Percival Puggina
27/11/2016
Penso que nada prova melhor a extensão da encrenca em que estamos metidos do que o assíduo comparecimento da expressão "só isso não resolve" em todos os discursos e análises de conjuntura. E não importa se estamos falando de problemas sociais, políticos ou econômicos. Não faz diferença, tampouco, se o que está em discussão é projeto singelo ou pacote de espectro mais amplo, como o anunciado na última segunda-feira pelo governador Sartori. Tudo que se proponha no Brasil peca pela insuficiência.
O Estado é um ente gastador. Dotado de apetite voraz, consome todo o dinheiro que lhe seja proporcionado. Se, milagrosamente, revertêssemos o quadro atual e dona Receita se tornasse superior à dona Despesa, esta imediatamente dispararia em busca daquela, puxando-a pelos cabelos. São duas irmãs que não se dão bem, como a gente sabe, mas Despesa, em definitivo, não gosta de se sentir menor do que Receita. O Rio de Janeiro faz prova disso. Durante anos, foi um Estado privilegiado por acrescentar robustos royalties de petróleo às suas receitas tributárias. Resultado: o Rio nivelou sua despesa corrente num patamar ainda mais elevado. E agora soma às perdas advindas da recessão uma grande redução dos royalties que recebe. Quebrou mais do que os outros.
Em fins de 2005, Antonio Palocci estava alinhavando um plano para atingir e manter elevado superávit nos anos por vir. Jornais da época ajudam a lembrar o fato. O superávit primário já fora 4,5%, beirava os 5%, e o ministro queria manter a pressão sobre o gasto público. Dilma Rousseff, porém, como chefe da Casa Civil, fuzilou as intenções de longo prazo com uma frase que entrou para a história: "... despesa corrente é vida: ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer ou vai ter despesas correntes". Em dose errada, essa receita mata. A partir de então, o Brasil traçou seu rumo para um lugar de destaque no quadro de fracassos keynesianos e desenvolvimentistas. A economia afundou e o superávit virou déficit de 2,8% do PIB neste já histórico 2016.
O PIB real brasileiro está 7% abaixo do que era em 2013! Se somarmos a isso o que deveríamos ter crescido, caso mantivéssemos a média das últimas décadas (parcos 2,5% ao ano), constataremos que a perda efetiva se eleva a algo como 15% nesses três anos. Mas as despesas correntes, aquela peculiar "forma de vida", continuaram crescendo. É o número que falta hoje, a grosso modo, no caixa de todos os governantes. Buraco dessa fundura não se preenche sequer em médio prazo. Precisaríamos prover condições que não temos para um crescimento padrão chinês.
Governos perdulários atendem demandas, colhem afetos e sorrisos. São vistos como benevolentes e amorosos. Mas é um amor bandido. Dá com uma das mãos o que, ali adiante, tomará com as duas, levando empregos, destroçando esperanças, comprometendo o futuro e incapacitando o Estado para o cumprimento de funções essenciais. Aprender dos próprios erros, pela pedagogia do desastre, é a mais sofrida aprendizagem. Mas sinto que está sendo bem-sucedida. Se Sartori dispusesse de tempo e submetesse seu pacote a um referendo, receberia amplo respaldo popular. A sociedade entendeu a lição na sala de aula da realidade.
O amor bandido faz da irresponsabilidade fiscal instrumento de sedução. Pulsa coraçõezinhos com ambas as mãos. Coleciona gratidões passageiras. E semeia tempestades cujos maiores danos incidem sobre os mais miseráveis dentre os pagadores de impostos. Quando um avião entra em zona de turbulência não podem os passageiros da 1ª classe pretender que sua cabine não sacoleje. (A íntegra do artigo deve ser lida em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/ultimas-noticias/tag/percival-puggina/)
Percival Puggina
25/11/2016
Nunca tive maior entusiasmo com a pessoa de Michel Temer. Suas boas credenciais de mestre de Direito Constitucional juntavam-se, como contrapeso, às de vice de Dilma Rousseff e presidente do PMDB. Dado que parte expressiva da bancada do partido que presidia estava enrolada nas patifarias do governo petista, parecia pouco provável que ele exercesse os dois postos mergulhado nas trevas da insapiência. No entanto, Temer era o substituto legítimo, constitucional, de uma presidente que exercera o governo do fim do mundo. Com mão de ferro, Dilma conduzira a nação a um prejuízo de um trilhão de reais, que hoje falta em todos os orçamentos. Levara milhões ao desemprego, dera à irresponsabilidade fiscal status de benfeitoria e plantara, afanosamente, as sementes da recessão. Já estava a presidente sobre o telhado quando o TCU a flagrou em crime de responsabilidade, proporcionando as razões técnicas para o processo de impeachment. Um governo com Temer era, então, a consequência constitucional e a alternativa possível. Mas... e se esse governo também se desestabilizar?
Sairíamos da crise para o caos. E caberia indagar: o que vem depois do caos? Eu não tenho resposta para essa pergunta. Nem disponho daquela obstinação que, historicamente, permite à esquerda jogar ao mar as montanhas que a realidade e os fatos proporcionam. Eles continuam confiando em Maduro, em Fidel e Raúl, e chamando bandidos de heróis. Por não saber o que vem depois do caos e por não querer cenário venezuelano em meu país, leio a realidade institucional brasileira destes dias conforme a descrevo em sequência. Eu a classifico segundo os quatro grandes temas abordados a seguir.
1º - A Frente Parlamentar do Crime
Constitui a mais numerosa dentre as bancadas e blocos em operação no Congresso Nacional. É suprapartidária, formada pela banda podre do PT, PMDB, PP, PSDB e de outras legendas menores criadas nos últimos anos. Cuida exclusivamente dos interesses de seus membros e, de modo muito especial, nestes dias, de livrar o próprio couro. Estava na base do governo Dilma e, em boa parte, mudou-se para o governo Temer. Pelo número de membros, como veremos adiante, é indispensável à formação da maioria sem a qual o governo não aprova suas diretrizes e suas políticas de gestão. A bancada petista só faz discurso e jogo de cena contra as articulações que visam a obstar a Lava Jato e as 10 Medidas contra a corrupção porque os muitos lambuzados que habitam a base do governo Temer estão cuidando disso por ela.
2º - A situação do governo
Agora, a nação precisa de estabilidade política e o governo de pelo menos 342 votos firmes em sua base de apoio. A base tem, em tese, 412 votos, mas 56 já não votaram a PEC 241. Se considerarmos que a oposição tem 101 votos, que 56 governistas não são fiéis, salta aos olhos que o governo não pode perder os votos que tem na Frente Parlamentar do Crime. Eis aí, gigantesca e escandalosa, a tragédia moral que acometeu nossas instituições. Não se governa sem os bandidos! Felizmente, a área financeira do governo ganhou grande autonomia e está em boas mãos.
3º - A atitude do STF perante a existência e a longa vida da Frente Parlamentar do Crime
Boa parte desse laborioso colegiado político do crime tem existência antiga e já estaria contado na população carcerária do país se o STF atribuísse a devida importância aos deveres que lhe correspondem perante o saneamento moral de seus vizinhos na Praça dos Três Poderes. É incalculável o custo político e financeiro da longa dormição dos processos lá na última trincheira da impunidade. Como vimos acima, o atual problema não existiria, ou ao menos não teria as proporções que está adquirindo se a bancada do crime tivesse sido enfrentada com agilidade antes, ou se o for agora.
4º - A urgente reforma institucional
Entre os muitos motivos que levam a desejar uma reforma institucional para adoção do parlamentarismo, se incluem certos objetivos que esse sistema viabiliza: a) separar a chefia de Estado da chefia de governo, de modo que só as funções de governo sejam partidárias; b) despartidarizar a administração e a gestão das estatais; c) permitir a rápida e não traumática substituição dos governos que percam a confiança social e o apoio político.
Nada disso, porém, vai apresentar os resultados desejados enquanto o contingente de criminosos com protagonismo na cena política se mantiver nas atuais proporções e sendo, em função disso, parte expressiva do poder de decisão e das bases de apoio. A assustadora criminalidade das ruas chegou ao Congresso Nacional. Ou vice-versa.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
24/11/2016
No tempo em que éramos senhores do mundo, ouvíamos The Plattters, bebíamos cuba-libre e as moças se chamavam Maria. Havia Marias de toda parte, assim como havia Maria antes e depois de todos os nomes. Umas eram inexpugnáveis como as Marias dos Anjos, cujo nome recendia a vela acesa e eram sempre piedosas em seus vestidos imaculadamente brancos. Outras, como as Marias do Socorro, acenavam com atenções imprecisas e inquietantes.
Passaram-se os anos e Maria virou nome de senhora. As mocinhas, como pude ver numa última formatura a que compareci, não se chamam mais Maria e o mundo perde com isso: têm nome que não há como saber de cor, estudam análise de sistema, cálculo infinitesimal, engenharia florestal e nunca, nunca, foram normalistas. Jamais vestiram uma camisa de listas, com tope azul e vermelho; não costuram, não bordam, não cozinham. Não lêem Machado de Assis, e não sabem o que perdem.
Era um tempo em que os namorados andavam de mãos entrelaçadas e os casais – apenas eles – de braços dados. E assim iam todos, aos clubes e cinemas, cada qual ostentando sua condição pela forma como conduziam as Marias. Hoje elas andam de todo modo (e de maus modos); e não sabem o que perdem.
Ah, como eram brancas as Marias daquele tempo! Cultivadas à sombra, expendiam as manhãs de sol nas varandas, ciosas de suas peles leitosas. Agora, ainda não terminaram as geadas e as moças já surgem queimadas, quase grelhadas. Se desvestem por gosto e têm jeito de tira-gosto.
Não há McDonald’s no mundo inteiro que faça um sanduíche como o sanduíche de pernil do Matheus (cuja fartura era um subsídio generoso do estabelecimento às pacíficas madrugadas da Capital), porto seguro dos senhores do mundo, extenuados por suas Marias, após as reuniões dançantes da Faculdade de Arquitetura e os inesquecíveis bailes da Reitoria. A vida – puxa vida! – jamais foi a mesma sem os bailes da Reitoria, de bons hábitos e maus costumes: a virtude dançava na periferia da pista, enquanto a volúpia se comprimia em sincrônicos movimentos no centro do salão.
Não, leitor amigo, isto não é nostalgia. É saudade mesmo: saudade orgulhosa de ter sido senhor do mundo, em tempos que não voltam mais. Quem os perdeu, perdeu.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
21/11/2016
Em 5 de outubro de 2002, véspera do primeiro turno da eleição presidencial, Lula, Duda Mendonça, Antônio Palocci e mais dúzia e meia de companheiros cujos nomes não ficaram registrados para a história jantaram na Antica Osteria Dell'Agnolo, em Ipanema. Nas libações do encontro, com mesuras que superavam, de longe, as prestadas ao candidato, Duda ofereceu a Lula uma garrafa do vinho Romanée Conti. A primorosa dádiva, à época, teve seu preço estimado em R$ 6 mil.
A notícia correu o Brasil. Remover uma rolha de Romanée Conti era e continua sendo gesto de suntuosidade. Coisa para milionários de hábitos espalhafatosos, dados a excentricidades. Políticos, em parte alguma do mundo, bebem de certas marcas, ainda que possam pagar por elas pois expressam um nível de consumo desalinhado dos padrões da sociedade com a qual procuram se identificar. O fato se tornou tão notório que o dono do restaurante criou uma espécie de memorial onde, em estojo de madeira, a famosa garrafa ficou entronizada, com a inscrição "Lula lá 05/10", até ser roubada, em 2009, durante incursão noturna de um larápio.
Nunca me pareceu convincente o discurso que procura escriturar, como bem das esquerdas, a sensibilidade face às carências alheias, a austeridade e o senso de justiça. Um mínimo conhecimento de História mostra o elevado padrão de vida que a nomenklatura dos países do Leste Europeu se atribuía, em total discordância com a escassez imposta ao restante da população. Quem vai a Cuba logo ouve falar dos que “tienem la heladera rellena” (geladeira cheia), ou seja, dos que gozam os privilégios de consumo concedidos à alta burocracia partidária, longe das restrições determinadas pela libreta (de racionamento).
Com isso não quero dizer que não existam, na esquerda, pessoas sinceramente preocupadas com questões sociais e que vivam segundo os valores que proclamam em seu discurso. Mas recuso totalmente a tese de que esses mesmos valores não sejam igualmente assumidos e praticados por pessoas de outras correntes ideológicas, ou mesmo sem ideologia alguma. Por outro lado, o caminho da maior prosperidade jamais passou pelos conceitos socialistas fundamentais - estatismo, luta de classes, negação da propriedade privada, planificação econômica. Por saberem disso, esses radicais que andam por aí fazendo discurso contra a liberdade de mercado e contra as empresas privadas, não lutam para implantar suas ideias com o intuito de trabalhar no chão de alguma fábrica. Nem pensar! O que eles querem é ganhar de presente a poltrona, o tapete e a adega do patrão. Ou, mais régio e mais adequado a tempos bicudos, a diretoria de uma estatal ou fundo de pensão.
Os anos seguintes vieram mostrar o espantoso surto de enriquecimento pessoal que acometeu grande parte da elite governante do país, hoje às voltas com a Justiça e à beira de um ataque de nervos. Os primeiros sintomas de que voraz organização criminosa se aproximava do poder, contudo, foram emitidos já naqueles primeiros momentos em que começou a faltar, aos vitoriosos, a virtude da moderação. Eles enriqueceram e o Brasil quebrou.
O poder é um vinho perigoso. Retirada a rolha pode trazer à tona verdades inconfessáveis.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
18/11/2016
Enquanto escrevo estas linhas, tenho duas imagens diante dos olhos. A primeira foi tirada no dia 13 de março deste ano e mostra cem mil pessoas reunidas diante do Congresso Nacional clamando contra a corrupção e pelo impeachment de Dilma Rousseff. No mesmo dia, em todo o país, mais seis milhões participavam de atos idênticos. A superlativa manifestação, ordeira e determinada, viabilizou politicamente a cassação do mandato da presidente por crime de responsabilidade. A outra imagem, tomada dia 16 deste mês, capturou o momento em que cerca de 50 pessoas, entre pugilatos e quebradeiras, invadiam o plenário da Câmara dos Deputados. Chamavam a si mesmos de patriotas. Pediam intervenção militar.
Queriam falar com um general, mas foram se explicar ao delegado. Sérgio Moro passaria muito bem sem os vivas que a ele prestaram. Há que reconhecer-lhes a pertinácia. São poucos, mas pertinazes. Compareceram a todos os atos promovidos em favor do impeachment e contra a corrupção. Em meio às impressionantes e espontâneas marchas e concentrações, poderiam ser contados a dedo. Levavam algum cartaz e pediam intervenção militar. Em todos esses eventos realizados aqui em Porto Alegre estive no carro de som e sei a insistência com que aquela posição era publicamente rejeitada por divergir de nossa mobilização e de nossa causa. Impeachment é uma coisa. Intervenção militar, outra, bem diferente.
Em vão. No próximo ato, indefectivelmente retornavam, esparsos e tenazes. Por outro lado, tornou-se nítido, ao longo dos quase três anos em que as grandes manifestações se repetiram, que o jornalismo militante de certas redações entrava em êxtase ao destacar a presença de intervencionistas nas passeatas. Iam em busca como quem procura agulha no palheiro e se abasteciam ante algum cartaz pedindo intervenção. Serviço de bandeja à causa do governo, destacado no dia seguinte. Davam a essa peça realce que milhares de outras não mereciam. Convinha às esquerdas homogeneizar impeachment e intervenção. Assim, a atabalhoada invasão da Câmara dos Deputados foi, que eu saiba, o primeiro ato solitário promovido pelos intervencionistas. E aconteceu com a dimensão e no modo que assistimos. As Forças Armadas sabem que não é seu papel rasgar a Constituição sob impulso de justificados anseios políticos, mas defendê-la.
O episódio coincide duplamente com as invasões de prédios escolares por adolescentes. Estes, ao se trancafiarem nos respectivos colégios, estampam faixas, nas portas e grades, afirmando um curioso princípio segundo o qual, "a escola é nossa". Sustentam, com isso, que o educandário lhes pertence. Ora, uma coisa é a conduta de adolescentes manipulados, protegidos pelo ECA, invadindo uma escola. E note-se: mesmo nesse caso, para poupar a autoridade da obrigação (jamais cumprida) de retirar a gurizada pelos melhores modos possíveis, os pais deveriam ser convocados a cumprir seu dever paterno recolhendo os rebeldes ao aconchego do lar. Mas não é idêntica a situação dos universitários e dos movimentos sociais em suas invasões, nem dos intervencionistas ao entrarem atropelando tudo e todos no plenário da Câmara. Preferia não ter lido nem ouvido as afirmações de que promoveram uma "ocupação" e de que o "parlamento é a casa do povo". Ficaram muito parecidos, em conteúdo e forma, com os militantes de esquerda. Se têm por donos e não invadiram. Ocuparam...
Por fim, poucos brasileiros, neste momento, discordarão dos intervencionistas quando falam de sua rejeição às tramoias em curso nos bastidores do Congresso. Essa deve ser uma pauta nacional, objeto de pressão popular, por todos os modos ordeiros possíveis. Foi o que abordei em recente artigo (pode ser lido aqui) no qual aponto a existência de uma "Frente Parlamentar do Crime" e a necessidade de que ela, antes da eleição de 2018, esteja integrada à população carcerária brasileira.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
17/11/2016
Enquanto transcorria a campanha eleitoral de 2014 eu apostava na possibilidade de um upgrade qualitativo no Congresso Nacional. A lei da ficha limpa, embora alcançando figuras menores, já afastava alguns do jogo político. A boa cobertura da mídia à operação Lava Jato e as denúncias das grandes revistas de circulação nacional sinalizavam o nível de comprometimento de vários personagens da cena política e de seus partidos. "O eleitor haverá de estar mais atento e seletivo ao digitar algo válido na urna eletrônica", pensava eu. Mas não foi assim, como se constata à medida que as investigações da força-tarefa da Lava Jato e as delações a ela feitas mostram a extensão das facções criminosas que continuaram operando dentro do Congresso.
Embora aquela eleição tenha proporcionado renovação de 43% na Câmara dos Deputados, grande parte dos que buscaram conservar suas cadeiras foi bem sucedida. Em números absolutos: dos 513 deputados, 122 não se candidataram, 391 disputaram e 290 se reelegeram. Taxa de insucesso de apenas 25%. Certamente, entre os reeleitos, estão quase todos aqueles cujos fundos de campanha foram previamente abastecidos por meios escusos para enfrentar os custos envolvidos. Onde a política vira negócio, investir é parte dele.
Opera no Congresso Nacional uma numerosa bancada suprapartidária que poderia ser denominada Frente Parlamentar do Crime. É dela que procedem todas as tentativas de esvaziar a Lava Jato e de buscar anistias. É ela que costura as propostas para conter e constranger o Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Judiciário. É ela que se opõe às medidas legislativas sugeridas para o combate à corrupção. E não hesito em afirmar que essa frente parlamentar é, também, mais numerosa que qualquer das bancadas da Casa.
Quem é da taba conhece a indiada, dizemos aqui no Rio Grande do Sul, de onde escrevo. Dentro do Congresso, talvez apenas alguns novatos não consigam elaborar uma lista quase completa com os nomes e as áreas de atuação desse "colegiado" cujos ramos se estendem pelos poderes de Estado. Conheço o constrangimento que os bons experimentam nesse convívio com o que deveria ser população carcerária. Com a sobrenatural proteção do foro privilegiado, essa turma já é conhecida, também, dos senhores ministros do STF. No entanto, seus crimes desfrutam de sepulcral silêncio, próprio dos processos que dormem nas prateleiras do Supremo Tribunal Federal. É para lá que vão todos a partir do momento que qualquer investigação ou delação envolva autoridade com prerrogativa de foro. Para muitos é, realmente, uma última jornada. "Requescate in pace!", como proclamam os sepultamentos em latim desejando paz aos mortos. Levantamento da Folha de São Paulo, há poucos dias, relatava que um terço das ações penais contra congressistas com foro no STF fora arquivado por prescrição.
Será que toda a monumental tarefa da operação Lava Jato e tudo mais que venha a ser documentalmente comprovado pelas múltiplas delações da Odebrecht será inútil para expurgar da vida pública a Frente Parlamentar do Crime? Mais ainda, a impunidade e a prescrição continuarão a suscitar "vocações políticas" entre criminosos interessados em agasalhar-se com o privilégio de foro? Nossas instituições dormem sossegadas com a perspectiva de que tal situação perdure para a eleição de 2018 e mantenha a Frente Parlamentar do Crime operante até o bicentenário da Independência, lá em 2022?
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
15/11/2016
Nunca vi tanta gente preocupada com o aspecto macilento e emagrecido do caixa do governo. Reduzido a pele e osso. Em junho de 2014 já estava em milhões de telas de computadores, mundo afora, o alerta que uma analista do Santander fez a seus clientes investidores, antevendo o que iria acontecer com a economia nacional. Não era bola de cristal, mas trabalho sério de quem acha que não se deve brincar com dinheiro alheio. Bola de cristal, bem fajuta e perdulária, era a usada por Dilma, pelos técnicos do governo e por Lula, que assim comentou a circular enviada pela funcionária do banco: "Não entende p.... nenhuma de Brasil" e sugeriu: "Pode mandar embora e dar o bônus dela pra mim, que eu sei como é que eu falo".
A analista foi imediatamente demitida. O cartão vermelho do governo demoraria ainda dois anos para lhe ser exibido. Também no Brasil, e há bom tempo, técnicos sensatos, comentaristas esclarecidos, economistas experientes como os membros do grupo Pensar+ do qual participo, alertavam sobre as consequências da irresponsabilidade fiscal. A gastança criminosa promovida pelos sucessivos governos petistas nos conduzia ao inevitável estouro das contas públicas. A história registrará, entre os grandes infortúnios de nossa vida administrativa, a infeliz coincidência de termos vivido o ciclo mais favorável da economia mundial em muitas décadas sob gestão simultânea de uma organização criminosa e do mais destrambelhado dentre todos os nossos governos. Os tempos pródigos ampliaram largamente a voracidade e perpetuaram os danos causados nesse prolongado ataque por dois flancos. Agora são tempos de zelo com as contas públicas. Como é insensível o coração do caixa!
No entanto, esse necessário zelo não vem acompanhado do devido desprendimento. Parece tratar-se de algo que se exige "dos outros" para que as situações particulares permaneçam inalteradas. Todos querem responsabilidade fiscal para que a situação melhore e ninguém mexa no seu queijo (como no bom livro de Spencer Johnson). Imagino essa preocupação povoando, nestes dias, muitas reflexões sobre a situação do país. Deve pensar assim o ministro, viajando em jatinho da FAB. Também o deputado, cujo queijo se chama emenda parlamentar ou verba de gabinete. Não há de querer diferente o beneficiado pelo queijo da isenção fiscal ou do juro privilegiado. São perfumados os queijos especiais havidos por cargo ou função, por vaga nos superpovoados gabinetes políticos e por aposentadorias precoces. Há tantos queijos em busca de proteção! Eles se chamam, ainda, cartão corporativo e bolsa-empresário. E se chamam mordomias, têm carro oficial, motorista, garçom, copeiro e segurança. Imagino a multidão de seus usufrutuários a sonhar com um Brasil onde a austeridade geral permita que nada mude.
O exercício dos poderes de Estado não pode ocorrer na ausência do mais elementar senso de justiça. O Brasil precisa que seus cidadãos submetam às suas próprias consciências uma PEC das boas condutas e dos bons exemplos. Quando o avião sacode, balança inteiro, da primeira classe ao porão de carga.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
13/11/2016
O mundo se exclama diante da eleição de Donald Trump. Como pode alguém com tais características ser eleito na maior democracia do mundo? A meca do capitalismo mundial, do livre comércio, seduzida pelos acenos de rigoroso protecionismo? Onde foi parar o discurso da competição que gera a competência, beneficiando a todos? Que houve com "the land of the free, the home of the braves"? Decidiram os livres cercarem-se de muros e barreiras? Recolheu-se a bravura aos seus quartéis? Meu umbigo, minhas regras, my business?
Se não levo a sério a bazófia de Donald Trump, menos ainda me ajoelho ante as crenças de Hillary Clinton. O Partido Democrata representa cada vez mais um esquerdismo militante. Ademais, há uma vaga aberta na Suprema Corte e o preenchimento pelo futuro presidente desempatará o jogo entre conservadores e progressistas. No poder, Hillary entregaria a maioria da Suprema Corte ao ativismo judicial e abriria a porteira para a judicialização das teses "progressistas". Autorizada pela tradição, note-se, a Suprema Corte dos Estados Unidos "legisla" legitimamente, decidindo sobre temas jurídicos e políticos da mesma forma que o nosso STF vem fazendo, com muito menor tradição e legitimidade. Ademais, o partido da senhora Clinton foi tomado pelo multiculturalismo que reverencia todas as culturas, mas detesta o Ocidente. Abraçou-se à tolerância, mas rejeita o conservadorismo, a direita e o cristianismo. São gritantes as semelhanças entre as pautas do Partido Democrata e as da esquerda brasileira e isso explica muitas reações à derrota da senhora Clinton entre formadores de opinião no Brasil. Foi como se houvessem perdido alguém da família. Não, definitivamente, o ano não lhes foi bom.
Não terá contado a favor de Trump o que era visto por muitos como defeito? Com a liberdade sufocada pela opressão do tal "politicamente correto", não terão, muitos eleitores, optado por um governo com mais testosterona? Quem sabe? Pessoalmente, alinho-me aos muitos que entendem o recente processo eleitoral como uma acirrada disputa entre dois males, tendo constrangido cada eleitor à subjetiva opção pelo que entendesse como o mal menor. E tenho aí o ponto que me interessa. O presidencialismo norte-americano conta mais de dois séculos de estabilidade política e institucional. Pois até ele, que já produziu tantos estadistas e é o único do qual se dizia funcionar bem, gera situações constrangedoras como esta. Por nossas bandas, estamos habituados. Vota-se, quase sempre, em quem não se desejaria votar para que não vença quem menos se quer vitorioso.
Proferida a sentença pela voz das urnas aqui, ou pelo Colégio Eleitoral, no complexo sistema de lá, o senhor Trump terá um mandato de quatro anos a cumprir e só o perderá mediante processo de impeachment que combine conduta criminosa com apoio parlamentar inferior a um terço dos cem senadores. Isso não faz sentido. Não responde à razão um modelo institucional que não permita afastar o governante desastroso. Se Trump efetivamente quiser fazer, puder fazer e fizer tudo que sugeriu ou com que se comprometeu durante a campanha eleitoral, será um desastre. O que resguarda um pouco melhor a situação do país é que lá a federação funciona, quem governa são os governadores e o Congresso tem grande força sobre os atos da administração federal e sobre a política externa. O presidente norte-americano é muito mais chefe de Estado do que chefe de governo.
No Brasil, a República significou um simultâneo rompimento com as raízes europeias de nossa cultura política. Após quatro séculos, refluíamos do além-mar e nos voltávamos para os "irmãos do Norte", dos quais copiamos a forma de Estado (federação) e o sistema de governo (presidencialismo). Mas ao fundir inteiramente a chefia de Estado com a de governo, estragamos mais o que já não era bom. (...)
(Conteúdo exclusivo. O artigo completo está em Zero Hora de 12/11/2016)
Percival Puggina
11/11/2016
Num ambiente diferente deste em que o sistema educacional brasileiro foi embretado e assaltado, Paulo Freire não seria escolhido como patrono da Educação nacional, nem professores assumiriam como expressão de seu status profissional o título de trabalhadores em Educação. Já naufragávamos nessas águas, em 2004, quando substancioso relatório da UNESCO intitulado "Perfil dos professores brasileiros", constatou que 72% dos nossos trabalhadores em educação assumiam como sua principal função "formar cidadãos conscientes". Apenas 9% priorizavam "proporcionar conhecimentos básicos" e não mais de 8% sublinhavam a importância de "formar para o trabalho". Noutro item da mesma pesquisa, 64,5% dos professores tinha consciência, em grau alto e muito alto, de exercer um "papel político". Infelizmente, não se requer nova investigação para saber que de lá para cá, ao longo dos últimos 12 anos, também nisso a situação só se agravou.
O Edital que em 2014 abriu o processo de inscrição e seleção de livros didáticos a serem utilizados em 2016 (PNLD 2016) determinava que as obras que tratassem das Ciências Humanas e da Natureza deveriam, entre vários outros quesitos, visar à formação de "cidadãos do século 21", prontos para "lutar pela construção de uma sociedade mais justa, solidária, sem preconceitos e estereótipos". Lutar tem presença obrigatória em todos os objetivos pedagógicos nacionais. Então, poderíamos andar mais por estas "lutas", analisando os engajamentos dos sindicatos de professores, a exibição e a ocultação de livros didáticos no mundo acadêmico, os compadrios ideológicos na seleção para cursos de mestrado e doutorado e por aí afora. No entanto, valendo-me do sonoro verso de Lupicínio, é sobre "esses moços, pobre moços" que andam por aí, invadindo escolas, que desejo escrever. Eles são os alvos vulneráveis desse sistemático ataque ideológico.
A sociedade brasileira acabou de reproduzir nas urnas o que, intensamente, manifestou antes nas ruas do país. E para onde se voltam os derrotados? A quem buscam para recompor seus efetivos de pessoal e seu mercado ideológico? Insidiosamente, valem-se da crise que geraram e promovem consumo ao seu catálogo de rótulos: neoliberalismo, desmonte, sucateamento, precarização, fascismo, golpe. E, com isso, mobilizam esses moços, pobres moços, para invadirem milhares escolas.
Numa lista de 65 países, os colegiais brasileiros na faixa etária dos invasores, ou seja, 15 anos, ocupam o 55º lugar no ranking de leitura, 58º no de matemática e 59º no de ciências. Malgrado tão fraco desempenho, apesar de submetidos aos métodos pedagógicos e programas em vigor, bem como a esses professores militantes, nunca foram vistos reclamando contra isso! Em compensação, suporá o leitor, se vão mal em português, matemática e ciências, a cidadania há de estar em muito boa forma. Lamento decepcioná-lo: quando a roubalheira promovida pelos corruptos chegou ao conhecimento de todos, os atuais invasores de escolas e seus tutores, se saíam às ruas, era para uma revolta de marionetes, denunciando um suposto golpe, chamando bandidos de heróis e condenando o juiz. Cidadania? Pois sim!
Não mais do que um punhado de alunos participa das invasões. Centenas de milhares ficaram prejudicados com a postergação de suas provas para o ENEM. É a democracia de tagarelice e a cidadania chapada, em que a minoria faz o que não deve e a maioria não faz o que deve. Afinal, o PCdoB obteve, nesta última eleição, votos correspondentes a 1,1% do eleitorado brasileiro (e nunca foi maior do que isso), mas comanda e se regala na UNE desde que eu era criança. E agora tome assento, leitor: a Defensoria Pública da União acaba de editar uma cartilha intitulada "Garantia de direitos em ocupações de instituições de ensino", explicitando "os direitos fundamentais que são exercidos e que devem ser respeitados no contexto das atuais mobilizações: a liberdade de expressão, a liberdade de reunião e a liberdade de associação (...) e o princípio constitucional da gestão democrática do ensino público". Te mete!
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.