• Percival Puggina
  • 21/11/2016
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DA POBREZA AO ROMANÉE CONTI

 


Em 5 de outubro de 2002, véspera do primeiro turno da eleição presidencial, Lula, Duda Mendonça, Antônio Palocci e mais dúzia e meia de companheiros cujos nomes não ficaram registrados para a história jantaram na Antica Osteria Dell'Agnolo, em Ipanema. Nas libações do encontro, com mesuras que superavam, de longe, as prestadas ao candidato, Duda ofereceu a Lula uma garrafa do vinho Romanée Conti. A primorosa dádiva, à época, teve seu preço estimado em R$ 6 mil.

A notícia correu o Brasil. Remover uma rolha de Romanée Conti era e continua sendo gesto de suntuosidade. Coisa para milionários de hábitos espalhafatosos, dados a excentricidades. Políticos, em parte alguma do mundo, bebem de certas marcas, ainda que possam pagar por elas pois expressam um nível de consumo desalinhado dos padrões da sociedade com a qual procuram se identificar. O fato se tornou tão notório que o dono do restaurante criou uma espécie de memorial onde, em estojo de madeira, a famosa garrafa ficou entronizada, com a inscrição "Lula lá 05/10", até ser roubada, em 2009, durante incursão noturna de um larápio.

Nunca me pareceu convincente o discurso que procura escriturar, como bem das esquerdas, a sensibilidade face às carências alheias, a austeridade e o senso de justiça. Um mínimo conhecimento de História mostra o elevado padrão de vida que a nomenklatura dos países do Leste Europeu se atribuía, em total discordância com a escassez imposta ao restante da população. Quem vai a Cuba logo ouve falar dos que “tienem la heladera rellena” (geladeira cheia), ou seja, dos que gozam os privilégios de consumo concedidos à alta burocracia partidária, longe das restrições determinadas pela libreta (de racionamento).

Com isso não quero dizer que não existam, na esquerda, pessoas sinceramente preocupadas com questões sociais e que vivam segundo os valores que proclamam em seu discurso. Mas recuso totalmente a tese de que esses mesmos valores não sejam igualmente assumidos e praticados por pessoas de outras correntes ideológicas, ou mesmo sem ideologia alguma. Por outro lado, o caminho da maior prosperidade jamais passou pelos conceitos socialistas fundamentais - estatismo, luta de classes, negação da propriedade privada, planificação econômica. Por saberem disso, esses radicais que andam por aí fazendo discurso contra a liberdade de mercado e contra as empresas privadas, não lutam para implantar suas ideias com o intuito de trabalhar no chão de alguma fábrica. Nem pensar! O que eles querem é ganhar de presente a poltrona, o tapete e a adega do patrão. Ou, mais régio e mais adequado a tempos bicudos, a diretoria de uma estatal ou fundo de pensão.

Os anos seguintes vieram mostrar o espantoso surto de enriquecimento pessoal que acometeu grande parte da elite governante do país, hoje às voltas com a Justiça e à beira de um ataque de nervos. Os primeiros sintomas de que voraz organização criminosa se aproximava do poder, contudo, foram emitidos já naqueles primeiros momentos em que começou a faltar, aos vitoriosos, a virtude da moderação. Eles enriqueceram e o Brasil quebrou.

O poder é um vinho perigoso. Retirada a rolha pode trazer à tona verdades inconfessáveis.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

     


clea coppola -   24/11/2016 22:38:25

Uma carta que rodou o país e chegou ao exterior, foi escrita pelo meu marido. Nela os fatos da época foram escancarados, mencionando os passeios da cadela de estimação, os vinhos, os jardins, o cabeleiro da primeira dama, enfim, muitos leram, mas não entenderam os que se avizinhava. Deu no que deu e agora, resta apenas "catar os cacos". Reproduzo aqui, com a sua permissão: -" Estimado presidente, assisti na televisão, anteontem, a trecho de seu discurso criticando o Poder Judiciário e dizendo que V. Exa. e seu amigo Márcio, ministro da Justiça, há muito tempo são favoráveis ao controle externo do Poder Judiciário, não para "meter a mão na decisão do juiz", mas para abrir a "caixa-preta" do Poder. Vi também V. Exa. falar sobre "duas Justiças" e sobre a influência do dinheiro nas decisões da Justiça. Fiquei abismado, caro presidente, não com a falta de conhecimento de V. Exa., já que coisa diversa não poderia esperar (só pelo fato de que o nobre presidente é leigo), mas com o fato de que o nobre presidente ainda não se tenha dado conta de que não é mais candidato. Não precisa mais falar como se em palanque estivesse; não precisa mais fazer cara de inconformado, alterando o tom da voz para influir no ânimo da platéia. Afinal, não é sempre que se faz discurso na porta da Volks. Não precisa mais chorar. O eminente presidente precisa apenas mandar, o que não fez até agora. Não existem duas Justiças, como V. Exa. falou. Existe uma só. Que é cega, mas não é surda e costuma escutar as besteiras que muitos falam sobre ela. Basta ao presidente mandar seu amigo Márcio tomar medidas concretas e efetivas contra o crime organizado. Mandar seus demais ministros exercer os cargos para os quais foram nomeados. Mandar seus líderes partidários fazer menos conchavos e começar a legislar em favor da sociedade. Afinal, V. Exa. foi eleito para isso. Logo depois, sr. presidente, no mesmo canal de televisão, assisti a uma reportagem dando conta de que, em Pernambuco (sua terra natal), crianças que haviam abandonado o lixão, por receberem R$ 25 do Bolsa-Escola, tinham voltado para aquela vida (??) insólita, simplesmente porque desde janeiro seu governo não repassou o dinheiro destinado ao Bolsa-Escola. E a Benedita, sr. presidente? Disse ela que ficou sabendo dos fatos apenas no dia da reportagem. Como se pode ver, sr. presidente, vou tentar lembrá-lo de algumas coisas simples. Nós, do Poder Judiciário, não temos caixa-preta. Temos leis inconsistentes e brandas (que seu amigo Mário sempre utilizou para inocentar pessoas acusadas de crimes do colarinho-branco). Temos de conviver com a Fazenda Pública (e o sr. presidente é responsável por ela, caso não saiba), sendo nossa maior cliente e litigante, na maioria dos casos, de má-fé. Temos os precatórios que não são pagos. Temos acidentados que não recebem benefícios em dia (o INSS é de sua responsabilidade, sr. presidente). Não temos medo algum de qualquer controle externo, sr. presidente. Temos medo, sim, de que pessoas menos avisadas, como V. Exa. mostrou ser, confundam controle externo com atividade jurisdicional (pergunte ao seu amigo Márcio, ele explica o que é). De qualquer forma, não é bom falar de corda em casa de enforcado. Evidente que V. Exa. usou da expressão "caixa-preta" não no sentido pejorativo do termo. Juízes não tomam vinho de R$ 4 mil a garrafa. Juízes não são agradados com vinhos portugueses raros quando vão a restaurantes. Juízes, quando fazem churrasco, não mandam vir churrasqueiro de outro Estado. Mulheres de juízes não possuem condições financeiras para importar cabeleireiros de outras unidades da Federação, apenas para fazer uma "escova". Cachorros de juízes não andam de carro oficial. Caixa-preta por caixa-preta (no sentido meramente figurativo), sr. presidente, a do Poder Executivo é bem maior do que a nossa. Meus respeitos a V. Exa. e recomendações ao seu amigo Márcio. P.S.: Dê lembranças a "Michelle". Ruy Coppola, juiz do 2.º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, São Paulo

sanseverina -   23/11/2016 10:23:25

Para citar o delator mensaleiro Roberto Jefferson, os dirigentes petistas presos e soltos, Lulla à frente, despertam em mim os instintos mais primitivos. Mas, felizmente, constato que o pecado não é só meu, pois os comentários na Internet são pródigos em xingamentos explícitos e desejos de vingança dirigidos à camarilha. E acho mesmo que as opiniões e os deslocamentos desse rebotalho da humanidade deveriam ser esquecidos pela imprensa, resguardada apenas a notícia final da prisão do meliante.

Carlos Mendes -   22/11/2016 22:20:34

Lembrei-me de uma crônica super irônico, feito por veríssimo, que se tornou que nem o desenho dos Simpsons com Trump, uma premonição. Queria ironizar e deu um tiro no pé. Chama-se "A audácia".

Gustavo Pereira dos Santos -   22/11/2016 19:46:17

Não há limite para a esquerda caviar usar e abusar da grana dos outros. By the way, conheço o Osteria. Jantei lá duas vezes, convidado por amigos da gloriosa turma 61-67 do CMRJ. Comida boa e preços padrão Ipanema. É obvio que possui artigos que apenas a esquerda caviar consegue consumir.

Luiz Felipe Salomão -   22/11/2016 12:50:45

Caro Professor, tudo isso é fruto da ideologia, a qual, como afirmava RUSSEL KIRK, é o filho tardio de um Iluminismo moribundo. Convém também lembrar as palavras do Patriarca da Independência, JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA, em carta escrita aos seus irmãos e a respeito do horrores promovidos pelos "Iluministas" na Europa do Século XVIII: são anarquistas, assassinos e sanguinários. E que Deus nos ajude!

Genaro Faria -   22/11/2016 03:07:14

Um ativista socialista que ainda imagina, utopicamente, um regime totalitário instituído para nivelar as classes em um padrão social médio é um perfeito ignorante ou cretino de pai e mãe. Não é isso que está na doutrina nem foi isso que se revelou na prática. Há a cúpula do PC, que se confunde com o estado - é o Estado - e as demais classes descem numa escala que vai do oficialato das forças armadas até os comissários do povo - alcaguetes do partido que patrulham ideologicamente as pessoas comuns. O resto é isto: resto. Não é à toa que nem refugiado das guerras no oriente médio quer se asilar em Cuba. Aliás, nem haitiano, que vive ali bem pertinho.

Odilon Rocha -   22/11/2016 01:28:08

Perfeito, caro Professor! Uma radiografia da maior empulhação que a História já conheceu. Coitados dos inocentes úteis, bem intencionados e nefelibatas ! Certa ocasião comentei que essa gente jogada em uma ilha em que vigore um regime que propugnam, na condição de povo, lógico, não aguentariam uma semana.