E por aí vai. Sabe quando a oposição conseguirá reunir algo semelhante a esse formidável elenco de militantes ONGs, grupos, movimentos, uniões, conselhos, redes, ligas, associações, federações, centrais, etc.?

Encimando a lista, mas como fios da mesma meada, luzem os logotipos e as siglas da CNBB e da OAB. Isso mesmo. Mais uma vez, você leu certo. As duas entidades, juntam-se a estranhíssimas parcerias, revolucionárias umas, desrespeitadoras da lei outras, objetivamente criminosas outras mais, para propor à nação uma "reforma política" praticamente igual à que o PT sempre pretendeu. Quem duvida, informe-se. O 3º Congresso do PT, em 2007, definiu-se por uma reforma política que estabelecesse: 1) o financiamento público das campanhas; 2) o voto em listas fechadas; 3) a representação de gênero, raça e etnia. O projeto da Coalizão: 1) cria o financiamento público e proíbe o financiamento de empresas; 2) estabelece o voto em lista fechada; 3) gratifica com mais recursos públicos o partido que apresentar candidatos de segmentos sociais minoritários. E faz dois adendos ao projeto do PT: 1) admite o financiamento de pessoas físicas até o limite de R$ 700; 2) acrescenta à proposta petista um segundo turno nas eleições parlamentares para o ordenamento final das cadeiras por voto nominal. Nem uma palavra, nem um pio, sobre o que mais importa: delegar a chefia de Estado e a chefia de governo a pessoas distintas, impor o desaparelhamento partidário da administração pública e estabelecer o voto distrital misto.

Com esses apoiadores e tanta identidade de pontos de vista, eu não preciso saber mais para compreender a quem serve esse projeto. E concluo: se ele serve a quem serve, não serve ao Brasil.

* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
 

Percival Puggina

26/07/2014

 

 Mergulhou fundo em estranhas confabulações o relatório do TCU sobre a aquisição da refinaria de Pasadena. Saiu ensopado, mas saiu como o governo queria, nada respingando para o lado do Conselho de Administração. Ou seja, para o lado da presidente Dilma, que, à época da inconcebível compra, pilotava o órgão de aconselhamento superior da estatal.

O jornal O Estado de São Paulo informa, na edição do dia 25 de julho, que o ministro do TCU José Múcio Monteiro, na segunda-feira 21, dois dias antes da sessão de julgamento, esteve reunido em São Paulo com o ex-presidente Lula. Segundo o ministro, foi uma visita para matar saudade e jogar conversa fora. Para Lula, nem isso. Jacaré não vai para o céu e Lula sabe muito bem o motivo. Recusou-se a comentar o assunto. Para as fontes do jornal, no entanto, o encontro efetivamente ocorreu como parte de uma investida do governo para blindar a presidente e evitar danos à sua imagem quando ela está em plena campanha para suceder a si mesma. Até o início da semana havia a expectativa de que o relator do processo, ministro José Jorge, indicaria responsabilidade de Dilma em virtude de sua posição no Conselho à época dos fatos.

Transcrevo parte da matéria: "Após a conversa com Lula, o ministro do TCU procurou os colegas e ponderou que responsabilizar Dilma neste momento pré-eleitoral seria politizar demais o caso, além de repetir a defesa do governo de que a presidente votou a favor da compra da refinaria com base em resumo incompleto sobre o negócio. Um ministro, ouvido pelo Estado sob a condição de anonimato, relatou que até uma vaga no Supremo Tribunal Federal foi mencionada. A votação foi unânime". Noutra parte da mesma matéria, lê-se: "Lula sinalizou que até mesmo cargos em um eventual segundo mandato de Dilma poderiam ser usados como elemento de convencimento dos ministros".

No dia 23, enquanto os corredores se agitavam e os celulares esquentavam as orelhas, o ministro Benjamin Zymler pediu vistas ao processo. O pedido, formulado com intuito preventivo, foi imediatamente retirado quando se evidenciou que a maioria dos membros da corte se inclinava em favor da não inclusão da presidente. Nesse mesmo sentido, aliás, posicionou-se o relator, ministro José Jorge, no voto que proferiu. Decisão unânime.

A questão que fica no ar, sem possibilidade de resposta conclusiva, é a seguinte: a deliberação do TCU foi influenciada, ou não, pelo que ocorreu nos bastidores? O que sim, se sabe, é que as fontes do Estadão relatam algo que, desgraçadamente, se torna muito verossímil porque tem toda a cara do Brasil que, a cada dia, mais e melhor conhecemos.

* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
 

Percival Puggina

25/07/2014

NOTA: Atendendo muitas solicitações, para mais fácil uso pelos leitores que o desejam reproduzir, transformei em artigo dois textos anteriores sobre esse tema .

 No Correio do Povo do dia 20 deste mês, o jornalista Juremir Machado da Silva recordou o quanto era difícil, nos anos 80, encontrar nas bibliotecas exemplares do livro Veias Abertas da América Latina. Esse era o livro mais indicado pelos professores e mais procurado pelos alunos. E continua muito recomendado, ao que me informam. Malgrado seja um amontoado de asneiras, Veias Abertas tornou-se o texto introdutório ideal da pregação marxista, objetivo primeiro de grande parte do mundo acadêmico nacional.

Talvez ninguém expresse melhor do que o próprio autor o que acabei de afirmar a propósito de seu louvado trabalho. No dia 11 de abril passado, o uruguaio Eduardo Galeano concedeu uma entrevista em Brasília. Ele era o homenageado da 2ª Bienal do Livro e da Leitura. O destaque que recebia tinha tudo a ver, por certo, com a popularidade que lhe adveio desse livro (alguém conhece outra obra de Galeano?). Na entrevista, com todas as letras, ele declarou: "Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu não tinha ainda a formação necessária. Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas é uma etapa superada. Eu não seria capaz de ler de novo esse livro. Cairia desmaiado. Para mim, essa prosa de esquerda tradicional é chatíssima. Meu físico não aguentaria. Teria que ser internado em Pronto-Socorro. 'Tem alguma cama livre', perguntaria".

Nesse trem do qual Galeano já saltou fora ainda existe muita gente embarcada, com o livro dele na mochila. Pois bem, para quem leva Veias Abertas a sério, Cuba vive, há 55 anos um modelo mais do que perfeito. Todo o patrimônio das espoliadoras empresas norte-americanas caiu, de um dia para o outro, nas mãos do Estado cubano sem que o Estado tivesse que pagar um centavo por ele, cessando, também, a remessa de qualquer lucro. Dois anos mais tarde, Fidel estabeleceu com a URSS uma aliança altamente vantajosa: os soviéticos passaram a lhe prestar ampla ajuda técnica, militar e científica, se responsabilizaram pelo seu superávit comercial comprando açúcar e níquel cubano a preços superiores aos de mercado e vendendo seus produtos a preços inferiores aos de mercado. Um negócio da China, segundo o qual o regime não só fechou suas veias como cravou a seringa na artéria dos russos.

Contudo, para absoluto espanto, malgrado a massiva expropriação que procedeu, malgrado as veias fechadas, malgrado quase três décadas favoráveis no balanço hematológico com a URSS, malgrado 55 anos de um padrão de consumo que faria padecer um monge franciscano, Cuba é, ainda hoje, um país tão pobre quanto você imagina um povo obrigado a enquadrar suas necessidades numa renda mensal inferior a 12 dólares e onde as atividades mais estimuladas batem num teto de 30 dólares. Um exército de policiais e informantes vigiam a vida privada e coontrolam o procedimento, nas ruas, dessa multidão de carentes.