Percival Puggina
Durante décadas, aqui em Porto Alegre, tivemos excelentes programas de debates políticos em rádio e televisão. O esquema era simples: um jornalista apresentador, de dois a quatro convidados em lados opostos, assunto na mesa e o debate fluía tão acalorado quanto solto. Como se vê, cisão política não é novidade. Novidade foi a mobilização de eleitores conservadores e liberais na disputa em 2018.
Quem é do Rio Grande do Sul sabe que, durante décadas, participei de centenas daqueles debates. Sempre gostei disso. As mentiras eram as maiores dificuldades eventualmente enfrentadas. O problema tinha a ver com a equânime repartição dos tempos nos programas. Um bom mentiroso mente muitas vezes em cinco minutos de fala. A reposição da verdade, claro, toma muito mais tempo. A mentira, dizem por isso, dá a volta ao mundo enquanto a verdade calça os tênis.
É certo, porém: o mentiroso é o maior prejudicado pela mentira que conta. Ele não escapa às consequências do que diz para iludir os demais. Uma dessas consequências foi apontada por Aristóteles: mentirosos perdem o crédito até quando, eventualmente, dizem a verdade...
Além de comprometer quem a cria ou propaga, a mentira passa a agir sobre a pessoa numa espécie de permanente chantagem moral, a cobrar novas mentiras, como quem acresce elementos num castelo de cartas que a qualquer momento irá tombar ao sopro da verdade, levando junto o mistificador.
Numa época em que o debate político multiplica seu formato nos teclados e telinhas, quando a corrupção retorna como conteúdo das conversas, é importante pensar, novamente, sobre o quanto a mentira é tóxica a esses importantes ambientes de participação cívica. É saudável ponderar seu poder de destruição da própria política.
Quem faz política mediante a mentira, a manipulação gráfica e de vídeos, a manipulação da informação, da educação e dos livros didáticos, pode não perceber, mas está dando os primeiros passos no caminho da corrupção. Passos sem os quais ninguém chega, mais adiante, à conduta criminosa, ao dinheiro na cueca, na gaveta ou em paraíso fiscal. Ninguém senta na frente do juiz sem, antes, ter sido um mentiroso contumaz.
Não foi à toa que Orwell concebeu, na profética obra “1984”, um Ministério da Verdade para proteger a mentira. Ela é o caminho dos totalitários e dos corruptos porque dissemina a pior forma de corrupção, a mais grave, ainda que a tantos pareça inocente como uma pequena semente: a corrupção da verdade, vício comum aos corruptos mais danosos.
* Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de puggin.org.
** Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
Odilon Rocha - 06/02/2021 13:18:33
Caro Professor Aristóteles disse tudo. A idelogia canhestra é somente uma ferramenta de instabilidade para a consecução de poder e domínio. O tempo tem mostrado isso. Convicção? Só para tolos e inocentes. Cargos, privilégios, benesses, estabilidade, vantagens, e uma lista sem fim de pilantragens. Uma corrupção moral desmedida. É só o que querem. E para tanto, a mentira se faz necessária. Sem ela, não sobrevivem.DIRCÉA - 05/02/2021 14:44:34
Muito bom.Arésio Leonel de Souza - 05/02/2021 14:15:24
Vwedade.Lenice Monteiro Arruda - 05/02/2021 13:44:26
A Mentira sempre existiu no mundo . Mas era menos generalizada , pois aprendíamos , fosse na educação familiar ou nas religiões , como freio moral , que era errada . Com a corrosão das normas éticas , tornou-se tão recorrente , que fica difícil separarmos o que seja a Verdade ...E muitas vezes , aqueles que prezam a Verdade são engolidos pela ingenuidade de acreditar nos semelhantes , o pois acabam medindo as palavras alheias pela própria régua da sinceridade ... Acho que o Presidente Bolsonaro não é ingênuo , mas comete alguns enganos por usar a própria régua ! Antes assim .