Percival Puggina

10/12/2020

 

 

         A aparente contradição entre a fé e a razão suscita um debate que - mais do que recorrente - tem sido permanente nos últimos três séculos da história. Durante todo esse período, assim como houve quem lesse a Bíblia como um livro científico, houve quem lesse os livros da ciência como obra revelada e nesse teimoso engano abriram-se trincheiras que ainda persistem em mentes mais renitentes. 

         Que a Bíblia não é um livro científico parece evidente. E que a razão e a observação - a testa e o tato - não são as vertentes exclusivas e definitivas do que é verdade ou verdadeiro, deveria ser igualmente óbvio. Conforme registra Karl Popper (um agnóstico que não pode ser apresentado como defensor da religiosidade), nossos sentidos costumam nos iludir, as verdades científicas são sempre hipóteses provisórias e acreditar que a razão produz a verdade é uma outra espécie de fideísmo (qualquer bom filósofo sabe a razão pode conduzir a paradoxos).

         A dimensão religiosa é natural à pessoa humana, assim como o são, entre outras, as dimensões artística, moral, econômica e política. Qualquer uma delas pode ser desenvolvida ou não e o fato de perder impulso no transcurso da existência de algumas pessoas não significa que tenha deixado de existir. Por isso, o fenômeno religioso é presente em todos os povos e épocas. Há dezenove séculos, Plutarco já sustentava: “Podereis encontrar uma cidade sem muralhas, sem edifícios, sem ginásios, sem leis, sem moeda, sem cultura das letras. Mas um povo sem Deus, oração, juramentos, ritos, tal nunca se viu”. Todo conhecimento antropológico posterior veio corroborar essa observação, assim como veio comprovar a preeminente posição da religiosidade em todas as culturas.

         Joachim Wash, em seu Estudo comparativo das religiões, ensina que a experiência religiosa é uma resposta do homem à realidade última das coisas, a qual se expressa num Ser superior, transcendente, todavia susceptível de se relacionar com ele; que orientar-se para esse Ser exige do homem uma resposta total; e que aproximar-se dele constitui uma experiência inigualável, criativa e transformadora.

         A naturalidade da dimensão religiosa resiste aos totalitarismos. Jamais perece e ressurge, inclusive, nas explicações redutivas, de cunho científico, que a pretendem suprimir. Em todas há uma fé (ainda que na matéria, na natureza, no próprio homem, nas leis econômicas, no valor da sensualidade, na política) e, consequentemente, há em todas uma doutrina inquestionável e alguma forma de culto. Por isso, Max Scheler, não sem alguma ironia, afirma ser impossível se convencer alguém de que Deus existe pela mera razão. Mais fácil, constata ele, é mostrar que essa pessoa colocou algo no lugar de Deus: a si mesmo, a riqueza, o poder, o prazer, a beleza, a ciência, a arte. De fato, é curta a distância, mas há um abismo qualitativo entre o amor a Deus e a idolatria.

         Dada a naturalidade do fenômeno religioso e da dimensão religiosa do ser humano, recusá-las é negar realidade ao próprio ser. E isso é uma forma de alienação. De fato, como a vida se encarrega de evidenciar, aceitar a Razão como única fonte da verdade deixa o homem sem possibilidade de resposta para equações inerentes à sua natureza - tais como o sofrimento, o amor, a esperança, a morte e a própria finalidade da vida - cujas incógnitas não se resolvem nesse plano ou no dos sentidos.

 

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

08/12/2020

É dos bons parlamentares que vamos precisar, sempre, para apoiar os bons governos e obstar os maus.


Um mau sistema político adoece suas instituições e perturba a sociedade a que elas deveriam servir. Para compreender isso talvez nos sirva uma analogia. Responda: você acha que de uns anos para cá nascem mais bandidos no Brasil? O aumento da criminalidade nas últimas décadas decorre de algum bug genético que se infiltrou na sociedade brasileira? Claro que não. A criminalidade aumenta, estimulada por outros fatores, principalmente em virtude da impunidade.

Do mesmo modo, então: você crê que foi espontâneo o processo de degradação da política brasileira percebido de uns anos para cá? Claro que não. Há uma causa estrutural para isso, relacionada às características do modelo político vigente no país. Realmente espontânea, nessa realidade, é a tendência ao agravamento, pois o modelo estimula seus agentes a legislar, agir e julgar em favor da própria má conduta e de suas perversas motivações.

Certamente sem ter isto em conta, escreveu-me uma leitora discorrendo sobre a inutilidade de se pedir ao eleitor que vote bem, visto que ele só pode escolher entre aqueles que os partidos indicam e na cidade dela, os dois candidatos a prefeito etc. etc.. Pois essa mensagem expressa talvez o núcleo da dificuldade que se enfrenta para resolver gravíssimo problema estrutural da política em nosso país, dando causa aos malefícios que tanto nos atingem. Numa eleição, em qualquer eleição, seja municipal (como a recente), estadual, ou federal, toda a atenção e a esperança nacional converge para a escolha daquele que irá governar. E quase nenhuma preocupação com a qualidade da composição do respectivo parlamento, órgão mais importante do poder político em qualquer democracia.

Observe quanta frustração causou às expectativas nacionais a reação negativa do Congresso ao presidente eleito em 2018. As razões do voto presidencial vencedor não foram as mesmas dos votos parlamentares vitoriosos, e foi a partir daí que as raposas retomaram o comando do galinheiro. As medidas provisórias passaram a falecer nas gavetas, os projetos do governo começaram a ser desfigurados, não raro, transformados no seu inverso, a pressão pelo aumento do gasto público disparou e os partidos robusteceram seu caixa.A

grave enfermidade institucional do Estado brasileiro tende a se acentuar e não serão os homens de governo que o irão sarar com a varinha de condão da “vontade política”, quer sejam prefeitos, governadores ou presidentes. Os que o conseguirem, nos seus âmbitos de gestão, só o farão se e quando suas virtudes pessoais encontrarem ecos majoritários igualmente virtuosos nos respectivos parlamentos. Ou seja, é dos bons parlamentares que vamos precisar para apoiar os bons governos e para obstar os maus governos. Fácil de entender.

Mas difícil de fazer, não? Claro. Quem disse que a democracia é fácil? Ela ficaria menos enrolada mediante um conjunto de reformas que incluam pelo menos, no caso brasileiro, voto impresso, distrital e facultativo e separação entre as funções de estado, governo e administração. Enquanto isso não ganhar urgência na pauta do eleitor, continuaremos a soprar contra o vento e a comemorar vitórias de Pirro.

 

* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

05/12/2020

 

 Recebo muitas mensagens eletrônicas de estudantes e de professores que reclamam da carga político-ideológica despejadas sobre eles nas universidades e cursos de ensino superior que frequentam. Já pensei em juntá-las e fazer um livro, mas a coletânea exigiria identificar os autores desses relatos e isso, mesmo quando passados vários anos, pode acarretar problemas. Sabe-se lá quais males o futuro reserva, não é mesmo?

 Por outro lado, nunca na minha vida recebi informação de assédio em sala de aula perpetrado por professores de direita, aos quais, com tão profundo conhecimento e intimidade, se referem nossos esquerdistas da ponte aérea Rio – Miami. Isso me ensina duas coisas: a esquerda nativa tem bom gosto e a direita no Brasil é apenas uma forma de vida interior.

Desde os anos 90 escrevo sobre a tomada de assalto da Educação em todos os níveis. Nunca alguém reclamou de uma aula “fascista” que desnudasse as ações no Brasil, desde os anos 30, do Komintern e de seu Serviço de Ligações Internacionais. Nunca recebi comentário, fosse comemorativo, fosse recriminatório, sobre qualquer professor que houvesse referido as ações dos aparelhos comunistas na América Ibérica como parte de suas estratégias no continente. Nunca! É como se, por indolência destes e insignificância do Brasil, em plena Guerra Fria, nosso país tivesse sido chutado para o lado pelos soviéticos como uma casca de barata morta.

Em sentido oposto, porém, é um Deus nos acuda. Ocultação de fatos e autores, bem como a laboriosa construção de versões, se unem à sempre presente ideia de que a esquerda, malgrado seu alentadíssimo histórico de genocídios, malfeitos e fracassos, detém direitos exclusivos sobre as boas intenções. Quando tombam cortinas de ferro, muros e máscaras, de modo orquestrado respondem tais mestres que “aquilo” nunca foi o comunismo. Ou seja, nada é mais diferente do comunismo da sala de aula no Brasil do que o comunismo real.

Esse fabuloso espaço de influência que rege a educação brasileira, que a derruba qualitativamente e a faz perder posição nos rankings internacionais está de tal modo dominado que aqui no Rio Grande do Sul registrou-se um fato surpreendente. Em plena campanha eleitoral para a prefeitura da capital do Estado, cinco ex-reitores da UFRGS assinaram e divulgaram um manifesto de apoio à candidata do PCdoB. Ela seria “a esperança de uma cidade mais solidária, participativa e inovadora”. Não foi necessário buscar, para dar vulto a esse documento, reitores de gestões intercaladas. Não. Os signatários são cinco ex-reitores cujos mandatos cobrem todo o período de 1992 a 2020.

Meu periscópio não capta evidência maior da total falta de pluralismo ou de que o alegado pluralismo garantido pela autonomia universitária é um eterno 1º de abril contado aos cidadãos pagadores de contas.

 

* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

03/12/2020

 

“Guias cegos, que coais o mosquito e tragais o camelo”. (Mt 23, 24)


Em pleno século XXI, os moradores de Criciúma, em Santa Catarina, experimentaram a derrubada dos muros e a invasão dos bárbaros. Nada sei sobre estes novos vândalos que habitam um submundo ao qual não tenho acesso, mas sei quem não pode ser inocentado quanto ao fato. Esse é um contingente muito mais numeroso e visível.

 Não posso isentar de responsabilidade os autores do discurso segundo o qual “no Brasil se prende demais”. Ora, no primeiro semestre deste ano, criminosos que circulam em nossas ruas com a liberdade dos pássaros cometeram 25,7 mil homicídios. Acresça-se que, segundo o CNJ, apenas algo entre 5 e 8% dos homicídios são investigados! Nessas mesmas ruas, também circulam traficantes, estupradores, ladrões e assaltantes a infernizar o dia a dia do brasileiro. E mesmo assim, temos presos em excesso? Precisamos de políticas de desencarceramento? Progressão automática de regime? Vítimas abandonadas e vantagens para os criminosos, à nossa custa?

 Não isento os muitos magistrados mais preocupados com sua visão sócio-política da criminalidade (não por acaso equivocada, porque ideologizada) que considera o crime contra o patrimônio como uma forma de ato político, de ajuste de contas sociológico, espécie de proclama revolucionário contra o direito de propriedade. Então, quando impossível não contornar o determinado pelo Código Penal, mandam o réu para o “sempre-aberto”, assim chamado por que está aberto, sempre, para as mesmas ruas de onde operavam antes da pantomima judiciária.

 Como não ver a culpa dos ministros do STF? Quando o térreo do edifício judiciário prende por motivos graves, na luxuosa cobertura ministros soltam por motivos fúteis, no exercício de uma benignidade não virtuosa, filha da insensibilidade típica de quem vive entre canapés e lagostas ao thermidor. Ao mesmo tempo, sensíveis como flores de gardênia, tomam-se de ira punitiva se algo ou alguém os desagrada pessoalmente...

 Como inocentar nossos congressistas que deliberam sobre leis penais e processuais com o descarado intuito de favorecer os réus, situação de muitos deles, em detrimento da sociedade e em desrespeito às vítimas? Ampliaram o novelo das garantias e recursos, algemaram os agentes da persecução criminal e dos magistrados com uma lei sobre abuso de autoridade que inibe (poderia dizer coíbe) sua atividade. Tiveram o desplante de criar um “civilizatório” juiz de garantias enquanto se torna crescentemente ferina a vida nas calçadas, nas ruas, nas estradas e na Criciúma ou na Cametá de cada dia.

 Como perdoar os ministros do STF que votaram pelo retorno à interpretação de que a pena só pode ser cumprida após trânsito em julgado, por esgotamento de todas as instâncias recursais? Restauraram a impunidade, o império da chicana, a aposentadoria vitalícia das denúncias.

 Como não ver, ao mesmo tempo, que aumenta o rigor contra crimes que por motivos políticos têm especial rejeição da esquerda? Como não ver esses “guias cegos que coam mosquitos e engolem camelos"?

 

* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

01/12/2020

 

 Era coisa bem sabida: fora das grandes cidades, a política nacional pouco ou nada afeta os pleitos municipais. Sim, isso costumava ser verdadeiro. Mas deixa de ser assim num cenário de guerra cultural aos valores da sociedade e se o ataque político à identidade nacional promove sua fragmentação em grupos antagônicos. Diante dessas condutas sinistras e malevolentes, as disputas ideológicas se agigantam e se agitam.

São fraturas abertas no tecido social, estimuladas pela mídia militante. Ela acolhe, com braços e pernas, as teses do globalismo que convergem nessa direção, sempre e sempre apresentadas como “progressistas”. Já são visíveis em todo o Ocidente os resultados desse suposto progressismo. O decorrente enfrentamento motiva e preenche boa parte das opiniões manifestadas nas redes sociais onde conservadores/liberais defrontam a engenharia social dos revolucionários. Esse debate, em ambiente caótico e espontâneo, é detestado por quem se habituou a falar sozinho, sem interlocução, influenciando multidões que, pouco a pouco, lhes foram terceirizando suas mentes. Quanto mais, melhor para os negócios.

Pois isso é exatamente o que me motiva e é disso que vamos tratar aqui. Baixada a poeira das eleições municipais, é certo afirmar que, à exemplo da eleição parlamentar de 2018, a balança da vitória pendeu para os partidos do Centrão. Nada surpreendente. São muitos partidos, bem contemplados com dinheiro fácil do fundo partidário e acabaram colhendo votos de eleitores cujas posições políticas são abrangidas num amplo leque ideológico. Não espantam, portanto, as derrotas de Boulos em São Paulo e de Manuela em Porto Alegre. O que surpreendeu foi a vitória de Edmilson Rodrigues (PSOL) em Belém, onde o galo, solitário, cantou sua “vitória contra o fascismo”. Treinadinho, o Edmilson.

“E os nossos? Quando elegeremos os nossos?” perguntam-me leitores. Eles se referem à possibilidade de serem conferidos mandatos a líderes conservadores e/ou liberais, comprometidos com valores e princípios vitimados pela guerra cultural em curso, tristemente ausentes da realidade sociopolítica e institucional do país. Essa é uma percepção recente, que devemos atribuir ao sucesso eleitoral de Bolsonaro em 2018.

Só que a vida não é assim. Não é assim que as coisas acontecem. Não se elegem políticos de outro padrão nos vários níveis da Federação apenas porque o presidente da República disse em sua campanha algumas coisas que conquistaram parcela expressiva da sociedade. Onde são trabalhadas essas ideias? Onde o partido político? Onde o movimento? Onde as organizações de base? Onde o preparo dos quadros partidários? Onde a captação de recursos? Onde o recrutamento de lideranças? Onde os líderes dispostos a concorrer sabendo que vão perder, uma, duas, três vezes, para firmar posição? Um bom candidato pode ser fruto do acaso; muitos bons candidatos, não. Criado em 2004, só agora o PSOL começa a obter resultados de um longo plantio.

Estamos afoitos se esperamos colher nas lavouras alheias ou, ainda que minimamente, num canteiro que não semeamos. Não é assim que se recuperam para o país tantas mentes terceirizadas à esquerda.

 

* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

29/11/2020

 

Voto em Porto Alegre e passei as últimas semanas combatendo ideias perigosas. Segundo uma delas, os eleitores com mais de 70 anos deveriam ficar em casa, longe das urnas, cuidando da saúde, “beneficiados” que são pela dispensa do dever de votar. Tal campanha anulava o cidadão que, pela experiência de vida, majoritariamente é conservador e não eleitor dos partidos de esquerda. Segundo outra ideia difundida nestes dias, ideologia não tinha importância numa disputa municipal pois o eleitor estava mais interessado em questões do dia-a-dia. Repetido insistentemente nos meios de comunicação isso era quase tudo que a candidata mais ideologizada dessa campanha se empenhava em fazer crer.

Outra, ainda, sustentava estar em curso uma imensa conspiração para fraudar as eleições deste domingo em benefício dos partidos de esquerda. Ora, uma coisa é assegurar que as urnas têm vulnerabilidades; outra, bem diferente, é prognosticar uma conspiração para se valer delas com o intuito de adulterar o resultado das urnas, principalmente em São Paulo e em Porto Alegre. A venezuelana Smartmatic seria a operadora desse ataque à democracia...

Discordar dessa última posição, assumida por tantos nas redes sociais, não equivale a achar bom nosso sistema de apuração, não equivale a endossar a lamentável decisão do STF que considerou inconstitucional o voto impresso e menos ainda confundir voto impresso com voto em cédula de papel, como cheguei a ler em Zero Hora. A campanha pelo voto impresso precisa continuar porque logo ali haverá novas eleições. Parte ao menos da elevada abstenção em todo o país talvez se deva aos eleitores que viam no comparecimento um endosso aos “crimes contra a democracia” que estariam em curso. Os resultados deste fim de tarde de domingo em nada confirmam tal suspeita.

A capital dos gaúchos, felizmente, não proporcionou uma vitória ao PCdoB, surpreendendo a indefectível pesquisa com que o IBOPE lhe prenunciou a vitória. Ao longo da campanha Manuela se apresentou em versão ultraleve, quase flutuando, como anjo, numa nuvem desde a qual prometia chover bondades sem raios nem trovoadas. Mudou o visual, sumiram a foice, o martelo, a estrela, as cores e o nome do partido. Mudaram, também, as companhias habituais. Adeus, Lula.

No primeiro turno votei em Gustavo Paim. Hoje, votei em Sebastião Melo, numa chapa qualificada, também, pela presença do amigo, o intelectual e o excelente vereador que foi Ricardo Gomes. Chego ao final deste dia saboreando a vitória tão necessária ao futuro político do Rio Grande do Sul. Afasta-se de nosso rumo a marca de ser a Havana do Sul, onde a esquerda persistiria como força política hegemônica.

 

* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

26/11/2020

 

 No século passado, houve um longo tempo em que o comunismo e o respectivo cortejo de males só pela força bruta conseguia espaço para instalar suas estruturas de poder. Sacrificava vidas – muitas vidas, milhões de vidas! – e depois, neutralizava, também pela força, os remanescentes. Foi o período de triunfante expansão territorial dos totalitarismos, dos quais sobrou o comunismo, embora também ele tenha sido forçado a reconhecer seus fracassos ao som surdo das marretadas com que a população da Alemanha Oriental abriu passagem no Muro de Berlim.

A perda de validade das profecias comunistas de Marx não foi admitida pelos movimentos revolucionários em muitas nações periféricas. Na América Ibérica esses grupos se reuniram no Foro de São Paulo. O muro caíra em novembro de 1989 e em julho de 1990, apenas oito meses depois, esse colegiado se reunia na capital paulista, mobilizado por Lula e Fidel Castro. Ali secaram as lágrimas pelas perdas europeias e, numa operação quase hospitalar, ligaram as finadas profecias marxistas aos aparelhos partidários da esquerda do continente. Dada a natureza dos grupos que se coligaram, boa parte dos quais remanescentes da luta armada revolucionária, era preservado, in vitro, o ânimo belicoso que vê a política como luta que só se resolve com a total submissão do antagonista.

É essa a ideia presente no conceito de luta de classe. Ela só tem solução com a supremacia de uma classe sobre a outra. E tudo ganha agilidade na direção da hegemonia se novas classes forem se organizando mediante atração de “minorias” para a luta política. Eu vi isso acontecer e apontei nas mesas de muitos debates, no final dos anos 80.

***

Bem antes, porém, escrevia Mario Ferreira dos Santos. Ele é considerado, inclusive por Olavo de Carvalho, como o maior filósofo brasileiro. Filósofo de fato, de pensamento autônomo, autodidata, autor de dezenas de obras de fôlego e relevo, esteve desconhecido do público brasileiro, logo se verá por quê. Um ano antes de sua morte, em 1968, foi publicado pela primeira vez seu livro “A invasão vertical dos bárbaros” que trata da ocupação de uma nação pela destruição de sua cultura por uma cultura inferior. Passados 53 anos, esse fenômeno é um dos principais motivos para reflexão e preocupação dos brasileiros, com justificados reflexos na política nacional.

Ao mesmo tempo, os bárbaros locais não dizem dez palavras sem falar em luta. Exceto se querem esconder quem são por conveniência do marketing eleitoral. Herdaram o ânimo belicoso dos tempos da invasão horizontal. Em relação ao que expõem como suas causas, punhos cerrados, eles não as propõem, nem sustentam, nem escrevem, nem alardeiam, nem mobilizam. Eles lutam. A práxis é a luta. A vida é a luta. A frase não sai sem luta. Vem dela o ódio ao adversário. Aprenderam do adorado Che a ver “o ódio como fator de luta”. Não se constrangem, sequer, de torcer escancaradamente para que um inimigo do Brasil vença a eleição nos Estados Unidos se isso fizer mal, também, àqueles a quem odeiam. Só que claro, com a conivência do fã clube midiático, esse é um ódio do bem...

 

* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

24/11/2020

 

 Em recente artigo sobre racismo, Roberto Rachewski criticou quem faz política usando como bandeira seu sexo e sua cor. E conta haver apoiado uma jovem, mulher, negra e moradora da periferia, candidata a vereadora por seu partido, “não porque ela era jovem, mulher, negra e da periferia, mas porque ela é honesta, culta, inteligente, empreendedora e liberal”. Mais adiante, afirma o autor: “Seja branco ou negro, seja homem ou mulher, seja jovem ou velho, seja rico ou pobre, eu analiso e julgo o caráter, o quanto aquela pessoa valoriza a racionalidade, a produtividade, a independência, a honestidade, a integridade, a justiça e a capacidade de melhorar moralmente a cada dia, a ponto de se orgulhar por suas conquistas”.

 No Brasil e em todo o Ocidente, porém, a maior parte dos grandes veículos de comunicação está comprometida com a ideia de que as cadeiras dos parlamentos, os concursos e os cargos públicos, as posições de diretoria da iniciativa privada, os postos de trabalho das grandes empresas, devem estar equitativamente distribuídos por sexo e suas tendências e por cor da pele e suas variações.

Na capa da edição Zero Hora (24/11) 11 vereadores eleitas posam diante da Câmara Municipal de Porto Alegre assinalando a maior representação feminina já levada ao parlamento da capital. Mas, mesmo assim, sendo 11 em 36, acrescenta a informação, “bem distante da relação com a representatividade do gênero na população”...
Terminou a eleição municipal do dia 15 de novembro e lá estavam os caçadores de irrelevâncias contando brancos e negros, homens e mulheres, homossexuais e transexuais, para checarem se estão ou não equitativamente representados.

Ou seja, para esse tipo de jornalismo, parlamentares são eleitos para representar interesses relacionados à população do mesmo sexo, ou cor, ou tendências sexuais. Obviamente, em presença de tais critérios de decisão, o bem de uma comunidade, de um município, do estado e da União Federal é mais adequadamente atendido por uma representação política marcada por esse tipo de militância, embora no cotidiano da atividade parlamentar tenham os legisladores que deliberar sobre tudo mais. Para tanto, caráter e competência são muito mais relevantes do que cor da pele, sexo e tendências sexuais.

É por isso que a afirmação do Roberto Rachewski é de uma lógica cristalina. Como tenho afirmado tantas vezes, o parlamentar não deve ser um representante de interesses, mas um representante de opinião identificado com o eleitor não por meras coincidências genéticas, mas por identificação com o modo de ver o ser humano e a sociedade, sua cidade e o mundo onde vive.

* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
  

Percival Puggina

21/11/2020

 

 

 Entre as tantas contradições do Direito positivo brasileiro, o voto realiza a proeza de ser, ao mesmo tempo, direito e dever. O cidadão tem o direito de votar, concedido à sua cidadania brasileira, e tem a obrigação, na mais tolerante hipótese, de encenar na cabine um arremedo de votação, fazendo-o de modo nulo ou em branco.

O mesmo, porém, não vale para os maiores de 70 anos, dispensados do dever. A partir dessa idade o sujeito ganha alforria, está livre da multa por descumprimento do dever. É como se a lei lhe dissesse: “A democracia passa muito bem sem seu voto, senhor”. Convenhamos que tal norma é tão idiota quanto a que torna obrigatório o voto do pior dos eleitores, aquele que vota a contragosto, de qualquer jeito, em qualquer sujeito, sem reconhecer a importância do que faz.

A história de sucessivas civilizações contém inúmeros exemplos de valorização da opinião dos idosos. A humanidade entrou pelo século XX incorporando no seio das famílias a tradição do aconselhamento pelos mais velhos, num reconhecimento do valor da experiência e da sabedoria acumulada. Abandonar essa tradição e vencê-la integra a agenda daqueles que querem derrubar, desde seus fundamentos éticos e práticos, a civilização ocidental. Recupere-se, então, uma importante e descuidada noção: o domínio dessas sutilezas que compõem o cotidiano da geração digital, ante as quais tropeçam os dedos e os neurônios dos idosos, está longe de ser sabedoria.

Os conselhos dos anciãos incluem-se entre as primeiras formas de organização espontânea das sociedades primitivas, substituindo a razão do mais forte pela dos mais sábios e experientes. No antigo Egito, os anciãos eram honrados e consultados mesmo após a morte. Eles estão mencionados em livros do Antigo Testamento. Integravam a organização política de Esparta, denominados Gerúsias, e daí advêm os atuais Senados. Também em Roma, nos mosteiros medievais, na Revolução Francesa (após a derrota dos jacobinos) os anciãos cumpriram importante papel. Foi nessa natural tradição que se inspiraram os constituintes da Filadélfia para criar o Senado dos EUA e o Brasil para instituir nosso próprio Senado em 1824. Tudo isso sem esquecer algo pitoresco: foi a associação entre idade e sabedoria que fez valer ao judiciário britânico o uso das perucas brancas, vigentes durante séculos, até 2007.

Diante de tantas e tais evidências, proporcionada no decurso de milênios, o desinteresse pelo voto dos idosos se revela rematada tolice. No último pleito, talvez em função da pandemia, a abstenção em Porto Alegre chegou a um terço dos votantes. A esses eu digo que no domingo passado, valendo-nos do horário prioritário dos idosos, minha mulher e eu tivemos mais facilidade e agilidade para votar do que em qualquer outra ocasião. Saímos convencidos de que se alguém pode ir ao supermercado, certamente estará mais bem resguardado num rápida chegada à sua seção eleitoral no horário apropriado. Aos que estão dispensados da obrigação, lembro:

Vocês são eleitores altamente qualificados por sua experiência, pelo que testemunharam na história vivida, pelo Brasil que conheceram e pelo Brasil que conhecem. Ele precisa de vocês.

 

* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.