Percival Puggina

04/09/2014

 


 Não é muito raro que cidadãos comuns, presenciando um assalto, reajam contra o assaltante agredindo-o fisicamente. Sabem que o meliante, levado à delegacia, tem grande possibilidade de sair livre, leve e solto pela mesma porta por onde entrou. E sai, muitas vezes, antes mesmo de que o policial preencha os documentos relativos à sua captura. Ainda recentemente, o secretário de segurança do Rio Grande do Sul relatou a uma emissora de rádio que certo PM, num único turno de trabalho, prendeu duas vezes o mesmo bandido. Então, as pessoas, vez por outra, tratam de fazer justiça com as próprias mãos.

 Sempre que isso ocorre, a imprensa nacional reage com justa indignação. Essa não é uma atitude civilizada! E não é mesmo. Impõe-se que a Justiça siga seu curso. Ainda que ela falhe, ainda que seja excessivamente branda, ainda que "a polícia prenda e a justiça solte", ainda que o bandido seja um indivíduo socialmente intolerável e irrecuperável, ainda que seus crimes se repitam indefinidamente, o "justiçamento" não pode ser tolerado. São severas as palavras da mídia, sempre que algo assim acontece. E têm que ser.

 Há poucos dias, na Arena do Grêmio, um grupo de torcedores dirigiu palavras injuriosas ao goleiro do Santos. Chamavam-no de "macaco" e imitavam sons e movimentos simiescos. Vulgaridade, grosseria, estupidez. Entre esses torcedores havia uma jovem cuja imagem foi flagrada por câmera enquanto pronunciava, com nitidez que não gera dúvidas à leitura labial, as três sílabas da palavra macaco. Nos dias que se seguiram, a imagem dela injuriando o goleiro ocupou parte do noticiário nacional, capas de jornais e ganhou manchetes, numa reiteração cotidiana. A moça mereceu painel fotográfico, perfil biográfico, entrevistas com familiares, identificação minuciosa.

Junto com diversos torcedores, identificados uns, outros não, ela cometeu delito criminalmente tipificado como injúria racial (onde a característica racial da injúria é agravante). Correrá um processo, no qual certamente será condenada a pena branda, porque o delito não comporta mais do que reclusão de um a três anos, o que, ante a primariedade da ré, provavelmente será substituída por pena alternativa.

A questão é a seguinte: a imprensa, que tão pronta e justamente reprova a agressão a bandidos nas ruas, não percebeu o linchamento moral imposto à jovem, com a superexposição a que a submeteu? Foi desmedido e absurdo esse comportamento. Não, não foi sábio, nem prudente, nem judicioso. Antes das devidas sanções judiciais, a moça foi imediatamente penalizada com a despedida de seu emprego. Sua casa foi apedrejada. Seus familiares injuriados. Recebe ameaça de morte e precisa buscar abrigo e segurança.

Perdeu-se a noção de limites, bem ali onde se abrigam tantos árbitros dos limites alheios.

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

01/09/2014

 


 O eleitor comum é um sujeito com o coração no lugar do cérebro e o cérebro dividido entre a geladeira e o contracheque. Foi assim que elegeu Lula duas vezes e colocou uma tartaruga no poste em 2010.

No entanto, tem razão Bob Marley: "You may not be her first, her last, or her only. She loved before, she may love again". Ocorre o mesmo com o amor de eleitor. E o coração do eleitor brasileiro pulsou fortemente quando a queda de um avião sem dono, sem caixa-preta e sem motivo para cair, entregou uma candidatura presidencial à acreana Marina Silva. A esguia senhora, que parece saída de uma foto de Sebastião Salgado, entrou em espiral ascendente. O coração do eleitor faz coisas assim. E depois? Ora, quanto ao depois, especulemos.

A coligação agora formada em torno de Marina Silva envolve os seguintes partidos: PSB, PPS, PRP, PHS, PPL e PSL. Os três últimos não têm um único deputado federal ou senador. São legendas e quase nada mais. Os três primeiros, têm, respectivamente, 24, 6, e 2 deputados, correspondendo a apenas 6% do plenário da Câmara dos Deputados. O PSB tem 4 senadores. Mesmo supondo que a condição privilegiada da candidata socialista no momento do pleito de 5 de outubro conceda um upgrade às suas nominatas de candidatos proporcionais, é muito improvável que tenha peso significativo no Congresso a base parlamentar natural de um eventual governo do PSB. Será mesmo do PSB ou será da Rede? Marina estaria como uma seringueira solitária em área de lavoura. Onde iria buscar os outros 250 deputados e os 50 senadores que lhe faltarão para compor maioria? Como aprovaria ela as medidas que serão necessárias na crise que já se instalou no país e que se agravará no ano que vem?

Marina fala numa tal Nova Política, que incluiria o fim do instituto da reeleição e o emprego de mobilização popular para exercer pressão sobre o Congresso Nacional onde ela, como se depreende do exposto acima, teria sólida minoria. Marina contaria, então, com o apoio do povo. Por quanto tempo, Bob Marley? Até o primeiro arrufo entre namorados?

Se ela tiver fé religiosa no elevado espírito público dos senhores congressistas, um eventual governo seu terá curto prazo de validade, como demonstra a experiência histórica. No entanto, ela já deve ter consciência disso, e a questão se resume em saber quem correria primeiro - se ela para o PMDB ou o PMDB para ela. Certo, porém, é que o PMDB e seus abnegados congressistas estariam no governo. E quem mais? Tudo indica que dona Marina não nutre qualquer simpatia pelo PSDB, o que levaria esse partido para mais um quadriênio de elegante retórica oposicionista. Tampouco parece razoável, no plano das suposições, que o PSB venha a formar governo com o PT no momento em que tiver na mão as ostras e o canivete para sucedê-lo como protagonista principal da cena política nacional. Quem resta, então, para servir de coadjutor a um projeto governista de dona Marina na legislatura de 2015 a 2019? Virtudes cívicas e força política não costumam piar juntas na atual ninhada de siglas partidárias do país.

Continuo convencido de que o movimento das peças no jogo do poder é para profissionais. Quando o eleitorado, como agora, começa a desenhar estratégias, votos mudam incontrolavelmente de lado. O PT acelerou o caminho para a recessão tentando fugir da recessão. E a crise em que lançou o país acelera esses movimentos espontâneos da opinião pública em busca de novos amores, "eternos enquanto duram".

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

31/08/2014

 

 Boa parte da fábula narrada por George Orwell em "A revolução dos bichos" transcorre durante o governo exercido por Bola de Neve e Napoleão, os dois porcos que comandam a revolução e assumem a direção de uma granja. Junto com eles, ascende um terceiro porco dotado de extraordinária força de persuasão, o Garganta, encarregado da propaganda.

 Nos últimos dias, dois fatos lançaram luzes fortíssimas sobre aspectos da realidade nacional, tornando impossível não extrair deles as devidas conclusões. São fatos que fazem lembrar o livro de Orwell e pensar se não estamos, há bom tempo, diga-se de passagem, sob uma revolução dos bichos, colocando a nação sobre quatro patas.

 No sábado, dia 23, à noite, no sempre interessante programa Painel, da Globo News, William Waack recebeu três economistas para uma conversa sobre o sistema tributário nacional. Entre eles o meu amigo Paulo Rabello de Castro, sempre brilhante, membro do Pensar+ e líder do Movimento Brasil Eficiente, organismo "que trabalha com propostas concretas para a Simplificação Fiscal e a Gestão Eficiente das despesas do Governo no Brasil". Lá pelas tantas, Paulo Rabello de Castro disparou: "Sabe por que o programa fiscal denominado "Simples" tem esse nome? Porque o outro sistema é o Complicado". Ou seja, o governo cria um programa simples porque ele sabe que adota um outro cuja complexidade onera o Custo Brasil. E ninguém faz coisa alguma para simplificar o complicado! Bola de Neve resolveria melhor.

 No domingo pela manhã, cai no meu Facebook texto do jornalista Alison Maia relatando conversa que manteve, em banco de delegacia, com um jovem de 14 anos detido por porte de arma. O que ouviu é de arrepiar até pelo de porco. Criado sem pai, por mãe problemática, em duas ocasiões procurou e encontrou emprego para poder se sustentar e estudar. Em ambas o seu patrão foi processado por contratar menor e ele teve que ir ganhar a vida nas ruas vendendo droga. O relato do jovem termina assim: "Então, seu Alison, guarde seus conselhos para esses safados que vocês votam e acham que menor não pode trabalhar, mas pode roubar, matar e traficar".

 Não sei de qual espírito de porco saiu essa ideia de que o trabalho pode fazer mal a um adolescente e, por isso, o impede de usar parte do dia para trabalhar aprendendo algum ofício. Aprender a trabalhar também é se educar. Toda experiência humana, com infindáveis exemplos, ensina que trabalho adequado à idade, por tempo limitado, em condições de segurança, só faz bem a quem o exerce. É preciso diminuir a quota de Gargantas nos poderes da República.
 

Percival Puggina

28/08/2014

 


 Assistindo às presidenciáveis no debate promovido pela Band, percebi que vivemos sob a influência de uma ideologia escancaradamente reacionária. Seus adeptos, encilhando-se a fórmulas superadas, se dedicam, por todos os modos, a puxar as rédeas da humanidade e da civilização. Lembrei-me dos Fóruns Sociais Mundiais e de seu slogan - "Um outro mundo é possível". Sim, sim, escrevi eu à época. Um novo Big Bang, uma nova Criação, um novo Paraíso com maçãs para todos.

Foi em nome dessa ideologia que, em abril de 2000, muitos saíram às ruas a vociferar contra o Descobrimento. Quando o MST invade uma propriedade rural, eles chamam de ocupação. Quando se referem ao desembarque dos portugueses em Porto Seguro, falam em invasão. Por algum motivo obscuro ainda não escolheram Cabral, primeiro invasor, como patrono do MST. É claro que se os portugueses tivessem tocado direto para as Índias, nosso país seria hoje o que são as tribos que se mantiveram sem contato com a civilização. Vale dizer: viveríamos lascando pedra.

Essa ideologia, se pudesse, acabaria com o imenso usucapião denominado Brasil. Os negros voltariam à África, os brancos seriam banidos para a Europa e os índios promoveriam uma continental desapropriação do solo e das malfeitorias aqui implantadas. Alerta: os defensores de tão escabrosa geopolítica se aborrecerão terrivelmente se você apontar o racismo embutido em tais conceitos.

Como não poderia deixar de ser, a ideologia em pauta é contra a globalização. Para evitá-la, teríamos que retornar às cavernas de origem e combater o nomadismo como um fenômeno perigoso, precursor do famigerado neoliberalismo.

Ela é, também, contra o grande capital, o que não significa ser favorável ao pequeno capital pois o capital é um bem que degenera enquanto cresce... Melhor e menos suspeito seria não ter capital algum. Idêntico raciocínio leva a rejeitar a grande empresa e a grande lavoura. Se essa ideologia tivesse poder há mais tempo, estaríamos plantando com as mãos, tocando tambor para chover, trocando mercadorias e desinventando o dinheiro. Malthus teria razão e o planeta providenciaria menos 4 bilhões de almoços por dia.

Essa ideologia é contra a democracia representativa, a pesquisa genética, as privatizações, o mercado, a tecnologia. No fundo, deve ser contra, até mesmo, quem agride a natureza lascando suas pedras. Cuidado, porém. Mais alguns passos para trás e a gente vira ameba.

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

26/08/2014

 


 A Câmara Municipal de Porto Alegre deve deliberar sobre o projeto de mudança de nome da Avenida Castelo Branco. Motivo: uma desavença entre dois vereadores do PSOL e o falecido ex-presidente da República, que cumpriu mandato entre 11 de abril de 1964 e 15 de março de 1967.

 Os dois edis implicam com o nome da avenida. Ela lembra um marechal do Exército Brasileiro, chefe de operações da FEB durante a 2ª Guerra Mundial e o primeiro dos governantes militares brasileiros entre 1964 e 1985. Alegam que o marechal participou de um golpe e que, embarcado nesse golpe, chegou à presidência. Ora, quantas cidades e logradouros públicos homenageiam o Marechal Deodoro? Também ele, no seio de um golpe contra a monarquia constitucional, chegou inconstitucionalmente à presidência. O marechal Floriano, destinatário de iguais homenagens póstumas, participou dos mesmos eventos cívico-militares. Como vice-presidente, assumiu o poder na renúncia de Deodoro, exercendo o governo como ditador de fato e prorrogando o próprio mandato para muito além do tempo constitucional previsto para si. Nada diferente a assunção de Vargas em 1930, no bojo de uma revolução, e sua longa ditadura até 1945.

 No Rio Grande do Sul, com Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, tivemos três décadas de governos estaduais sob constituição não democrática e eleições fraudadas. E não há cidade gaúcha sem rua ou praça que os reverencie.

Castelo Branco foi eleito presidente, em sessão conjunta do Congresso Nacional, recebendo 361 votos de um total de 388, numa eleição em que os congressistas poderiam escolher o candidato que bem quisessem (inclusive houve votos para Juarez Távora e Eurico Gaspar Dutra). Entre os eleitores de Castelo Branco alinharam-se ilustres brasileiros, como JK, Ulysses Guimarães, Plínio de Arruda Sampaio (ex-PT e depois PSOL, recentemente falecido), Tancredo Neves e Franco Montoro.

É um caso de lanterna na popa, segundo a consistente imagem concebida pelo saudoso Roberto Campos.


 

Percival Puggina

25/08/2014

 

 Como cidadão que acompanha o movimento na esquina desta eleição, permitam-me enviar um conselho ao candidato Aécio Neves. Meu caro Aécio, ou você faz como era usual na minha Santana do Livramento dos anos 50 e dá um risco com o pé no chão, estabelecendo os limites do seu campo político, definindo qual é o seu lado e o que ele significa, ou vai beber água suja nessa eleição. O senhor enfrenta neste pleito duas adversárias com posições radicais e elas não podem ser enfrentadas com luvas de pelica e punhos de renda, como já disse alguém.

O programa de governo assumido por dona Marina Silva tratou de deixar claro que também é favorável à ideia contida no "decreto dos sovietes", ou seja, que irá amarrar as decisões políticas e a gestão pública aos pareceres dos movimentos sociais. Alguns se surpreenderam com isso. No entanto, a candidata do PSB entrou na disputa riscando o chão, explicitando o seu quadrado. E por isso, crescendo. O PSDB de Aécio Neves tem, no próprio programa que é favorável ao parlamentarismo, muito mais a dizer sobre mudanças institucionais. Tem muito maior contribuição a oferecer para sustar a marcha da democracia brasileira para os braços de um projeto totalitário.

Ao assumir compromisso programático com os conselhos populares, assim como ao negar contato com o PSDB em São Paulo, Marina Silva deixa claro que ela e Dilma têm um inimigo comum. Ou seja, têm um inimigo que está acima das atuais diferenças de projeto político. Por quê? Porque ambas vão na mesma direção. Ou esquecemos o jogo pesado de Dilma para implantar o seu projeto de Código Florestal? O verde de Marina e de Dilma é vermelho por dentro.

A democracia popular, que está na base filosófica do projeto dos sovietes, se distingue da "democracia burguesa" ou liberal, deu nome a várias repúblicas comunistas da Ásia e do Leste Europeu antes do desfazimento da URSS. A partir da observação histórica, democracia popular sempre equivaleu a "ditadura do proletariado". E ditadura do proletariado sempre foi pura e refinada ditadura das elites partidárias.

Não há, portanto, ilusões com as quais nos iludirmos. Marina e Dilma são galhos da mesma árvore, braços do mesmo corpo político. E se Aécio Neves persistir na conversa mole do melhorar o que está bem, ainda que acresça um "mudar o que está mal", verá o imenso contingente de eleitores liberais e conservadores bandearem-se em desalento para um dentre dois males. Se é que isso já não aconteceu.
 

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
  

Percival Puggina

24/08/2014

 

 Na mesma semana em que um assessor de imprensa do Palácio Piratini tentou impedir que a Rede Bandeirantes de Porto Alegre divulgasse o resultado de uma pesquisa eleitoral desfavorável à candidatura do governador Tarso Genro, novos fatos ocorrem em São Paulo. Aqui no Rio Grande o escrito ficou pelo não escrito e tudo se passou como se nada tivesse acontecido. Em São Paulo, o PT perdeu o juízo e entrou em Juízo para exigir - imaginem só a pretensão! - que a Rede Globo dedique em seu noticiário mais espaço à candidatura de Alexandre Padilha ao governo paulista. Padilha é candidato nanico em São Paulo, com apenas 5% das intenções de voto.

 São apenas as mais recentes iniciativas de uma infindável série de medidas de toda ordem na mesma direção. A primeira foi a tentativa de empacotar e vender à opinião pública a Ancinav, uma certa Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual, que iria "regular" o setor e seus conteúdos. Em seguida, foi uma ideia que mataria de inveja Hitler, Stalin, Mussolini, Getúlio e outros tiranos: a criação de um Conselho que daria à Federação Nacional dos Jornalistas, órgão controlado pelo petismo, o direito de, em nome da luta pelo politicamente correto e contra o neoliberalismo, cessar a atividade dos colegas incômodos. Depois, todos haverão de lembrar, veio a recorrente tentativa de estabelecer um Marco Regulatório da Imprensa, proposta que tem tudo a ver com o movimento totalitário ao qual se filiam, sem exceção, os parceiros do PT na geopolítica mundial (você não encontrará entre eles qualquer governo comprometido com a democracia e seus valores).

O que pretende o PT junto à Justiça Eleitoral é uma ordem para que a Rede Globo deixe de exercer seu discernimento sobre o que é e o que não é notícia, sobre o que interessa e o que não interessa ao seus leitores, ou seja, sobre o be-a-bá de qualquer edição, em qualquer redação, onde quer que haja jornalismo.

Há alguns meses, debatendo em programa de tevê com um deputado petista, ouvi dele que era desigual a centimetragem dedicada aos diversos partidos políticos no noticiário da imprensa escrita. Aproveitei a oportunidade para mostrar o quanto o igualitarismo cantado em prosa e berro pelo PT nada mais é do que puro totalitarismo, pretendendo impor, até em centímetros quadrados, a igualdade dos desiguais.

Os telespectadores certamente entenderam. Meu interlocutor e seu partido, não.

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

21/08/2014

 

 Ao promover uma invasão de terras, os membros do MST seguem rigorosamente as instruções fornecidas por seus líderes. Na hora do enfrentamento, as crianças vão na frente, formando um escudo humano para proteção dos marmanjos. Isso é algo a que estamos habituados a assistir aqui, bem perto dos nossos olhos.

 Não pode nos surpreender, portanto, que o Hamas, na guerra que promove contra Israel desde a faixa de Gaza, utilize escolas e hospitais como bases para lançamento de seus foguetes para, depois, derramar lágrimas de crocodilo sobre imagens dos danos ali causados. É o Hamas que impõe seu totalitarismo religioso fanático sobre a pacífica população da faixa de Gaza e não Israel. É o Hamas que está se lixando para os males que afligem a população civil da região sobre a qual impõe sua insensível tirania.

 Com muita razão aliás, o noticiário sobre o conflito observa uma grande desproporção entre as potencialidades bélicas de ambos os lados. Mas é muito difícil entender o tipo de justa proporção que se poderia esperar naquelas circunstâncias. Se o problema do conflito ali travado é a desproporcionalidade das forças combatentes e não a existência de um grupo terrorista islâmico agressor na fronteira de Israel, com o intuito explícito de o destruir, torna-se indispensável definir o que seria uma justa proporção aplicada ao caso.

 Indago: para atender a esse clamor, Israel deveria abandonar o armamento que usa e passar a empregar mísseis de fabricação caseira? Seria isso o que se espera? Ou, quem sabe, Israel deveria adotar atitude passiva enquanto os radicais do Hamas despacham seus artefatos desde os telhados de Gaza? Existem extensas áreas despovoadas ou muito pouco povoadas em Gaza. Por que os terroristas do Hamas se abrigam exatamente nos setores urbanos mais densamente ocupados? E é israelense a responsabilidade pelos danos?

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
  

Percival Puggina

19/08/2014

 

Em época de campanha eleitoral todos fogem das chamadas questões sensíveis. O repórter que fizer uma dessas perguntas vai perder o amigo. É como se não fosse de bom tom formular tais questões. No entanto, são elas que possibilitam ao eleitor formar um perfil dos políticos que postulam seu voto.

 Habitualmente, e quase sem exceção conhecida, os candidatos se escondem desses temas discursando sobre o que são favoráveis. Políticos adoram falar sobre o que gostam, aprovam, respeitam, querem ver protegido. E nisso, muito provavelmente, todos estarão de acordo: gostam do povo, de pegar criancinhas no colo, se interessam em promover os mais necessitados, querem que haja emprego e moradia para todos. Querem educação de qualidade e um serviço de saúde padrão Fifa. Ou seja: todos sonham com o paraíso aqui mesmo e o prometem disponível logo ali, em janeiro do ano que vem.

 Mas isso e nada são a mesma coisa. Numa sociedade de massa, num país onde mais de 100 milhões de eleitores irão expressar suas escolhas, a imprensa cumpre papel importantíssimo no esclarecimento e na formação das decisões de voto. Disse alguém, com pelo menos boa dose de razão, que o jornalismo ou é investigativo ou não é jornalismo. Outro alguém disse que se o jornalismo não desagrada governantes não é jornalismo. E digo eu algo que também já foi dito: se o jornalismo político não pressiona os candidatos para extrair deles o que eles não querem dizer, presta à democracia um serviço inaproveitável.

 As perguntas mais necessárias são as mais indigestas. O senhor é a favor ou contra o aborto? Qual sua opinião sobre a redução da maioridade penal? O senhor concorda com nosso sistema de progressão de regime aos condenados? Qual sua opinião sobre invasão de propriedades privadas ou públicas? Como o senhor reagiria em situações de tumulto associado com vandalismo ou terrorismo? O que pensa sobre posse e porte de armas? Qual deve ser o limite da tolerância? Como esse limite funciona em relação a grupos intolerantes? As leis de cotas raciais são convenientes ou inconvenientes ao país? O senhor é a favor ou contra a adoção da meritocracia no serviço público? Como se combina meritocracia com leis de cotas raciais? Qual sua opinião sobre o sistema tributário nacional? O Brasil é, de fato uma Federação que respeita a autonomia dos Estados e municípios? Convém ao país a presença de militantes partidários em posições de confiança nos órgãos da administração pública e nas empresas estatais? Parece-lhe razoável que o partido governante, seja qual for, influencie ideologicamente as relações internacionais do Brasil? O Itamaraty é lugar de partido político? Como a questão dos direitos humanos deve influenciar as relações externas do Brasil? Qual sua opinião sobre as atuais demarcações de reservas indígenas e de áreas para quilombolas? Parece-lhe bom ao país e à sociedade que as chefias do Estado, do governo e da administração sejam confiadas à mesma pessoa?

Essa lista é pequena fração da que efetivamente, ao longo dos próximos 45 dias, deveria ser respondida por todos os candidatos, de modo especial, pelos candidatos aos cargos de presidente da República e de membros do Congresso Nacional. Infelizmente, só ouviremos o que não interessa saber e nada saberemos daquilo que realmente importa para o exercício correto de nosso dever cívico.